SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número19A metáfora enquanto ponto de basta: uma articulação possível entre a noção de metáfora e a teoria dos nósO grupo como estratégia de intervenção em saúde mental da infância e adolescência índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Mental

versão impressa ISSN 1679-4427

Mental vol.10 no.19 Barbacena dez. 2012

 

Psicanálise, Trauma e Neurobiologia1

 

Psychoanalysis, Trauma and Neurobiology

 

 

Sebastião Rogério Góis Moreira

Doutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) - Campinas. Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos da Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC)

Endereço para correspondência

 

 

A obra cuidadosamente revisada apresenta em todo seu texto um português elegante, sem perder a precisão técnica necessária ao texto científico. Respeita a forma linear das normas técnicas para uma publicação científica, facilitando a compreensão do leitor. Dotada de uma capa ricamente ilustrada, vai da reprodução da obra clássica pintada no teto da Capela Sistina no Vaticano pelo pintor renascentista Michelangelo, nomeada A Criação de Adão, na qual fica claro e marcada em sua estrutura o formato do cérebro humano, depois passa pela bela imagem da tela pintada pelo norueguês Edvard Munch O Grito e, por fim, a fotografia de Freud datada de 1922. Essas ilustrações se unem por uma linha em espiral que aproxima e conecta as imagens.

Poucos não foram os artigos científicos publicados em revistas nacionais e internacionais consultados pelo autor. Muitos especializados em psicanálise, não faltando dentre outros os relacionadas ao campo da psiquiatria, da psicologia e das neurociências. Não foram poupadas as citações de inúmeros livros relacionados ao tema estudados pelo autor, muitos publicados originalmente em inglês, francês, espanhol e tantos outros já em edição portuguesa, de diferentes momentos históricos e atuais das ciências que atravessam fortalecendo a obra. Nota-se também um grande apreço do autor pelo campo da literatura, fornecendo material ilustrativo dos inúmeros casos clínicos apresentados. Encontramos escritores como Gibran, Kafka, Cervantes e Sartre. Essas citações acenam para a virtude do homen culto que faz ciência e não menos importante, concilia sua experiência de escritor na passagem como presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional Minas Gerais.

Os capítulos referendados por fontes bibliográficas bastante pertinentes aos objetivos propostos, quase todos apresentam esmero no trato dos exemplos clínicos e discussões posteriores das suas vivências pessoais, não deixando nenhum resquício que comprometesse o anonimato dos pacientes, mostrando uma grande preocupação ética ao tratar seus pacientes.

Com maestria, o autor percorre entranhas importantes da psicopatologia, habitando as páginas da obra com estudos sobre áreas essenciais relacionadas aos sofrimentos mentais, tais como o autismo, a psicose, os sintomas psicossomáticos, a anorexia nervosa e o transtorno de estresse pós-traumático. Transita pelos elementos conceituais da prática clínica do psicanalista, como o silêncio do psicanalista, a realidade psíquica e recentes confluências teóricas da psicanálise e suas possíveis contribuições para a teoria e a técnica.

Já na introdução do livro, o autor demonstra o fôlego de um jovem psicanalista que por mais de 40 anos, tem se debruçado no estudo da teoria e da técnica proposta pela psicanálise. Não poupa energia no refinamento crônico de um apaixonado pela obra de Freud, dando-se o direito de ponderar através da sua condição de analisado e de psicanalista didata, desnovelar sua obra, agregando questões que mesmo sabendo do risco de viver um isolamento dos renovadores, ousa em ideias novas para explicações antigas da psicanálise. Arrisca, sem medo, sem pressa, e com postura delicada dos que entendem de humildade, sempre pensando que pode e deve melhorar seus conhecimentos e sua condição humana, pois se abstrai da condição de quem faz diferença robusta na construção de novos paradigmas do conhecimento, em especial da psicopatologia. Coloca o leitor ora pensando ler teoria e proposta técnica de natureza científica, ora literatura, como no trecho abaixo:

Apazigua-me a certeza de que há no universo dos homens uma predisposição autista que opera contra qualquer mudança no nosso acervo de hábitos e conhecimentos, devido ao medo de desfazer as defesas existentes para manter a lucidez e a vida, ainda que novos conhecimentos possam nos dar qualidade de vida. Afinal, é nisso que acreditamos quando oferecemos ao paciente nossos conhecimentos para auxiliá-lo com meu sofrimento. (SALIM, 2012, p. 15).

Após a introdução à obra, apresenta 14 capítulos, fruto de artigos apresentados em jornadas científicas, publicados ou não, como o próprio autor cita em notas de rodapé, que os mesmos não foram publicados devido à originalidade e os pareceres adversos dos revisores. Sua descrição é bastante transparente ao introduzir cada um deles após nota explicativa sobre o mesmo. Nota-se que, em cada artigo, o autor apresenta uma consistência didática ímpar, refletindo seus 30 anos de docência na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Há na sequência dos textos, um fio condutor interligando-os, referenciais teóricos bem delineados a luz da obra de Freud, somados a outros importantes estudiosos da psicanálise, que fizeram escolas ou não como Klein, Bion, Winnicott, Tustin, Bick, Ogden e outros, não menos importantes, que conviveram ou convivem inseridos no contexto psicanalítico internacional. Alguns textos desses autores foram traduzidos para a língua portuguesa e aqueles que não o foram, o autor se incumbiu de fazer as traduções para citá-los na presente obra.

Sintetizando as incursões apresentadas em toda a obra pelo autor, digo que esse livro não pode deixar de ser lido e novamente lido, pois sua consistência de natureza teórica, técnica e clínica merece apontamentos do leitor. A perseverança do autor em romper com paradigmas consolidados pelo saber psicanalítico, já sedimentado e sobremaneira repensado, nos deixa perplexos com sua ousadia, com suas proposições durante a última década sobre a psicopatologia e a técnica utilizada pela psicanálise, não sendo estranho, para não dizer passível, de gerar descontentamento em relação aos paradigmas propostos e deixados por Freud. E pense, o autor afirma, em passagens de sua obra, que os estudos ainda são preliminares. Imagina com esse fôlego e persistência em seus estudos, o que ainda está por vir.

Belo Horizonte, outono de 2013.

 

 

Endereço para correspondência:
Rodovia MG 338, km 12 - Caixa postal 226
Colônia Rodrigo Silva - Barbacena, MG
CEP: 36201-143. E-mail: moreira.bh@terra.com.br

Artigo recebido em: 18/01/2013
Aprovado para publicação em: 09/05/2013

 

 

1 SALIM, Sebastião Abrão. Psicanálise, Trauma e Neurobiologia. Belo Horizonte: Editora Arte Sã, 2012. 231 p.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons