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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.22 no.1 Campinas jan./jun. 2021

https://doi.org/10.26707/1984-7270/2021v22n104 

10.26707/1984-7270/2021v22n104

ARTIGO

 

Forças de Caráter e Construção de Projetos Vida na Adolescência

 

Character Strenghts and Life Purpose in Adolescence

 

Fuerzas de Carácter y Proyectos de Vida en la Adolescência

 

 

Caio Cesar Rodrigues de ToledoI; Ana Paula Porto NoronhaII; João Lucas Dias-VianaII

IInstituto INCLUA
IIUniversidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Identificar características individuais que auxiliem na construção de projetos de vida é fundamental para a prática baseada em evidências. Esta pesquisa investigou as associações entre forças de caráter e projetos de vida. Participaram 276 jovens, com idades variando de 14 a 20 anos (M = 15,89; DP = 1,02), estudantes do Ensino Médio de escolas localizadas em São Paulo e Minas Gerais. Foram utilizados um questionário sociodemográfico, a Escala de Projeto de Vida para Adolescentes e a Escala de Forças de Caráter. Observou-se correlações entre forças de caráter e projeto de vida, com destaque para espiritualidade, otimismo, gratidão, generosidade e senso de coletividade, evidenciando a importância de características individuais positivas para a construção de projetos de vida.

Palavras-chave: psicologia do desenvolvimento, psicologia positiva, psicologia do adolescente, projeto de vida, traços de caráter.


ABSTRACT

Identify individual characteristics that assist in the construction of life purpose is essential for evidence-based practice. This research investigated associations between character strengths and life purpose were investigated. The study included 276 young people, with ages ranging from 14 to 20 years old (M = 15.89; SD = 1.02), high school students from schools located in São Paulo and Minas Gerais. A sociodemographic questionnaire, the Teenage Living Project Scale and the Character Strength Scale were used. Correlations between character strengths and life purpose were founded, with emphasis on spirituality, optimism, gratitude, generosity and a sense of collectivity, showing the importance of positive individual characteristics for the construction of life projects.

Keywords: developmental psychology; positive psychology; adolescent psychology; traços de personalidade; personality traits.


RESUMEN

Identificar características individuales que ayudan en la construcción del propósito de vida es esencial para la práctica basada en evidencia. Este estudio investigó asociaciones entre fortalezas de carácter y proyectos de vida. El estudio incluyó a 276 jóvenes, con edades que varían de 14 a 20 años (M = 15.89; SD = 1.02), estudiantes de secundaria de escuelas ubicadas en São Paulo y Minas Gerais . Cuestionario sociodemográfico, Escala de Proyecto de Vida de Adolescentes y Escala de Fuerza de Carácter fueron usados. Se observó correlaciones entre fortalezas de carácter y proyecto de vida, con énfasis en espiritualidad, optimismo, gratitud, generosidad y sentido de colectividad, lo que demuestra importancia de las características individuales positivas para la construcción de proyectos de vida.

Palabras clave: psicologia del desarollo; psicología positiva; psicologia del adolescente; rasgos de personalidad.


 

 

Introdução

O período da adolescência se caracteriza como uma importante etapa do desenvolvimento humano, marcando a transição entre a infância e a adultez. Nessa etapa, ocorrem uma série de mudanças biológicas (e.g. desenvolvimento dos caracteres secundários, maturação sexual, ganhos na estatura), psicológicas (e.g. autoestima, autoconceito, personalidade) e sociais (e.g. distanciamento do núcleo familiar e maior aproximação dos pares, escolha de uma profissão, planejamento de uma família), que podem funcionar como fatores protetivos ao desenvolvimento humano, como também de risco. Para compreensão do impacto de tais variáveis, delimita-se um campo de investigação científica nomeado de Positive Youth Development (PYD; Desenvolvimento Positivo da Juventude), reunindo pesquisas acerca das potencialidades do desenvolvimento saudável de adolescentes e jovens, como, por exemplo, as características individuais positivas, como otimismo, regulação emocional, cidadania (Noronha & Dametto, 2019) e projeto de vida (Gobbo, Nakano, & Dellazana, Zanon, 2019).

