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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.22 no.1 Campinas jan./jun. 2021

https://doi.org/10.26707/1984-7270/2021v22n103 

10.26707/1984-7270/2021v22n103

ARTIGO

 

Assédio moral no trabalho, aposentadoria e dinâmica familiar: repercussões percebidas pelo casal

 

Workplace bullying, retirement and family dynamics: repercussions identified by the couple

 

Acoso moral en el trabajo, jubilación y dinámica familiar: repercusiones identificadas por la pareja

 

 

Priscila Gasperin PellegriniI; Suzana da Rosa TolfoI; Carmen Leontina Ojeda Ocampo MoréI

IUniversidade Federal de Santa Catarina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo qualitativo objetivou compreender repercussões do assédio moral no trabalho e do processo de aposentadoria na dinâmica familiar, na perspectiva do casal. É um estudo de caso único, cuja esposa estava em fase de aposentadoria e vivenciando situação de assédio moral no trabalho. Os dados foram coletados através de entrevistas semiestruturadas com o casal. Realizou-se análise de conteúdo categorial. Os resultados evidenciaram repercussões diretas do assédio moral no trabalho, nos aspectos físicos e emocionais da esposa e conflitos na família, o que demandou reorganizações e adaptações entre os subsistemas familiares. Conclui-se sobre a importância do reconhecimento das relações conjugais e familiares como estratégias de intervenção para o enfrentamento das situações de assédio, no contexto laboral, na fase de aposentadoria.

Palavras-chave: assédio moral no trabalho; violência psicológica; aposentadoria; relações familiares; trabalho.


ABSTRACT

This qualitative study aimed to understand the repercussions of workplace bullying and the process of retirement on family dynamics, from the perspective of the couple. It is a single case study, in which the wife was retiring while experiencing workplace bullying. Data were collected through semi-structured interviews with the couple. Categorical content analysis was performed. Results showed direct repercussions of workplace bullying on the wife's physical and emotional condition and also caused conflicts in the family, which required a reorganization and adaptation of family subsystems. The conclusions indicate the importance of recognition of marital and family relations, as intervention strategies to cope with workplace bullying, in the labor context, in the retirement phase.

Keywords: workplace bullying; psychological violence; retirement; family relations; work.


RESUMEN

El objetivo de este estudio cualitativo fue comprender las repercusiones del acoso moral en el trabajo y del proceso de jubilación en la dinámica familiar, en la perspectiva de la pareja. Es un estudio de caso unico, cuya esposa estaba en fase de jubilación y vivenciando la situación de acoso moral en el trabajo. Los datos fueron recolectados con entrevistas semi-estructuradas con la pareja. Fue realizado análisis de contenido. Los resultados evidenciaron repercusiones directas del acoso moral en el trabajo, en los aspectos físicos y emocionales de la esposa y conflictos en la familia, lo que demandó reorganizaciones y adaptaciones entre los subsistemas familiares. Se concluye sobre la importancia del reconocimiento de las relaciones conyugales y familiares, como estrategias de intervención para el enfrentamiento de las situaciones de acoso, en el contexto laboral, en la fase de jubilación.

Palabras clave: acoso laboral; violencia psicológica; jubilación; relaciones familiares; trabajo.


 

 

Introdução

O trabalho influencia no desenvolvimento da identidade como critério para o indivíduo reconhecer-se no mundo (Roesler, 2014; Zanelli, Silva, & Soares, 2010). A partir do trabalho, se configura uma trama relacional que o indivíduo vai construindo ao longo dos anos. Dessa forma, a aposentadoria é um dos momentos decisivos na vida dos adultos maduros (França, Menezes, & Siqueira, 2012), pois representa um marco legal quando o trabalho passa a não ser mais a referência central na vida do indivíduo; significa uma ruptura com essa identidade social de trabalhador, de alguém que produz algo (Boehs, Bogoni Costa, & Schmitt, 2016). O processo de aposentadoria implica rever questões relacionadas ao trabalho e à finalização da carreira. Nesse sentido, considera-se que a trama relacional laboral normalmente está sendo desconstruída e a trama relacional familiar precisa, necessariamente, ser revisitada e ressignificada para dar conta desse processo de desconstrução da identidade do trabalhador.

O planejamento para a aposentadoria é importante para que o indivíduo possa lidar com os aspectos inerentes a essa transição. Para os que se aposentam de modo forçado ou sem preparação, esse momento tem um significado negativo (Árraga, Sánchez, & Pirela, 2014; Bonsang & Klein, 2012). Nesse processo de finalização da carreira e construção da aposentadoria, alguns trabalhadores viverão o período com liberdade, curiosidade e dedicação a interesses além do trabalho, como continuação dos estudos, oportunidades para fortalecer os laços familiares e disponibilidade de tempo para novos aprendizados e interesses, todos propícios a trazer satisfação pessoal. Para outros, ela pode ser associada predominantemente a aspectos negativos, como sentimentos de inutilidade, solidão e insegurança, somados à proximidade com a velhice e à possibilidade de crise financeira, sofrimento e adoecimento, inclusive, por assédio moral no trabalho (Andrade, 2014; Bressan, Mafra, França, Melo, & Loreto, 2012; Fraiman, 2010; Zanelli et al., 2010).

