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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. v.5 n.1 Florianópolis jun. 2005
ARTIGOS
Imagens sociais e gênero nas relações de trabalho
Social images and gender prejudice in work relations
Marcus Eugênio Oliveira LimaI; Sônia Maria Guedes GondimII; Ivña Christine Novaes SantosIII; Márcio de Oliveira SáIV; Mirele Cardoso de BonfimV
IDoutor em Psicologia Social pelo ISCTE, Portugal. Professor Adjunto da Universidade Federal de Sergipe (meolima@uol.com.br)
IIDoutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Adjunta da Universidade Federal da Bahia (sggondim@terra.com.br)
IIIEstudante de graduação em Psicologia na Universidade Federal da Bahia (ivna@hotmail.com)
IVBolsista de iniciação cientifica (PIBIC-CNPq), Universidade Federal da Bahia (marcio.oli@zipmail.com.br)
VMestranda em Psicologia da Universidade Federal da Bahia (mirelebonfim@hotmail.com)
RESUMO
A fim de verificar os efeitos do gênero e do statusprofissional nas imagens sociais construídas numa interação de trabalho, realizou-se um estudo com estudantes universitários. Os participantes leram um cenário e viram fotos de uma interação entre um supervisor e um empregado numa empresa, e, em seguida, avaliaram esses funcionários, com base em listas de afetos e traços de personalidade. As variáveis independentes foram o sexo dos participantes, o sexo das personagens a serem avaliadas e seu status profissional (supervisor vs. empregado). Os resultados indicaram dimensões diferentes nas representações construídas sobre supervisores e empregados. Os homens consideram que a atividade de supervisão causa mais desconforto emocional para uma mulher do que para um homem e os empregados de sexo masculino são percebidos como os que têm mais autocontrole do que empregados de sexo feminino. Esses resultados são discutidos, a partir das teorias das relações intergrupais e do sexismo no trabalho.
Palavras-chave: gênero; preconceito; relações de trabalho.
ABSTRACT
In order to verify the effects of the gender and the professional status on group images in a work situation, we accomplished a study with university students. The participants should read a sketch about an interaction between a supervisor and an employee in a company, and soon afterwards to evaluate them using emotions and personality traits. The independent variables of the study were the participants' gender, the gender of the workers, and their status (supervisor vs. employee). The results indicated that the emotions and the personality traits are configured in different dimensions for supervisors and employees, the males consider that the supervision activity causes more emotional discomfort for a woman than for a man, and the male employees are perceived as possessing more self-control than female employees. These results will be discussed in terms of the statements on intergroup relations and gender prejudice theories in the work.
Keywords: gender; prejudice; work relations.
1. Introdução
Nas relações intergrupais, ocorre um fenômeno definido pela psicologia social como diferenciação social (Tajfel, 1981). A diferenciação social resulta da categorização do mundo social em grupos, da pertença e identificação dos indivíduos com esses grupos e da conseqüente necessidade de distintividade social, ou seja, de se perceber como membro de um grupo que positivamente se distingue de outros grupos. A diferenciação social é um processo psicológico de estruturação do meio social, que ocorre mediante a anexação de determinados conteúdos imagéticos a rótulos categoriais específicos. Esse processo faz com que o universo social seja dividido e etiquetado em grupos ou categorias sociais, que os indivíduos representam cognitivamente, por meio de imagens ou representações mentais.
De acordo com Tajfel (1974), as imagens que construímos sobre os grupos sociais no processo de diferenciação social podem se estruturar em três dimensões: i) cognitiva, relativa às informações sobre os grupos, na qual merecem relevo os estereótipos; ii) afetiva, na qual se destacam as emoções intergrupais; e, por último, iii) avaliativa, atinente à valorização dos grupos sociais. Embora os futores psicológicos motivacionais relativos à auto-estima sejam importantes nesse processo de diferenciação social (Tajfel & Turner, 1979), os quadros situacionais e estruturais das relações entre grupos são fundamentais, de tal modo que conteúdos ou imagens categoriais não podem ser desanexados de seus critérios e interesses classilicatórios (Doise, 1984; Deschamps, 1982; Amâncio, 1998; Camino, 1996; Vala, 1997).
Nesse sentido, pode-se considerar que as imagens sociais construídas sobre os grupos dependem da formação e do statusdos grupos alvos da percepção e dos interesses e do status dos grupos que percebem. Neste estudo, procura-se investigar o papel do sexo de supervisores e empregados e do sexo de quem avalia, na construção de imagens estruturadas nas emoções e nos estereótipos dos grupos em contextos de relações de trabalho. Considera-se o contexto das relações de trabalho espaço plivilegiado de análise do papel do gênero1 na atribuição de emoções, visto o alto grau de assimetria de poder e especialização de funções que nele ocorrem.
1.1 Estereótipos, emoções, sexismo e gênero nas relações de trabalho
A diferenciação social que tem por base a distinção entre os sexos é, provavelmente, a mais freqüente na vida cotidiana e pode ser realizada no nível dos estereótipos e das emoções. Primeiramente, discorre-se sobre estudos que tratam da diferenciação decorrente de estereótipos, para, em seguida, abordar-se evidências sobre o papel das emoções na construção de imagens sociais diferenciadoras dos homens e das mulheres.