Por características individuais positivas, esta pesquisa se embasará teoricamente no conceito de forças de caráter/pessoais proposto por Peterson e Seligman (2004), as quais de se referem a um conjunto de atributos, compreendidos como características psicológicas, estáveis ao longo do tempo, mas que também podem ser desenvolvidas e apresentar mudanças. As forças se manifestam por meio de pensamentos, sentimentos e ações, possibilitando o funcionamento ideal do sujeito, além de atuarem como fatores protetivos para as situações de adversidade (Peterson & Seligman, 2004). De acordo com os autores, as forças de caráter são "traços" e, portanto, características psicológicas observadas em situações variadas.

A proposição teórica foi feita por Peterson e Seligman (2004), a partir da revisão da literatura científica, de escritos filosóficos, religiosos, com o intuito de identificar os principais traços ou características valorizadas socialmente, e necessários para que o indivíduo tenha uma vida com qualidade. Desse modo, os autores indicaram 24 forças de caráter/pessoais, a saber: amor, amor pelo aprendizado, apreciação pelo belo, autenticidade, autorregulação, bravura, criatividade, curiosidade, espiritualidade, generosidade, gratidão, humor, justiça, inteligência social, liderança, modéstia, otimismo, pensamento crítico, perdão, persistência, prudência, sensatez, senso de coletividade e vitalidade. Os autores ressaltam que as forças de caráter contribuem para a realização individual, satisfação pessoal e felicidade.Estudos recentes indicam a importância das forças de caráter/pessoais para a promoção do bem-estar subjetivo e psicológico, tanto em adultos (Harzer, 2016; Oliveira, Nunes, Legal, & Noronha, 2016), quanto em adolescentes e jovens de diferentes culturas (Blanca, Ferragut, Ortiz-Tallo, & Bendayan, 2018; Kor, Pirutinsky, Mikulincer, Shoshani,, & Miller, 2019; Martins & Noronha, 2020; Yasmin & Khan, 2017). Além disso, pesquisas têm evidenciado que o desenvolvimento e a promoção das forças em populações juvenis está associado ao aumento da resiliência e à redução do uso abusivo de substâncias (Harris et al., 2020), relações positivas com os pares (Wagner, 2018), percepção de suporte familiar (Noronha, Silva, & Dametto, 2019).

Além das características individuais positivas, a construção de um projeto de vida é fundamental para o desenvolvimento de adolescentes e jovens. Essa etapa do desenvolvimento, também nomeada de moratória social por teorias críticas da juventude, é caracterizada por um maior desenvolvimento das capacidades cognitivas, e pela aprendizagem de hábitos e valores socialmente estabelecidos, no qual se dá a escolha por uma profissão e a construção de uma identidade para os papéis sociais que o sujeito irá assumir (Groppo, 2015).

Desse modo, embora a temática de projeto de vida possa ser investigada nas diferentes etapas do desenvolvimento humano, é durante a adolescência que se encontra uma etapa profícua para elaboração (Dellazana-Zanon, & Freitas, 2015). Autores clássicos da área do desenvolvimento humano esboçaram a importância do tema. Erikson (1968/1976), por exemplo, destaca a relevância do projeto de vida para o bem-estar e para a construção da identidade do sujeito. Piaget (1964/2007), por sua vez, ressalta a importância do projeto de vida (ou plano de vida), pois este consiste, em parte, do processo de construção da personalidade, como também da inserção do adolescente na vida adulta. É nessa etapa do ciclo vital que a pessoa reflete acerca do seu papel na sociedade e sobre suas aspirações, desejos e realizações para o futuro.