O assédio moral no trabalho é considerado um dos mais importantes estressores ocupacionais nas organizações contemporâneas (Soares & Oliveira, 2012) e é prejudicial ao desenvolvimento profissional (Fraiman, 2010). Caracteriza-se pela manifestação de atitudes hostis, recusa às diferenças, abuso de poder e caráter processual, com conduta abusiva, intencional, frequente e repetida no contexto de trabalho. O objetivo é desestabilizar a relação do trabalhador com membros da organização e suas relações de trabalho, fazendo-o abandonar o emprego (Freitas, Heloani, & Barreto, 2008; Hirigoyen, 2015).

Existem especificidades no assédio moral em organizações privadas e públicas. Nas organizações privadas, a cobrança por alta produtividade a baixo custo fortalece a competitividade intensa, a desvalorização do trabalho e as demissões em massa. Os empregadores tratam os trabalhadores de modo constrangedor e hostil e usam ameaças de demissão para pressioná-los. O assédio é mais explícito, dura menos tempo e cessa pela saída do trabalhador, visto que a empresa não arcará com o prejuízo de manter quem não produz (Freitas et al., 2008; Hirigoyen, 2015). Nas organizações públicas, a estabilidade e a hierarquia contribuem para a ocorrência e maior duração do assédio moral. Os trabalhadores estatutários dificilmente são demitidos, o que permite, por meio do abuso de poder, o uso de métodos mais perversos de assédio e pode levar a vários anos de sofrimento ao assediado (Faria, 2015; Hirigoyen, 2015). O abuso de poder é frequente nos dois tipos de organizações, mas é mais explícito e contínuo nas organizações públicas (Faria, 2015; Nunes & Tolfo, 2015).

A literatura identifica consequências variadas e com efeitos devastadores sobre a saúde e o bem-estar dos assediados, como o aparecimento de desgastes físicos e emocionais (Duffy & Sperry, 2014; Einarsen, Hoel, Zapf, & Cooper, 2011; Freitas, 2011; Harasemiuc & Bernal, 2013). Além das consequências individuais, também foram identificadas consequências negativas para a família, como: afastamento social e afetivo; conflitos; perdas salariais; reprodução da violência (Caldas, 2007; Duffy & Sperry, 2014; Rodríguez-Muñoz, Antino, & Sanz-Vergel, 2017). Caldas (2007) afirma que o indivíduo se torna, ao mesmo tempo, vítima da organização do trabalho e agente estressor no meio familiar (Caldas, 2007). Para compreender essa relação trabalho-família, pode ser utilizado o mecanismo psicológico spill-over (Erel & Burmann, 1995), segundo o qual atitudes e comportamentos desenvolvidos num dos domínios se generalizam ou afetam o outro domínio, havendo um "transbordamento". Assim, considera-se que as experiências vivenciadas no trabalho estão intimamente relacionadas com as experiências familiares e vice-versa (Greenhaus & Beutell, 1985).

O contexto familiar tem um lugar importante na vida no processo de aposentadoria, pois proporciona senso de pertencimento na vida do indivíduo, principalmente durante o período de adaptação após a saída do trabalho (Antunes, Soares, & Moré, 2015). A trama relacional familiar nesse processo de transição para a aposentadoria se encontra na fase última, conforme o modelo de ciclo vital familiar apresentado por Cerveny e Berthoud (2010), e inclui: aposentadoria, mais 30 anos de vida do casal juntos, a fase de jovem-adulto dos filhos e seus casamentos, a chegada dos netos, a volta ao modelo de díade conjugal, que incita uma reestruturação de papéis na família e a velhice dos pais (Alves & Coelho, 2010). As três gerações estão cumprindo tarefas importantes do ciclo vital familiar. A ruptura proporcionada pela aposentadoria é percebida como um período de crise para a família, especialmente porque o subsistema conjugal pode ser requisitado para dar suporte ao membro do casal que está vivendo momentos de tensão e estresse (Minuchin, 1982). Da mesma forma, Fraiman (1990) abordou a existência de um "casal em crise" na sua preparação para o fim da vida laboral e o início da terceira idade. Quando um ou ambos os membros vivenciam uma situação de estresse, há falta de tempo para o relacionamento, alterações na quantidade e qualidade da comunicação conjugal, bem como da satisfação com a relação e do funcionamento sexual (Papp & Witt, 2010). Já no período pós-aposentadoria, tende a ocorrer a aproximação do casal (Zanelli, 2012).

Pesquisas recentes têm sido realizadas com foco na relação existente entre aposentadoria e o contexto familiar. Antunes et al. (2015) entrevistaram casais para investigar as repercussões da aposentadoria na dinâmica relacional familiar e verificaram que os desdobramentos no contexto familiar atingem a todos os membros, com mudanças na rotina, na realização de atividades individuais e em conjunto com outros familiares, no autocuidado; as mulheres, principalmente, preocupam-se em cuidar da geração mais velha, do relacionamento com o parceiro e em oferecer apoio aos filhos. Os mesmos autores salientam que o modo como o processo será vivenciado depende da qualidade dos vínculos na dinâmica relacional familiar, que pode ser considerada de acolhida para o aposentado ou podem aparecer conflitos e dificuldades. Uma boa comunicação com a família tem se mostrado facilitadora, pois falar sobre a aposentadoria contribui para o processo de adaptação.

