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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.1 n.2 Florianópolis dez. 2001

 

ARTIGOS

 

A construção de rotinas defensivas: um estudo das deficiências de aprendizagem de uma escola de idiomas

 

The institutionalization of defensive routines: a study of learning deficiencies at a language school

 

 

Narbal SilvaI; Marcílio LimaII

IDoutor em Engenharia de Produção. Professor do Departamento de Psicologiada Universidade Federal de Santa Catarina (narbal@dh.ufsc.br)
IIMestrando em Psicologia. Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (bemardo@floripa.com.br)

 

 


RESUMO

O presente trabalho aborda o tema"deficiências de aprendizagem nas organizações". O estudo foi realizado em uma escola de idiomas considerada líder de mercado em seu segmento nas localidades onde atua. A abordagem escolhida para a pesquisa de campo foi a qualitativa. Trata-se de um estudo de caso. O instrumento utilizado de coleta de conteúdos foi a entrevista frouxamente estruturada aliada à observação não estruturada dos autores do artigo, a partir de encontros informais na organização pesquisada. Os participantes da pesquisa, em número de cinco, ocupam cargos de direção e coordenação. Os modelos de Shaw e Perkins (1993) e Senge (1990), pertinentes às deficiências de aprendizagem organizacional, foram utilizados como referência para a elaboração do instrumento de coleta, como também para a acomodação dos conteúdos em categorias temáticas. As principais barreiras ao aprendizado organizacional reveladas pelo estudo foram as seguintes: ausência de espaço para a livre expressão, restrição à experimentação de novas abordagens, comunicação organizacional deficiente, distância entre o discurso e as práticas e insensibilidade à percepção de mudanças sutis e graduais do ambiente externo. O estudo concluiu que, se as deficiências de aprendizagem identificadas fossem removidas ou pelo menos minimizadas, a performance da organização poderia ser significativamente ampliada.

Palavras-chave: organizações; organizações de aprendizagem; deficiências de aprendizagem; rotinas defensivas.


ABSTRACT

This study concerns the theme educational deficiencies in organizations. The study was conducted at a language school, considered to be a market leader in it's segment, and region. A qualitative approach was chosen for the field research. For the case study, informally structured interviews were combined with unstructured observations of articles by the author with informal encounters/meetings At the entity under study.. The five participants in the study were in managerial and supervisory positions. Models developed by Shaw and Perkins (1993) and Senge (1990), that refer to the deficiencies of organizational learning, were utilized as references for the preparation of the data collection tool, as well as to guide organization of the data collected into thematic categories. The main barriers to organizational learning identified by the study were the following: lack of space for free expression, restriction to experimentation with new approaches, deficient_organizational communication, distance between discourse and practice, and insensitivity to the perception of gradual and subtle changes in the external environment. The study concluded that if the educational deficiencies identified were removed or at least minimized, the organizational performance could be significantly improved.

Keywords:organizations; learning organization; learning deficiencies; defensive routines.


 

 

1. Introdução

A palavra de ordem para as organizações que desejam sobreviver e prosperar no século XXI é "aprendizagem", pois o ambiente competitivo gerado a partir da segunda metade do século XX passou a exigir que as organizações de todos os tipos se endereçassem para sistemas de aprendizagem que extrapolassem o âmbito corretivo de suas funções, adentrando no caráter transformacional, essencial às mudanças em seus pressupostos básicos de cultura (Argyris & Schon, 1996; Schein, 1995).

Como argumenta DeGeus (1988), as organizações bem-sucedidas do novo século se constituirão em sistemas de aprendizagem eficientes, capazes de antecipar mudanças nos seus ambientes e de se tornarem mais inteligentes com o decorrer do tempo. Ou seja, a capacidade rápida de aprender as coisas que realmente interessam será cada vez mais um fator de vantagem competitiva fundamental.

Existe, porém, um equívoco em torno do conceito de aprendizagem organizacional. Tal engano reside na pseudo-idéia de que na atualidade poucas organizações bem-dotadas e iluminadas aprendem, ao passo que a esmagadora maioria, as piramidais e burocráticas, não. Contrariando esta crença, Senge et aI. (1999) afirmam que "todas as organizações aprendem no sentido de se adaptarem à medida que o mundo à sua volta vai mudando. Porém, algumas organizações aprendem mais rápida e eficazmente que outras" (p.38).

Portanto, o diferencial entre a lentidão e a velocidade na transformação de estruturas e processos organizacionais para formas mais adaptadas depende da presença ou não de barreiras que inibam a aprendizagem.

Deste modo, ao considerarmos a relevância em compreender a constituição e as ações decorrentes das principais barreiras que inibem a aprendizagem como ponto de partida para conceber estruturas de aprendizagem mais eficazes, realizamos uma pesquisa com o intuito de investigar e discutir empiricamente o tema "deficiências de aprendizagem nas organizações" .

O estudo foi realizado na matriz da principal escola particular dos idiomas inglês e espanhol em Florianópolis, que doravante será denominada CA. Trata-se de uma empresa de personalidade jurídica de direito privado, com sociedade por cotas limitadas, divididas igualmente por dois sócios, com unidades nos municípios de Florianópolis, São José e Palhoça.

As instalações físicas da matriz se encontram alocadas na rua mais central de Florianópolis, num prédio de três andares, contando na atualidade com 658 alunos, 7 funcionários e 20 professores. A tecnologia de que dispõe para o ensino e administração de suas atividades pode ser considerada como bastante atual, uma vez que possui computadores, impressoras, copiadoras, televisores, fax, CDs, entre outros, sendo tudo de última geração. A escola é uma franchising, cuja sede é no Rio de Janeiro, de onde emanam suas principais políticas, principalmente as que se referem aos métodos de ensino.

O objetivo principal do CA é levar à população das cidades onde atua o ensino dos idiomas inglês e espanhol, bem como divulgar para seus alunos o maior número possível das mais diferentes culturas existentes, explorando de várias formas a complexidade de seus fenômenos que caracterizam a diversidade etnológica dos sistemas humanos. Essa divulgação se dá, entre outras formas, através da participação e interação entre jovens oriundos de cada uma dessas culturas que freqüentam a escola semestralmente.

Com base na definição do tema foi formulado o seguinte problema para nortear o desenvolvimento da pesquisa: quais são as principais deficiências de aprendizagem encontradas na matriz da escola CA?

 

2. Revisão da literatura

Embora as principais teorias que versam sobre a aprendizagem estejam alojadas dentro dos limites estabelecidos pela ciência psicológica, os estudos sobre aprendizagem organizacional também têm recebido contribuições de outras disciplinas acadêmicas como a Antropologia, a Sociologia, a Teoria das Organizações e a Economia, que de modo direto ou indireto contribuíram para desvendar este fenômeno. Apesar do campo de conhecimento referente à aprendizagem organizacional extrapolar o âmbito de uma única disciplina, existe muito pouco consenso sobre o que ela seja e como de fato ocorre (Fiol & Lyles, 1985).

