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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.23 no.1 Campinas jan./jun. 2022

https://doi.org/10.26707/1984-7270/2022v23n208 

10.26707/1984-7270/2022v23n208

ARTIGO

 

Perspetiva Temporal no ensino secundário: Efeitos do tipo de ensino e sexo

 

Time Perspective in secondary education: Effects of type of education and gender

 

Perspectiva Temporal en educación secundaria: Efectos del tipo de encino y sexo

 

 

Francisca DuarteI; Maria Paula PaixãoI; José Tomás da SilvaI

IUniversidade de Coimbra, Coimbra, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Perspetiva Temporal surge como um constructo útil para compreender o processo de transição de estudantes do ensino secundário. O estudo teve como objetivo avaliar as diferenças na Perspetiva Temporal de 490 estudantes, em função do tipo de ensino e do sexo. Utilizando o Modelo Multidimensional da Temporalidade Subjetiva para o Ensino Secundário, comparam-se as médias nas dimensões da Perspetiva Temporal através de uma MANOVA mista 2x2x2 com medidas repetidas num fator. Os resultados apontam para diferenças significativas em algumas dimensões da Perspetiva Temporal em função dos contextos estudados. São apresentadas as limitações do estudo e discutidas as suas implicações para a intervenção em orientação vocacional na transição do ensino secundário para o ensino superior e/ou mercado de trabalho.

Palavras-chave: perspetiva temporal, estudantes, orientação vocacional.


ABSTRACT

Time Perspective appears as a construct that might facilitate or hinder the transition process of secondary education. The study had as its objective the evaluation of the differences in the Time Perspective of 490 students, taking simultaneously into account the type of education attended and their gender. Using the Multidimensional Model of Subjective Temporality for Secondary Education, the averages in the dimensions are compared using a mixed MANOVA 2x2x2. The results point out to significant differences in some dimensions of Time Perspective. The limitations of the study are presented and their implications for the intervention vocational guidance in the transition of the secondary education to higher education and/or to the world of work are discussed.

Keywords: time perspective, students, vocational guidance.


RESUMEN

La Perspectiva Temporal aparece como uno constructo útil para comprender lo proceso de transición de los estudiantes de educación secundaria. El estudio tuve como objetivo evaluar las diferencias en la Perspectiva Temporal de 490 estudiantes, según el tipo de educación asistida y el sexo. Utilizando el Modelo Multidimensional de la Temporalidad Subjetiva para la Educación Secundaria, se comparan los promedios en las dimensiones da la Perspectiva Temporal utilizando un MANOVA mixto 2x2x2 con medidas repetidas en un fator. Los resultados apuntan a diferencias significativas en algunas dimensiones de la Perspectiva Temporal en función de los contextos estudiados. Se presentan las limitaciones del estudio y se discuten sus implicaciones para la intervención en la orientación vocacional en la transición de la educación secundaria para lo enseño superior y/o al mercado laboral.

Palabras clave: perspectiva temporal, estudiantes, orientación vocacional.


 

 

Introdução

O ensino secundário (ensino médio, no Brasil), no âmbito do Sistema Educativo Português, é um percurso de formação com a duração de três anos (10º, 11º e 12º), que representa, desde 2009, os últimos anos de escolaridade obrigatória. Os/As alunos/as deste tipo de ensino passam por duas das transições mais relevantes e desafiantes do sistema educativo pré-universitário, a transição do ensino básico para o ensino secundário e deste para o ensino superior e/ou mercado de trabalho. Durante este ciclo de estudos são confrontados com vários desafios, relativamente aos quais a capacidade de adaptação à mudança irá contribuir para o sucesso das transições seguintes, constituindo um fator decisivo para o ajustamento do percurso futuro de carreira. Neste contexto de múltiplas transições, ganha particular relevo compreender a organização da perspetiva temporal (PT) uma vez que a investigação tem permitido confirmar a sua importância ao nível de diversos comportamentos, cognições e formas de regulação emocional (Andre, van Vianen, Peetsma, & Oort, 2018; Husman & Shell, 2008; Lens, Paixão, Herrera, & Grobler, 2012; Zimbardo & Boyd, 1999). Deste modo, o presente estudo tem como objetivo principal avaliar eventuais diferenças no perfil de PT dos estudantes, em dois momentos de frequência do ensino secundário (11º e 12º ano), tomando em consideração quer o percurso do ensino, quer o sexo.

De facto, o estudo do tempo em qualquer uma das suas diversas facetas interessou e ocupou (em diferentes graus) desde sempre os psicólogos (Ortuño, Paixão, & Janeiro, 2013). Depois de uma estagnação do estudo psicológico do tempo (ou PT), atribuída ao hegemonismo das conceções behavioristas, com a mudança de paradigma na psicologia causada pela revolução cognitivista renovou-se o interesse dos pesquisadores pela PT (Lens, 1986; Wallace & Rabin, 1960). Pioneiro nesta renovação teórica, Lewin (1965) expôs uma noção organizada do tempo psicológico e definiu a PT como a totalidade das perspetivas que um indivíduo tem do seu passado e futuro psicológicos num determinado momento presente.

Partindo da conceção lewiana da PT, surgem diversas conceptualizações sobre o tema com relevância conceptual e metodológica. Iremos referir apenas algumas das que mais diretamente influenciaram o nosso estudo. O modelo de Nuttin e Lens (1985) é o modelo mais clássico, mas atual, pelo trabalho conceptual, metodológico e empírico que está na sua base (Paixão, 2004). Segundo Nuttin e Lens (1985), a PT do sujeito é constituída por acontecimentos passados e futuros, integrados no funcionamento cognitivo atual, que influenciam a perceção dos acontecimentos e o seu impacto comportamental. O modelo expectativa×valor (Husman & Lens, 1999), elaborado a partir da proposta anterior, sugere que as diferenças nas componentes dinâmicas e cognitivas da Perspetiva Temporal do Futuro (PTF) produzem diferenças qualitativas na motivação, através dos conceitos de utilidade das atividades presentes para alcançar objetivos futuros e da valência atribuída a esses objetivos. Pessoas com uma PTF curta tendem a centrar o seu olhar no futuro imediato, enquanto pessoas com uma extensa PTF tendem a formular objetivos para o futuro mais longínquo (Nuttin & Lens, 1985).

Apesar do interesse dos pesquisadores, verificou-se um refreamento na produção científica em torno da PT (Ortuño, Janeiro, Paixão, Esteves, & Cordeiro, 2017). A superação da estagnação neste domínio, deve-se, em grande medida, ao ímpeto proporcionado pelos trabalhos realizados na última década do século XX por P. Zimbardo (Zimbardo & Boyd, 1999), embora também integre outras perspetivas (Coscioni, Teixeira, Damásio, Dell'Aglio, & Paixão, 2020). Este modelo, apesar de inicialmente aplicado no âmbito da saúde e dos comportamentos aditivos e de risco (Zimbardo, Keough, & Boyd, 1997), é atualmente utilizado nas mais variadas áreas, constituindo-se como uma referência obrigatória quando se discute a PT devido à sua relevância empírica e conceptual (Ortuño, Janeiro, Cordeiro, Paixão, & Gamboa, 2017).

A ampla utilização deste modelo na investigação e na intervenção é comprovada pelos inúmeros estudos publicados e com larga aceitação pela comunidade científica (Stolarski, Fieulaine, & van Beek, 2015). Zimbardo & Boyd (1999) propuseram que a PT é largamente um processo não consciente, por meio do qual as experiências pessoais e sociais são armazenadas, organizadas e categorizadas tendo em conta cinco marcos ou categorias temporais: Passado Positivo (PP) refere-se a acontecimentos passados vividos de forma agradável; Passado Negativo (PN) apresenta uma visão aversiva e negativa em relação a eventos passados; Presente Hedonista (PH) indica uma forte tendência para a procura de experiências novas, sem preocupação pelas consequências; Presente Fatalista (PF) revela uma atitude desamparada em relação ao presente, em que os acontecimentos são percebidos como estando fora do controlo do indivíduo; e Futuro (F) aponta para um comportamento maioritariamente orientado para a prossecução dos objetivos futuros em que as recompensas são adiadas. Estes marcos temporais representam um quadro organizativo e interpretativo para os objetos, internos e externos, motivacionais dos indivíduos, como sugeriram anteriormente Nuttin e Lens (1985).

Um dos fatores que muito contribuiu para a notoriedade do modelo da PT de Zimbardo resulta do seu processo de operacionalização (medida atemática) através do Zimbardo Time Perspective Inventory (ZTPI) (Sircova, Mitina, Boyd, Davydova, Zimbardo, Nepryaho, et al., 2007; Zimbardo & Boyd, 1999). Não obstante o ZTPI ser uma das medidas mais populares da PT são-lhe apontadas algumas limitações, nomeadamente na operacionalização de facetas relevantes da PTF propriamente dita (Andre et al., 2018). O modelo expectativa×valor da PTF delineado por Husman & Lens (1999) e a sua operacionalização através da Future Time Perspective Scale (FTPS: Husman & Shell, 2008, medida igualmente atemática) permitem suplantar algumas das limitações apontadas ao ZTPI, nomeadamente na análise do espectro temporal futuro e, por isso, nas últimas décadas, este instrumento tem vindo a suscitar grande interesse a nível internacional.

A FTPS constitui uma medida abrangente e psicometricamente robusta para avaliar as dimensões subjacentes à PTF a partir do final da adolescência (Husman & Shell, 2008). A FTPS avalia quatro dimensões correspondentes aos constructos tradicionalmente considerados como mais estáveis do conjunto de crenças relativas à PTF (Miguel, Paixão, Silva, & Machado, 2017): (a) Instrumentalidade, consiste na capacidade de estabelecer ligações entre as atividades presentes e os objetivos futuros (Shell & Husman, 2001), sendo que sujeitos com uma elevada PTF possuem maior probabilidade de realização dessas ligações; (b) Valência, reflete a importância que os sujeitos atribuem às metas atingíveis no futuro, indicando que a valorização de objetivos futuros a longo prazo é robusta e saliente (Husman & Lens, 1999); (c) Velocidade, define-se pela capacidade de antecipar e planear o futuro, medindo a velocidade com que os sujeitos sentem a passagem do tempo (Shell & Husman, 2001); e (d) Extensão, operacionalizada como a distância temporal a que o sujeito consegue projetar as suas aspirações, permitindo ao sujeito diferenciar desejos, sonhos e objetivos (Husman & Shell, 2008).