Figueira, Haddad, Gvozd e Pissinati (2017) identificaram influências laborais e familiares na tomada de decisão para a aposentadoria. Os trabalhadores com relacionamentos satisfatórios com seus cônjuges apresentam maior propensão para aposentar-se, pois poderão aproveitar mais tempo com eles. A opinião dos filhos interfere na decisão para a aposentadoria: alguns incentivam os pais a continuarem trabalhando, possivelmente para evitar que tenham que lidar com o ninho vazio, e outros estimulam para que aproveitem a nova fase da vida. Quando as relações não são harmoniosas e o aposentado não tem outras atividades externas ao ambiente familiar, sua presença pode contribuir para o desenvolvimento de conflitos no relacionamento conjugal e com os demais familiares.

Alguns fatores levam o pré-aposentado a avaliar a possibilidade de permanência no trabalho, principalmente: bom relacionamento com colegas de trabalho, necessidade financeira, contrariedade para cumprir com responsabilidades atribuídas por outros familiares, relações conjugais insatisfatórias, ninho vazio, cuidado com os pais e sogros e incerteza sobre o suporte emocional familiar (Figueira et al., 2017). A ruptura das relações sociais estabelecidas com colegas de trabalho pode ser um fator dificultador no processo de aposentadoria. Figueira et al.(2017) chamam a atenção para os trabalhadores de organizações públicas em fase de aposentadoria, pois a estabilidade no emprego favorece o adiamento da decisão. Para os trabalhadores assediados nessa fase, o período após a efetivação tende a ser ainda mais difícil (Caldas, 2007; Fraiman, 2010).

No presente estudo, contempla-se o desenvolvimento da família e os estressores previsíveis (transições/situações esperadas no ciclo de vida) e imprevisíveis (transições/situações não esperadas no ciclo vital) (Carter & McGoldrick, 1995). Abordam-se a aposentadoria e o assédio moral no trabalho como estressores ocupacionais que "transbordam" para a família e apresentam repercussões na dinâmica familiar. Apresenta-se a aposentadoria como um estressor previsível (Antunes et al., 2015) e o assédio moral no trabalho como um estressor imprevisível no ciclo vital familiar (Pellegrini, Gonçalves, & Tolfo, 2018), ou seja, é uma situação inesperada no ciclo vital. Tal concepção coaduna-se com o entendimento de Cerveny e Berthoud (2010) de que a dinâmica familiar guarda relação com os aspectos subjetivos referentes ao modo como os membros da família se relacionam, lidam com as regras, organizam-se para lidar com os problemas, adotam rituais e definem a hierarquia e os papéis assumidos por cada um dos membros. Nesse sentido, o assédio atua como estressor na dinâmica familiar, ou seja, gera um tensionamento nas relações estabelecidas, aumentando a intensidade de reciprocidade ou bloqueando-as, afetando e sendo afetado pelo conjunto de situações que sustentam a dinâmica familiar.

Considerando o exposto, o objetivo do presente artigo foi compreender as repercussões do assédio moral no trabalho na dinâmica familiar no processo de aposentadoria, na perspectiva do casal. A sua relevância se assenta na produção incipiente relacionada à interface assédio moral no trabalho e família, especialmente escassa quando em combinação com o processo de aposentadoria. Busca-se gerar subsídios para os processos de intervenção junto a trabalhadores em processo de aposentadoria com vistas a promover estratégias de enfrentamento individuais e familiares em relação às vivências de assédio nesse período.

 

Método

Participantes

Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, que por meio de um processo interpretativo busca compreender em detalhes os significados presentes nas narrativas das experiências dos participantes (Bogdan & Biklen, 1994; Creswell, 2007). Para atender ao objetivo deste artigo, foi utilizado como método de pesquisa o estudo de caso, cuja investigação busca um conhecimento profundo e exaustivo acerca do tema (Gil, 2008; Saunders, Lewis, & Thornhill, 2009). Especificamente, tratou-se de um estudo de caso único, utilizado quando se trata de algo raro, que vale a pena ser analisado, tendo em vista a pouca produção relativa ao tema (Yin, 2003). Selecionou-se um casal que corresponde à fase última do ciclo vital familiar (Cerveny & Berthoud, 2010) em que um dos membros estava em processo de aposentadoria e vivenciando assédio moral no trabalho.

Os dados para construção do genograma foram fornecidos por Pérola e seu marido, Marcos, em entrevista realizada na casa da família.

Relato do caso

A família mudou-se para a região Sul quando o marido de Pérola foi transferido a trabalho. Marcos trabalhava em uma organização da área de tecnologia, na mesma cidade em que morava com a esposa e a família. Marcos, que também vivenciava situações difíceis no trabalho, foi submetido a deslocamentos de locais de trabalho, mudanças de estado, solicitação de trabalho fora do expediente (noturno) e era recorrente o tratamento através de gritos e ofensas. A opção dele implicou mudança para sua esposa, filhos, pais e irmã. Dois anos após a mudança, Marcos aposentou-se e trabalhou durante alguns anos em atividades de ensino. No momento da entrevista, Marcos estava aposentado há sete anos, não exercia atividade com vínculo empregatício e faltavam aproximadamente dois anos para a aposentadoria de Pérola.

Pérola é servidora pública federal há 25 anos, em processo de aposentadoria e de assédio moral no trabalho. Iniciou sua carreira em outro estado, onde trabalhou por 17 anos. Há nove anos, devido à transferência no trabalho do marido, ela solicitou e conseguiu uma cessão temporária para trabalhar em uma regional, pois no momento não tinha vaga para sua transferência definitiva. Ela e a família mudaram-se para outro estado, acompanhando o marido.