No âmbito estrito da Psicologia podemos encontrar um grande número de teorias de aprendizagem que podem ser genericamente reunidas em duas categorias: as teorias do condicionamento e as teorias cognitivistas. As teorias do condicionamento conceituam a aprendizagem pelas suas conseqüências comportamentais e destacam as forças do ambiente como propulsoras da aprendizagem. Por sua vez, as teorias cognitivistas compreendem a aprendizagem como um processo de relação do sujeito com o mundo externo e que" possui repercussões na organização interna do conhecimento (Bock, Furtado, Teixeira, 1999).

No entanto, conforme mencionam Fleury & Fleury (1995), a maior parte dos estudos que versam sobre aprendizagem quando se derivam para a Teoria das Organizações deixam de considerar o debate entre os pressupostos dos modelos behaviorista e cognitivista no que se refere ao processo de aprendizagem implicar ou não em mudanças visíveis e mensuráveis.

Em que pesem as controvérsias e os múltiplos modos de encará-la, a aprendizagem tem sido um fator relevante para a sobrevivência das organizações na atualidade. Quando, em 1990, Peter Senge lançou seu livro A quinta disciplina,seguiram-se inúmeras outras publicações e reedições de livros, artigos, conferências, etc., direcionados para esse tema.

Neste sentido, os estudos direcionados à preocupação com o tema nas organizações de modo geral, adotam como referência a literatura de negócios e de administração, que aborda a relação entre a aprendizagem e a capacidade competitiva. Na ótica da gestão estratégica, a aprendizagem apareceria como um fator vital na capacidade de a organização expandir os seus horizontes.

Desse modo, a opção feita pelos autores (Senge, 1990; Argyris & Schon, 1996; Shaw Perkins, 1993; Schein, 1994), como preponderantes para ancorar esse estudo, se deve ao fato de os mesmos dedicarem particular atenção ao tema "deficiências de aprendizagem nas organizações" que se constitui num sub produto dos estudos referentes à "aprendizagem organizacional".

Nesta perspectiva, a jornada para se instituir organizações voltadas para a aprendizagem começa de dentro. Inicia-se pelo compromisso entre as pessoas em uma organização para rever a própria maneira de enxergar o mundo. Requer mudar o foco exclusivo no ambiente econômico e competitivo para também priorizar o ambiente interno que exige transformações nos processos e estruturas organizacionais que por ventura estejam impedindo o alcance dos resultados desejados.

Neste tipo de organização, o compromisso com o exame sistêmico de estruturas e processos organizacionais que emperrem o aprendizado é corriqueiro. Isto porque através da prática do pensamento sistêmico se viabiliza a criação de uma comunidade saudável, na qual os participantes da organização sejam livres para explorar novas maneiras de trabalhar e pensar (Senge, 1990; Senge et aI., 1995; Senge et aI., 1999).

O foco para a criação de organizações de aprendizagem reside em mudanças estruturais e processuais de longo prazo que produzam resultados sustentáveis. Promover essas mudanças, no entanto, não é uma tarefa fácil, podendo, pelo contrário, ser árdua. Muitas organizações não se encontram preparadas para reexaminar suas históricas maneiras de operação e muitas ainda podem não estar dispostas a desafiar as próprias premissas ou mesmo admitir que as possuem. No entanto, para a transformação das organizações em sistemas de efetiva aprendizagem é fundamental trazer à tona e questionar seus confortáveis modelos mentais, especialmente os que reforçam as barreiras ao aprendizado.

Neste sentido, Shaw & Perkins (1993) propuseram o seguinte modelo que visa identificar as principais razões pelas quais as organizações rebaixam sua capacidade de aprendizado.

1. Capacidade insuficiente de refletir e interpretar
A ausência de reflexão faz com que os elos de causa e efeito não sejam percebidos em sua totalidade.
Em decorrência de uma reflexão falha ou incompleta, surgirá um aprendizado limitado e incorreto.

2. Incapacidade de transferir e disseminar conhecimento
Não havendo um intercâmbio que facilite a transferência e a disseminação do conhecimento, em níveis individuais e de grupo, eles não serão totalmente compreendidos em nível organizacional. Nesses casos, a organização repete erros e falhas na adaptação das mudanças internas e externas.

3. Incapacidade de agir
A ausência de ação impede que alternativas sejam experimentadas. A experimentação é essencial para que as organizações enfrentem os complexos problemas oriundos de seus ambientes externos.
Uma outra contribuição para o estudo das deficiências de aprendizagem organizacional é apresentada por Senge (1990). Na perspectiva deste autor, as sete deficiências apresentadas a seguir são fundamentais para explicar a razão pela qual o aprendizado efetivo não ocorre nas organizações:

1. Eu sou o meu cargo
As organizações operam de tal modo que em pouco tempo as pessoas concebem uma grande identificação com sua posição, isto é, passam a ser aquilo que fazem. A conseqüência de atuar numa organização onde o homem é a sua posição pode repercutir em aspectos fundamentais como perda de dignidade, ruína da curiosidade intelectual, etc.

2. O inimigo está lá fora
Ao nos identificarmos com a posição que assumimos ou o trabalho que fazemos, quando as coisas não acontecem da melhor maneira, concluímos que alguém lá fora "provocou" tudo. Quando tecemos ao nosso redor limites tão exíguos e nosso senso de identificação se fixa no que fazemos, é natural encararmos as pessoas que estão fora desse círculo como inimigas, logo que o problema surge.

3. A ilusão de assumir o comando
Muitas vezes adotamos posturas imaginando-as proativas quando, na verdade, estamos sendo reativos. É necessário tomarmos consciência da real proatividade, que é um produto do nosso modo de pensar, não do nosso estado emocional. Não é raro adotarmos atitudes convencidos de que estamos prevendo conseqüências futuras e nos colocando no controle da situação, quando, de fato, influenciados por nossas emoções, estamos reagindo a eventos cujas causas já são atualmente determinantes.

4. A fixação em eventos
Nosso modo de pensar e de interpretar os eventos estão condicionados culturalmente à racionalidade linear e compartimentada de nossa visão e da lógica dos fatos. Dessa forma, torna-se difícil compreendermos a gradualidade e lentidão dos processos organizacionais, suas causas e conseqüências.

5. A parábola do sapo escaldado
Está relacionada com o fato de que somos muito bons em reagir às ameaças súbitas à nossa sobrevivência, mas ineptos quanto a reconhecer as ameaças lentas e graduais. É o caso do sapo que permanece na água enquanto esta esquenta gradulmente até que ele acabe cozido por não perceber o perigo. Como o sapo, muitas empresas não possuem mecanismos que lhes proporcionem detectar o perigo de mudanças lentas e graduais.