Ainda que o estudo da temática não seja recente, definir projeto de vida é uma tarefa complexa. A maior parte das pesquisas feitas no Brasil e em outros países não apresentam uma definição clara do que seria projeto de vida (Dellazana-Zanon & Freitas, 2015). Uma definição é proposta por Damon, Menon e Bronk (2003), que concebem projeto de vida como uma intenção estável e generalizada de alcançar algo que seja significativo para o eu e que gere um compromisso produtivo para aspectos além do âmbito pessoal. Nesse sentido, são evidenciados dois aspectos: o individual, em que se destacam o interesse e automotivação em realizá-lo, e o social, com o desejo de contribuir para questões que vão além de si próprio (Damon et al., 2003). Evidências empíricas demostram a importância do construto como um fator protetivo robusto das capacidades cognitivas (Wingo et al., 2020), bem como do funcionamento psicológico saudável, promovendo satisfação com a vida e prevenindo sintomas depressivos (Chen & Cheng, 2020). Estudos sugerem que os projetos de vida são fundamentais para a adolescência e estão associados a melhores índices de bem-estar e de conquistas na vida adulta, além de possuírem papel relevante para a formação de autoconceito (Massey, Gebhardt, & Garnefski, 2008)

Bronk (2014) destaca que projeto de vida é um construto psicológico que pode ser medido. Entretanto, a maior parte das pesquisas que investigam a temática, possuem delineamento qualitativo, e são realizadas por meio de entrevistas, questões de autorrelato e grupos de discussão. Diante de tal necessidade, Delazzana-Zanon e Gobbo (2016) elaboraram um instrumento para avaliação da temática, abarcando os aspectos individuais envolvidos na construção do projeto de vida, a Escala de Projeto de Vida para Adolescentes (EPVA). A partir da revisão da literatura científica, as autoras identificaram a importância de temas relacionados à vida acadêmica, vida profissional, bens materiais, religiosidade, relações interpessoais e qualidade de vida. Um estudo de evidências de validade com base na estrutura interna da EPVA foi realizado, no qual foram identificadas cinco principais dimensões, a saber: Relacionamentos Afetivos, Religiosidade, Carreira, Bens Materiais e Aspirações Positivas (Dellazana-Zanon, Zanon, Noronha, Oliveira & Rosado, 2019).

A existência de uma medida psicométrica auxilia o avanço da área em diversas perspectivas. No campo educacional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 2017), considerando o desenvolvimento integral do aluno, preconiza a construção de projeto de vida, incluindo seus aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais. Desse modo, revela-se o potencial uso do instrumento para produção de indicadores que subsidiem políticas de educação. Além disso, considera-se a relevância do uso da medida para compreensão do fenômeno, identificando a rede nomológica que estabelece com outras variáveis, bem como para discernir quais fatores são mais preponderantes para a construção de um projeto de vida.

Há evidências da importância de fatores contextuais, como ambiente, família, pares, atividades, para o estabelecimento de projetos de vida, bem como os desfechos positivos nos diversos domínios da vida (e.g. bom desempenho escolar, saúde mental) (Massey et al., 2008). No entanto, de que forma as características individuais positivas contribuem para o estabelecimento de um projeto de vida? Nesse sentido, esta pesquisa tem por objetivo investigar as associações existentes entre forças de caráter/pessoais e projeto de vida, bem como analisar o potencial preditivo das forças. Em síntese, formula-se a hipótese de que forças de caráter estão positivamente associadas com projeto de vida (H1), uma vez que auxiliam o sujeito em situações de adversidade e promovem o funcionamento ótimo do sujeito em diversas situações.

 

Método

Participantes

A amostra foi composta por 276 adolescentes e jovens, com idades variando de 14 a 20 anos (M = 15,89; DP = 1,02), ambos os sexos, com 53,26 % do sexo feminino (n = 147), regularmente matriculados no ensino médio de escolas públicas (n = 180; 65,20%) e privadas (n = 96; 34,80%), nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Dos participantes deste estudo, 39,50% (n = 109) cursavam o primeiro ano, 32,6% (n = 90) o segundo ano e 27,8% (n = 77) o terceiro. Destes estudantes, 27,90% da amostra total relataram exercer algum tipo de trabalho formal (contrato/estágio) 8,60% e informal (sem algum tipo de contrato de trabalho) 15,00%.