1.2 O papel dos estereótipos na construção das imagens sociais de mulheres e homens
Ao adotar a premissa de que os estereótipos são construídos para, ao mesmo tempo, descrever, prescrever e legitimar papéis sociais específicos para os grupos sociais (Allport, 1954; Eagly, 1987), vários estudos realizados na psicologia social têm analisado os efeitos da diferenciação de gênero nos estereótipos e no preconceito. É nesse sentido que Amâncio (.1998) fez um estudo no qual analisa os conteúdos símbolicos associados as diferenciações sociais entre os sexos. Nesse estudo, os participantes (estudantes universitários de Lisboa) deveriam descrever-se a uma pessoa do mesmo sexo e a uma pessoa do sexo oposto, usando o recurso da associação livre de palavras. Amâncio (1998) observou que a imagem do sexo feminino se estrutura num eixo do erotismo (amorosa, boa, agradável, feminina, companheira, frágil, sensual etc.), eixo que se opõe a uma imagem masculina, caracterizada pela ética do trabalho e pela dominância social (honesto, trabalhador, alto, responsavel, atlético etc.). Nas autodescrições, aparece uma imagem feminina caracterizada pela emoção e passividade (emotiva, tímida, pessimista, preguiçosa, adaptável etc.), ao passo, que a auto-imagem dos homens caracteriza-se pela dominância (altivo, convencido, atraente, forte etc.). Em um segundo estudo, Amâncio (1998) investigou os estereótipos das mulheres e dos homens em estudantes de ambos os sexos, que trabalhavam e que não trabalhavam. A autora concluiu que os participantes consideram que as principais características usadas na descrição das mulheres são relacionadas à emotividade e fragilidade (afetuosa, dependente, emotiva, frágil, meiga, maternal, sensível, submissa, sentimental etc.). Em contrapartida, a imagem social do homem fundamenta-se na atividade e na força (ambicioso, audacioso, corajoso, aventureiro, dominador, forte etc.).
Essa dicotomia ou dupla representação na percepção de pessoas, já observada na década de 1940, no estudo clássico de Solomon Asch (1946) sobre a formação de impressões, ganhou, em estudos mais recentes, contorno mais nítido, que opõe traços relativos à intelectualidade e traços relativos à sociabilidade. Essa oposição do relacional e do intelectual na diferenciação de gênero foi encontrada nos estudos pioneiros de Eagly e colaboradores (Eagly, 1987; Eagly, Wood & Dickman, 2000) (ver também Fiske, Cuddy & Glick, 2002, para uma revisão), que demonstraram diferenciação dos estereótipos de homens e mulheres, sendo aos homens atribuídos mais traços instrumentais adaptados para atividades "extra-lar" (e.g., agressivo, independente, assertivo, autosuficiente etc.) e à mulher, mais atributos afinados ao cuidado com a casa e a prole (e.g., protetora, sensível, prestativa, afetiva etc.).
Fiske e colaboradores (2002) realizaram um estudo no qual observaram que as mulheres, de maneira geral, são percebidas como detentoras de muita competência relacional (warmth)e baixa competência intelectual, quando comparadas aos homens. Os autores afirmam que essa dupla percepção constitui forma particular de preconceito contra as mulheres, o sexismo ambivalente.Essa forma de preconceito baseia-se, por um lado, em sentimentos de piedade, relacionados à visão estereotipada das mulheres como grupo de pouco poder social (e.g., donas de casa) e, por outro, na visão de mulheres que ameaçam romper o estereótipo (e.g., profissionais liberais, feministas etc.). A face mais branda desse sexismo dirige-se ao primeiro grupo de mulheres e é definido como sexismo benévolo, enquanto a face mais agressiva, dirigida ao segundo grupo, é chamada de sexismo hostil.
Como já salientara Allport (1954), os estereótipos ou as imagens generalizadoras sobre os grupos sociais têm duplo papel: relacionam-se, por um lado, com a economia psíquica e, por outro, com a necessidade dejustificação ou legitimação das relações intergrupais assimétricas. Desse modo, as imagens construídas sobre as mulheres são apropriadas por homens e por mulheres para a essencialização e legitimação das posições sociais assimétricas entre esses grupos (ver Assmar & Ferreira, 2004, para uma revisão).
1.3 O papel das emoções na construção das imagens sociais de mulheres e homens
Vários estudos têm demonstrado que as emoções desempenham papel importante nas atitudes e nos processos psicológicos em geral (Schachter, 1964; Zajonc, 1998), bem como nas relações e nos conflitos interpessoais e inlergrupais, tais como o sexismo (Glick & Fiske, 1996), a homofobia (Lacerda, Pereira & Camino, 2002), o preconceito contra idosos (Fiske, Cuddy & Glick, 2002) e o preconceito étnico (Dijker, 1987; Leyens et al., 2001; Lima, 2003; Pettigrew & Meertens, 1995; Vala, Brito & Lopes, 1999, ver Mackie & Smith, 2002, para uma revisão).
Brody e Hall (2000) fazem ampla revisão na literatura sobre o papel das emoções na diferenciação social, e concluem que as pessoas acreditam que homens e mulheres expressam emoções distintas. Vários estudos constatam que existem emoções definidas como "femininas" e outras rotuladas como "masculinas" (Algoe, Buswell & Delamater, 2000; Plant, Hyde, Keltner & Devine, 2000; Heilman, Block, Martell & Simon, 1989; Fischer, Mosquera, van Vianen & Manstead, 2004).
Algoe, Buswell e Delamater (2000) analisaram o impacto do gênero e da função (supervisor vs. empregado) na interpretação de emoções primárias. Os resultados do estudo, realizado com estudantes universitários norte-americanos de ambos os sexos, indicam que eles fazem diferenciação das emoções com base no gênero e na função. Os homens são percebidos como os que expressam mais raiva e menos medo do que as mulheres em contextos de trabalho. Os empregados são percebidos como os que estão com mais medo do que os supervisores e a emoção de "nojo" é mais atribuída aos supervisores de sexo masculino do que aos do sexo feminino. Os autores interpretam esses resultados, afirmando a relação muito próxima entre poder, gênero e diferenciação social.
Plant, Hyde, Keltner e Devine (2000) mostraram a adultos de ambos os sexos um videoteipe de uma criança que reage a um estímulo frustrador. Em uma situação, a criança é um menino, e em outra uma menina. Os participantes deveriam inferir a emoção que a criança estava sentindo. Os resultados demonstraram que os meninos são vistos como estando com raiva e as meninas, com medo, sendo esse padrão de resposta mais encontrado nos participantes de sexo masculino. Plant e colaboradores (2000) concluíram, então, que certas emoçoes são percebidas como mais típicas das mulheres (e.g., alegria, vergonha e medo), outras, dos homens (e.g., orgulho, raiva e desprezo) e ainda outras, como neutras (e.g., nojo, ciúme e interesse).