6. A ilusão de aprender por experiência
Essa é uma das mais evidentes crenças que consiste em aceitar o aprendizado como fruto de que quase tudo que aprendemos vem de nossas experiências. De fato, aprendemos com segurança apenas quando as conseqüências de nossos atos são imediatas e indiscutíveis. Contudo, quando não alcançamos os resultados dessas experiências, que somente ocorrerão num futuro remoto, ficamos limitados ao nosso horizonte de aprendizagem", cuja amplitude de visão no tempo e no espaço impossibilitam nossa aprendizagem por experiência direta. As dinâmicas que impossibilitam o aprendizado a partir de experiências nas organizações são ainda muito mais complexas. As decisões mais importantes tomadas nas organizações geram conseqüências que se tornam sistêmicas e exercem influências por anos ou décadas. Para tentar superar as dificuldades advindas de lidar com o impacto das decisões, as organizações tradicionalmente criam funções de controles hierárquicas, mas estas, por sua vez, transformam-se em "feudos" caracteristicamente inibidores de análises dos problemas mais importantes da empresa que interpassam entre os níveis hierárquicos,tornando suas percepções e discussões um exercício arriscado, se não inexistente.

7. O mito da equipe administrativa
É a idéia de que a dinâmica e as interdependências complexas podem ser representadas por um grupo de pessoas talentosas que harmonizam formações e pontos de vista diferentes. A verdade é que a equipe administrativa raramente trabalha. Seus membros se juntam numa fachada superficial de "todos por um", numa camaradagem que se esfacela logo que haja pressão real. Uma das razões disso é que as equipes têm respostas pré-programadas destinadas a proteger cada qual e a todos da dor, da ameaça, da surpresa. Aquilo que Argyris (1997) chama de "incompetência hábil", onde os grupos se mostram altamente eficientes em proteger-se das ameaças e, em conseqüência, deixam de aprender.

Também preocupados com as restrições ao aprendizado impostas pelas rotinas defensivas nas organizações, Argyris & Schön (1996) se reportam à estagnação do aprendizado individual e organizacional, em conseqüência de nossos modelos mentais não se tornarem explícitos e, conseqüentemente, não serem questionados ou desafiados. Esses autores asseveram que a nossa incapacidade de reconhecer e desafiar nossos modelos mentais controladores de nossas ações e a nossa incapacidade de expressar nossas premissas de forma clara e consistente aos outros e de os estimular a fazerem o mesmo são comportamentos que inibem tanto o aprendizado individual quanto o organizacional. Conforme os autores, as premissas inclusas em um modelo mental que inibe a aprendizagem são as seguintes: a) o ambiente de trabalho deve ser dotado de controle máximo; b) aprovar e elogiar os outros; sejam quais forem as circunstâncias; c) nunca confrontar as razões ou ações dos outros; c) manter sua posição sempre; d) nunca dizer o que pensa e sente; e) manter seus princípios, valores e crenças. Tais premissas são expressas em grande parte através dos conceitos elaborados por Argyris (1992), denominados de Incompetência Hábil e Defesas Organizacionais. A primeira ocorre quando as pessoas ignoram estar produzindo erros porque o fazem espontaneamente, numa velocidade imensurável, tornando suas ações hábeis sem as questionarem. A segunda é a faculdade que as pessoas possuem de produzir e acobertar propositalmente os erros, transformando-os em ações não errôneas, de confonnidade com as defesas organizacionais que pretendem evitar aos participantes experiências embaraçosas ou ameaças.

Uma quarta contribuição ao estudo das deficiências de aprendizagem nas organizações é proporcionada por Schein (1994). Para o autor, a cultura é um conjunto de pressupostos básicos, inventado, descoberto ou desenvolvido por um determinado grupo e que funciona satisfatoriamente ao longo do tempo, passando então a ser transmitido para os novos membros como a forma correta de perceber, pensar e sentir em relação aos problemas de integração interna e de adaptação externa da organização. Essa cultura é gerada através dos valores, da visão de mundo e das crenças dos principais fundadores, que, com o passar do tempo, são disseminados na organização através de variados mecanismos de reprodução.

Ainda de acordo com o autor, quando a cultura se torna inadequada as organizações deixam de aprender. Essa impropriedade cultural retratada pelo autor é expressa nos seguintes pressupostos básicos de cultura, considerados hostis ao aprendizado organizacional:

a) as tarefas são mais importantes do que as pessoas que as realizam;

b) o foco deve ser a elaboração de sistemas, não as pessoas;

c) as pessoas são reativas e não proativas;

d) a organização é "enxuta e má", a idéia de folga é inaceitável;

e) os muros separam as funções;

f) o fluxo de informações é restringido;

g) a ênfase deve ser na competição individual;

h) os líderes devem assumir o controle.

Ele entende que a cultura organizacional é sedimentada com o acúmulo de aprendizado anterior que trouxe sucesso.

Os modelos para estudar as deficiências de aprendizagem aqui apresentados encontram pontos variados de vinculação. Ou seja, ao contrário de se oporem, eles se complementam. No entanto, os modelos considerados condutores do presente estudo são os de Shaw & Perkins (1993) e o de Senge (1990) por apresentarem um padrão mais explícito de categorias temáticas. Porém, as considerações efetuadas por Argyris & Schon (1996) e Schein (1994), além da contribuição de outros autores, também são utilizadas como subsídios teóricos para significar os conteúdos coletados no estudo.

 

3. Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, que pressupõe a obtenção de dados ou conteúdos de natureza descritiva, extraídos a partir do contato direto do pesquisador com as situações que apontam para o problema de estudo, sempre a partir da perspectiva dos pesquisados (Bogdan & Biklen, 1982). Desse modo, procura captar as percepções que os diretores proprietários e os funcionários responsáveis por setores de uma escola de línguas de Florianópolis atribuem às três categorias referentes às barreiras de aprendizagem organizacional (Shaw & Perkins, 1993). A essas categorias foram incorporadas as sete deficiências de aprendizagem propostas por Senge (1990). As deficiências de aprendizagem, em alguns casos, se repetem nas categorias referentes às barreiras de aprendizagem organizacional, pelo fato de entendermos que seus significados não são pertinentes a uma única categoria.

Neste sentido as categorias temáticas e respectivas subcategorias ficaram assim compostas:

a) Incapacidade de agir suficiente
Eu sou meu cargo, a fixação em eventos, a ilusão de aprender por experiência, falta de experimentação, e falhas na implementação. Para essa categoria foram propotas as seguintes questões gerais: você procura adotar novas maneiras para realizar suas atividades? As idéias que você tem são postas em prática?;

b) Incapacidade de disseminar o conhecimento
Ignorância dos problemas, ignorância das soluções e redundância de esforços. Para contemplar essa categoria foram propostas as seguintes perguntas: você tem noção dos principais problemas existentes na escola? Você compartilha os seus problemas com os outros? As soluções encontradas são passadasaos outros?;

c) Incapacidade de refletir e interpretar suficiente
Eu sou meu cargo, o inimigo está lá fora, a ilusão de assumir o comando, a ilusão de aprender por experiência, o mito da equipe administrativa, negação de problemas, análise incompleta e análise incorreta. Com o intuito de dar conta dessa categoria foram formuladas as seguintes questões gerais: você se defronta com problemas no dia-a-dia de trabalho? Como são tratados?