Neste estudo desejamos ainda incluir um aspeto da PTF não comtemplado nos modelos anteriores: a ansiedade suscitada pelo futuro. Tomando como ponto de partida as dimensões da PTF (Nuttin & Lens, 1985; Ringle & Savickas, 1983) e os resultados obtidos por Zimbardo e Boyd (1999) acerca da independência estrutural das três zonas de orientação temporal, Janeiro (2012) elaborou o Inventário da Perspetiva Temporal (IPT) com o objetivo de avaliar as dimensões temporais de estudantes do ensino básico e secundário. Vários estudos realizados com o ZTPI e o IPT (Ortuño & Janeiro, 2009; 2010) têm permitido observar as vantagens da utilização conjunta de algumas dimensões do IPT com o ZTPI, nomeadamente para a compreensão da visão ansiosa do futuro.

Qualquer um dos modelos que acabámos de referir, embora partilhando a mesma família teórica, raramente é articulado com os outros na investigação da PT. O ZTPI, por exemplo, é tipicamente usado no campo da personalidade e da psicologia social, e a FTPS está predominantemente presente na área da psicologia da educação e da motivação, enquanto o ITP foi especificamente desenvolvido para o domínio da psicologia vocacional e do desenvolvimento de carreira. Por enquanto desconhece-se qualquer estudo que tenha examinado as possíveis inter-relações entre os fatores avaliados pelos três instrumentos. Esta lacuna constitui um obstáculo à construção de um corpo de conhecimentos consolidado e coerente no domínio da PT, inibindo o estabelecimento de pontos de ligação entre os diversos programas de investigação e, portanto, o usufruto dos avanços teóricos e metodológicos que se registam em cada uma das áreas. Uma limitação metodológica na investigação na PT no passado consistiu, precisamente, no seu confinamento a um modelo de medida preferido de operacionalização do constructo (por exemplo, o ZTPI) em detrimento de outros modelos igualmente pertinentes. Recentemente, Duarte, Silva e Paixão (2020) procuraram examinar as plausíveis comunalidades entre as principais medidas e modelos da PT e determinar quais os fatores comuns necessários para explicar a variabilidade nas respostas aos itens da PT. Com o objetivo de obter uma resposta empírica a esta questão, submeteram a análises fatoriais exploratórias e confirmatórias os itens provenientes das três medidas da PT acima referidas. O modelo encontrado, em termos gerais, revelou uma qualidade de ajustamento aceitável (Duarte et al., 2020) constituindo uma abordagem integrativa de diferentes facetas da PT. Adicionalmente, constitui uma proposta interessante para concetualizar a estrutura da PT no final da adolescência e, em particular, a relação de interdependência unindo as medidas operacionalizadas pelos três instrumentos referidos.

O modelo então alcançado deu origem a um questionário (QMTS) que inclui 37 itens distribuídos por seis dimensões ou fatores: (a) Perceção da Incontrolabilidade (PI) inclui as dimensões PF do ZTPI, que expressa uma crença de que a vida é predestinada e não influenciada pela ação individual, estando fora do controle pessoal (Zimbardo & Boyd, 1999), e Instrumentalidade da FTPS, que sublinha a capacidade de estabelecer ligações entre as atividades presentes e os objetivos futuros (Shell & Husman, 2001); a PI constitui uma dimensão agregando os fatores que o sujeito não consegue controlar; (b) Passado Negativo (PNr) do ZTPI destaca uma visão aversiva e negativa do passado que pode ser resultado da experiência de eventos traumáticos ou da reconstrução negativa de eventos benignos (Zimbardo & Boyd, 1999); (c) Valência (Vr) da FTPS, expressando a importância que os sujeitos atribuem às metas atingíveis no futuro, mesmo para zonas objetivamente distantes (Husman & Lens, 1999); (d ) Futuro (Fr) do ZTPI, representando o comportamento dominado pela procura de objetivos e recompensas e pela consideração de consequências futuras do comportamento atual (Zimbardo & Boyd, 1999); (e) Presente Hedonista (PHr) do ZTPI, que evidencia uma atitude hedonista, de assunção de riscos e busca do prazer imediato, com elevada impulsividade e de pouca preocupação com as consequências futuras (Zimbardo & Boyd, 1999); e (f) Futuro Ansioso (FA) do IPT que avalia a perceção ansiosa ou negativa do futuro (Janeiro, 2012) estando associada a comportamentos de evitamento.

Neste estudo procurámos averiguar o impacto de vários contextos na PT (operacionalizada pelo QMTS). Assim, para além do contexto educativo dos estudantes (cursos científico-humanísticos CCH versus cursos profissionais CP) e do tempo (maior ou menor proximidade da transição do ensino secundário para o ensino superior e/ou mercado de trabalho – 11º ano versus 12º ano), avaliámos, ainda, o contexto de sexo (masculino versus feminino). Nas últimas décadas, a investigação realizada tem permitido confirmar a importância que o estudo dos contextos de vida possui para a psicologia ao nível dos comportamentos e cognições (Andre et al., 2018; Kooji, Kanfer, Betts, & Rudolph, 2018; Paixão, Silva, Ortuño, & Cordeiro, 2013; Rudolph, Kooji, Rauvola, & Zacher, 2018; Seginer, 2009; Stolarski et al., 2015). Esses estudos trataram tipicamente de uma abordagem teórica fundada no modelo Pessoa×Contexto, visando representar simultaneamente o indivíduo e os múltiplos contextos no âmbito dos quais os indivíduos atuam revelando, como referem Vondracek e Porfeli (2008), toda a sua "complexidade e rica diversidade" (p. 211). São dois os contextos que nos interessam especificamente neste estudo. O primeiro é o contexto de sexo e o segundo o dos percursos educativos no ensino secundário. De seguida, cada um deles será brevemente descrito.

As diferenças atribuídas ao sexo são um tópico frequentemente examinado na psicologia e, como seria de esperar, a área da PT não é exceção. Herrera e Lens (2009), num estudo com jovens latino-americanos do Peru e Costa Rica, reportaram que os rapazes apresentavam uma PT de mais curto prazo, enquanto as raparigas tinham mais respostas de médio e longo prazo. Na mesma linha, Ortuño e Janeiro (2009), num estudo comparativo de duas medidas da PT, relataram que o sexo masculino apresentava valores ligeiramente inferiores em todas as dimensões da PT (exceto no PF), alcançando o limiar de significância estatística na dimensão Futuro. Estes resultados coincidem com os relatados por outros investigadores (Ortuño & Gamboa, 2009; Zimbardo & Boyd, 1999). Em geral, as investigações evidenciaram a existência de relações equívocas entre o sexo e variáveis da PT (Rudolph et al., 2018), sendo essas relações menos consistentes do que as obtidas para a idade ou para outros fatores sociodemográficos (Kooji et al., 2018). Baseando-se nestes dados, decidimos que seria apropriado, nesta fase, explorar detalhadamente a relação sexo-PT mais do que formular quaisquer hipóteses específicas sobre essa associação.

No sistema educativo português, depois de concluírem o 9º ano, os jovens dispõem de várias opções para continuar os seus estudos no ensino secundário. As duas opções principais consistem na frequência de CCH ou de CP. Enquanto os primeiros apontam claramente para o prosseguimento de estudos após a conclusão da escolaridade obrigatória (12º ano), os segundos representam um dos percursos assentes no modelo da aprendizagem efetuada em contexto de trabalho (work-based learning). A frequência de um ou outro percurso está associada a diferenças de vária ordem, nomeadamente nos planos educativo, social e vocacional. Por exemplo, persiste ainda a imagem de que só os piores estudantes nos ciclos anteriores escolhem os CP. Por esse facto, os CP tendem também a ter menor prestígio social do que os CCH.

Os efeitos no desenvolvimento de carreira decorrentes da escolha de percursos educativos diferenciados ainda não estão suficientemente esclarecidos, mas extrapolando da literatura existente sobre as dimensões do emprego adolescente (Mortimer & Zimmer-Gembeck, 2007), podemos inferir que estes não sejam negligenciáveis, podendo, no entanto, ser tanto negativos como positivos. Alguns autores têm procurado elucidar os efeitos específicos dos estágios profissionais (experiências de trabalho inseridas no âmbito da formação educativa dos CP) no desenvolvimento de carreira (Gamboa, Paixão, & Jesus, 2013; 2014; Gamboa, Paixão, Silva, & Taveira, 2020) genericamente relataram efeitos positivos em variáveis relevantes tais como exploração de carreira, quantidade de informação sobre profissões, autoeficácia, etc. Infelizmente não encontramos quaisquer estudos que averiguassem a associação da PT com distintos percursos educativos, experiências de estágios em contexto laboral, ou ainda, com dimensões do emprego adolescente. Por isso, decidimos usar uma abordagem exploratória acerca da relação tipo de ensino-PT, mais do que formular quaisquer hipóteses específicas sobre essa associação.

A organização do estudo baseou-se nas seguintes hipóteses: a PT (i.e., as médias nas dimensões avaliadas) mantém-se estável no tempo (11º ano versus 12º ano) (H1); existem diferenças estatisticamente significativas na PT em função do percurso escolar (H2); e, finalmente, existem diferenças estatisticamente significativas na PT em função do sexo (H3). Para além dos efeitos principais examinaram-se ainda os efeitos das interações entre as três variáveis contextuais (tempo, tipo de ensino e sexo), embora neste caso não se tenham formulado hipóteses à priori.

 