Antes da mudança do marido, Pérola sentia-se segura na condição de servidora pública com estabilidade no local em que trabalhava. Com a cessão temporária, passou a sentir-se "instável". No novo trabalho, Pérola trabalhou durante um ano em um setor próximo dos dirigentes do local. Os últimos anos de trabalho, cada vez mais próximos da aposentadoria, foram permeados por sobrecarga de trabalho e obrigação de assumir a gerência da unidade sem ter sido consultada. O abuso de poder e as ameaças quanto à possibilidade de "mandá-la de volta" eram frequentes, bem como a retirada de autonomia sobre seu trabalho, atribuição permanente de novas tarefas, acima e abaixo de sua capacidade.

Neste período, uma superior que proferia comentários degradantes a ela e uma colega (que já a intimidava) passou a ser sua chefe e transferiu Pérola para o setor administrativo, onde a assediou durante aproximadamente sete anos. O isolamento e a recusa de comunicação foram marcantes, a ponto de ela ter sido colocada para trabalhar em uma sala distante dos outros colegas e ser ignorada com frequência em tentativas de contato com a chefe.

A cessão temporária que Pérola conseguiu em uma regional era válida enquanto durasse a situação do marido. Caso houvesse mudança no trabalho dele, ela deveria informar a administração e assim o fez. Contudo, houve intensificação do assédio após essa informação ter sido divulgada.

Procedimentos de coleta de dados

Os participantes foram selecionados por conveniência. Inicialmente buscou-se acessar trabalhadores heterossexuais, homens e mulheres, que identificavam ter sofrido assédio moral no trabalho e suas respectivas famílias, em fases diferentes do ciclo vital, de acordo com o modelo de ciclo vital de Cerveny & Berthoud (2010). Os interessados entraram em contato com o Núcleo de Estudos e disponibilizaram-se a participar da pesquisa. A coleta de informações foi realizada em duas etapas: a primeira foi uma entrevista individual com o trabalhador que se percebia assediado, para caracterização da experiência como assédio moral no trabalho e a segunda foi uma entrevista com o participante assediado e outro membro representante da família. O contato para marcar ambas as etapas foi feito por telefone. As entrevistas foram conduzidas pela primeira autora, gravadas com a autorização dos participantes e posteriormente foi realizada a transcrição literal. Neste recorte, foi selecionado um casal que correspondia à fase tardia. Para a segunda entrevista, solicitou-se que a participante escolhesse pelo menos um membro da família para participar da entrevista e ela convidou o marido. Na segunda etapa, a entrevista foi realizada com o casal.

Os procedimentos foram orientados pelas normas de pesquisa com seres humanos, conforme Resolução 466/2012 (Conselho Nacional de Saúde, 2012). A participação foi voluntária e a participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido na etapa 1 da coleta de dados e ambos os participantes assinaram na etapa 2. O projeto desta pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição à qual as pesquisadoras estão vinculadas, sob o número 1.058.523.

Instrumentos

Na primeira etapa da pesquisa, para seleção do trabalhador assediado e caracterização da experiência vivida como assédio moral no trabalho, foi realizada uma entrevista individual com a utilização de um roteiro semiestruturado. O roteiro foi desenvolvido tendo como base a literatura sobre o tema e pesquisas anteriores realizadas pelos pesquisadores do Núcleo de Estudos de Processos Psicossociais e de Saúde nas Organizações e no Trabalho. Por sua vez avaliou-se que não era necessário inserir mais informações sobre o roteiro, além das já presentes.

Para a segunda etapa, o genograma da família (Carter & McGoldrick, 1995) foi inicialmente construído para obter uma radiografia sobre como estava organizada a família e como eram os relacionamentos, de modo que este possibilitasse, em sequência, produzir a entrevista semiestruturada, que proporcionou identificar as repercussões da vivência de assédio moral no trabalho para a dinâmica familiar.

Análise de dados

As entrevistas foram tratadas por meio de análise de conteúdo categorial temática (Bardin, 2011), com o objetivo de descrever os conteúdos das mensagens e encontrar indicadores que contemplassem semelhanças e especificidades. A análise temática proposta pela autora contempla a construção de categorias a partir das palavras que emergem do discurso transcrito. O genograma foi submetido à análise gráfica e clínica, ou seja, os trechos relatados na entrevista com o casal foram relacionados com a técnica de mapeamento familiar. Os dados obtidos a partir da coleta foram organizados de maneira a possibilitar a elaboração de categorias de análise. Após a finalização do procedimento de categorização, os resultados passaram pela avaliação de juízes, experts na área, para verificar a concordância dos conteúdos nucleados, a partir do qual foram feitas as modificações para o quadro final.

Primeiro realizou-se a análise categorial dos dados da etapa 1 (entrevista individual) e referentes à caracterização do assédio moral no trabalho. Posteriormente, procedeu-se a uma nova análise, com os dados da entrevista familiar, relativa à etapa 2. Para este artigo, será apresentada uma categoria referente à análise realizada com os dados da etapa 2, obtidos através da entrevista com o casal: "Repercussões do assédio moral no trabalho na dinâmica familiar" e as respectivas subcategorias: a) Relacionamentos familiares e b) Fase última do ciclo vital familiar.

 

 

Resultados e Discussão

Repercussões do assédio moral no trabalho na dinâmica familiar

Esta categoria diz respeito às repercussões das vivências da assediada na dinâmica familiar. A primeira subcategoria, "Relacionamentos familiares", identifica repercussões para: relacionamento conjugal, relacionamento com filhos e relacionamento com a família extensa (pais e irmãos). Na segunda subcategoria, "Fase última do ciclo vital familiar", serão apresentadas repercussões do assédio moral específicas para a fase, principalmente relacionadas ao processo de aposentadoria.