Os entrevistados, em número de cinco, foram compostos do seguinte modo: o diretor principal (dono), o diretor executivo, dois funcionários exercendo a coordenação de ensino e uma funcionária responsável pela secretaria. A amostra foi intencionalmente escolhida, ao compreendermos que, devido ao tempo de serviço dos participantes (mais de cinco anos, no mínimo) e a posição que ocupam na estrutura hierárquica da escola, teriam as respostas ao problema proposto. Os participantes foram identificados nas entrevistas como PI, P2, P3, P4 e P5.

Os conteúdos foram obtidos via aplicação de um roteiro de entrevista semi-estruturada. A opção por este tipo de entrevista permitiu interações do tipo "face-a-face", onde tanto os pesquisados como o pesquisador tiveram a oportunidade de esclarecer dúvidas a respeito das questões formuladas e das respostas que eram dadas. As perguntas que integraram o instrumento de coleta de conteúdos foram mostradas acima quando da apresentação das categorias e subcategorias temáticas que compuseram o estudo. Também foram extraídos conteúdos através de observações não estruturadas (Laville & Dionne, 1999), realizadas a partir de visitas e encontros informais dos pesquisadores com os demais participantes da organização. Os conteúdos extraídos das observações não estruturadas foram utilizados como subsídios às discussões efetuadas dos trechos extraídos das entrevistas.

Como técnica de análise de conteúdo utilizamos a análise categorial temática. Os conteúdos foram reagrupados de acordo com as três amplas categorias de barreiras ao aprendizado organizacional (Shaw & Perkins, 1993) e as sete deficiências de aprendizagem sugeridas por Senge (1990), sendo posteriormente descritos de modo sistemático e interpretados principalmente à luz dos modelos por último referidos. Aos dois modelos mencionados também foram incorporados os argumentos expostos em Argyris & Schon (1996) e Schein (1994) para a discussão dos conteúdos.

Os conteúdos extraídos das entrevistas e das observações não estruturadas foram coletados em um período específico de tempo (março de 2000).

 

4. Apresentação e discussão dos conteúdos

A sistematização e posterior discussão dos conteúdos extraídos das entrevistas e das observações não estruturadas realizadas pelos pesquisadores, ambas atendendo aos parâmetros estabelecidos nas três principais categorias temáticas: incapacidade de agir suficiente, incapacidade de disseminar o conhecimento e a incapacidade de refletir e interpretar suficiente, possibilitaram que fossem identificados diferentes artifícios utilizados pelos entrevistados parajustificar seus erros, deficiências ou sustentar ações por eles consideradas necessárias e bem-intencionadas, ainda que os resultados por eles experimentados não sejam os desejados. A descrição dos conteúdos e a discussão dos mesmos apresentadas a seguir, ancoradas no referencial teórico utilizado neste estudo, bem como nas observações não estruturadas, procuraram identificar e explicar as principais deficiências de aprendizagem da organização pesquisada.

4.1. Incapacidade de agir suficiente

Os conteúdos apresentados nos relatos evidenciam que os papéis assumidos (cargos) pelos participantes no contexto da organização pesquisada tendem a um nível de baixa empatia. A percepção é a de que os desafios que se impõem aos papéis desempenhados pelos colegas e as dificuldades advindas são revestidas de baixa compreensão. Essa distorção perceptiva daperformance de cada um gera uma intolerância recíproca para com as dificuldades enfrentadas. Os trechos a seguir expressam os sentimentos dos participantes a respeito do baixo nível de compreensão e indiferença dos diretores para com os problemas que ocorrem no dia-a-dia.

O Diretor principal tem uma idéia, mas eu não consegui compreendê-la em sua totalidade. No decorrer do processo a essência da idéia se perde. As relações pessoais dificultam a compreensão das idéias (P2). Muitas vezes eu vejo que não é possível colocá-las em prática. E muito diferente você ficar atrás de uma mesa administrando do que uma pessoa que está ali no convívio com as pessoas vendo o que está acontecendo com o pai de um aluno. E uma visão diferente. Você conhece a necessidade do aluno, a necessidade do pai do aluno, do professor. Então a idéia de quem está atrás de uma mesa é uma e de quem está lá é outra. Então, às vezes você pensa em fazer alguma coisa diferente, mas a idéia de quem está atrás da mesa é diferente (PI).

As dificuldades percebidas pelos participantes em serem compreendidos são reveladoras dos problemas de comunicação existentes na organização pesquisada. A esse respeito Rogers (1952) diz que é fundamental procurar ver as idéias e as opiniões das pessoas do ponto de vista delas, procurando perceber como se sentem e entender os argumentos usados para o assunto em pauta. Na mesma direção, Nichols & Stevens (1988) argumentam que os gerentes estão cada vez mais se dando conta que a comunicação efetiva depende mais da palavra falada do que da escrita, sendo que a eficácia da palavra se vincula ao modo como as pessoas ouvem.

Dadas as dificuldades de comunicação existentes (ouvir e ser ouvido), os participantes, em especial os da administração de topo, tendem a encontrar explicações causais simples e lineares para os problemas encontrados (relação simples de causa e efeito). Essa fixação em eventos de um modo linear, conforme procuram mostrar os relatos que seguem, também encontram sustentação na idéia de que as ocorrências do passado são cruciais para a solução dos dilemas atuais.

...por eu ser uma pessoa muito centralizadora tem coisas que eu sei que não vão dar certo porque já fizemos e não deu certo. Esse tipo de coisas nós tolhemos (P5).

Com relação aos alunos, eu acredito que haverá sempre os mesmos problemas. Então eu acho que é plausível nós acabarmos, ou pelo menos, minimizarmos os problemas com os professores e pessoal administrativo, mas com alunos, não, porque alunos entram e saem sempre. Adolescentes serão sempre adolescentes (P3).

Para Argyris (1992) o raciocínio defensivo ocorre quando os indivíduos consideram determinadas premissas inquestionáveis, cuja validade se torna frágil as partir dos argumentos utilizados. Além disso, utilizam referências que não são necessariamente dedutíveis das premissas, ainda que estejam certos que são. Também chegam a conclusões que julgaram ter sido testadas cuidadosamente, mas que de fato não o fizeram, pela forma como foram estruturadas, tornando-as impossíveis de serem testadas.

A esse respeito Senge (1990) comenta que tendemos a encontrar explicações imediatas e óbvias para os problemas que enfrentamos no dia-a-dia de trabalho, diminuindo deste modo a visibilidade das mudanças de longo prazo, subjacentes a esses problemas. Desse modo, as verdadeiras causas permanecem inatingíveis. Acrescenta ainda o autor que embora aprendamos melhor por experiência, deixamos de experimentar as conseqüências de muitas das nossas decisões mais importantes.

