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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.17 no.3 Ribeirão Preto jul./set. 2021

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2021.175834 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil, produção e avaliação de participantes das Américas e África em uma especialização sobre drogas*

 

Perfil, producción y evaluación de participantes de Américas y África en una especialización en drogas

 

 

Margarita Antonia Villar LuisI; Alisséia Guimarães LemesII; Deivson Wendell da Costa LimaIII; Liliane Santos da SilvaI; Vagner Ferreira do NascimentoIV

IUniversidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIUniversidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia, Barra do Garças, MT, Brasil
IIIUniversidade do Estado do Rio Grande do Norte, Faculdade de Enfermagem, Mossoró, RN, Brasil
IVUniversidade do Estado de Mato Grosso, Campus Tangará da Serra, Tangará da Serra, MT, Brasil

Autor Correpondente

 

 


RESUMO

OBJETIVO: identificar perfis, produção e avaliação dos profissionais das Américas e da África em Cursos de Especialização em drogas.
MÉTODO: estudo retrospectivo documental, baseado em dados secundários, através das fichas de registro de todas as versões dos Cursos de Especialização para formação de pesquisadores em álcool e outras drogas psicoativas (2002 a 2015), promovido pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
RESULTADOS: houve a participação de 258 pessoas, sendo 62% da América do Sul e 38% da América do Norte, América Central e África Portuguesa. A maioria do sexo feminino (77,0%), faixa etária de 30 a 59 anos (81,8%), com mestrado (51,2%), da área de ciências da saúde (79,5%) e atuando como docentes universitários (82,6%). Dos participantes, 176 finalizaram o curso com publicações e submissões de trabalhos científicos. Na avaliação final, a maioria referiu satisfação com o curso e que indicaria para outros profissionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: o estudo apresentou os resultados de uma experiência exitosa e organizada, oferecida pela enfermagem brasileira, na capacitação de pesquisadores, proporcionando a ampliação e disseminação do conhecimento científico sobre o fenômeno das drogas por mais de uma década, tanto em território nacional como em outros países da América e África.

Descritores: Capacitação Profissional; Educação de Pós-graduação; Pesquisadores; Enfermagem Psiquiátrica; Saúde Mental.


RESUMEN

OBJETIVO: identificar perfil, producción y evaluación de profesionales de las Américas y África en Cursos de Especialización en Drogas.
MÉTODO: estudio retrospectivo y documental, basado en datos secundarios, con la utilización de los formularios de inscripción de todas las versiones de los Cursos de Especialización para la formación de investigadores en alcohol y otras drogas psicoactivas (2002 a 2015), promovido por la Escuela de Enfermería de Ribeirão Preto Universidad de San Pablo.
RESULTADOS: participaron 258 personas, 62% de Sudamérica y 38% de Norteamérica, Centroamérica y África portuguesa. La mayoría eran mujeres (77,0%), de 30 a 59 años (81,8%), con grado de maestría (51,2%), del área de ciencias de la salud (79,5%) y profesoras universitarias (82,6%). De los participantes, 176 completaron el curso con publicaciones y envío de artículos científicos. En la evaluación final, la mayoría reportó satisfacción con el curso y afirmó que lo recomendaría a otros profesionales.
CONSIDERACIONES FINALES: el estudio presentó los resultados de una experiencia exitosa y organizada, ofrecida por la enfermería brasileña, en la formación de investigadores y proporcionó la expansión y difusión del conocimiento científico sobre el fenómeno de las drogas durante más de una década, tanto en el territorio nacional como en otros países de América y África.

Descriptores: Capacitación Profesional; Educación de Postgrado; Investigadores; Enfermería Psiquiátrica; Salud Mental.


 

 

Introdução

A United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), em seu relatório mundial sobre drogas, aponta que em 2018 cerca de 269 milhões de pessoas no mundo referiram ter usado drogas psicoativas pelo menos uma vez no ano anterior. E, estima-se que mais de 35 milhões sofrem com algum transtorno desencadeado pelo consumo, com limitações ao acesso e disponibilidade a serviços de tratamento(1).

Esse consumo, cada vez maior, amplia alguns problemas sociais, como violência, acidentes e comportamentos de risco, bem como pode levar à dependência química(2-3). Isso gera importantes repercussões nas esferas administrativas, jurídicas e de políticas públicas, como saúde, educação e justiça(4). Assim, torna-se necessário promover ações que considerem a pessoa e suas relações com a droga, com atenção aos aspectos singulares e contextuais.