Heilman, Block, Martell e Simon (1989), em um estudo sobre a relação entre emoções e percepção de statusprofissional, encontraram que emoções definidas como masculinas são as mesmas utilizadas para descrever alguém que ocupa uma função de supervisor.
Fischer, Mosquera, van Vianen e Manstead (2004), ao investigarem o papel das emoções na diferenciação dos gêneros, consideraram duas dimensões na diferenciação entre homens e mulheres: uma dimensão das emoções que reflete poder,representada por emoções que demonstram controle e posição superior nas relações (e.g., raiva, desprezo e desagrado) e uma dimensão de falta de poder, representada por emoções que indicam vulnerabilidade e dependência nas relações (e.g., medo, vergonha e culpa). Fischer et al.(2004) realizaram um estudo para verificar se o statusdos grupos, o sexo e tipo de cultura (mais ou menos machista) interferem na atribuição dessas duas emoções a homens e a mulheres. As autoras verificaram, em 37 países e cinco continentes, que são atribuídas mais emoções de poder aos homens do que às mulheres e que isso não depende do índice de machismo dos países pesquisados. Uma menor atribuição de emoções de fulta de poder aos homens do que às mulheres ocorre, no entanto, apenas nos parses com marores escores de machismo.
1.4: Imagens dos sexos nas relações de trabalho
Não obstante vários estudos terem focalizado o papel genérico das emoções e dos estereótipos no preconceito, comparativamente, poucos têm analisado o papel desses construtos no sexismo em locais de trabalho. Particularmente no Brasil, como argumentam Gondim e Siqueira (2004), pouca atenção tem sido dada à pesquisa sobre a influência das emoções nos contextos de trabalho. Ora, se as emoções e os estereótipos são importantes na definição dos fenômenos relativos às interações sociais, de maneira geral, e dos processos psicológicos, de maneira particular, pode-se supor que eles também sejam importantes nas relações de trabalho.
As imagens sociais construídas tendo por fundamento estereótipos e emoções definem, para homens e mulheres, papéis sociais específicos e, no contexto das relações intergrupais, reais ou simbólicas, atuam como uma ideologia, que serve de referência aos indivíduos na definição de seus modos de ser e estar no mundo (Amâncio, 1998). Nas relações de trabalho, essas imagens sociais dos sexos tornam-se ainda mais poderosas na definição das condutas. Com efeito, o gênero torna-se elemento constitutivo das relações sociais baseadas em diferenças percebidas entre os sexos, apresentando-se também como forma primordial de dar significado às relações de poder no trabalho (Cruz, 2002).
Em uma pesquisa realizada na década de 1980, com uma amostra de 1900 gestores e diretores de empresas norte-americanas, que comparou dados sobre discriminação das mulheres no trabalho de 1985 e 1965, Sutton e Moore (1985) observaram que os homens aceitam mais facilmente trabalhar sob as ordens de uma mulher, considerando-as mais aptas para cargos de chefia do que as próprias mulheres.
Cruz (2002), ao analisar a tradição patriarcal da sociedade brasileira, afirma que ela se manifesta na segmentação, divisão social e sexual, na feminização das ocupações que fortalecem a exclusão de gênero, contribuindo para disparidades salariais, menor remuneração por hora trabalhada e masculinização das funções de chefia, com mais altos salários e status.Fonseca (1993) segue essa linha argumentativa e afirma que há uma divisão sexual do trabalho, na qual as áreas de amação profissional são definidas de acordo com a estrutura patriarcal da sociedade, alocando sujeitos em ocupações mais ou menos valorizadas socialmente, conforme seu sexo.
Os significados do masculino e do feminino no mundo do trabalho têm feito com que algumas profissões ditas femininas tenham menor remuneração, valor e prestígio social, do que outras tidas como masculinas. Fato que indica que o trabalho tem significados diferentes em função de ser executado por homens ou por mulheres. Assim, quando um ator aparece investido de poder formal, de imediato e quase automaticamente, espera-se que ele seja homem (Amâncio, 1998). Assmar e Ferreira (2004:95), numa ampla revisão da literatura sobre gênero e relações de trabalho, concluem que "o estilo masculino corresponde aos comportamentos voltados para a tarefa e o sistema de produção, tradicionalmente chamados de comportamentos de estrutura de iniciação; já o estilo feminino corresponde aos comportamentos voltados para as relações sócio-emocionais e o sistema interpessoal, convencionalmente designados como comportamentos de consideração".
Para Cruz (2002), as próprias mulheres tendem a interiorizar e aceitar os limites e as classificações do saber que lhes é possível adquirir e absorvem tanto a imagem social de si próprias quanto as discriminações a elas impostas no mercado de trabalho. Com efeito, uma ampla área de investigação na psicologia social tem demonstrado que, sobretudo em contextos de desempenho profissional e intelectual, os grupos minoritários tendem a agir em conformidade com o estereótipo social que lhes é imposto, evitando desconfirmá-lo (Steele, 1997; Steele & Aronson, 1995). Torna-se oportuno mencionar, entretanto, que as imagens sociais dos grupos são dinâmicas e mudam, em função das relações de poder que se estabelecem na arena social, de modo que as conquistas sociais e políticas das mulheres alteram, ainda que lentamente, os estereótipos de gênero.
Tomando como pano de fundo o referencial teórico apresentado, realizou-se um estudo, cujo objetivo principal foi investigar as imagens que homens e mulheres constroem em termos de emoções e traços de personalidade, sobre mulheres e homens que estão numa posição de chefia (supervisores) ou numa posição subalterna (empregados). As principais hipóteses são as seguintes: 1) será atribuído mais desconforto emocional a uma mulher do que a um homem, quando eles estiverem numa posição de comando (supervisor); 2) um supervisor de sexo feminino deverá gerar mais desconforto emocional nos empregados (homens e mulheres) do que um supervisor do sexo masculino; 3) as mulheres e os empregados serão mais caracterizados por estereótipos relativos à dimensão da competência relacional, enquanto os homens e os supervisores serão mais descritos por estereótipos referentes à dimensão da competência intelectual; e 4) esse padrão de respostas será mais forte entre os homens do que entre as mulheres que participam do estudo.