Em relação aos espaços e oportunidades para gerar e implementar novas idéias, os pesquisados manifestaram que, embora os funcionários coloquem com certa constância o pensamento criativo a serviço da organização, os principais dirigentes o cerceiam, não o levando adiante. Além disso, quando as novas proposições não são vistas com "bons olhos" nenhum tipo de feedbacké fornecido ao seu autor. Desse modo, o que prevalece é a adoção de práticas consagradas pelos dirigentes.

Um outro aspecto a ser enfatizado é que conforme os conceitos formulados pelos principais dirigentes da organização, algumas poucas pessoas são pagas para pensar e gerar mudanças, enquanto as demais são remuneradas somente para executar. Os relatos que seguem evidenciam essa realidade.

Normalmente a gente tenta verificar se é ou não viável. Se for, nós tentamos colocar em prática, se não for nós não a conside ramos. Não é dado retorno à pessoa que deu a idéia (P4).

...eu incentivo muito essas mudanças aqui dentro. Às vezes eu as breco. Eu sou muito centralizador. Eu pago para pessoas fazerem isso. Só que eu pago para pessoas erradas. Então por isso que isso não é feito aqui no CA (P5).

De acordo com o que preconizam McGill & Slocum Jr. (1995), o estímulo à contínua experimentação consiste em considerar as idéias provenientes dos clientes, dos funcionários dos diversos setores e unidades da organização. Também é fundamental romper com os entraves e a arrogância burocráticos, uma vez que, num ambiente dessa natureza, a imaginação e as idéias definham.

Em relação à implementação de novas abordagens e estratégias, os pesquisados afirmam que geralmente ocorre o fracasso. Isso é explicado pelos dirigentes como uma inerente aversão dos subordinados a tudo que é novo. Do ponto de vista dos funcionários que ocupam cargo de coordenação ou gerência, os problemas encontrados na adoção de novas formas de realizar o trabalho encontram explicação muita mais na forma como são "impostas as mudanças" do que propriamente nos conteúdos dessas. Os funcionários são "infantilizados" e, portanto, incapazes de pensar e agir por si próprios. Por sua vez, os proprietários da organização também são vistos, por quem está abaixo na hierarquia, como intransigentes ao que pode implicar mudanças. O trecho do relato de um dos dirigentes é significativo nesse sentido.

Os funcionários são como crianças, você diz: não vá aí que você vai se machucar, insiste, mas ela vai para ver quem vai vencer, se você ou ela. É meio, tipo assim, medição de força. Isso aqui é constante (P4).

Os proprietários do CA, às vezes, batem o pé e não querem alguma coisa de forma nenhuma. O pessoal mais baixo é mais fácil porque você bate o pé e faz acontecer, já os proprietários resolvem que não e acabou (P4).

Conforme colocam Shaw & Perkins (l993), as pessoas dentro de ambientes rígidos e altamente controlados identificam problemas, desenvolvem soluções e tomam decisões. Porém, essas decisões não são colocadas em prática. Ainda para os autores, essas proposições de mudança são sabotadas, algumas vezes são até implementadas, mas no decorrer do tempo não vingam. Isso ocorre porque o que deve de fato prevalecer é o pressuposto de que "as coisas sempre foram feitas assim"; logo, "em time que ganha não se mexe".

4.2 Incapacidade de disseminar o conhecimento

Os esforços para disseminação do conhecimento nessa instituição ocorrem de duas maneiras diferentes. Aqueles destinados ao corpo docente, que oportunizam a assimilação e disseminação de novos conhecimentos, e aqueles voltados para o pessoal administrativo.

Aos empregados que são admitidos na empresa, em particular no corpo docente, é oferecido um treinamento específico denominado de "seminário" destinado a repassar as práticas do método de ensino em sala de aula. (É importante ressaltar que esse método foi desenvolvido e é periodicamente reformulado pela concedente da franquia). Além disso, todos os professores são obrigados a participar semestralmente do que é denominado de refresh,ou seja, participam de encontros com uma carga horária média de 40 horas, quando então são repassadas trocas de experiências recíprocas e discutidas novas formas de trabalho. Entretanto, o método de ensino, como já dissemos, é padronizado, o que dificulta a criatividade dos professores em sala de aula, tanto pela limitação do tempo disponível, quanto pelo exercício de novas práticas, sem prejuízo, contudo, da assimilação de novos conteúdos pedagógicos e novas tecnologias emanadas da concedente.

Para o pessoal administrativo não há uma sistematização de transmissão de conhecimentos e a empresa objeto da pesquisa não foge à regra geral dos desafios descritos por Senge et al. (1999) para a difusão do conhecimento nas organizações. Ou seja, os relatos demonstram que o isolamento, a competitividade e a desconfiança estão latentes entre os vários grupos de trabalho: gerências, coordenadores e secretárias. As conseqüências dessas posturas estão diretamente relacionadas às premissas subjacentes das práticas dos diretores, onde identificamos uma considerável distância em relação ao discurso. O relato de um dos diretores procura ilustrar este aspecto.

Quando é uma boa idéia, ela é acatada e, se possível, posta em prática. Quando não é, acolho, agradeço a idéia, incentivo para que ele continue dando idéias, mas não a implanto. Não forneço nenhum feedback aos professores que deram essa má idéia (P5).

Entre os diversos fatores que Shaw & Perkins (1993) apontam como geradores da capacidade insuficiente de disseminar o conhecimento está o desconhecimento dos problemas. As pessoas, em especial nos níveis inferiores, percebem os problemas, mas não os relatam para aquelas que possuem um maior poder decisão. As pessoas ou os grupos desenvolvem alternativas para superar problemas, porém não compartilham com os demais.

Da mesma forma, Senge et al. (1999) identificam os seguintes desafios para a disseminação do conhecimento, os quais denominam de sintomas invisíveis: quando inexistem grupos internos que aprendam com vigor, a falta de confiança das pessoas de que suas idéias terão receptividade e a indiferença dos demais participantes em relação ao que os outros membros estão aprendendo.

Essas ocorrências ficaram evidentes nos depoimentos de diversos entrevistados, tais como:

Eu conheço os principais problemas. Eu já discuti muito e tenho discutido ainda. Tenho falado com os superiores, mas acho que eu já discuti mais. Hoje tenho discutido menos pelo fato de você não ter uma resposta se isso é real ou não. Tipo assim, não adianta mesmo. Eu já briguei mais, mas vejo que hoje não adianta muito, as coisas continuam as mesmas. Eu conheço toda a potencialidade do CA, sei que poderíamos ter muito mais alunos, mas não adianta (P1).

Conforme Argyris (1992), o impacto dos padrões defensivos organizacionais repercute em conseqüências negativas que se acumulam lenta e gradualmente. A criação de padrões defensivos gera nos indivíduos o exercício de práticas que os distanciam do sentimento de responsabilidade Assim sendo instituem-se rapidamente manobras evasivas e as ações de subterfúgios tornam-se uma segunda natureza.