Instrumentos

Questionário de Identificação Sociodemográfico. Instrumento elaborado pelos proponentes desta pesquisa. Teve por objetivo investigar características pessoais e sociodemográficas para descrição da amostra. Composto por oito questões, incluindo idade, sexo, estado civil, escolaridade, tipo de escola e se exercia algum tipo de trabalho formal ou informal.

Escala de Projeto de Vida para Adolescentes (EPVA; Dellazzana & Gobbo, 2016). A EPVA consiste em um instrumento de autorrelato, composto por 42 itens que avaliam cinco dimensões do projeto de vida: Religiosidade, Carreira, Aspirações Positivas, Bens Materiais e Relacionamentos. Possui chave de resposta em escala Likert, variando de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). São exemplos de "Gostaria de estar ganhando muito dinheiro" (Bens Materiais) e "Gostaria de me tornar uma pessoa cada vez melhor" (Aspirações Positivas). Os índices de consistência foram estimados, com valores de α variando de 0,72 a 0,78, indicando índice de precisão considerado adequado (Dellazana-Zanon, Zanon, Noronha, Oliveira, & Rosado, 2019).

Escala de Forças de Caráter (EFC; Noronha & Barbosa, 2016). Instrumento de autorrelato composto por 71 itens que se propõem a mensuração das 24 forças de caráter/pessoais. Possui chave de resposta em escala Likert de cinco pontos, variando de 0 (nada a ver comigo) a 4 (tudo a ver comigo). São exemplos de itens: "Sei o que fazer para que as pessoas se sintam bem" (inteligência social), "Sou competente para analisar problemas de diferentes ângulos" (pensamento crítico), "Viver é empolgante" (vitalidade). Os índices de precisão do instrumento foram estimados α = 0,94 .

Procedimentos

Inicialmente, foi solicitada às instituições escolares autorização para realização da coleta de dados. O projeto foi enviado a um Comitê de Ética em Pesquisa, aprovado com CAAE número 61639316.0.0000.5514. Em seguida, foram agendadas com os diretores das escolas os dias e horários em que ocorreriam as aplicações. Os participantes com idades iguais ou superiores a 18 anos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Participantes com idades inferiores a 18 anos assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) e tiveram o TCLE assinado por um dos pais ou responsáveis legais. Os instrumentos foram aplicados coletivamente, em turmas com até 30 alunos, no espaço disponibilizado pelas instituições, com a seguinte ordem de aplicação: Questionário de Identificação, Escala de Projeto de Vida em Adolescentes e Escala de Forças de Caráter, com tempo médio de aplicação de 50 minutos.

Análise de dados

Os dados foram inseridos em planilha eletrônica e em seguida foram realizadas análises estatísticas descritivas para os dados sociodemográficos, bem como para o escores obtidos a partir da utilização das escalas. Para investigação da associação entre forças de caráter/pessoais e projeto de vida, foi utilizada a análise de correlação r de Pearson, utilizando os escores brutos obtidos dos fatores da EFC e da EPVA. Como critério para interpretação das magnitudes, utilizou-se os referenciais de Cohen (1988), em que correlações com iguais ou inferiores a 0,29 podem ser considerados pequenas; escores entre 0,30 e 0,49 podem ser considerados como moderados; e valores iguais ou superiores a 0,50 podem ser interpretados como de grande magnitude. Realizou-se análise de regressão linear múltipla pelo método Enter, com o objetivo de identificar o potencial preditivo das forças de caráter/pessoais sobre os fatores que compõem o projeto de vida. As análises dos dados foram feitas nos softwaresStatistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 25.

 

Resultados

Por meio de estatísticas descritivas foram calculadas as médias dos participantes, bem como os desvios-padrão para as escalas e os fatores que as compõem. Os resultados podem ser visualizados na Tabela 1. De acordo com o que pode ser observado, Carreira e Bens Materiais, apresentaram as maiores médias entre as dimensões que compõem projeto de vida. Quanto às forças caráter/pessoais, os adolescentes e jovens apresentaram maiores médias em Gratidão, Curiosidade, Persistência e Otimismo.