2. Método
2.1 Participantes
Participaram do estudo 111 estudantes universitários de Salvador e Aracaju, sendo 46 de sexo masculino e 65 de sexo feminino. A idade dos participantes variou entre 19 e 61 anos (M = 32.6, DP = 8.5). A grande maioria dos participantes trabalhava (86%), sendo que 62 eram estudantes de pós-graduação em Administração de Recursos Humanos ou em Administração de Serviços e os outros 49 estudantes estavam na graduação de vários cursos (Direito, Matemática, Ciências da Computação, Economia e DesignGráfico).
2.2 Procedimentos
Os participantes foram contatados em sala de aula e solicitados a colaborar num estudo sobre o modo como se formam impressões sobre as pessoas em ambientes de trabalho. Cada participante então recebia um questionário, no qual constava o cenário (sketch) de uma interação entre um supervisor e um empregado numa empresa. O sketchconstituía-se de um pequeno diálogo entre os dois profissionais, no qual o supervisor instava o funcionário a realizar corretamente uma tarefa. A situação de interação poderia variar de quatro formas: a) o supervisor era uma mulher e o empregado um homem; b) o supervisor era uma mulher e o empregado uma mulher; c) o supervisor era um homem e o empregado um homem; e d) o supervisor era um homem e o empregado uma mulher. Supervisores e empregados foram representados por pessoas brancas. O sexo do supervisor e do empregado era indicado por quatro fotografias ilustrativas da interação. Trata-se, portanto, de um estudo experimental com quatro condições. Depois de lerem o sketch,os participantes deveriam formar uma impressão sobre o supervisor e o empregado, com base em listas de afetos e traços estereo típicos.
2.3 Desenho
O desenho do estudo foi um fatorial interparticipantes do tipo 2 (Função: supervisor vs. empregado) X 2 (Sexo: masculino vs. feminino). Os participantes foram distribuídos de modo aleatório pelas quatro condições experimentais (ver Quadro 1). Considerou-se ainda como variável independente ou antecedente o sexo dos participantes. As variáveis dependentes foram: a) atribuição de emoções e sentimentos (afetos) aos profissionais e b) atribuição de características de competência intelectual e relacional aos profissionais (traços dos estereótipos).
2.4 Pré-teste
As quatro fotografias foram pré-testadas quanto à atratividade fisica, cor da pele, status(supervisor ou empregado) e Idade. Os resultados do pré-teste, realizado a partir de uma amostra de 13 sujeitos, indicaram que as fotos poderiam ser utilizadas sem impedimentos, uma vez que não houve diferenças significativas nas idades, na atratividade física dos alvos e, na quase totalidade dos casos (90%), os supervisores foram percebidos como supervisores e os empregados, como empregados.
2.5 Variáveis dependentes
Foram organizadas em duas dimensões:
a) Atribuição de emoções - Essa dimensão formou-se por 20 afetos positivos e negativos, extraídos de Leyens e colaboradores (2001) e adaptados e validados para o português por Lima (2003). Os afetos utilizados neste estudo foram: amor, bom humor, alegria, coragem, tristeza, culpa, amizade, fingimento, calma, fúria, irritação, medo, vergonha, otimismo, mau humor, prazer, arrependimento, raiva, esperança e satisfação. Os participantes deveriam indicar, em dois momentos, em que medida cada uma das emoções caracteriza o que o supervisor e o empregado sentem emseu dia-a-dia. A escala variava de 1 (nada característico) a 5 (totalmente característico).
b) Atribuição de estereótipos - Esse indicador foi formado por 22 características utilizadas na descrição de pessoas: algumas positivas e outras negativas, algumas relativas a competência relacional ou sociabilidade (amigo, atencioso, frio, autoritário, bem intencionado, confiável, agressivo, emotivo, simpático, sincero, sociável e tolerante) e outras relativas à competência intelectual (determinado, autoconfiante, inteligente, capaz, criativo, independente, inseguro, competente, racional e trabalhador2). Os participantes eram solicitados a atribuir essas características ao supervisor e, em seguida, ao empregado, usando uma escala que variava de 1 (nada característico) a 5 (totalmente característico).
3. Resultados e discussão
Os dados foram analisados por meio de análises de clusterse de análises de variância multivariadas (MANOVAs). Para melhor organização na apresentação dos resultados, primeiramente; apresentam-se as dimensões das emoções e dos sentimentos atribuídos ao supervisor e ao empregado, para, em seguida, apresentar-se os efeitos do sexo de quem responde e do status(supervisor ou empregado) e do sexo de quem é avaliado sobre a atribuição dos afetos.
3.1 As dimensões das emoções atribuídas ao supervisor e ao empregado numa situação de trabalho
A fim de verificar a formação das dimensões de representação dos grupos, primeiramente, realizaram-se análises de clusterenvolvendo os 20 afetos utilizados. Os resultados indicaram a formação de quatro dimensões. Uma primeira dimensão, que indica mal-estar do supervisor com a situação e agrupa afetos de caráter negativo (mau humor, raiva, vergonha, fúria, arrependimento, fingimento, medo, tristeza, irritação e culpa), apresentou bom índice de confiabilidade (α de Cronbach = 0.87). As outras três dimensões encontradas aproximam-se entre si e distanciam-se da primeira dimensão (ver Figura 1). A segunda dimensão. reuniu afetos positivos (amor, alegria, amizade, bom humor e satisfação) e apresentou também boa confiabilidade (α = 0.78). A terceira dimensão agrupou afetos de caráter positivo e com conteúdo estruturado na coragem e no otimismo (esperança, coragem, otimismo e calma). A confiabilidade dessa dimensão foi baixa (α = 0.57). Finalmente, o sentimento de prazer isolou-se dos demais afetos e compôs, sozinho, a quarta dimensão da representação do supervisor, em termos de afetos. Dentre as quatro dimensões de afeto, a mais utilizada para descrever o supervisor foi coragem e otimismo (terceira dimensão) (M = 4.1, DP = 0.79), seguida da dimensão do prazer (M = 3.54, DP = 2,24).