A caracterização de Trincheiras Funcionais, distinções entre chefes e funcionários, e dispersão geográfica que, para Shaw & Perkins (1993), também bloqueiam a disseminação do conhecimento novo, foi outra importante constatação nessa pesquisa. A estrutura hierárquica da empresa, apesar de relativamente horizontal, é bem delimitada em seu aspecto de autoridade e relevância dos problemas. Os problemas são discutidos mais em níveis de cargos (diretor com diretor, coordenador com coordenador, secretária com secretária, etc.) do que nas instâncias e com as pessoas que de fato os vivenciam.

Ele [um dos diretores] disse que esse tipo de problema não competia a mim resolvê-lo, pois era de alçada do outro diretor, pois era um problema financeiro. É esse diretor quem deve escutar as conseqüências disso. Só que como eu sou a pessoa diretamente ligada a eles [professores], as reclamações vêm para mim. Os professores não conseguem separar que eu represente apenas a parte pedagógica. Em conseqüência todas as reclamações por parte dos professores vêm para mim. Com relação a isso eu me sinto impotente, porque eu não posso fazer nada, eu não tenho liberdade para apre sentar soluções, a única coisa que eu posso fazer é passar o problema para frente (P3).

...eu tento passar principalmente para o coordenador do centro toda e qualquer inovação que eu venha a pensar. A não ser coisas menores que passam desapercebidas. Nós, os coordenadores, procuramos sempre nos orientar, tanto ele me ajuda quanto eu o ajudo (P3).

Eu acho que existe um intercâmbio, uma troca maior entre setores, isto é, de secretarias com secretarias, Coordenação pedagógica com coordenação pedagógica (P1).

Além disso, como a empresa conta com outras unidades dispersas no município e em outros, percebe-se que a comunicação e as inter-relações entre essas unidades são pouco eficazes. O depoimento a seguir é ilustrativo:

Com relação ao centro, para mim nunca chega nada. A situação do centro, por eu não conviver aqui [no centro], fica difícil, o que eu fico sabendo são coisas mais críticas em relação a alunos. Eu e o coordenador do centro trocamos figurinhas de vez em quando. O que eu sei do centro, sei pelo coordenador. São coisas relativas à parte pedagógica, as outras coisas eu não tomo conhecimento, a não ser em nível de fofoca que passa daqui para lá. Num nível organizacional não me chega nada (P3).

Em ambientes organizacionais onde predomina a desconfiança surge, como conseqüência, a falta de credibilidade nos colegas, e como mecanismo de defesa, as pessoas tendem a se unirem em grupos que competem entre si ou se isolam. Essas posturas tornam as pessoas céticas quanto a possibilidade de aprenderem algo com outros grupos ou pessoas. E o que Senge et al. (1999) denominam de "não inventado aqui", que são inovações de outras equipes rejeitadas pelo grupo ou pessoa, por não as considerarem aplicáveis em seus trabalhos. O relato de um dos participantes é ilustrativo desses argumentos.

Aí os de baixo vão usar vários artifícios para evitar que isso ocorra, até que elas caiam no esquecimento. O que eu deveria fazer para acabar com isso? Substituir pessoas, porque tentativas minhas já ocorreram milhares de vezes, mas eu não tenho coragem de substituir pessoas, como não tenho coragem de pegar e fazer também (P5).

Também, como conseqüência dessa desconfiança, as pessoas desenvolvem posturas arrogantes, outro pressuposto limitador da disseminação do conhecimento. Para Senge (1999), as pessoas se tornam "arrogantes" quando rejeitam qualquer necessidade de aprendizagem porque já sabem tudo que precisam saber. O depoimento de um dos diretores deixa isso bastante transparente.

Eventualmente os funcionários administrativos recebem algum treinamento, porque mesmo que você queira treiná-los, não adianta, eles não querem mudanças. E dar murro em ponta de faca. A disseminação do conhecimento aqui no CA ocorre muito mais informalmente, através de trocas de experiências, em conversas informais. É mais uma troca de experiência dos mais velhos para os mais novos. Essa troca de experiências aqui é uma constante (P5).

Senge (1999) menciona ainda que um dos desafios para a disseminação do conhecimento nas organizações está relacionado com tentativas fracassadas de "seguidores imediatos". Isso ocorre quando as pessoas convencidas do valor da abordagem de outras pessoas experimentam suas próprias formas de execução. Mas quando suas expectativas não são realistas ou possuem orientação e ajuda insuficientes, esses experimentos não alcançam os resultados almejados. Essa constatação na organização pesquisada deu-se através dos depoimentos abaixo de dois diretores:

No ano passado iniciamos um trabalho que foi interrompido por minha causa, que era uma reunião semanal com todos os cabeças de cada unidade, para tentar sanar as dificuldades. Os problemas de ordem mais específicos eu só os discuto com os proprietários. Com problemas mais generalizados nós discutimos as coisas em reuniões com os cabeças da empresa (P4).

Eu planejo muito a captação de alunos novos, eu me preocupo muito com isso. Eu consigo fazer com que os alunos venham. O meu problema é gerenciar esses alunos novos. Ai eu fico mais no emergencial, eu não planejo o que vai acontecer. Eu comecei a alertar o pessoal para as desistências de alunos na semana passada. Estão sendo estudadas e tomadas algumas me didas para isso, só que não têm sido suficientes (P.4). Empresa pequena não pode se dar ao luxo de esperar. Não se pode dar ao luxo de deixar as pessoas errarem. Pensar que vão crescer com os erros deles. Eu não posso me dar esse luxo. O erro deles pode me dar um prejuízo muito grande. Até que ele adquira experiência, ele vai ter que errar o mínimo possível, embora sabendo que pode errar. Eu erro, é lógico, os funcionários também têm direito ao erro, mas eu quero que esse erro interfira o mínimo possível, para que não afete a comercialização dos nossos produtos e serviços (P.5).

As posturas vistas nos relatos acima são explicadas em Schein (1995), quando este se refere ao poder dos comportamentos aprendidos em tornar o ser humano dependente de certas condições. Segundo o autor, as pessoas, de uma maneira geral, foram condicionadas a ter uma forma de pensar linear, cartesiana da natureza humana nas organizações. Normalmente são punidas quando experienciam qualquer conjunto diferente de pressupostos culturais. O medo de errar impede de tentarem novas possibilidades (Walton, 1992); em conseqüência, ficam presas ao que foi testado e comprovado e evitam a aprendizagem. Quando eventualmente aprendem algo novo, tornam-se necessárias múltiplas reafirmações.

A este respeito, Argyris (1992) alerta que um modo de os indivíduos lidarem com suas culpas ou vergonhas dos possíveis erros cometidos, pode se dar através da redefinição dos conceitos de autoridade e de responsabilidade. O desafio essencial está em questionar o pressuposto cultural subjacente às práticas de autoridade de que "manda quem pode e obedece quem tem juízo".

Os relatos apresentados evidenciam os desejos dos entrevistados de serem responsáveis e de possuírem autoridade. Porém, quando surge uma oportunidade para redução das rotinas organizacionais defensivas, eles redefinem o significado de sua autoridade e responsabilidade para que possam continuar a evitálas e encobri-las.