 

 

Com o intuito de investigar as associações entre os construtos, utilizou-se a análise de correlação r de Pearson entre os escores da EPVA e EFC. Os resultados podem ser vistos na Tabela 2. Observa-se que forças de caráter/pessoais apresentaram correlação positiva, moderada e significativa com projeto de vida (r = 0,41), e com quase todos os domínios que compõem a EPVA, Religiosidade (r = 0,32), Carreira (r = 0,32), Bens Materiais (r = 0,30) e Aspirações Positivas (r = 0,45). Dentre as 24 forças, Espiritualidade (r = 0,58) e Otimismo (r = 0,52) apresentaram correlações de alta magnitude, Generosidade e Amor, correlações moderadas com o construto projeto de vida.

 

 

Observou-se que Religiosidade está altamente correlacionada com Espiritualidade, e de forma moderada com Otimismo e Autenticidade. Do mesmo modo, Bens Materiais apresentou correlações moderadas com Otimismo e Espiritualidade. Aspirações Positivas apresentou alta correlação com Generosidade e moderadamente com Senso de Coletividade, Gratidão, Otimismo e Autenticidade. Relacionamentos Afetivos apresentou correlações com sete forças, e carreira com 19, mas em ambas as situações, com baixas magnitudes.

Foi investigado o potencial preditivo das forças de caráter/pessoais sobre projeto de vida. O modelo utilizado adotou as forças como variáveis independentes (VI) e projeto de vida como variável dependente (VD). O modelo apresentou R ² ajustado de 0 , 17, explicando 17% da variância [(F ( 1, 134) = 26,46, p < 0,001)] . Em seguida, investigou-se o potencial preditivo de cada uma das 24 forças (VI) para os fatores que compõem projeto de vida (VD). Na tabela 3 são apresentados os coeficientes padronizados que apresentaram significância estatística. Sensatez, Persistência, Amor, Autorregulação, Apreciação pelo Belo e Espiritualidade predisseram em 23% o fator Relacionamentos Afetivos. Espiritualidade e Gratidão foram as forças que mais explicaram Religiosidade. Juntamente com Pensamento Crítico, Criatividade e Generosidade, predisseram 29% da dimensão. Carreira foi explicada em 7% por Justiça. Espiritualidade e Otimismo e explicaram 25% da variância de Bens Materiais. Generosidade e Humor explicaram 30% do fator aspirações positivas.

 

 

Discussão

Este estudo teve como objetivo principal investigar as associações das forças de caráter e projetos de vida em adolescentes e jovens. Os resultados evidenciaram que as forças de caráter estão associadas com projeto de vida, e que dentre as 24 forças, 23 estão correlacionadas com alguma das dimensões que compõem o construto, confirmando a hipótese inicial (H1) desta pesquisa. Esse dado demonstra a importância das características individuais positivas para esse processo de construção. Além dos aspectos contextuais, como família, relação com os pares, atividades exercidas, fatores já consolidados na literatura (Massey et al., 2008), esta pesquisa ressaltou a importância de características como espiritualidade, generosidade, gratidão, senso de coletividade e autenticidade para construção de projeto de vida.

Identificou-se que as forças gratidão, curiosidade, persistência e otimismo foram as forças mais endossadas pelos adolescentes. Já Carreira e Bens Materiais, os fatores de projeto de vida que mais se destacaram. Sabe-se que o período da adolescência é caracterizado como o momento de escolha profissional. Ressalta-se que, sobre esse momento de decisão, incidem diversos fatores, dentre eles, os econômicos. Desse modo, a construção de um projeto de vida nessa etapa do desenvolvimento é perpassada tanto pela decisão por uma carreira, quanto pela necessidade de escolha por uma profissão que propicie ascensão socioeconômica e melhoria da qualidade de vida. Nesse sentido, ressalta-se a importância de forças como a curiosidade, que impulsionam o sujeito na busca por novas soluções e saídas diante da realidade imposta, e de forças como perseverança e otimismo auxiliando na insistência para realizar os objetivos, mesmo diante das adversidades (Noronha & Dametto, 2019).