Realizou-se o mesmo tipo de análise para as emoções atribuídas ao empregado. Na Figura 2, pode-se ver que se configuram também quatro dimensões, mas com diferenças importantes em relação aos resultados para o supervisor. A primeira dimensão é representada por afetos negativos (fingimento, fúria, raiva, irritação e mau humor) e por um sentimento positivo (amor). Entende-se que essa forma ambivalente de representação do empregado decorre do tipo de interação retratada no cenário da pesquisa. Trata-se de uma interação na qual o supervisor solicita ao empregado que fuça uma tarefa de maneira correta, e o empregado apresenta-se inseguro sobre sua competência para a realização da tarefa. Essa primeira dimensão apresentou razoável índice de confiabilidade (α = 0.69) e foi a menos utilizada pela amostra pesquisada para descrever os empregados (M= 1.56, DP = 0.51). A segunda dimensão nas imagens construídas sobre o empregado agregou afetos também negativos, mas de caráter mais passivo do que os primeiros (tristeza, arrependimento, vergonha e culpa). Essa dimensão apresentou boa confiabilidade (α = 0.77) e foi mais utilizada nas descrições do empregado do que a primeira (M= 2.37, DP = 0.89). A terceira dimensão, composta pelos afetos positivos (esperança, coragem alegria, bom humor, prazer, satisfução, amizade, otimismo e calma), também apresentou boa consistência interna ou confiabilidade (α = 0.89) e média utilização (M= 2.66, DP = 0.80). Essas três primeiras dimensões se opuseram a uma quarta, formada apenas pelo medo (ver Figura 2). Essa quarta dimensão foi amais utilizada nas descrições do empregado (M= 4.13, DP = 1.11).
Assim, percebe-se que, se para o supervisor os afetos mais atribuídos foram otimismo, esperança, coragem, calma e também o prazer, para o empregado, a emoção mais típica foi o medo, que se isolou dos demais afetos, formando uma dimensão independente, assim como o prazer, no caso do supervisor, foi decisivo na formação de um eixo próprio de representação. A caracterização do empregado com base, principalmente, no medo, confirma os pressupostos do modelo de Fischer et al.(2004), que considera o medo uma emoção que reflete vulnerabilidade e dependência nas relações (powerless emotions).
3.2 Efeitqs do sexo e do statusna atribuição de emoções a supervisores e a empregados
Uma vez verificado que o status(supervisor ou empregado) implica maneiras diferenciadas de representá-los ou percebê-los por meio de afetos, cabe indagar se o sexo do empregado ou do supervisor e o sexo de quem avalia a situação interferem nessas imagens. Para tentar responder a essa questão, realizou-se um conjunto de análises de variância multivariadas (MANOVAs), tomando-se como variáveis independentes o sexo dos participantes no estudo, o sexo do supervisor e o sexo do empregado. As variáveis dependentes foram as dimensões afetivas ou emocionais de representação dos supervisores e empregados.
Numa primeira análise, testaram-se os efeitos das variáveis antecedentes sobre a atribuição de emoções ao supervisor. Os resultados indicam que existem efeitos multivariados do sexo do supervisor, F(1, 107) = 2.40, P <.05, cuja força foi moderada (η2 = 0.09), e um efeito multivariado do sexo de quem responde F(1, 107) = 2.91, p <.05, com maior força explicativa (η2 = 0.11). Mais importante, no que se refere aos efeitos univariados, verificou-se um efeito significativo do sexo do supervisor na atribuição de emoções indicativas de desconforto psicológico (mau humor, raiva, vergonha, fúria, arrependimento, fingimento, medo, tristeza, irritação e culpa), F(1, 107) = 5.99, p <.01. São atribuídas mais emoções indicativas de desconforto ao supervisor quando ele é mulher (M= 1.59) do que quando ele é homem (M= 1.35). Portamo, os participantes percebem a situação da mulher supervisora como emocionalmente mais desconfortável do que a situação do homem supervisor.
Esse resultado, no entanto, depende do sexo de quem responde, uma vez que a interação entre sexo do supervisor e sexo do participante foi significativa, F(1, 107) = 5.76, p <.01. Como mostra o Gráfico 1, apenas os participantes de sexo masculino consideram que o supervisor mulher se sente mais desconfortável na situação de supervisão do que o supervisor homem (Tukey, p<.05). As respostas das mulheres não diferenciam supervisores de sexo masculino e feminino, no que concerne ao desconforto (Tukey, p>.10).
Assim, confirma-se parcialmente a primeira hipótese, segundo a qual seria atribuído mais desconforto emocional a uma mulher do que a um homem, quando eles estivessem numa posição de comando. Verificou-se que apenas nas percepções ou avaliações dos participantes de sexo masculino existe maior atribuição de desconforto emocional às mulheres, comparativamente aos homens, numa situação de comando. Essa moderação do sexo de quem responde confirma a hipótese de que os participantes de sexo masculino demonstrariam maior sexismo do que os participantes de sexo feminino, neste caso expresso pela percepção de que as mulheres sentem-se mais inseguras nas posições dominantes do que os homens.
Esse resultado não foi influenciado pelo sexo do empregado, uma vez que a interação tripla, sexo de quem responde, sexo do supervisor e sexo do empregado não foi significativa, F(1, 107) < 1, ns.
Em seguida, testaram-se, novamente por meio de uma MANOVA, os efeitos das variáveis antecedentes sobre as quatro dimensões de atribuição de emoções ao empregado. Os resultados indicam que não existem efeitos multivariados significativos, contudo, houve um efeito univariado do sexo de quem responde sobre a atribuição de medo ao empregado, F(1, 107) = 3.64, p= .05. As mulheres consideram que o empregado sente mais medo na interação com o supervisor (M = 4.29) do que os homens o consideram (M = 3.88).