Em síntese, os argumentos descritos nessa categoria demonstram as dificuldades estruturais e comportamentais dos participantes em desenvolverem práticas efetivas que levem à disseminação compartilhada de conhecimentos e de experiências geradas no âmbito da organização pesquisada. As necessidades de sobrevivência dos participantes têm levado à adoção de posturas defensivas que inibem a proliferação de práticas comunitárias de trabalho.

4.3. Incapacidade de refletir e interpretar suficiente

Conforme os relatos dos entrevistados, os responsáveis pelos problemas com que se deparam dia após dia são sempre os outros. Os diretores proprietários da organização culpam os funcionários pelas mudanças não efetuadas. Esses, por suas vez, reclamam da intransigência e incapacidade de ouvir dos dirigentes. Um dos diretores entende que as resistências às inovações tanto fluem dos níveis inferiores quanto dos níveis superiores ao seu. Vejamos alguns relatos que sustentam essas argumentações.

Eu acho que o relacionamento entre unidades poderia ser melhor, mas não é ruim. Isso vai muito exclusivamente dos proprietários. Eles não deixam ter um relacionamento, tanto de um lado quanto do outro. Eles competem entre si. Aí acabam fazendo com que os funcionários façam a mesma coisa. Foi uma das coisas que, de princípio, eu tentei acabar. Existe um status. Por exemplo, o coordenador do centro tem mais status que o da Trindade, aí o diretor aumenta o salário do coordenador da Trindade para compensar. Mas continua a disputa entre os dois (P4).

Aí os de baixo vão usar vários artifícios para evitar que isso ocorra, até que elas caiam no esquecimento. O que eu deveria fazer para acabar com isso? Substituir pessoas, porque tentativas minhas já ocorreram milhares de vezes, mas eu não tenho coragem de substituir pessoas, como não tenho coragem de pegar e fazer também (P5).

Agora o grande problema do CA, tudo que é novo que quer se implantar acaba morrendo na praia, porque não depende só de mim ou do outro diretor, dependo dos outros e esses outros são muito acomodados para querer mudanças (P5).

Em organizações onde as pessoas ficam circunscritas às prerrogativas de suas funções, a comunicação é um grave problema e existe o receio de expressar livremente a opinião. A tendência nesses casos é de que prolifere um mecanismo de defesa denominado projeção (Bock, Furtado & Teixeira, 1999). Ou seja, se algo dá errado, a culpa é sempre do outro.

Ainda de acordo com Senge (1990), as pessoas nas organizações têm propensão a estabelecer o pressuposto de que "quando as coisas não dão certo, a tendência é a de encontrar um agente externo para culpar".

Uma outra forma de defesa utilizada na organização estudada, que serve de alívio para as ansiedades geradas nos dirigentes, é o entendimento que os mesmos demonstram possuir de terem uma clara compreensão dos problemas que os afligem, como também das respectivas soluções. Assim, parecem compreender que se encontram no pleno controle das situações que se apresentam. Os trechos que seguem ilustram a possível idéia de que os dirigentes provavelmente se imaginam proativos, quando na verdade suas incursões parecem ser invariavelmente reativas.

Normalmente as coisas não voltam porque eu bato o pé e acabou. Agora se eles me conseguirem convencer que realmente não é bom... Mas na maioria das vezes eles têm medo de qualquer coisa que seja nova, que vá mudar a rotina. Quando implanto uma rotina nova tenho que permanecer vigilante para que essa nova sistemática prevaleça, caso contráno, as coisas voltam ao que eram antes (P4).

Até há um ano atrás eu não fazia isso, porque nós imaginávamos que tínhamos funcionários competentes: Isso começou há um ano e pouco atrás aqui no CA. Foi o diretor executivo que me mostrou isso. Não houve uma informação explícita sobre isso. O diretor executivo começou a entrar e a mexer nas estruturas do CA e a fazer mudanças. Foi nessa mexida dele que eu percebi como nós estávamos cometendo pecados gravíssimos aqui dentro. Ele mostrou uma série de erros que nós estávamos cometendo. O diretor executivo prestou uma contribuição muito boa para nós no período que ficou conosco (P5).

Em relação a esse aspecto, Senge (1990) diz que, em muitas circunstâncias, o entendimento do que seja uma ação proativa é na realidade uma reatividade disfarçada. As pessoas se vêem compreendendo e se antecipando aos problemas quando de fato só estão reagindo.

Ainda em relação a essa categoria de análise, pode ser visto que os participantes percebem muitas das suas relações com os dirigentes e mesmo entre pares destituídas de um caráter maior de autenticidade. Ou seja, os relacionamentos não refletem os verdadeiros sentimentos das pessoas a respeito do que está sendo feito ou dito. Vejamos os relatos que procuram sustentar essas afirmações.

Com relação à administração, às vezes eu escuto algumas coisas que me deixam indignado, mas não chega a ser um problema sério. Eu já aprendi a escutar de uma forma seletiva. Então o que eu acho que o que está sendo falado por ironia, uma coisa mais de raiva momentânea, eu faço de conta que não escuto, porque sei que não terá conseqüências futuras. Pondero o que for necessário, se precisa mudar ou se é só ataque histérico, pelo menos eu relevo muito. Problema com a parte administrativa eu acho que não tenho não (P3).

As pessoas, apesar de falarem que concordam, normalmente não concordam. Logo depois criam um monte de objeções. Aí eu vou tentando tirar essas objeções (P4).

Como nos mostra Barker (1986), as pessoas, ao participarem de um grupo que gerencia a organização, procuram em geral preservar as aparências, não demonstrando o que pensam ou sentem. E o que Senge (1990) denomina como o mito da equipe administrativa. Conforme o autor, os participantes da equipe que dirige a organização procurampreservar suas imagens, evitando conflitos com os seus pares. Dessa forma preserva-se uma pseudo-harmonia.

Do mesmo modo Argyris & Schön (1996) acentuam que nessas organizações é comum as pessoas estarem tão ocupadas evitando o conflito e cuidando de si mesmas que relevam os interesses da organização a segundo plano. As pessoas tendem a fingir ser sinceras e diretas, mas não são. Não podem expor suas pressuposições aos outros e nem a si mesmas; não examinam nem desafiam seus modelos mentais. A agravante é que esse tipo de comportamento geralmente se torna rotina, fazendo com que deixem de perceber o que estão fazendo. Para os autores, a conseqüência é um aprendizado de "incompetência qualificada", que pode ser extremamente superficial.

Ainda de acordo com Shaw & Perkins (1993), essas posturas têm a função de proteger as pessoas e os grupos de constrangimentos e conflitos que ocorrem quando enfrentam os erros de seus próprios raciocínios.