Sabe-se que a intervenção em âmbito escolar e acadêmico já revela caminho promissor em prol da redução do consumo e/ou maior conscientização sobre as drogas e seus efeitos(5-7), porém há necessidade de capacitação dos profissionais que vivenciam o fenômeno das drogas em seu cotidiano, em especial daqueles que atuam na área da saúde, seja no processo de formação/graduação ou na condição de profissional inserido nos serviços que atendem tais demandas(8), como preconizado pela Lei nº 11.343/2006, que rege a política pública sobre drogas(9).

Para isso, estratégias vêm sendo estabelecidas em articulação com universidades e órgãos governamentais, visando o fortalecimento de ações que promovam investimentos em pesquisas e treinamentos na área de álcool e/ou outras drogas(10-12). Ainda assim, há muitas transformações e inovações técnico-científicas para serem implementadas nesse contexto(13), já que as abordagens práticas em relação à vulnerabilidade das pessoas para o uso e abuso de drogas não têm avançado significativamente(4); circunstância que impulsiona a criação de propostas de capacitações na área.

Diante disso, a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP) em convênio com a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Comissão Interamericana para o Controle dos Estados Americanos (CICAD) e a Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (SENAD) ofereceu o curso de pós-graduação lato sensu para formação de pesquisadores em álcool e outras drogas psicoativas. Este curso teve como propósitos disseminar conhecimentos sobre o fenômeno das drogas; estimular e ampliar a produção científica em âmbito nacional e internacional, bem como possibilitar trocas de experiências entre os participantes da área da saúde e afins, de países e continentes distintos.

O potencial e alcance de cursos dessa natureza podem influir nas políticas públicas e fundamentar novas práticas de cuidados(14), principalmente porque em vários contextos de formação (graduação) de enfermagem, a carga horária de disciplinas voltadas à saúde mental e psiquiatria e que contemplem o uso de drogas e dependência química está se reduzindo ao longo dos anos(15).

Diante disso, é fundamental conhecer melhor o perfil dos profissionais que trabalham na rede de formação e pesquisa em álcool e outras drogas, e que direta ou indiretamente também participam do processo de atenção à saúde dessa população(16). Outrossim, o próprio Ministério da Saúde (MS) vem estimulando avaliações contínuas de egressos, processos de trabalho e de ensino-aprendizado de cursos de graduação e pós-graduação (lato e stricto sensu)(17). Isso exposto, o objetivo deste estudo foi identificar perfil, produção e avaliação dos profissionais das Américas e da África em Cursos de Especialização em drogas.

 

Método

Trata-se de estudo retrospectivo, documental e quantitativo, baseado em dados secundários. Foi realizado no período de agosto de 2019 a junho de 2020, a partir das fichas de registro das nove versões do curso de Formação de Pesquisadores em Álcool e Outras Drogas Psicoativas (2002 a 2015), preenchidas pelos participantes e pela coordenação do curso no momento da inscrição (aspectos sociodemográfico, perfil de formação e profissão); instrumentos de avaliação final do curso (conteúdo do curso, material, pessoal de apoio e avaliação geral do curso); e relatórios enviados às instituições que deram apoio financeiro e logístico aos participantes (produção científica).

A coleta de dados foi realizada no acervo do laboratório de pesquisa "Stress, álcool e drogas" da EERP-USP, mediante a autorização da coordenadora responsável pelas edições do curso. Foram incluídas no estudo todas as fichas disponíveis no acervo, sendo 258 fichas de inscrições, 219 fichas de avaliação e nove relatórios finais de curso.

Após a finalização da coleta de dados, procedeu-se à digitação dupla dos dados em planilha eletrônica do programa Microsoft Excel 2013, que posteriormente foram confrontados no Data Compare. Na sequência, o banco de dados foi importado para o STATA versão 13.1, com análise estatística descritiva, apresentando em números absolutos e relativos, por meio de gráficos e tabelas. Os dados relacionados ao eixo temático da produção científica gerada a partir do curso foram agrupados por área central dos trabalhos.

O estudo respeitou todos os aspectos éticos em pesquisa, de acordo com a Resolução 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), tendo aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da EERP-USP.