Esse efeito do sexo de quem responde não foi influenciado pelo sexo do empregado ou do supervisor. Trata-se, portanto, de um efeito geral. Disso se entende que, para as mulheres, é mais fácil se identificar e ter empatia com o empregado do que para os homens, uma vez que ambos (mulheres e empregados) pertencem a grupos minoritários. Esse suposto processo de identificação e empatia tornaria as mulheres mais aptas a perceber nos empregados as emoções que caracterizam as minorias em relações de poder assimétricas, sendo o medo uma das emoções típicas nesses contextos.
Verificou-se também tendência de interação entre o sexo do supervisor e o sexo do empregado, na atribuição de medo ao empregado, F(1, 107) = 2.93, p= .09. Como se vê no Gráfico 2, a situação de interação em que o supervisor é mulher e o empregado é homem é a de menor atribuição de medo ao empregado. Verifica-se ainda que o empregado do sexo feminino é percebido como o que sente mais medo, quando supervisionado por mulher do que quando supervisionado por homem, ao passo que o empregado de sexo masculino é percebido como estando com mais medo quando o supervisor é homem do que quando o supervisor é mulher (Tukey, p <.10).
Esse resultado não foi influenciado significativamente pelo sexo dos participantes, F(1, 107) < 1, ns,de modo que, para homens e mulheres que participaram deste estudo, a maior percepção de medo no empregado ocorre quando ele ou ela está sendo supervisionado por alguém do mesmo sexo. Ainda não se encontrou justificativa plausível para esse resultado, e, embora se reconheça que seu efeito seja apenas marginalmente significativo, em outras investigações, pretende-se aprofundá-lo, inserindo-se no questionário outras questões relacionadas a esse fenômeno.
3.3 As dimensões dos estereótipos atribuídos ao supervisor e ao empregado numa interação de trabalho
Para analisar as imagens construídas sobre supervisor e empregado, tendo por base as características personalísticas, repetiu-se o procedimento adotado para as emoções. Sendo assim, primeiramentese analisou o conjunto de traços ou núdeos semânticos da representação do supervisor e do empregado, para, em seguida, testar-se os efeitos das condições experimentais e do sexo de quem responde, na força das imagens construídas.
Na Figura 3, vê-se que cinco clusterssão formados para descrever o supervisor em termos de traços de personalidade. Um primeiro e mais amplo conjunto de traços reflete a imagem de um supervisor que integra traços de competência intelectual e profissional (inteligente, capaz, criativo, competente, trabalhador, racional, determinado e autoconfiante), com traços de competência relacional (confiável, sociável, atencioso, sincero, tolerante, simpático e amigo). Essa primeira dimensão foi a mais utilizada pelos participantes para descrever o supervisor (M = 3.88, DP = 0.74) e apresentou alta consistência interna (a = 0.91). A segunda dimensão da imagem da personalidade do supervisor foi composta apenas pelo traço independente, que, embora pudesse ser considerado pertencente à primeira dimensão, uma vez que se aproxima muito dela, diferencia-se um pouco do conjunto geral dos outros traços e muito das outras três dimensões configuradas. Esse traço também foi muito atribuído ao supervisor (M = 3.69, DP = 1.20). A terceira dimensão agrupou os traços inseguro, agressivo e autoritário à imagem do supervisor. Essa dimensão foi pouco usada (M = 1.56, DP = 0.60) e apresentou baixa consistência interna (α = 0.42). A quarta dimensão foi composta pelo traço emotivo (M = 2.45, DP = 1.20) e a quinta, pelo traço frio (M = 2.76, DP = 1.28), ambas apresentaram escore de atribuição mediano.
Merece destaque o fato de que, na dimensão mais forte, a imagem construída sobre o supervisor integra características de competência intelectual com características de competência relacional. Fiske, Cuddy e Glick (2002) encontraram nos EUA resultado semelhante no modo como são percebidos alguns grupos de alto status (e.g., classe média, estudantes brancos, pessoas com alta escolaridade, profissionais liberais etc.). Pode-se pensar, por conseguinte, que a oposição entre duas dimensões de representação dos grupos (i.e., traços de competência relacional vs. traços de competência intelectual) depende do statusda pessoa alvo da percepção, uma vez que se refere mais a pessoas pertencentes a grupos de baixo statusou a grupos com os quais as pessoas não se identificam ou a que não pertencem (exogrupos).
Na imagem social do empregado (ver Figura 4) encontram-se seis dimensões que se separam em dois grandes clusters,tendo como linha divisória a característica inseguro. Na primeira dimensão, aparecem traços de competência intelectual (inteligente, capaz, competente, criativo e racional), juntamente com alguns traços de competência relacional (simpático, atencioso e amigo). A consistência interna dessa dimensão é elevada (α = 0.84) e sua aplicação ao empregado é mediana (M = 2.61, DP = 0.73). Essa primeira dimensão diferencia-se um pouco de uma segunda dimensão, que insere o traço trabalhador num campo semântico formado por características relativas à competência social ou relacional (bem intencionado, confiável, sociável, sincero e tolerante). Essa segunda dimensão também apresenta boa consistência interna (α = 0.79) e é mais usada nas descrições do empregado do que a primeira (M = 3.46, DP = 0.87). Isolado, como uma ponte que vincula as imagens mais positivas do empregado às menos positivas, encontra-se o traço emotivo, que configura a terceira dimensão e é moderadamente utilizado para descrever o empregado (M = 2.90, DP = 1.19). Foi, no entanto, a característica inseguro que delimitou o campo da representação do empregado em duas grandes dimensões (positiva vs. negativa). Esse traço compõe a quarta dimensão e foi o mais utilizado para descrever o empregado (M = 4.0, DP = 1.23). A quinta dimensão na representação do empregado agrupa três características (autocontrolado, independente e determinado), que, no caso do supervisor, agrupavam-se em uma única e grande dimensão mista de traços de competência intelectual e relacional. Essa dimensão autónoma na imagem construída sobre o empregado opõe-se às dimensões das competências, e aproxima-se da dimensão do autoritarismo e da agressividade. A consistência interna dessa quinta dimensão é elevada (α = 0.79) e seu uso nas descrições, mediano (M = 2.12, DP = 0.92). Finalmente, a última dimensão encontrada reuniu os traços autoritário e agressivo com a frieza, apresentando, no entanto, baixa consistência interna (α = 0.44), além da mais baixa média de atribuição (M = 1.56, DP = 0.58).
