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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. v.6 n.1 Florianópolis jun. 2006
ARTIGOS
Avanços teóricos e metodológicos das pesquisas sobre julgamento e significado do produto no Brasil
Theoretical and methodological advances in research on judgment and product meaning in Brazil
Marcelo Vinhal NepomucenoI; Rafael Barreiros PortoII; Hugo RodriguesIII
IGraduado em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília (marcelo_cripta@yahoo.com.br)
IIMestre em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília (rafaelporto@unb.br)
IIIGraduado em Psicologia, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília (rodriguesh@unb.br)
RESUMO
O modelo de duas rotas proposto por Allen (2001), referente à relação entre valores pessoais, julgamento e significado do produto, é objeto de amplas pesquisas realizadas no Brasil e no exterior. Os estudos, na realidade brasileira, têm demonstrado que o modelo necessita de adaptação (Nepomuceno e Torres, no prelo). O objetivo deste artigo é relatar os achados de pesquisas nacionais que demonstram os avanços conceituais e metodológicos do referido modelo no Brasil. O estudo 1 demonstra a importância dos valores humanos e julgamento e significado do produto sobre a preferência por carros, indicando que o primeiro prediz em maior grau a preferência por automóveis. O estudo 2 apresenta uma escala de julgamento e significado do celular para adolescentes, demonstrando que esta possui índices de confiabilidade consistentes e que a possibilidade de utilizar o modelo de Allen para produtos específicos é um caminho promissor para pesquisas futuras. Nesses estudos fica clara a necessidade de adaptação do modelo. Implicações práticas dos achados também são relatadas.
Palavras-chave: comportamento do consumidor; julgamento e significado do produto; desenvolvimento de escalas.
ABSTRACT
The two way model proposed by Allen (2001), referring to the relation between human values, judgment and product meaning, have been tested by several researches in Brazil. The studies in the Brazilian reality have shown the need of adaptation of the model (Nepomuceno and Torres, in press). The objective of this article is to show the findings of national's researches demonstrating the conceptual and methodological advances of the model in Brazil. The Study 1 shows the importance of the human values and product judgment and meaning over the preference of cars, indicating that the first predicts, in a greater way, this preference. The Study 2 presents one scale of Judgment and Meaning of the Mobile Phone for the Adolescents, showing that it has consistent indices of trustworthiness and that the possibility of using the Allen's model for specific products is one promising way for future researches. In these studies the need for adaptation of the model is clear. Practical implications of the findings are also discussed.
Keywords: consumer behavior; product judgment and meaning; development of scales.
1. Introdução
O modelo teórico proposto por Allen possui amplas pesqUIsas realizadas no Brasil e no exterior (Allen, 1997; Allen, 2001; Allen e NG, 1999; Allen e Torres, 2006; Nepomuceno e Torres, 2003; Nepomuceno e Torres, 2005; Porto, 2005; Porto e Torres, 2005; Torres e Allen, no prelo).
Resumidamente, esse modelo propõe que valores podem influenciar o comportamento através de duas rotas distintas. Uma direta, através de um julgamento afetivo; e outra indireta através de um julgamento passo-a-passo da importância de cada atributo - percebido - do objeto (Allen e Ng, 1999). Como pode ser observado na Figura 1, valores podem influenciar diretamente a preferência pelo produto, ao predizer a preferência pelo seu significado simbólico. Nesse sentido, o consumidor faria um julgamento afetivo dos atributos intangíveis do produto. Por exemplo, as marcas procuram simbolizar algo para assim chamar a atenção de seus consumidores. Esses símbolos são baseados em crenças subjetivas e representam valores pessoais que podem ou não ser importantes para os consumidores (p. ex., uma marca que representa modernidade e segurança). Segundo Allen e Ng (1999), para que esse tipo de significado seja formado, é necessário um julgamento baseado em afeto e intuição.
Os valores também podem influenciar a preferência por um produto ao predizer o seu significado utilitário, empreendendo-se, assim, um julgamento passo-a-passo sobre os seus atributos tangíveis. Ou seja, um atributo como "biodegradável" pode ser preferido por aqueles que atribuem maior importância ao universalismo (bem estar de todos e natureza). Esse atributo tangível será julgado de maneira racional e objetiva, caracterizando o julgamento passo-a-passo.
No presente trabalho, o significado é entendido como a percepção subjetiva ou reação afetiva de um indivíduo perante um objeto (Richins, 1994). Segundo Allen (2001), o julgamento é anterior à atribuição de significado, pois, para que um significado seja atribuído, é necessário que ele seja previamente avaliado e julgado, de maneira racional ou afetiva.
Uma maior explicação do modelo pode ser encontrada em Allen (1997), Allen e Ng (1999) e em Allen (2001). A ênfase deste trabalho é voltada para o relato de achados de pesquisas feitas no Brasil que demonstram os avanços conceituais e metodológicos do modelo no país. Indiretamente, serão demonstrados também avanços da teoria de valores e significado do produto na investigação sobre os fenômenos de consumo. O detalhamento metodológico é destaque neste artigo, para que se possa compreender como as investigaçôes teóricas podem ser trabalhadas para auxiliar na solução referente às dúvidas e questôes sobre escolhas e avaliação de produtos, bem como sobre comportamentos envolvidos nas escolhas. O artigo começa com uma exposição resumida dos modelos teóricos adotados nos estudos realizados e, em seguida, parte para a metodologia, resultados e discussão de cada um, finalizando com uma discussão geral que aglutinará os avanços dados pelas pesquisas e a complementaridade de uma em relação à outra.
Cada estudo procura contribuir no desenvolvimento de pesquisas sobre consumo no Brasil, fazendo com que discussôes teóricas possam ser testadas de modo a contribuir para a compreensão do comportamento do consumidor. No estudo 1, é resgatado o modelo de Allen e, em seguida, apresenta-se a pesquisa feita sobre a predição dos valores e dos significados e julgamentos de produto sobre escolha de automóveis, para que se possa saber se, afinal, esses construtos auxiliam a responder questões gerencias de marketing. O estudo 2 complementa o estudo anterior e apresenta a validação de uma escala dejulgamento e significado do celular que foi construída a partir do modelo de Allen (2001), tendo como crença a necessidade de criação de instrumentos específicos para categorias de produtos e serviços. A partir da apresentação desses estudos, será realizada uma discussão com críticas, sugestões e conclusões relativas aos avanços e melhorias no modelo e seu desenvolvimento na realidade brasileira.
Uma das proposiçôes do modelo de Allen e Ng (1999) é um teste de influência dos valores e dos atributos do produto sobre a posse de carros e óculos de sol. Esse estudo abriu algumas questôes sobre a influência dos valores nas escolhas de produtos tais como: (1) se a preferência por tipos de produtos poderia ser uma medida para predição de escolhas futuras dos consumidores, o que faz com que o modelo não fique preso apenas à medida de posses anteriores; (2) se os valores predizem a preferência por diferentes tipos de produto; (3) se a escala de significado e julgamento de produto teria influência na predição sobre a preferência de produto; e (4) se a predição dos valores sobre a preferência difere da predição sobre a posse. Para os três primeiros tópicos, Porto (2005) escolheu um produto foco (carro) e criou uma medida de preferência por marca e modelo de carro, categorizando-os em tipos de carro (ex: compacto, sedans, picapes, etc) e, em seguida, investigou a predição dos valores, bem como dos significados de cada preferência por tipos de carro. Para o quarto tópico, Porto e Torres (2005) investigaram se os valores predizem preferência e posse de carros diferentes. Os resultados desse último indicaram que podem ser diferentes as influências dos valores sobre a posse e sobre a preferência, como indicação futura de próximo carro.
A diferença entre posse e preferência é fundamental para o entendimento que possibilitou a pesquisa de Porto (2005). Allen e Ng (1999) testaram inicialmente seu modelo de influência dos valores, julgamento e significado sobre a predição de comportamento passado, no caso posse de óculos de sol e carros. Apesar de encontrar resultados preditivos, inverte-se uma lógica. Afinal, se ele já tem o produto, qual a confiabilidade da predição dos valores (e significado e julgamento) sobre a escolha deles, se a pesquisa foi feita após a posse? Poder-se-ia, então, investigar escolhas futuras. Porto (2005) propõe investigar essa relação. Porém, como a compra de carro é espaçada, esse fato impossibilitaria a viabilidade do projeto. Logo, construiu uma medida de preferência de carro, sendo a preferência algo mais próximo (proxy) do comportamento futuro de compra de carro. Também Porto e Torres (2005) encontraram evidências de que a investigação sobre a preferência mostra resultados diferentes daqueles referentes a posses passadas. Assim, esses resultados sugerem que os consumidores podem escolher novos produtos, independentemente do que foi escolhido no passado, mesmo dentro de uma mesma categoria de produtos (carro). A escolha passada influencia, mas não determina a escolha futura. Pesquisas na área de marketing têm demonstrado que consumidores, algumas vezes, variam dentro do seu repertório de marcas de um mesmo produto quando realiza compras futuras (Undes, Ehrenberg e Hammond, 1995). Logo, seria esperado que, na próxima compra, uma pessoa não comprasse o mesmo modelo nem o mesmo tipo de carro.
Outro aspecto relevante é a aplicabilidade do modelo no Brasil. Inicialmente, ele foi concebido, testado e validado num contexto cultural australiano, e a Austrália é reconhecidamente um país culturalmente mais individualista do que o Brasil (Hofstede, 1980). Essa diferença cultural significa que as cognições envolvidas na maioria das situações do dia-a-dia são qualitativamente diferentes, tanto quanto à motivação como ao entendimento da situação (Triandis, 1995; Triandis e Suh, 2002). Tais diferenças indicam que haveria a necessidade de se adaptarem certas características do modelo, para sua aplicação num contexto cultural mais coletivista.
Greenfield et. al. (2003) expressam que a síndrome cultural coletivismo-individualismo é responsável por grande parte da variação do comportamento nas diferentes culturas já estudadas. Culturas mais coletivistas tendem a valorizar a harmonia entre os membros do exogrupo, e sua decisão tende a considerar mais as forças sociais, tais como normas sociais, enquanto culturas coletivistas valorizam mais a competição entre seus membros e têm a sua tomada de decisão mais baseada em características pessoais tais como atitudes. Ver Triandis (1995), para uma maior revisão sobre coletivismo-individualismo.
Aplicando isso ao modelo, seria plausível acreditar que a rota direta - mais ligada ao contexto social - seria preferida no Brasil, por ser um país coletivista, juntamente com o fato de provavelmente o significado simbólico - também dependente do social - ser predominante na percepção de diversos produtos. Os estudos abaixo irão mostrar como alguns aspectos do modelo se comportaram com relação a diferentes produtos, no contexto cultural brasileiro.
Estudo 1 - Predição dos valores humanos e julgamento e significado do produto sobre a preferência por carros
O primeiro estudo examinado para este artigo resgata alguns dos achados da pesquisa de Porto (2005) sobre explicação e predição dos valores humanos e significado do produto e sobre a preferência por produtos. A explicação visa a explorar relações entre as variáveis analisadas para conhecer os fenômenos, e a predição visa a estimar os resultados da análise para a população. Esse estudo, então, tem como objetivo relatar a influência do significado do produto e dos valores sobre a preferência por dois tipos de carros, como forma de explicar os motivos que fazem as pessoas preferirem diferentes tipos e, assim, predizer como isso ocorre na população. Allen e Ng (1999) utilizaram a escala de Rockeach para medir os valores. Allen (2001) utiliza como medida o Inventário de Valores de Schwartz (IVS) (ver mais detalhe sobre IVS em Tamayo e Porto, 2005). Para entrar em coerência com os resultados mais recentes e também com a teoria de valores de Schwartz (1994), esse estudo utilizou o IVS para testar se as escolhas de carros seriam influenciadas por tipos motivacionais opostos que salientariam as escolhas. Ao investigar essas relações, permite-se demonstrar tanto falhas de instrumentos de medidas quanto na aplicação para decisões de marketing.
Instrumentos
Nesse estudo, foram utilizadas uma medida de preferência por carros, o inventário de valores humanos de Schwartz validado para o Brasil por Tamayo e Schwartz (1993) e a escala de significados do produto de Allen e Ng (1999), modificada e validada.
Medida depreferência por tipos de carro - Foi mesurada a partir de um item que solicita a preferência de compra por modelos de carro (Golf, Uno, Celta, etc) e marcas da montadora de carro (Volkswagen, Audi, etc). Após a coleta, os modelos de carro foram agrupados em apenas dois tipos (compacto luxuoso e compacto popular). Os outros carros foram analisados em Porto (2005). Cada modelo de carro preferido em 1º lugar foi classificado em cada tipo de carro definido operacionalmente e em acordo com a análise dos juízes (concordância de 80%).
Inventário de Válores de Schwartz (IVS) - Foi traduzido e validado para o Brasil por Tamayo e Schwartz (1993) e utilizado para investigar os valores humanos pessoais. O instrumento apresenta 61 valores avaliados por uma escala de importância que varia de -1 (valores opostos aos meus valores) a 7 (valores de suprema importância). O IVS avalia os valores que são agrupados em 10 tipos motivacionais (autodeterminação, estimulação, hedonismo, realização, poder, segurança, conformidade, tradição, benevolência e universalismo) e duas dimensões bipolares (autotranscendência ou autopromoção; e abertura à mudança ou conservadorismo) propostos teoricamente por Schwartz (1994).