Na primeira subcategoria, quanto aos relacionamentos familiares, considerando o início do processo de assédio moral, no qual ocorreram comportamentos humilhantes, situações desagradáveis e isolamento aos quais Pérola foi exposta, o casal identificou o afastamento emocional e os conflitos que se estabeleceram sobre o relacionamento conjugal:

Eu sabia fazer o trabalho e as pessoas tavam me usando pra eu fazer o que elas queriam, isso me machucava bastante e eu ficava muito mal. Aí quando eu reclamava de alguma coisa do meu trabalho, ele falava: "Então vamo embora, vamo largar esta merda, largar tudo isso aqui, vamo embora então, voltar pra nossa cidade" (gritos). Aí eu parava de falar com ele [...] eu não tinha nada, imagina, não tinha amigas, não tinha ninguém. Mudei de cidade! Mãe, pai, amigos, tava tudo em outra cidade, com quem que eu ia falar aqui? (Pérola).

A Pérola, na realidade, todo dia ela usava o divã cama e o psicólogo Marcos, e todo dia, claro, bla bla bla... (Marcos)

Pérola estava em processo de assédio moral na organização em que trabalhava e se pode verificar, por meio do relato do casal, que ela se tornou um agente estressor no ambiente familiar, principalmente na relação com o marido, tal qual salientado no estudo de Caldas (2007). A participante relatou que, com o passar do tempo, passou a evitar o compartilhamento de novos acontecimentos do trabalho com o marido, pois isso era motivo de conflitos e afastamento entre o casal. Como Pérola ressaltou, ela não tinha amigas para conversar e compartilhar com o marido resultava em tensão para o relacionamento conjugal. Esse depoimento exemplifica como as consequências da patologia da solidão (Hirigoyen, 2015) imposta no assédio moral repercutem também na dinâmica familiar (Duffy & Sperry, 2014), de modo que o assediado se sente isolado, sem poder contar com ninguém. Conforme Figueira et al.(2009) e Antunes et al. (2015), a família tem um lugar importante no acolhimento do aposentado e, no caso dela, que sofria assédio moral e cujas relações interpessoais no ambiente de trabalho já não eram boas, a família passou a ter um papel ainda mais significativo no recebimento e acolhimento das queixas.

Marcos, na tentativa de ajudar a esposa, sugeria que ela deixasse a organização, mesmo antes de completar seu tempo de serviço. De acordo com Freitas et al. (2008) e Hirigoyen (2015), o objetivo dos assediadores é desestabilizar o trabalhador, para que ele abandone seu emprego. Pérola não cogitava essa possibilidade, pois como já estava em processo de aposentadoria, considerava que mudar para outro local exigiria uma nova adaptação, o que poderia ser igualmente desgastante. Cabe ressaltar a importância da identidade social vinculada ao trabalho, pois ela tinha uma identidade de trabalhadora como servidora pública federal, reconhecia-se nesse lugar e esforçava-se para manter essa identidade (Boehs et al., 2016; Roesler, 2014; Zanelli et al., 2010).

Um componente importante do relacionamento entre os casais é a vida sexual e, em períodos de estresse elevado, é comum que os desejos do indivíduo estejam alterados, o que acarreta na diminuição da libido. A narrativa de ambos apontou para a falta de libido vivida no relacionamento íntimo e a diminuição da frequência de relações sexuais nas fases em que estiveram distantes e em conflito. Essas informações vão ao encontro dos dados obtidos por Caldas (2007) em sua pesquisa com trabalhadores assediados, que também relataram essas mudanças e cujos achados sobre diminuição da libido em situações de estresse assemelham-se aos resultados de Papp e Witt (2010), indicando que o estresse experimentado por um indivíduo implica custos para a conjugalidade, especificamente na diminuição da qualidade da comunicação entre o casal, da satisfação com a relação e do funcionamento sexual.

Pérola relatou que, passados alguns anos do início do assédio, fez terapias, sentia-se mais forte para lidar com a situação e foi possível compartilhar com o marido sem que a conversa o irritasse e ele se sentisse culpado pelo que acontecia. No que tange às repercussões para o relacionamento conjugal, percebeu-se que o subsistema conjugal de Pérola e Marcos foi colocado em risco, mas desempenhou função de proteção diante do assédio moral no trabalho, como se pode verificar:

Olha, quando eu conheci a Pérola, a gente estipulou: "Vamos fazer uma parceria". Inconsciente a gente fez isso, né? Vamos fazer uma parceria e vamo embora. Quando tu faz uma parceria, é assim, vamos ter que dividir o prejuízo, o ônus e o bônus e eu acho que a gente sempre dividiu bem o ônus e o bônus. (Marcos)

De acordo com Minuchin (1982), o subsistema conjugal é considerado um fator de proteção aos estressores externos, o que pode ser identificado neste casal. Cabe salientar que Pérola e Marcos também podem ser percebidos como um "casal em crise", como salientou Fraiman (1990), e vivendo dificuldades no período pré e pós-aposentadoria. Identificou-se que houve um distanciamento entre eles e períodos com muitos conflitos decorrentes do assédio moral vivido, que foram prejudiciais para que Pérola pudesse se sentir acolhida pelo parceiro e se desvincular do trabalho que a fazia sofrer.