 

Resultados

A organização do curso

O curso Formação de Pesquisadores em Álcool e Outras Drogas Psicoativas oferecido pela EERP-USP, através do departamento de Enfermagem Psiquiátrica, modalidade lato sensu, teve nove edições, entre os anos de 2002 a 2015.

Cada edição do curso ocorreu em um período de 12 meses, com carga horária total de 600 h, estruturado em quatro módulos, sendo os três primeiros à distância (450 h) e o último presencial (150 h), que foram realizados nas dependências da EERP/USP. No módulo I, abordou as especificidades do uso da plataforma e busca de literatura científica; no módulo II, a temática abordada foram as drogas psicoativas nas sociedades contemporâneas; no módulo III, discutiu-se sobre a metodologia de investigação frente ao fenômeno das drogas psicoativas; módulo IV, presencialmente, abordou-se os projetos de pesquisas aplicados ao fenômeno das drogas.

O curso era destinado a docentes universitários e profissionais atuantes nos Ministérios de Educação, Saúde e Justiça e que, adicionalmente, tivessem algum conhecimento ou experiência em pesquisa ou que atuassem em áreas relacionadas ao uso de drogas lícitas e ilícitas, residentes em países da América e África Portuguesa.

Para a seleção dos participantes, a EERP-USP e a SENAD divulgaram as etapas de inscrição do curso entre as instituições de forma eletrônica em páginas oficiais e via contato por telefone e e-mail de gestores.

Os conteúdos teóricos e exercícios incluídos no curso foram elaborados nos idiomas português e espanhol. Entre as nove edições já ofertadas deste curso, houve a participação de 258 pessoas, distribuídas entre os anos de 2002 a 2015, com maior participação nos anos de 2005 (33) e 2015 (40).

Caracterização dos participantes

Do total de participantes, 62% pertenceram a países do continente da América do Sul e outros 38% somam os países pertencentes à América do Norte, América Central e África Portuguesa. Quanto à distribuição por países, em sua maioria foram pessoas oriundas do Brasil (48), México (46), Colômbia (20), Chile (17), Peru (17) e Nicarágua (15). Já os países do continente africano apresentam pouca participação nas edições do curso (11) (Figura 1).

A Tabela 1 destaca os aspectos sociodemográficos dos participantes do curso. A maioria foi do sexo feminino (77,0%), com idade entre 30 a 59 anos (81,8%), e titulação de mestre (51,2%).

 

 

Em relação à formação e profissão dos participantes, seguindo a classificação de área de formação proposta pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), destaca-se na Tabela 2 que 79,5% dos profissionais eram da área de ciências da saúde, com formação em enfermagem (67,8%) e medicina (9,3%). Enquanto 8,9% pertenciam à área de ciências humanas, com formação em psicologia (8,1%) e pedagogia (6,2%).

 

 

Quanto ao vínculo institucional, 84,5% eram trabalhadores de universidade e 11,2% de órgãos governamentais. Em sua maioria, atuavam como docentes universitários (82,5%) (Tabela 2).

Produção científica dos participantes

Uma das propostas do curso foi incentivar os participantes a divulgarem suas pesquisas científicas geradas a partir das disciplinas e experiências profissionais. Assim, é possível verificar que uma parte significativa dos participantes (n=176) publicou ao menos um trabalho (n=166) ou submeteu manuscritos à apreciação de revistas (n=10) brasileiras e internacionais. Quanto à produção científica, os eixos temáticos surgiram do agrupamento conforme o foco central dos trabalhos, predominando o eixo "Uso de drogas" (36,3%), "Prevenção à saúde" (21,5%) e "Crenças relacionadas ao uso de drogas" (19,0%) (Tabela 3).

 

 

As revistas selecionadas pelos pesquisadores foram da área de enfermagem (92,6%) ou em outras revistas (7,4%); com foco de publicação em periódicos A1 (60,8%), B2 (10,2%), B1 (3,0%), B4 (2,4%), A2 (1,8%) e B3 e B5 (2,0% ambos) e outros 33 artigos foram publicados em livro (19,8%). A maioria dos participantes publicou ou submeteu seus manuscritos em revistas brasileiras (95,7%), espanhola (3,1%), costarriquenha e colombiana (0,6% cada); publicados em espanhol (62,0%), português (25,3%) e inglês (12,7%).