Destaca-se o papel da autenticidade, entendida como a congruência entre o que o sujeito é e aquilo que apresenta às pessoas (Peterson, & Seligman, 2004). É característico do período da adolescência o processo de construção de identidade, devido ao maior desenvolvimento cognitivo, melhor compreensão das normas sociais, e autonomia na realização de suas escolhas (Groppo, 2015). Ainda que vá contra ideais familiares ou dos grupos sociais no qual está inserido, o adolescente sustenta suas decisões, principalmente no que diz respeito ao estabelecimento de metas para a sua vida (Barbosa, Neumann, Alves, Teixeira, & Wagner, 2017)

A força espiritualidade, por sua vez, mostrou-se fortemente associada com projeto de vida, uma vez que a religiosidade é um componente deste construto. Embora exista na literatura diversas discussões acerca da diferença entre tais variáveis, ambas compartilham do comportamento de credulidade em um ser divino ou sagrado. Ademais, entende-se como espiritualidade a satisfação pessoal e a conexão do sujeito com algo que considere absoluto. Desta vivência com o transcendente, aspectos éticos e morais são internalizados e acabam funcionando como balizadores do indivíduo na construção do projeto de vida. Do mesmo modo que a espiritualidade, o projeto de vida acaba funcionando como um norteador moral, favorecendo o engajamento em comportamentos pró-sociais no decorrer de sua existência (Tirri, Moran, & Mariano, 2016).

Nesse sentido, generosidade, gratidão e senso de coletividade foram as três forças que mais se relacionaram com aspirações positivas. Este componente do projeto de vida, reúne expectativas do adolescente em se tornar uma pessoa melhor ao longo do tempo, fazer diferença na vida de outras pessoas e na sociedade em que está inserido (Dellazzana-Zanon & Gobbo, 2016). Se a religiosidade, abordada anteriormente, ressalta o aspecto individual, a dimensão de aspirações positivas evidencia o aspecto social dos projetos de vida (Damon et al.,2003). Generosidade consiste na ação de fazer boas ações para os outros, bem como reconhecer o valor das pessoas. Gratidão consiste em estar atento e agradecido pelas coisas boas que acontecem. Senso de coletividade é caracterizado por uma abnegação de vontades pessoais, em prol de uma equipe ou grupo (Peterson, & Seligman, 2004). Uma meta-análise realizada por Ma, Tunney e Ferguson (2017) evidenciou que tais características positivas favorecem o engajamento de jovens em comportamentos pró-sociais. Desse modo, se o período da adolescência foi visto somente como um período potenciais riscos e vulnerabilidades ao desenvolvimento, destaca-se aqui, o anseio de transformação da realidade social por meio do projeto de vida.

Os objetivos específicos consistiram em identificar o potencial explicativo das forças sobre os componentes do projeto de vida. A dimensão relacionamentos afetivos, inclui planos relacionados a iniciar, manter ou intensificar relacionamentos afetivos. Esse fator é composto pelas subcategorias: (a) constituir família, com ou sem filhos; (b) convivência com a família de origem, (c) namorar e (d) projetos que envolvam ajudar algum parente (Gobbo et al., 2019). Identificou-se que sensatez foi a que mais explicou esse fator. Sensatez é entendida como ter uma visão do mundo que faça sentido para si e para os outros, e ser capaz de aconselhar outros. No campo das relações interpessoais, a troca de experiências de percepções sobre o mundo é fundamental para a manutenção dos vínculos, bem como a valorização dos relacionamentos (força amor) e o controle das necessidades e impulsos mesmo diante de situações difíceis (autorregulação; Noronha et al., 2019).