Percebem-se, a partir da comparação entre as imagens sociais do supervisor e do empregado, diferenças substanciais de conteúdo e nuclearidade dos significados. O supervisor é representado por uma imagem que integra facilmente o relacional com o intelectual, sendo essa a dimensão mais usada para descrevê-lo. O empregado apresenta sua competência intelectual cindida em duas dimensões, uma da inteligência e outra do autocontrole, sendo essa uma dimensão pouco usada em sua descrição. Ele é, sobretudo, inseguro e sua insegurança, diferentemente da do supervisor, não se atrela à agressividade e ao autoritarismo, ao contrário, é estruturante dos campos semânticos da positividade e da negatividade no modo como é percebido. Vale lembrar que, no que tange aos afetos, era o medo a característica mais saliente do empregado. Assim, uma representação social compósita do empregado agregou a dimensão emocional do medo ao traço de personalidade de insegurança.
Será, no entanto, que essas imagens diferentes de empregados e supervisores não dependem de quem responde (homens ou mulheres) e de sobre quem se responde (empregados e supervisores homens ou mulheres)?
3.4 Efeitos do sexo e do statusna atribuição de características estereotípicas a supervisores e a empregados
Para responder à pergunta anterior, realizaram-se MANOVAs com as variáveis independentes (V.I.s) e as dimensões de representação dos alvos. No caso das imagens do supervisor, não se verifica nenhum efeito multivariado das VIs sobre o conjunto das VDs. Apenas um efeito univariado é significativo, o efeito do sexo do empregado sobre a atribuição de emotividade ao supervisor, F(1, 107) = 4.73, p<.05. O supervisor é percebido como mais emotivo, quando o empregado é homem (M = 2.71) do que quando o empregado é mulher (M = 2.20). Esse resultado não foi influenciado por nenhum efeito de interação.
No caso das imagens construídas sobre o empregado, observou-se efeito multivariado significativo do gênero do empregado sobre o conjunto das VDs, F(1, 107) = 2.77, p = .01, cuja força foi moderada (η = 0.15), e do sexo dos participantes, F(1, 107) = 2.03, p= .06, também de força moderada (η2 = 0.11). Em relação aos efeitos univariados, observou-se que existe um efeito principal tendencial do sexo do empregado sobre a atribuição de emotividade ao empregado, F(1, 107) = 3.14, p= .08. Os empregados de sexo feminino são percebidos como mais emotivos (M = 3.07) do que os empregados de sexo masculino (M = 2.66). É interessante lembrar que esse resultado que se supunha comum nas imagens das mulheres apareceu apenas quando a mulher era empregada, não havendo esse efeito para mulheres supervisoras. Esse fato confirma parcialmente a hipótese levantada, pois demonstra que a estereotipia depende não só da categoria social saliente, mas também do status relativo de cada categoria nas relações sociais, como prevê a Escola de Genebra (Deschamps, 1982; Doise, 1984).
Esse efeito foi qualificado por uma interação entre o sexo do supervisor e o sexo do empregado na atribuição de emotividade ao empregado, F(1, 107) = 3.79, p= .05. Como se vê no Gráfico 3, é apenas quando está sendo supervisionada por uma mulher que a empregada é percebida como mais emotiva do que o empregado. Esse resultado é semelhante ao encontrado para a emoção do medo. Isso leva a pensar que é a condição de ser supervisionado por uma mulher que gera no empregado emotividade caracterizada pelo medo.
Verifica-se também um efeito principal do sexo do empregado sobre a atribuição de autocontrole, determinação e independência, F(1, 107) = 8.02, p< .001. Os empregados de sexo masculino são percebidos como detentores de mais autocontrole e independência (M = 2.42) do que os de sexo feminino (M = 1.91). Esse efeito e o anterior não foram influenciados pelo sexo dos participantes ou do supervisor.
Novamente, a hipótese confirma-se parcialmente, pois se esperava que esses resultados aparecessem sempre associados aos homens, e não apenas quando eles fossem empregados. Esse padrão de resultados, que é consistente em todo o estudo - seja quando se analisam as emoções ou quando se analisam os estereótipos - parece indicar que as mulheres, quando estão na posição de supervisoras, são masculinizadas pelos participantes. É como se a função "masculina" da supervisão funcionasse como aglutinador de todos os conteúdos representacionais a uma imagem masculina, que independe de quem realiza a função. Nesse sentido, quando as mulheres estão na posição de mais baixo status(i.e., empregadas), os estereótipos de gênero podem emergir com clareza e a diferenciação social entre homens e mulheres aparecer.
Esses resultados apresentam alguma analogia com formas mais modernas de preconceito e racismo, tais como o sexismo ambivalente e o racismo aversivo, que supõem que, em contextos em que o preconceito pode ser justificado ou nos quais as normas igualitárias não estejam salientes, a discriminação das minorias pode ocorrer (ver Gaertner & Dovidio, 1986; Glick & Fiske, 1996).
4. Considerações finais
Neste estudo, analisaram-se os efeitos do statusprofissional e do sexo nas imagens que homens e mulheres constroem sobre trabalhadores em contextos de trabalho. Para tanto, utilizaramse duas dimensões de representação dos grupos, uma baseada nas emoções e outra em traços dos estereótipos.
Quanto às imagens sobre supervisores e empregados, os resultados apontam para a formação de imagens muito diversas dos supervisores e dos empregados. Essas diferenças refletem-se tanto na dimensão mais emocional da imagem quanto na dimensão mais cognitiva ou de traço de personalidade. A imagem do supervisor constrói-se poremoções positivas e de gozo com a situação de poder, tais como o prazer, o otimismo, a calma e a coragem. No que concerne às características de personalidade, o supervisor é percebido como detentor de muita capacidade relacional e muita independência. Em contrapartida, o empregado é percebido em termos emoàonais como estando com muito medo e, no que se refere à estrutura de personalidade, como sendo inseguro.