Avaliação dos participantes

Em todas as edições dos cursos, os participantes eram convidados a preencher voluntariamente a avaliação do curso após sua conclusão. Dos 258 participantes de todas as edições realizadas (2002-2015), 219 avaliaram o curso, uma adesão de 85% dos participantes.

Quanto à avaliação dos participantes, 88% se mostraram satisfeitos com o desenvolvimento do curso, seja em relação a sua duração (88%), aos equipamentos oferecidos ou utilizados (88%) e/ou ao atendimento do pessoal de apoio (95%). Um total de 94% dos participantes recomendaria o curso para outros profissionais (Tabela 4).

 

 

De forma complementar, ao responderem sobre recursos recebidos, verificou-se que poucos tiveram apoio financeiro substancial para o desenvolvimento de investigações, principalmente participantes do Brasil e do México. Outros tiveram pequenas ajudas locais ou de órgãos internacionais como a Organização Pan-Americana da Saúde (Argentina, Nicarágua, Honduras). Os participantes do Chile e da Colômbia relataram não possuir apoio financeiro e os provenientes dos demais países não deram resposta a esse respeito.

 

Discussão

O curso de formação de pesquisadores em álcool e outras drogas, em nível de especialização, contou com subsídio financeiro das instituições envolvidas para o custeio local (Brasil), com disponibilidade de infraestrutura e suporte ao desenvolvimento e apoio aos participantes (hospedagem, alimentação e material de consumo) durante a fase presencial.

Houve maior participação de brasileiros, que provavelmente vislumbraram como viável a etapa/módulo presencial no Brasil e por reconhecerem a experiência e alcance da EERP-USP na área de enfermagem psiquiátrica. A pouca participação de membros de outros países possivelmente ocorreu devido à dificuldade desses profissionais em serem liberados de seus trabalhos, para o cumprimento do momento presencial do curso realizado no Brasil e pela disponibilidade reduzida dessas instituições no fomento à capacitação dos seus colaboradores.

Nas edições do curso, houve predomínio de participantes do sexo feminino, o que pode estar relacionado com uma presença maciça de mulheres matriculadas em cursos da saúde, em especial na enfermagem(18-20). Por outro lado, também se relaciona ao crescimento de mulheres na ciência, na conquista de importantes espaços em instituições e na produção científica(21-22).

A temática abordada no curso (uso de drogas), além de constituir uma área de interesse de vários pesquisadores e ser abordada em muitas formações na área de saúde mental e enfermagem(16,23), está presente no cotidiano da sociedade, inclusive dentro de muitos contextos profissionais e acadêmicos(24).

Estudiosos desta temática apontam ainda que a inserção de conteúdo relacionado ao uso de drogas nos currículos de enfermagem é fundamental, pois pode ser uma estratégia para melhorar as habilidades desses profissionais e a qualidade do atendimento aos usuários de drogas que procuram assistência, nas mais diferentes especialidades médicas(16,25). Visto que, a alta prevalência e as consequências relacionadas com o consumo de álcool e outras drogas podem ser minimizadas com um trabalho coletivo e intersetorial na base da formação e nos anos subsequentes, aperfeiçoamentos e pós-graduação(23,26).

Outro dado a ser destacado é a participação de mestres e doutores nas edições deste curso. Isso vem ao encontro com a necessidade de qualificação destes profissionais, que buscam ampliar e aperfeiçoar seu campo de atuação e pesquisa, seja no âmbito universitário, como em todos os níveis de assistência nos serviços de saúde(27). Além disso, cada vez mais, tem-se exigido dos profissionais de enfermagem múltiplas competências que atendam às necessidades da comunidade, com ou sem dependências químicas, mas que requer cuidado atento, humanizado e baseado em evidências científicas(23,28).

Adicionalmente, qualificações na área de saúde mental e de drogas psicoativas permitem a qualificação da equipe, já que esses profissionais assumem a função de coordenadores do cuidado no enfrentamento das drogas, na aptidão do cuidado especializado e qualidade do ensino em saúde(26) e promovem reflexões constantes sobre as práticas, por meio da educação permanente(29-30), o que responde e supre também, as necessidades do mercado de trabalho nesse setor, atraindo e dando oportunidades de empregabilidade aos profissionais(31).