Método

Participantes

Participaram neste estudo 490 de estudantes que frequentavam o 11º ano (T1) e, um ano depois, o 12º ano de escolaridade (T2), matriculados em escolas públicas, secundárias e profissionais, da região Centro (Litoral de Portugal). As idades desta amostra não probabilística variaram entre os 15 e os 20 anos de idade (T1) com uma média de 17.03 anos (DP = 0.98). A distribuição é bastante equilibrada quanto ao sexo, embora favorecendo ligeiramente o sexo feminino (52%). A maioria dos participantes possuía nacionalidade Portuguesa (89%) e residia em zona medianamente urbana (47%). O nível socioeconómico, determinado pela habilitação mais elevada de um dos progenitores do estudante, distribui-se pelos três níveis da seguinte forma: baixo (até ao 9º ano = 40%), médio (ensino secundário = 37%) e elevado (ensino superior = 23%). No que concerne às trajetórias escolares, os sujeitos estavam equitativamente distribuídos pelos percursos tipicamente orientados para o prosseguimento de estudos, ou CCH, e os de dupla certificação, ou CP. Cerca de 28% dos/as alunos/as já tinha reprovado pelo menos uma vez ao longo do seu percurso escolar. O critério de inclusão estabelecido foi a frequência do ensino secundário, em qualquer dos percursos referidos, no 11º ano (T1). De referir que, do primeiro (T1) para o segundo momento de recolha de dados (T2), 31 sujeitos (aproximadamente 7% dos casos) desistiram da sua participação na investigação e, por isso, constituem casos omissos nas análises que apresentamos neste estudo. Análises das pontuações no T1 para os dois grupos (dados completos T1-T2 vs. apenas T1) nas variáveis quantitativas pertinentes para os objetivos do presente estudo revelou a inexistência de diferenças estatisticamente significativas (Lambda de Wilks' = .987, F(6, 483) = 1.08, p = .37). As análises nas variáveis categoriais (sexo e tipo de ensino) revelaram que os respondentes com dados completos vs. incompletos não diferem quanto ao sexo (χ2(1) = 1.35, p = .25), mas diferem quanto ao tipo de ensino frequentado (χ2(1) = 4.17, p = .04).

Instrumentos

O questionário sociodemográfico, elaborado pelos autores deste estudo, apresenta um conjunto de questões através das quais se pretendia analisar algumas variáveis sociodemográficas e escolares referentes à situação dos estudantes nos dois momentos de recolha de dados, tais como: idade, sexo, nacionalidade, zona de residência, nível socioeconómico, tipo de percurso escolar, retenções escolares, entre outras.

O Questionário Multidimensional da Temporalidade Subjetiva (QMTS: Duarte et al., 2020) foi delineado, como referido anteriormente, a partir de itens extraídos de três instrumentos validados de medida da PT, com base na AFC. A consistência interna para as pontuações nos seis fatores (PI; PNr; PHr; Fr; Vr; FA; r é usado para distinguir estas escalas das originais homónimas) situou-se dentro dos níveis considerados aceitáveis-ótimos para efeitos de investigação, quer no T1 (n = 490), quer no T2 (n = 459): PI (α1 = .94; α2 = .94); PNr (α1 = .82; α2 = .82), PHr (α1 = .64; α2 = .63), Fr (α1 = .71; α2 = .71), Vr (α1 = .76; α2 = .76) e FA (α1 = .67; α2 = .67).

Procedimentos

O presente estudo está organizado como um desenho longitudinal breve, tendo-se procedido à recolha dos dados em dois tempos distintos (T1: 11º ano e T2: 12º ano) com um intervalo temporal de um ano. A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e Direção Geral de Educação (DGE) deram autorização prévia para a realização do estudo no contexto educativo português. As direções das escolas secundárias e profissionais selecionadas colaboraram na divulgação do estudo junto dos estudantes e na entrega da ficha relativa ao consentimento dos encarregados de educação. A participação dos estudantes foi voluntária, garantida a confidencialidade e o direito de abandono a qualquer momento, caso esse fosse o desejo expresso do respondente. Não houve qualquer tipo de incentivo para os participantes. Cada sessão de aplicação, que decorreu em contexto de sala de aula, teve uma duração aproximada de 30 minutos, em ambos os momentos. A recolha de dados decorreu durante os segundos períodos escolares dos anos letivos 2016/2017 (T1) e 2017/2018 (T2). No que se refere aos procedimentos da análise dos dados, após a obtenção das estatísticas descritivas e das estimativas de precisão das diferentes variáveis em estudo, efetuámos uma MANOVA mista (medidas repetidas num fator) para comparar médias entre grupos em consonância com o plano de investigação delineado: 2(11º vs. 12º ano)x2(M vs. F)x2(CCH vs. CP).

 

Resultados

Na Tabela 1 encontram-se as médias (e desvios-padrão) nas variáveis da PT desagregadas em função do sexo, tipo de ensino e tempo. De modo a equiparar as medidas, as pontuações originais foram previamente convertidas em pontuações T (média e desvio-padrão de 50 e 10 respetivamente). Uma primeira abordagem do padrão de resultados mostra que, em geral, os resultados estão próximos da média, quer no T1, quer no T2. No que diz respeito à variabilidade esta situa-se em torno de ±1 DP. Em termos de inferência estatística a análise multivariada da variância MANOVA 2x2x2 (medidas repetidas num fator) mostrou no caso dos efeitos inter-sujeitos, a inexistência de efeitos estatisticamente significativos para o sexo (λ = .97, F(6, 450) = 2, p = .06, ηp2 = .03), Todavia, os efeitos do tipo de ensino (λ = .97, F(6, 450) = 2.7, p = .01, ηp2 = .04) e da interação sexo×tipo de ensino (λ =.97, F(6, 450) = 2, p = .03, ηp2 = .03) revelaram-se ambos estatisticamente significativos.

No que diz respeito aos efeitos intra-sujeitos não se encontrou evidência de significância estatística para a variável tempo (T1 vs. T2) (λ= .999, F(6, 450) = .09, p = .997, ηp2 = .001), para a interação tempo×sexo (λ = .99, F(6, 450) = 1.11, p = .36, ηp2 = .02), ou, ainda, para a interação tempo×sexo×tipo de ensino (λ = .98, F(6, 450) = 1.42, p = .21, ηp2 = .02). A interação tempo×tipo de ensino, em contrapartida, mostrou-se estatisticamente significativa (λ = .93, F(6, 450) = 5.54, p < .001, ηp2 = .07). A análise circunstanciada dos dois efeitos inter-sujeitos que se revelaram estatisticamente significativas (i.e., o efeito principal do tipo de ensino e da interação sexo×tipo de ensino) mostrou que a única diferença observada, no primeiro caso, se restringia às pontuações do PNr (F(1, 445) = 10.49, p = .001, ηp2 = .02). Os estudantes que frequentam CCH reportaram uma média PN inferior (M = 48.97) à dos seus pares que frequentam CP (M = 51.34); IC 95% [-3.81, -0.93].

O efeito da interação sexo×tipo de ensino, porém, foi mais ampliado do que o apurado acima, tendo-se verificado diferenças estatisticamente significativas na maioria dos fatores avaliados pelo QMTS. Mais especificamente, encontraram-se diferenças nos fatores de PI (F(1, 455) = 5.17, p = .02, ηp2 = .01), PNr (F(1, 455) = 5.89, p = .02, ηp2 = .01), PHr (F(1, 455) = 4.22, p = .04, ηp2 = .01) e Fr (F(1, 455) = 9.42, p = .002, ηp2 = .02). No fator de PI os rapazes dos CCH têm uma média mais elevada (M = 50.44) do que os dos CP (M = 49.51), enquanto o inverso é observado nas raparigas (M = 50.93; M = 49.60). No fator PNr o padrão interativo é diferente do anterior: os rapazes dos CCH (M = 49.34), os dos CP (M = 49.93) e as raparigas dos CCH (M = 48.60) reportaram médias mais baixas e muito similares, enquanto as raparigas dos CP são as que reportaram um valor médio mais alto neste fator (M = 52.75). No fator PHr constata-se que as raparigas que frequentam os CP são as que apresentam uma pontuação média mais elevada (M = 51.36), sobretudo quando comparado com a média dos rapazes que frequentam o mesmo tipo de percurso (M = 48.62). Os rapazes (M = 50.16) e as raparigas (M = 49.85) dos CCH, por sua vez, mostram valores de PHr muito semelhantes e localizados a uma distância intermédia da reportada para os dois grupos anteriores. Finalmente, para o fator Fr o padrão dos resultados indica que os rapazes que frequentam os CCH (M = 50.92) registam um valor médio mais elevado do que os rapazes dos CP (M = 48.58); nas raparigas é exatamente o oposto que acontece: as que frequentam os CP registam um valor médio mais alto (M = 52.61) do que as que frequentam os CCH (M = 49.43).

No que diz respeito aos efeitos intra-sujeitos, como mencionámos acima, apenas a interação tempo×tipo de ensino mostrou significância estatística. Tal como prevíramos, os fatores do QMTS mostraram um nível (médio) elevado de estabilidade temporal entre as observações (aproximadamente um ano de intervalo). Isto revela que, em geral, as médias nos fatores da PT mantiveram-se praticamente inalteradas entre o 11º e o 12º anos de escolaridade. Todavia, um exame das autocorrelações mostra que a estabilidade obtida para as médias dos fatores não foi acompanhada por uma igual tendência na manutenção da posição de ordem de cada estudante no grupo em cada fator e nos dois momentos temporais. Pelo contrário, como mostram os coeficientes teste-reteste (autocorrelações) a variabilidade foi, em geral, bastante pronunciada: os r's variaram, em termos absolutos, entre .19 (FA) e .44 (PI). Em particular, a correlação das pontuações T1-T2 no fator PI foi negativa (a única de todas as testadas que revelou esta característica); isto significa que os/as alunos/as que no 11º reportaram pontuações mais elevadas neste fator tenderam a apresentar pontuações mais baixas quando avaliados/as no 12º ano. Este resultado poderá ser melhor entendido pelo exame da interação tempo×tipo de ensino que, como vimos, é estatisticamente significativa. O efeito referido só foi encontrado nas pontuações do fator de PI (F(1, 455) = 30.10, p < .001, ηp2 = .06), sendo estatisticamente não significativa nos restantes fatores do QMTS. Esta interação mostra que enquanto nos estudantes dos CCH as pontuações médias de PI aumentam do T1 (M = 48.13) para T2 (M = 51.91), já o inverso se pode observar nas pontuações dos/as alunos/as que frequentam os CP uma vez que, neste caso, as pontuações médias diminuem do T1 (M = 52.55) para o T2 (M = 47.90). Por outras palavras, os/as alunos/as que no 11º ano (T1) reportaram os resultados mais altos na variável são os que apresentam os valores médios mais baixos ao serem reavaliados quando frequentavam o 12º ano (T2).

 

Discussão

Neste estudo, tivemos como principal objetivo avaliar se o percurso frequentado no ensino secundário e o sexo, dois fatores nucleares no contexto desenvolvimental dos jovens, estavam associados a diferenças nas variáveis da PT, em dois momentos do ensino secundário (T1 = 11º ano e T2 = 12º anos de escolaridade). Em termos de resultados importa referir que o/a aluno/a típico/a desta amostra apresenta valores nas variáveis da PT próximos dos valores normativos para a amostra testada, independentemente do sexo, tipo de ensino e tempo. Sendo um resultado perfeitamente expectável, tendo em conta que o estudo usa uma amostra da comunidade de alunos do secundário, todavia, a moderada restrição na variabilidade das respostas pode ter contribuído para atenuar a magnitude dos efeitos que registámos no estudo. As análises estatísticas revelaram uma série de efeitos inter- e intra-sujeitos, bem como ao nível das respetivas interações. Na discussão que faremos de seguida, focaremos sobretudo as interações devido ao especial valor de que se revestem a discussão dos resultados.

Iniciando a presente discussão pelos efeitos inter-sujeitos, é importante sublinhar o impacto da interação sexo×tipo de ensino na maioria dos fatores do MMTS (e.g., PI, PNr, PHr, Fr), embora a variabilidade explicada (magnitude do efeito) em todos eles, como referimos acima, fosse pequena (Cohen, 1988). O fator PI constitui uma faceta inovadora do MMTS de Duarte et al (2020) e este estudo apresenta pela primeira vez evidências do seu interesse para uma visão mais compreensiva da PT e das suas consequências comportamentais. Este estudo mostra que os rapazes dos CCH e as raparigas dos CP percecionam um maior grau de incontrolabilidade a respeito do futuro, quando comparados com os rapazes dos CP e as raparigas dos CCH. Uma explicação para este padrão de resultados pode relacionar-se com o modo distinto destes/as alunos/as perceberem potenciais ameaças ao seu desenvolvimento futuro em função de especificidades dos contextos escolares que frequentam. Por exemplo, os rapazes a frequentarem CCH parecem sentir a transição para o percurso superior como sendo mais difícil de concretizar do que as raparigas do mesmo tipo de ensino, talvez por sentirem mais dificuldade nessa transição. As raparigas dos CP, embora não se distinguindo dos rapazes desta tipologia de ensino em termos de rendimento académico, provavelmente sentem menor grau de controlo a respeito dos seus planos futuros por causa de eventuais efeitos discriminatórios, reais ou imaginados, no acesso a profissões mais técnicas e tradicionalmente masculinas (Silva, Paixão, Machado, & Miguel, 2017; Xu, 2017).

As raparigas inseridas nos CP são as que apresentam média mais elevada no PNr refletindo uma visão aversiva do seu passado (Zimbardo & Boyd, 1999). Esta visão negativa a respeito do passado pessoal poderá traduzir arrependimento pelas decisões anteriores e pelo desejo de reverter alguns aspetos. A investigação anterior sobre este tópico (Zimbardo & Boyd, 1999) revela que a ruminação negativa está habitualmente associada com sintomatologia depressiva, ansiedade, baixa autoestima, pelo que estas raparigas poderão percecionar maiores dificuldades na transição que se avizinha. As raparigas dos CP podem, ainda, estar em maior risco no plano escolar e vocacional devido à pontuação mais elevada que apresentam no fator PHr. Este fator é caracterizado por uma orientação para apreciar, ter prazer e excitar-se com o momento presente sem pensar muito nas consequências futuras. Esta atitude correlaciona-se fortemente com a procura de novas sensações e de novas experiências e com baixo autocontrolo.

Em contraste com este retrato mais negativo que acabámos de esboçar para as raparigas dos CP, está a pontuação elevada que estas apresentam no fator Fr. Estas alunas (a par com os rapazes dos CCH) são as que apresentam médias mais elevadas na perceção do futuro, uma faceta habitualmente oposta à tendência hedonista e, caracterizada pela valorização do planeamento e da organização do comportamento presente em função de objetivos alcançáveis. Uma atitude positiva acerca do futuro é um fator protetor e de resiliência face às contrariedades da vida e por isso não é fácil compreender psicologicamente o modo como este é integrado com as outras visões mais negativas do seu autoconceito (maior incontrolabilidade, maior orientação para o PN e o PH). Interpretar esta complexidade psicológica é certamente uma matéria relevante que futuras investigações devem focar e salientar.

No que se refere aos efeitos intra-sujeitos apena a interação tempo×tipo de ensino mostrou significância estatística e apenas no fator PI do MMTS. As médias do fator PI dos/as alunos/as dos CCH aumentaram entre o 11º e o 12º, enquanto as médias dos/as alunos/as dos CP seguiram uma tendência inversa. Embora a magnitude destes efeitos, à semelhança dos que foram relatados anteriormente, seja pequena, podemos inferir que os/ as alunos/as dos CCH perspetivam a iminente transição como mais incerta e fora do seu controlo direto do que os seu pares que estão inseridos em percursos mais estruturados e alinhados com o ingresso mais rápido no mercado de trabalho. As experiências académicas e de trabalho (estágio) específicas do contexto educativo dos CP parecem ter ajudado estes/as alunos/as a reduzirem a perceção de que o futuro depende mais do destino, ou do acaso, do que a influência das ações individuais (Zimbardo & Boyd, 1999) e das atividades que se realizam no presente com vista a alcançar objetivos futuros (Husman & Lens, 1999). Pelo contrário, os/as alunos/as dos cursos predominantemente orientados para o prosseguimento dos estudos pós-secundários aumentaram a sua PI entre o 11º e o 12º ano sugerindo que a transição iminente depende não apenas de si, do seu esforço e capacidade, mas também de elementos contextuais que escapam ao seu controlo (e.g., competição no acesso ao ensino superior, grau de dificuldade dos exames de acesso, sorte). Os resultados também mostraram que, apesar de haver estabilidade ao nível das médias dos seis fatores do MMTS esta não é acompanhada por idêntica constância nas posições de ordem dos/ as alunos/as no 11º e no 12º anos. Este dado possui implicações práticas para a intervenção psicoeducativa com estes/as alunos/as revelando que o seu perfil nas variáveis da PT não é fixo e que pode ser modificado através de intervenções desenvolvidas com essa finalidade.