As repercussões para os filhos também foram percebidas pelo casal, pois identificou-se que, ao longo dos anos de assédio moral, eles construíram imagens e significados sobre os trabalhos dos pais. A experiência no trabalho de Pérola pode ter contribuído para que os filhos não optassem por carreira semelhante, como no caso do filho mais velho:

Ninguém aqui pensa em ser funcionário público, porque querendo ou não, a gente passa uma imagem ruim. Eles têm uma antipatia. Agora que o mais velho tá estudando pra concurso. Aí ele dizia que não queria ser funcionário público, porque a mãe passou toda essa imagem em relação a essa coisa assim, das dificuldades que a gente enfrenta no trabalho. (Pérola)

Pérola e Marcos consideraram como positiva uma repercussão do assédio na dinâmica familiar, especialmente para o filho do meio, que estava sendo desmerecido no trabalho e buscou resolver a situação para que não persistisse por um período de tempo ainda maior.

Ele não nos pediu né, Marcos? Ele só mostrou "Olha o que eu fiz. O que vocês acham do e-mail que eu mandei pra minha chefe?" A gente falou assim: Tá preparado? Pode ser que dê certo, pode ser que não dê, mas a gente tá aqui. Foi super legal, sabe? (Pérola).

Quanto aos relacionamentos com a família extensa, Pérola relatou que havia compartilhado suas queixas com sua irmã e que os pais não entendiam o que é assédio moral no trabalho, o que contribuía para diminuir a magnitude e as consequências do sofrimento que ela vivia diariamente com a humilhação provocada pela chefe. Também relatou sobre a naturalização da violência e a necessidade de "aguentar", independentemente de como se sentia, o que permite conjecturar que houve distanciamento entre Pérola e seus pais.

De acordo com Carter e McGoldrick (1995), a maneira como as gerações anteriores lidaram com as mesmas crises influencia na forma como a geração atual também irá enfrentá-las. O distanciamento da família extensa, percebido nesta família, possivelmente está associado ao não compartilhamento de dificuldades também em gerações anteriores. A geração dos pais de Pérola naturalizava a violência no trabalho, porém ela conseguiu lidar com isso de modo diferente e conversar com seus filhos, incentivando-os para que se posicionassem diante de seus superiores em situações semelhantes. Os resultados sugerem ainda que, mesmo que o assediado conte para a família extensa o que aconteceu, a tendência é que, com o tempo, vá restringindo essa informação ao núcleo familiar.

Fase última do ciclo vital familiar

Nesta subcategoria, são apresentadas repercussões do assédio moral no trabalho na fase última do ciclo vital familiar, com destaque para as novas demandas da fase, a ocorrência de estressores concomitantes e mudanças que a família precisou fazer para lidar com toda a situação.

Quando se mudou para a região Sul, há nove anos, a família passava pela fase madura do ciclo vital (Cerveny & Berthoud, 2010) e as preocupações com o desenvolvimento na carreira e com a estrutura financeira para arcar com os gastos de estudos dos filhos ainda eram prioridade. A mudança foi permeada por ocorrências de assédio tanto para Pérola como para seu marido. No momento da entrevista, a família estava vivendo a fase última, envolvida com estressores previsíveis da fase, como os filhos adultos saindo de casa e a respectiva entrada no mercado de trabalho, a pós-aposentadoria de Marcos, a aproximação da aposentadoria de Pérola e os cuidados com os pais idosos de Marcos. Ao longo desses anos, a família enfrentou também estressores imprevisíveis, como a mudança de cidade e estado, o desemprego e o assédio moral no trabalho. Ainda que nesta pesquisa o cônjuge considerado assediado tenha sido Pérola – a participante da primeira etapa – verificou-se que Marcos também havia vivenciado situações constrangedoras e humilhantes no trabalho, principalmente nos últimos anos na organização, as quais também repercutiram na dinâmica familiar.

Além da reorganização que a transição de uma fase para outra do ciclo familiar exigiu e das dificuldades no trabalho de Pérola, o casal precisou organizar-se com mais uma tarefa referente à fase última do ciclo vital, o cuidado com os pais de Marcos:

Aí tinha os pais dele, né? (Pérola)

Aí tinha outro fator complicador. (Marcos)

Eu, ele e os meninos, tudo bem. Mas aí como você faz com a vida de mais duas pessoas, né? E com muita idade. (Pérola)

O cuidado com a geração mais velha passou a ocupar tempo e energia significativos no cotidiano da família, tornando-se uma das tarefas principais da fase última do ciclo vital, em acordo com o que descrevem Silva, Alves e Coelho (2010). O bem-estar dos sogros-pais foi um aspecto considerado por Pérola e Marcos na possível segunda mudança para outro estado, novamente em virtude do trabalho dele, que também ofereceria a possibilidade para Pérola voltar para "o seu cargo", mas optaram por permanecer.

A possibilidade de crise financeira é identificada na literatura como um dos principais pontos avaliados para o adiamento da aposentadoria (Andrade, 2014). No caso de Pérola, havia essa preocupação, mas esta deixou de ser priorizada diante do assédio moral:

Eu sei que ela (a chefe) precisa de mim, mas ela me trata mal. Ela diz: "Sua tansa, sua maluca, sua doida..." É ruim sair assim, sabe? Mas, pra mim assim, se eu não precisar financeiramente, eu quero sair. Eu saio por tudo isso que já me aconteceu ali dentro. Eu tenho muita tristeza com isso, é uma coisa assim que me entristece.