No estudo, a presença de enfermeiros em todas as edições do curso indica a efetiva participação da enfermagem no campo da saúde mental, quer seja na área da docência ou assistencial(32). Essa grande adesão de enfermeiros pode estar relacionada ao fato de que esses profissionais se encontram melhor posicionados na identificação, acompanhamento e intervenção das pessoas que estão em risco ao uso de álcool e outras drogas(27). Outro aspecto pode ser a necessidade desses profissionais se manterem continuamente em aperfeiçoamento frente às novas abordagens e estratégias de prevenção, promoção, reabilitação e ressocialização(26), além de que participar de cursos desta natureza traz impacto positivo no comportamento do profissional, através da modificação de suas crenças pessoais sobre drogas(25).

Diante do cenário atual, onde o número de usuários em situação de uso problemático de drogas é crescente, há um apelo mundial para o desenvolvimento e fortalecimento de especialistas que colaborem para o desenvolvimento de novas tecnologias e estratégias de cuidado(33-36). Para tanto, a formação desses profissionais, na área de álcool e/ou outras drogas psicoativas, deve também avançar na identificação dos tipos de substâncias existentes, efeitos e formas de prevenção(28). Deve-se aperfeiçoar o acolhimento e reconhecimento das especificidades clínicas bem como suas histórias de vida, relações sociais e singularidades do usuário e família, propondo como prioridade estabelecer a autonomia, liberdade e consciência dos riscos/danos, sobretudo sobre seu corpo e sua saúde, para então ser possível compreender a relação entre pessoa, sofrimento e o uso dessas substâncias(28).

Nesse sentido, a oportunidade de congregar profissionais de vários países em formação sobre álcool e/ou outras drogas no Brasil gerou a possibilidade de complementariedade de saberes, pela interação positiva entre diversas formas de apreender, assistir e cuidar dos usuários. Ao mesmo tempo, realçou o potencial e envergadura de cursos dessa modalidade no panorama científico e educativo.

No âmbito científico, o curso teve como proposta a descoberta de evidências, desenvolvimento de habilidades e produtos, o que estimulou a produção e publicação de várias investigações, baseadas nas experiências dos participantes, e pôde contribuir com a melhoria da prática no cuidado do usuário de drogas e na dinâmica de trabalho dos profissionais de saúde. Ainda que o incentivo do exercício profissional baseado em evidências não seja uma prioridade em todos os serviços de saúde, as organizações que incentivam e investem nesse desenvolvimento humano, político e científico se aproximam de práticas mais seguras e de qualidade(37).

Em relação aos trabalhos científicos gerados no curso, percebeu-se o interesse principalmente no eixo "uso de drogas". Esse tema de estudo possibilita conhecer o perfil dos usuários e seu consumo, criar tecnologias, repensar métodos de prevenção focados nas singularidades(38) e na reabilitação psicossocial, em diferentes níveis de cuidado(39). No entanto, estudo recente com egressos de uma especialização em saúde da família, predominantemente cubanos, apontou que suas produções não alcançaram 1% sobre a temática saúde mental e áreas correlacionadas (40%). Isso reforça a premissa de que o direcionamento de um curso possui estreita relação com o perfil dos participantes e produção gerada.

Outro estudo revelou que pesquisadores da área da enfermagem integram o grupo de precursores de pesquisas e produção científica na área de prevenção de drogas(41) e são os mais presentes em especializações na área da saúde no Brasil(16). Isso aproxima da realidade encontrada no presente estudo, em que esses profissionais lideraram na participação e no volume de produção.

Quanto à avaliação dos profissionais com o curso, de modo geral, mostraram-se satisfeitos com o conteúdo, material, pessoal de apoio, e na avaliação geral do curso. Em 2014, um curso de prevenção do uso de drogas promovido pela SENAD com duração de oito meses, também teve avaliação bastante positiva pelos participantes, indicando que o método de ensino e estratégias utilizadas se mostraram adequados ao público capacitado(42). Em outras capacitações em Minas Gerais (BR) sobre álcool e outras drogas para profissionais da saúde e assistência social, apesar da avaliação positiva da proposta pedagógica, houve questionamentos sobre alguns momentos de ênfase teórica que, segundo os participantes, apareceram descolados das realidades práticas dos serviços(32).