Evidentemente, esse padrão de resultados decorre do tipo de cenário a ser avaliado pelos participantes. No sketchapresentado, o empregado estava inseguro sobre se conseguiria ou não realizar uma tarefa, sobre a qual o supervisor tinha plena segurança. Chama atenção, entretanto, o fato de que, na representação social do empregado, exista cisão clara entre os traços de competência relacional e os de competência intelectual, ao passo que, na representação do supervisor, essas duas dimensões aparecem imbricadas e ambas com igual peso ou nuclearidade.
As imagens de supervisores e empregados foram, de algum modo, influenciadas pelo sexo de quem responde. Nesse sentido, percebeu-se que foi atribuído mais desconforto emocional a uma mulher do que a um homem na condição de supervisão. Esse resultado foi influenciado pelo sexo dos respondentes, visto que apenas os participantes de sexo masculino respondem nessa direção. Esse fato confirmou a quarta hipótese levantada, de que essa visão mais estereotipada dos papéis sociais dos sexos apresentar-se-ia com mais força entre os homens do que entre as mulheres. Pode-se afirmar que esse resultado reflete ainda uma percepção estereotipada e preconceituosa dos papéis profissionais de homens e mulheres no trabalho, apontada também por outros estudos (e.g., Amâncio, 1998; Algoe et al.,2000; Plant et al.,2000; Heilman et al., 1989; Cruz, 2002; Fischer et al.,2004), demonstrando que, para os participantes do sexo masculino, a posição de supervisão ainda é percebida como mais natural para o homem do que para a mulher. Considera-se que esse tipo de expectativa sobre os papéis sociais de cada sexo provoca graves conseqüências nas relações de trabalho, sobretudo, em um mercado progressivamente mais feminino.
Verifica-se ainda que o empregado de sexo feminino é percebido como estando com mais medo, quando é supervisionado por uma mulher do que por um homem, enquanto é atribuído mais medo ao empregado de sexo masculino quando ele está sob a supervisão de um homem do que quando supervisionado por uma mulher. Brewer e Alexander (2002), em um estudo sobre emoções e imagens intergrupais, concluíram que o medo surge de relações intergrupais percebidas como inadequadas, produzindo nos grupos de baixo statuse de pouco poder sentimentos de intimidação e orientações comportamentais de defesa e proteção.
Constata-se neste estudo que a emoção de medo é mais atribuída ao empregado quando ele interage com um supervisor do mesmo sexo, sugerindo que está diante de uma situação de inadequação, uma vez que ele não consegue fazer a tarefa que lhe é incumbida pelo supervisor. Pode ser que operem, nas percepções dos empregados homens e mulheres, dois mecanismos avaliativos diferentes. Uma empregada é percebida como estando com mais medo de uma supervisora, talvez pelo fato de essa situação (supervisão feminina) ser percebida como mais incompatível e desconfortável, insinuando rivalidade entre elas na vida cotidiana. No homem, o raciocínio seria diferente, pois sentir medo de uma mulher na condição de supervisora seria desqualificar o homem, sexo forte, e assim o medo deveria ser deslocado para o supervisor do mesmo sexo, esse sim, digno de se ter receio. Essas são, no entanto, inferências interpretativas que carecem de mais aprofundamento em estudos futuros.
Os resultados obtidos indicam que a terceira hipótese, que afirmava que as mulheres e os empregados seriam mais caracterizados por traços relativos à dimensão da competência relacional e os homens e os supervisores mais descritos por traços referentes à dimensão da competência intelectual, não se confirmou. Ocorreu que as mulheres somente foram percebidas de maneira negativa quando estavam na situação de empregadas, visto que, quando estavam na posição de supervisoras, não foram diferenciadas dos homens.
Com efeito, verifica-se que as empregadas são percebidas como mais emotivas do que os empregados, mas apenas quando supervisionadas por outra mulher. Esse resultado pode estar sinalizando para o fato de que, embora as mulheres sejam percebidas e muitas vezes se percebam como mais emotivas do que os homens, elas precisam esconder seus sentimentos em contextos de relações de trabalho, quando interagem com pessoas do outro sexo e encontram-se em situação de menor status.
No seu conjunto, esses resultados indicam que as avaliações de homens e de mulheres no trabalho em situação de supervisão ou de empregado são influenciadas pelo viés do sexismo. Esse preconceito expressa-se por meio da percepção de que a supervisão "cai melhor" emocionalmente para o homem do que para a mulher e que, quando as mulheres são empregadas, aparecem mais claramente conteúdos negativos em suas imagens, uma vez que, neste caso, o preconceito pode ser justificado pelo baixo statusdo grupo avaliado.
Ainda, o preconceito contra a mulher e os empregados foi mais facilmente evidenciado na dimensão emocional das imagens dos grupos do que na dimensão dos estereótipos e foi mais forte da parte dos homens do que das mulheres. Não se pode desconsiderar, porém, que alguns resultados foram comuns para os dois grupos, o que indica relativa homologia na interiorização das imagens associadas a homens e a mulheres pelos participantes de ambos os sexos.
Finalmente, cabe alertar que o campo de investigação das imagens sociais de mulheres e homens nas relações de trabalho necessita de mais estudos que colaborem na definição e implantação de intervenções sociopolíticas que minimizem assimetrias funcionais e simbólicas de homens e mulheres, que prejudiquem e desqualifiquem os diversos grupos sociais para além das diferenciações que lhes são peculiares e fundamentais.
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Recebido: 20/08/04
Revisado: 02/03/06
Aceito: 03/03/06
1 Nesse estudo, utiliza-se o termo "gênero", para referir diferenciações entre homens e mulheres que ocorrem numa dimensão sociocultural e ideológica. O termo "sexo" é utilizado para referir apenas as diferenças de fenótipo entre homens e mulheres.
2 A lista de traços estereótipos foi adaptada de Fiske, Cuddy e Glick(2002).