Como esperado, espiritualidade e gratidão, que são relacionadas à transcendência, predisseram religiosidade. São forças que forjam conexões com o universo, com algo considerado absoluto, e que fornecem significado à vida das pessoas (Peterson & Seligman, 2004). Além disso, essas características não apenas estabelecem relação com o divino (aspecto individual), como promovem comportamentos que favorecem o coletivo (Kor et al., 2019; Ma et al., 2017). Importante destacar que justiça, que consiste em a tratar as pessoas da mesma forma, de acordo com as noções de equidade e igualdade, foi a que predisse a dimensão carreira. Tal dado reforça a importância dos aspectos da moralidade para escolha profissional dos estudantes, que tão importante quanto ter uma profissão e emprego, destacam-se os princípios morais envolvidos. Endossa essa afirmação o dado de que generosidade foi a força que mais predisse o componente aspirações positivas de projeto de vida. Entende-se que tão importante quanto o estabelecimento de metas para si, destaca-se a dimensão social, segundo componente do projeto de vida. Evidencia-se que os jovens, além dos aspectos individuais, possuem preocupação em exercer um papel significativo na sociedade, por meio de pensamentos, ideias e ações pró -sociais .

Otimismo foi a força que mais explicou bens materiais. O construto é definido como as expectativas positivas que as pessoas possuem em relação aos eventos futuros em suas vidas e o trabalho investido para alcançá-lo (Peterson & Seligman, 2004). Já a dimensão de bens materiais está relacionada à aquisição de posses e melhoria da condição financeira. Numa pesquisa sobre projeto de vida com estudantes do ensino médio, melhoria de vida e ascensão social listavam entre os principais objetivos de vida dos estudantes, principalmente entre os da rede pública de ensino (Marcelino, Fernandes, Catão & Lima, 2009), característica da maioria dos participantes dessa amostra. Desse modo, entende-se a importância do otimismo para superação das adversidades sociais presentes e alcance de metas relacionadas à melhoria da qualidade de vida.

 

Considerações Finais

O que foi apresentado nesta pesquisa evidencia a importância de características individuais positivas, abordadas como forças de caráter/pessoais, para a construção de projetos de vida. A associação positiva entre os construtos demonstra que quanto mais as forças estiverem presentes maior será a perspectiva dos adolescentes e jovens em relação ao futuro. Ressalta-se o papel de forças como espiritualidade, gratidão, generosidade, justiça, autenticidade, justiça e senso de coletividade, forças que envolvem a transcendência, o cuidado com o outro, fundamentais para o convívio saudável comunidade.

Numa perspectiva desenvolvimental e educacional, considerando a formação integral do aluno e o projeto de vida como aspectos a serem trabalhados na educação básica (LDB, 2017), investimentos em estratégias de promoção e desenvolvimento das forças de caráter mostram-se necessárias e promissoras. Ainda que este trabalho seja um avanço para o campo de investigação sobre projetos de vida, apresenta-se como algumas limitações que não foi investigado o nível socioeconômico dos alunos, bem como aspectos de ordem cultural que afetam diretamente o estudo da temática (Moran, 2018). Em estudos futuros, ressalta-se a importância de investigação da associação entre os construtos investigados com a mostras de adultos, bem como o funcionamento do projeto de vida como variável moderadora ou mediadora entre forças de caráter e variáveis critério, como desempenho escolar, rendimento acadêmico, comportamento agressivo, engajamento no trabalho, entre outras.

 

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Endereço para correspondência:
João Lucas Dias-Viana
Rua Deoclésio Câmara Matos, 150
Vila Carminha, Campinas, SP-Brasil
CEP: 13045-425

Recebido: 26/05/2020
1a ref: 04/01/21
Aceito: 1/02/21

 

 

Sobre os autores:
Caio Cesar Rodrigues de Toledo é Mestre em Psicologia, com ênfase em Avaliação Psicológica, e Psicólogo pela Universidade São Francisco. Fundador e Presidente do Instituto Inclua. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-7078-2130 E-mail: caiocesar_toledo@yahoo.com.br
Ana Paula Porto Noronha é Psicóloga, Mestre em Psicologia Escolar e Doutora em Psicologia Ciência e Profissão pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Professora Associada do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. É bolsista produtividade em pesquisa do CNPq 1A. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6821-0299 E-mail: ana.noronha@usf.edu.br
João Lucas Dias-Viana é Doutorando e Mestre em Psicologia, com ênfase em avaliação psicológica pela Universidade São Francisco. Psicólogo pela Universidade Estadual do Ceará. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-7626-3937 E-mail: jolucasviana@gmail

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