Nesse contexto, entende-se que a avaliação constitui um recurso fundamental e potencial para compreender a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, além da repercussão futura no cotidiano desses profissionais, ao influenciar beneficamente na disposição/disponibilidade na relação com usuários e na busca pela qualificação na área de drogas psicoativas, condizente aos diagnósticos identificados. Sobretudo, avaliar a satisfação dos participantes de cursos de formação tem sido considerado uma estratégia construtiva para o aprendizado do corpo docente e instituições, e para fundamentar novos planejamentos e currículos pretendidos em relação aos participantes do curso, e sua pertinência sociocultural(43).

A avaliação final ou mesmo o feedback que pode existir, durante toda a trajetória do participante/aluno, tende a indicar problemas e também a resolução, ajustando as dinâmicas de ensino e didáticas utilizadas(17). Mas, para que isso ocorra, é imprescindível a imparcialidade nos questionamentos/fichas, nos ambientes e oportunidades dessas avaliações não cerceando a participação de nenhum aluno e potencializando maior apontamentos sobre o desenvolvimento do curso(44).

Nesse sentido, a avaliação dos participantes sobre a proposta pedagógica de um curso não deve também possuir somente caráter de deliberação interna institucional, deve constar nos relatórios finais do curso e não se restringir à descrição sumarizada de dados, para que sirvam de embasamento para novas proposituras formativas(45-46).

Como limitação do estudo, destaca-se a atualização do modelo de fichas durante as edições do curso, o que dificultou o levantamento dos dados e o agrupamento das informações. Ainda assim, o estudo revelou achados importantes, que irão auxiliar outras iniciativas semelhantes de formação de recursos humanos para atuação na área de drogas.

 

Considerações Finais

O estudo apontou que, entre os participantes do curso, predominou a presença de pesquisadores do sexo feminino, provenientes do Brasil e do México, com profissões na área das ciências da saúde, principalmente enfermagem, atuando como docentes universitários. A maioria dos participantes produziu e publicou seus estudos científicos, gerados a partir do curso, dentro e fora do contexto brasileiro. Ao término das atividades da especialização, mostraram-se satisfeitos com o curso realizado em todos os aspectos.

O conhecimento dessas particularidades revelou algumas características dos profissionais da área e lacunas na sua formação. Igualmente, trouxe apontamentos para personalizar os processos formativos que vão desde o planejamento ao desenvolvimento e direcionamento das atividades de ensino-aprendizagem, em busca de propostas mais fidedignas às realidades desses profissionais. Esses subsídios poderão melhorar o planejamento dessa modalidade e desenho de curso, em edições futuras, ainda mais exitosas, seja em âmbito nacional como internacional, ao proporcionar aos participantes momentos de ampliação do conhecimento sobre o contexto das drogas, requisito necessário para a formação de pesquisadores nesta área.

 

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Autor correpondente:
Alisséia Guimarães Lemes
E-mail: alisseia@hotmail.com

Recebido: 05.10.2020
Aceito: 10.12.2020

 

 

Contribuição dos autores
Concepção e desenho da pesquisa: Margarita Antonia Villar Luis.
Obtenção de dados: Margarita Antonia Villar Luis, Alisséia Guimarães Lemes.
Análise e interpretação dos dados: Margarita Antonia Villar Luis, Alisséia Guimarães Lemes, Deivson Wendell Da Costa Lima, Liliane Santos Da Silva, Vagner Ferreira do Nascimento.
Análise estatística: Alisséia Guimarães Lemes, Margarita Antonia Villar Luis.
Redação do manuscrito: Margarita Antonia Villar Luis, Alisséia Guimarães Lemes, Deivson Wendell Da Costa Lima, Liliane Santos Da Silva, Vagner Ferreira do Nascimento.
Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Margarita Antonia Villar Luis, Alisséia Guimarães Lemes, Deivson Wendell Da Costa Lima, Liliane Santos Da Silva, Vagner Ferreira do Nascimento.
Todos os autores aprovaram a versão final do texto.
Conflito de interesse: os autores declararam que não há conflito de interesse.
* A publicação deste artigo na Série Temática "Recursos Humanos em Saúde e Enfermagem" se insere na atividade 2.2 do Termo de Referência 2 do Plano de Trabalho do Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil.

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