Também pode ser observado, principalmente da parte de um dos diretores proprietários, a idéia de que, em que pesem os problemas de natureza administrativa e pedagógica, aliados à crescente concorrência, não existem motivos para se preocupar. Embora não esteja baseado em dados, compreende que a organização é líder no mercado em seu ramo. A razão para inquietação seria somente diante de uma circunstância que se apresentasse como extremamente grave. Aí, a reação seria considerada como procedente. Vejamos os relatos que seguem com o intuito de melhor explicar esses argumentos.

Então o principal problema do CA é os seus diretores proprietários, porque não temos fibra para chegarmos e agir. Pode ser que numa circunstância dramática, nós reajamos. Mas por enquanto está muito bom, o CA está crescendo bem (P5).

O posicionamento da escola no mercado ainda é muito bom. Eu não tenho esses números no momento, mas posso firmar que nós somos os líderes absolutos no mercado na Grande Florianópolis. Basta dizer que temos recebido pelo quinto ano consecutivo o prêmio de "Top Of Mind" promovido pelo jornal A Notícia e a FIESC (P5).

Como mostram Shaw & Perkins (1993), quando as pessoas refletem de um modo insuficiente a respeito dos problemas que as afligem, os problemas internos são parcialmente resolvidos para ressurgirem em outras situações.

A perda de posição da indústria automobilística americana para os japoneses na década de 80 foi retratada por Keller (1989) no seguinte depoimento de um alto dirigente: "Nós todos nos formamos com um alto grau de confiança em que estávamos fazendo o que era certo, que ninguém nos podia ensinar nada".

Finalmente, Senge (1990) alerta para o fato de que as organizações do Ocidente possuem uma grande dificuldade para perceber as mudanças graduais que ocorrem no ambiente externo. Isso devido ao ritmo frenético de tomada de decisões existentes nessas organizações, que embotam os espaços para reflexão e criação de novas possibilidades de soluções aos problemas com que se deparam. O importante, ressalta o autor, é aprendermos a reduzir o ritmo para que possamos enxergar os processos graduais que, de modo geral, representam os grandes perigos.

 

5. Considerações finais

O estudo, através dos relatos dos participantes da pesquisa (diretores propietários e funcionários que ocupam cargos de gerencia) e de observações não estruturadas feitas em encontros informais na organização pesquisada, revelou que a empresa incorpora dentro de si inúmeros mecanismos que reduzem a possibilidade de uma aprendizagem mais efetiva.

No entanto, o fato de existir no mercado há 30 anos e ter se tornado líder em seu segmento nos últimos 15 anos revela que ocorreu uma considerável adaptação às exigências do seu ambiente externo. Isso confirma o que Senge et al. (1999) mencionam a respeito de que todas as organizações em algum grau aprendem.

Porém, as deficiências aqui apresentadas evidenciam que a performance da organização poderia ser significativamente ampliada se as barreiras erguidas ao aprendizado, descritas e discutidas no trabalho, fossem, de fato, removidas.

Podemos destacar que os relatos obtidos no estudo revelaram que a organização pesquisada, ao se guiar por modelos tradicionais de gestão empresarial, tem desenvolvido ao longo dos anos habilidades que, em alguns momentos, a tornam proficiente no que Morgan (1996) chama de "aprendizagem de circuito unico . Isso porque a sua forma processual possibilita perscrutar o ambiente, definir objetivos e monitorar as possibilidades de alcance desses objetivos. O sistema de informações da organização está planejado para mantê-la "em curso". Os diretores e funcionários em geral estão atentos a desvios críticos e problemas potenciais.

Contudo, a habilidade de atingir proficiência em termos de "aprendizagem de circuito duplo", definido por Morgan (1996); Argyris & Schon (1996), como a capacidade de "olhar duplamente" a situação, questionando a validade dos pressupostos vigentes, foi visto como limitada. Enquanto as transformações radicais e intempestivas da atualidade exigem a edificação de sistemas que desafiem políticas, normas e processos de trabalho, nesta organização privilegiam-se princípios que inibem o aprendizado.

Tal evidência pôde ser aferida dos relatos dos entrevistados de que nessa organização prevalece uma estrutura fragmentada de pensamentos, que não encoraja os seus membros a pensar por si próprios. A centralização das decisões tolhe o fluxo livre de informações e de conhecimento. Uma das conseqüências daí advindas é a natural tendência dos empregados em encontrar formas de obscurecer assuntos e problemas que os possam colocar em situações constrangedoras. Práticas fraudulentas para se protegerem, tais como o desvio e o acobertamento, tornam-se freqüentes, procurando fazer com que situações pelos quais são responsáveis sejam postergadas ou pareçam melhores do que são.

Outra importante observação das limitações impostas ao aprendizado nessa organização está no fato de que existe com freqüência uma defasagem entre aquilo que as pessoas falam e o que efetivamente fazem, denominado por Argyris & Schön (1996), de "teoria adotada" e "teoria utilizada". É comum aos diretores e aos funcionários tentarem uma abordagem dos problemas de forma retórica, como uma racionalização, para passarem a impressão de que estão conscientes daquilo que estão fazendo. Com a mesma regularidade, mas com mais freqüência entre os funcionários, destacamos o engajamento destes em comportamentos de disfarce, consciente ou inconscientemente, quando se deparam com problemas de suas responsabilidades, desviando a culpa para terceiros, resguardando-se assim em casulos previamente construídos e institucionalizados que amparam suas inépcias.

Dessa forma, os modelos que estão na mente dos diretores e funcionários dificilmente podem ser captados. As pessoas não possuem espaço psicológico para expressar o que sentem, pensam e desejam. O que para Geus (1997) é o aspecto mais importante do aprendizado organizacional - o processo de desenvolvimento da linguagem, que torna explícito o conhecimento implícito de cada um. Na organização pesquisada a possibilidade de expressão está condicionada aos artifícios de defesa enraizados pelos empregados. Seus modelos mentais, em conseqüência, não se encontram alinhados com o modelo de gestão idealizado, cujas conseqüências foram aqui apresentadas.

Ora, os artifícios de defesa que mencionamos e que Argyris (1997) denominou de "rotinas organizacionais defensivas" são uma das maneiras mais poderosas de as pessoas lidarem com situações difíceis. Mas eles são também uma das principais causas limitadoras da aprendizagem e, por conseguinte, impedem as organizações de investigar ou eliminar os problemas subjacentes. Esses artifícios de defesa tornam-se sistêmicos na proporção que a maioria dos integrantes da organização os incorpora, repassando-os para os novos funcionários.

Por último, ainda nos reportando a Argyris (1992), podemos concluir que as "rotinas organizacionais defensivas", construídas no CA, possibilitam que os indivíduos e os grupos desta organização não detectem, nem corrijam erros embaraçosos ou ameaçadores. Isso porque os pressupostos fundamentais que orientam os relacionamentos humanos no trabalho protagonizam as seguintes rotinas defensivas: "(1) evitar ou deixar de lado os erros e agir como se eles não existissem; (2) tornar essa atitude indiscutível; e (3) fazer sua indiscutibilidade indiscutível" (p. 52).

 

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