 

Considerações Finais

O tempo premeia todas as facetas da vida humana, fornecendo um quadro de referência de que os indivíduos necessitam para se orientarem no mundo caótico de atividades que se desenrolam nos múltiplos e díspares contextos que enquadram a sociedade (família, escola, trabalho, comunidade). Mais concretamente, o tempo é o ponto de referência cardinal e a métrica que os indivíduos utilizam para organizar, construir, recuperar e interpretar o passado, o presente e antecipar futuras experiências (Kooji et al., 2018; Ringle & Savickas, 1983; Zimbardo & Boyd, 1999). As primeiras décadas do novo milénio comprovam a relevância vital que a capacidade de adaptação proactiva à imprevisibilidade constitui para a construção e desenvolvimento de trajetórias positivas nas condições de mudança e incerteza, nomeadamente na esfera do trabalho, que caracterizam as sociedades atuais. Hoje sabemos que a experiência subjetiva de tempo pode alterar-se em função de fatores pessoais e contextuais. Este estudo visou estudar as relações entre os fatores contextuais do sexo e do tipo de percurso educativo frequentado no ensino secundário no perfil da PT dos/as aluno/as em dois momentos desse nível de ensino. Estudar a PT em alunos/as frequentando diferentes percursos educativos constitui um objetivo relevante para os cientistas sociais que desejem compreender de que maneira a sua organização pode potenciar a formação de trajetórias saudáveis em momentos normativos de transição da escolaridade obrigatória para o ensino superior e/ou o mercado de trabalho. O presente trabalho testou pela primeira vez a validade heurística das hipóteses extraídas de um novo modelo multidimensional da temporalidade subjetiva, um modelo integrativo de diferentes conceções teóricas da PT, que raramente foram articuladas na investigação até ao presente. Um dos principais méritos deste trabalho foi mostrar que o "novo" constructo de incontrolabilidade, combinando simultaneamente uma atitude fatalista e a descrença na eficácia das ações presentes para alcançar objetivos futuros, pode permitir compreender eventuais diferenças nos contextos sexo e tipo de ensino.

Em futuras investigações, e assinalando desde já uma das principais limitações do estudo que aqui apresentamos, sugerimos a possibilidade de alargar a amostra a estudantes de diferentes anos de escolaridade e diversas regiões de Portugal no sentido de permitir o esclarecimento em profundidade do papel da organização da PT no desenvolvimento vocacional dos jovens, principalmente em momentos normativos de transição. Como referem Paixão e Silva (2001), são necessárias mais pesquisas sobre o papel da PT em momentos críticos de transição, uma vez que a PT se reveste de primordial importância durante a adolescência e a adultez emergente, quando decisões relevantes de âmbito vocacional e de carreira devem ser tomadas. Por outro lado, embora longitudinal, esta investigação cingiu-se apenas a dois momentos, o que só possibilita o teste de relações lineares das trajetórias de desenvolvimento. Neste sentido, se quisermos compreender melhor o papel da PT nas trajetórias desenvolvimentais dos/as alunos/as do ensino secundário, será necessário aumentar o número de medições num intervalo temporal.

Quanto às implicações que esta investigação poderá ter na prática vocacional, salientamos a utilidade de se avaliar o espetro de fatores da PT, usando instrumentos como o QMTS como ponto de partida para a elaboração de programas e atividades psicoeducativas que contribuam para diminuir as perceções de incontrolabilidade, desconstruir as visões fatalistas do futuro e reestruturar cognitivamente as conceções negativas do passado que parecem dificultar a mobilização de estratégias adaptativas dos jovens que têm de lidar com transições de vida. A identificação de objetivos e o desenvolvimento de projetos para o futuro, consubstanciados numa PT extensa e complexa, por se encontrarem associados ao sucesso e bem-estar, deverão ser especialmente promovidos.

 

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Endereço para correspondência:
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
Edifício 1, Gabinete 5.15
Rua do Colégio Novo, 3000
Coimbra

Recebido 24/01/21
1ª reformulação 29/03/22
Aceito: 25/04/22

 

 

Sobre os autores:
Francisca da Conceição Duarte
Psicóloga, Mestre e Doutora pela Universidade de Coimbra. É membro associado do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC-UC) e é membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP).
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3981-1030
E-mail: duartefc1417@gmail.com
Maria Paula Barbas de Albuquerque Paixão
Psicóloga, Mestre e Doutora pela Universidade de Coimbra. É Professora Associada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC) e, atualmente, é a sua Diretora. É membro integrado do Centro de Intervenção em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC). e é membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP).
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3373-8461
E-mail: mppaixao@fpce.uc.pt
José Manuel Tomás da Silva
Psicólogo, Mestre e Doutor pela Universidade de Coimbra. É professor associado na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC). É membro integrado do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES-UC) e é membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP).
ORCID: https://orcid.org/0000-002-9995-8221
E-mail: jtsilva@fpce.uc.pt

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