O indivíduo, quando sofre assédio moral no trabalho, tende a apresentar baixa autoestima devido às agressões e desqualificações frequentes e começa a questionar a qualidade do seu trabalho (Freitas et al., 2008; Einarsen et al., 2011; Freitas, 2011; Harasemiuc & Bernal, 2013). É como se sua identidade ficasse diminuída com o assédio moral e a tomada de decisão pela aposentadoria pode se sobressair como uma fuga. Pérola não se via completamente forçada a aposentar-se, mas era como se esta fosse a única alternativa para parar o assédio, o que permite inferir que tal decisão não era mais por livre escolha, podendo apresentar caráter forçado e um significado negativo, como apontado por Bonsang e Klein (2012) e Árraga, Sánchez e Pirela (2014).

Pérola demonstrava dúvidas sobre o que fazer em relação ao assédio moral no trabalho e à aposentadoria. Em seu planejamento individual, identificou que gostaria de trabalhar na sua área de formação, diferente do trabalho administrativo atual. Optou por iniciar um curso de especialização e realizar, na companhia do marido, atividades voluntárias voltadas para o ensino e compartilhamento de experiências em grupo. A dedicação dela ao planejamento para a aposentadoria, como a continuação dos estudos e atividades realizadas na companhia do marido, tendem a contribuir para a satisfação pessoal nesse processo (Bressan et al., 2012; Fraiman, 2010; Zanelli, 2012; Zanelli et al., 2010).

Na entrevista, Marcos já estava aposentado, faltavam aproximadamente dois anos para ela e o casal estabeleceu outra relação com o trabalho:

Hoje eu acho que a gente tá mais relaxado, né? A nossa situação já é bem diferente. Falta pouco tempo pra Pérola se aposentar, eu já me aposentei. Então a gente já tem uma situação hoje bem mais estável . (Marcos)

E aí a minha aposentadoria também começou a ficar mais perto. Eu já fico numa zona de conforto mais segura, imagina se vão pegar uma pessoa que tá pra se aposentar e vão fazer ela voltar, né? Eu tento me convencer que não. (Pérola)

A conclusão dessa fase laboral parece um alento para ela, como aconteceu quando Marcos saiu da organização na qual trabalhava. Pérola conviveu durante nove anos com ameaças constantes de que precisava fazer determinada atividade pois "pegava bem" para a matriz, caso contrário poderiam solicitar sua volta, o que dificultaria toda a organização da família.

Esse aspecto corrobora o que foi mencionado por Nunes e Tolfo (2015) e Faria (2015) sobre o abuso de poder nas organizações públicas. A estabilidade do assediador permite práticas de assédio mais perversas e processos de assédio que se estendem ao longo de vários anos, como neste caso. O assédio estava presente há anos na vida da trabalhadora e de sua família, mas a proximidade temporal da aposentadoria parece ser vista pelo casal como a solução para o problema, ao liberá -la do sofrimento vivido no trabalho, tal qual identificado na pesquisa de Caldas (2007).

Percebeu-se que a fase última incluiu momentos de transição bastante críticos que exigiram reflexão sobre a manutenção da família em detrimento de escolhas profissionais. Pérola e Marcos demonstraram uma aproximação ao longo do tempo, o que foi importante para lidar com as dificuldades dessa etapa do ciclo vital, atravessada por ambas as aposentadorias e pelo assédio moral no trabalho (Antunes et al., 2015; Rodríguez-Muñoz et al., 2017). Corroborando com Fraiman (2010), Zanelli (2012), Zanelli et al. (2010), Pérola demonstrou sentimentos positivos com a aproximação da aposentadoria, que parece se caracterizar como a chegada da liberdade e disponibilidade para outras atividades pessoais e profissionais que lhe proporcionem prazer, sem conviver com a violência diária no trabalho.

Nessa subcategoria, identificaram-se as repercussões do assédio moral na fase última do ciclo vital da família e evidenciou-se a importância de compreender esse momento do ciclo, pois as dificuldades e potencialidades para lidar com a situação são diferentes. Os resultados vão ao encontro das descobertas de Silva et al. (2010), sobre a aposentadoria como um período de crise, e de Antunes et al. (2015), considerando-a um estressor no ciclo vital familiar. As fases de transição do ciclo de vida tendem a apresentar maior nível de estresse (Carter & McGoldrick, 1995; Cerveny & Berthoud, 2010) e, quanto maior ele for, mais difícil será para a família enfrentar os desafios de cada etapa, que se tornam ainda mais difíceis com um estressor imprevisível adicional: o assédio moral no trabalho (Pellegrini, 2016). Os estressores previsíveis imprevisíveis, concomitantes nessa fase do ciclo vital familiar, parecem ter tornado ainda mais difícil o cumprimento das tarefas da fase.

Ademais, a assincronia da aposentadoria caracterizou-se como um período de crise prolongada, pois por vários anos os cônjuges conviveram com os estressores e a reorganização exigida pela efetivação da aposentadoria de Marcos e a aproximação da aposentadoria de Pérola. Mesmo com as demandas familiares da fase do ciclo e o assédio moral no trabalho, o casal permaneceu unido, o que sugere que lidaram com os estressores de modo a manter o relacionamento. Cabe ressaltar que a maneira como um casal lida com o assédio moral no trabalho tem papel fundamental na vida a dois. Pode ser que o parceiro que sofreu o assédio receba apoio do outro e consigam lidar com a situação de modo a não prejudicar o relacionamento (Rodríguez-Muñoz et al., 2017)

Os resultados deste estudo reiteram o assédio moral como um estressor ocupacional (Soares & Oliveira, 2012) e cujo caráter processual com atitudes e comportamentos recorrentes por parte do assediador e da organização (Freitas et al., 2008) dificultam a transição para a aposentadoria, a desconstrução da identidade de trabalhador e a reinserção do ambiente familiar (Boehs et al., 2016; França, Menezes, & Siqueira, 2012). Consoante à literatura apresentada (Minuchin, 2982), verificou-se que o sistema familiar foi acionado por Pérola para oferecer suporte diante do que vivia no trabalho.

A vivência de assédio moral no trabalho por um dos membros da família não é um problema exclusivo do indivíduo trabalhador, pois permeia as relações na dinâmica familiar. Reitera-se neste caso o proposto por Greenhaus e Beutell (1985), ao salientarem que as experiências relacionadas ao trabalho estão intimamente relacionadas com as experiências familiares, e vice-versa, de modo que transbordam para o ambiente familiar (Erel & Burmann, 1995), como ocorre com as repercussões do assédio moral no trabalho e a aposentadoria.

 

Considerações finais

As articulações demonstradas neste estudo contribuem para a produção de conhecimento que considera a relação entre trabalho e família indissociável. Também contribui para incitar à reflexão e proporcionar maior compreensão das repercussões do assédio moral no trabalho na dinâmica familiar no contexto de aposentadoria.

O estudo de caso único permitiu observar como os estressores concomitantes, principalmente os imprevisíveis, atuam na dinâmica relacional da família, determinando o rumo de como são enfrentadas as situações. Neste estudo, foi possível observar que, simultaneamente ao assédio moral no trabalho, o estressor imprevisível, somavam-se mudança de casa, cidade e estado, sofrimento gerado no trabalho de ambos os membros do casal, aposentadorias, membros familiares idosos e filhos saindo de casa, aspectos que precisam ser considerados quando se analisa o assédio moral no trabalho, no contexto familiar. O estudo de caso deixa claro e avança no sentido de mostrar como o assédio moral no trabalho entra no sistema familiar como um grande estressor nas relações, no subsistema conjugal e também no fraternal.

Embora este estudo apresente o assédio moral no trabalho como um estressor do ciclo vital, no contexto do Pensamento Sistêmico, quando se alude às suas repercussões, ele está afetando diretamente outros processos e conflitos que estão em andamento, os quais fazem parte da dinâmica familiar e, por sua vez, influenciaram o modo como foi vivenciado o assédio moral no trabalho pelo casal e o cumprimento das tarefas da fase última.

O compartilhamento entre o casal e a manutenção da organização familiar após um período de crise mostrou que a família foi capaz de se reorganizar e enfrentar estressores do ciclo vital. Este estudo avança no sentido de mostrar como o assédio na fase de aposentadoria afeta a dinâmica familiar, tensionando as relações e influenciando na tomada de decisão pela aposentadoria. Ainda que possam parecer uma "fuga", o planejamento e a busca por outras atividades além do trabalho formal permitem considerar que, especialmente para indivíduos em fase de pré-aposentadoria, a aposentadoria pode ser uma estratégia de enfrentamento bem-sucedida diante do assédio moral no trabalho.

Quanto às limitações deste estudo, elas se circunscrevem à utilização do estudo de caso único, que trata de uma realidade específica do casal entrevistado. Considera-se que possam existir diferenças nas repercussões nos relacionamentos se o cônjuge assediado for o marido. Sugere-se a realização de futuras pesquisas que envolvam trabalhadores assediados homens e mulheres de organizações privadas e públicas em processo de aposentadoria para identificar similaridades e diferenças nas repercussões na dinâmica familiar. Ademais, identifica-se a necessidade de aprofundar estudos que utilizem a potencialidade do genograma, pois no presente estudo este foi usado apenas com a característica descritiva da situação atual da família.

 

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Endereço para correspondência:
Priscila Gasperin Pellegrini
Rod. SC-401 S/N
Florianópolis, SC
88050-001

Recebido: 11/10/2017
1ª reformulação: 05/06/2018
2ª reformulação: 15/07/2019
Aceito: 30/09/2019

 

 

Sobre as autoras:
Priscila Gasperin Pellegrini é psicóloga clínica, Mestre e Doutoranda em Psicologia das Organizações e do Trabalho na Universidade Federal de Santa Catarina, Especialista em Terapia Relacional Sistêmica. Pesquisa sobre a interface trabalho-família no Núcleo de Estudos de Processos Psicossociais e de Saúde nas Organizações e no Trabalho - NEPPOT-UFSC. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1255-3107 E-mail: prigasperin@gmail.com
Suzana da Rosa Tolfo é Doutora em Administração pela UFSC/SC. Professora Titular da Universidade Federal de Santa Catarina. Investiga e orienta na Pós-Graduação em Psicologia na área de Psicologia das Organizações e do Trabalho. Fundadora e pesquisadora no Núcleo de Estudos de Processos Psicossociais e de Saúde nas Organizações e no Trabalho - NEPPOT-UFSC. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6321-6496 E-mail: srtolfo14@gmail.com
Carmen Leontina Ojeda Ocampo Moré é Doutora em Psicologia Clínica pela PUC/SP, Professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina. Investiga e orienta na Pós-Graduação em Psicologia na área de Saúde e Desenvolvimento Psicológico, no Laboratório de Psicologia da Saúde, Família e comunidade - LABSFAC-UFSC. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2468-8180 E-mail: carmenloom@gmail.com

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