Escala de Significados do Produto - Foi realizada uma adaptação e validação da escala original de Allen e Ng (1999), traduzida para o Brasil por Nepomuceno e Torres (2003). O instrumento foi composto por 24 itens que são avaliados por uma escala de 7 pontos compreendidos entre discordo totalmente (1) e concordo totalmente com a sentença (7). A análise fatorial para esse estudo nao apresentou os quatro fatores utilizados por Allen e Ng (1999). Foi feita uma análise de componentes principais, que sugeriu a fatorabilidade da matriz de correlações (KMO = 0,81, Teste de Esfericidade Barlett = qui-quadrado 1832.184, p< 0,01).
O Scree Plot indicou a presença de três fatores, porém a análise paralela (Pasquali, 2005) indicou a presença de quatro fatores. Portanto, foi realizada uma análise fatorial com rotação oblimin solicitando quatro fatores. Todos os itens que compuseram o quarto fator foram complexos e tinham cargas btoriais acima de 0,30 em mais de um fatoro Assim, o quarto fator não se confirmou. Em seguida, foi realizada análise fatorial com rotação oblimin solicitando três fatores. Foram eliminados dois itens complexos. Na Tabela 1 apresentam-se os nomes dos fatores, seus Alphas de Cronbach, suas definições e exemplos de itens que os compõem. Para visualizar todos os itens que compõem cada fator, bem como, suas cargas fatoriais e variâncias explicadas, veja Porto (2005).
Amostra e procedimento de coleta de dados
Compuseram amostra válida desse estudo 209 sujeitos. Desses, 60% eram consumidores que desembolsaram maior volume financeiro pela compra do carro utilizado e 52% tinham carro zero quilômetro. 55% eram do sexo masculino, 55% eram solteiros e 56% possuem curso superior completo, sendo que, desses, 58% possuem ou estão em algum curso de pós-graduação. A idade média foi de 32 anos (dp = 11,41), e a renda familiar média mensal foi de R$ 6.907,58 (dp= 3944,35).
Os dados foram coletados em postos de gasolina da cidade de Brasília. Havia aplicadores de pesquisa que abordavam os participantes e explicavam que se tratava de uma pesquisa acadêmica sobre psicologia do consumidr. Os respondentes demoravam, em média, 30 minutos para preencher todo o questionário, que era devolvido para o aplicador. Devido ao longo tempo para responder, a melhor estratégia de coleta dos dados foi em filas de pré-lavagem de carro em postos de gasolina.
Análise de dados
Foram realizadas análises de regressão logística binária, sendo a variável dependente a preferência por tipos de carro (compacto luxuoso e compacto popular). Foram feitas duas regressôes para cada preferência por tipo de carro: uma regressão logística direta com apenas os 10 tipos motivacionais como variáveis independentes e outra em blocos (regressão logística seqüencial) sendo, no bloco um, os três fatores dos significados e, no bloco dois, os dez tipos motivacionais.
Resultados e discussão
Serão apresentadas, a seguir, as quatro tabelas de regressão (direta e seqüencial) de predição sobre a preferência para dois tipos de carro (compacto luxuoso e compacto popular, respectivamente) e a discussão de resultados em termos de melhoria e falhas para o modelo teórico de Allen e Ng (1999) e também de aplicação dos valores humanos como preditores úteis para decisôes gerenciais de marketing.
Para a preferência por carros compactos luxuosos (ex: Fiat Stilo, Audi A3, Volkswagen Golf, etc), a variância explicada Nagelkerke para a regressão direta apenas com os tipos motivacionais foi R2 = 0,10. Na regressão seqüencial, o bloco 1 (3 fatores do significado) foi R2 = 0,05. Após a adição dos dez tipos motivacionais, há um pequeno aumento da variância explicada Nagelkerke R2 = 0,14, indicando que os valores contribuíram com um acréscimo de 0,09. As Tabelas 2 e 3 mostram os coeficientes da regressão (B, Wald Statistics e o índice de significância) da regressão direta e seqüencial, respectivamente. Os tipos motivacionais realização e estimulação foram significativos positivamente na explicação da preferência por esse tipo de carro, indicando que as pessoas que preferem compactos luxuosos endossam valores de sucesso pessoal através de demonstração de competência, de acordo com normas sociais, e buscam excitação, novidade e desafio na vida. A preferência, nesse caso, é por modelos que parecem sugerir que seus usuários adquirem um meio para alcançar essas metas desejáveis. Os consumidores podem perceber que pessoas que possuem esse modelo de carro conseguem ter mais sucesso e fazer atividades mais excitantes do que aquelas que não têm. Porém perdem seu poder preditivo quando são inseridos os significados do produto, embora esses não sejam significativos na predição.
Para a preferência por carros compactos populares (ex: Volkswagen Gol, General Motors Celta, Fiat Uno, etc), a variância explicada Nagelkerke para a regressão direta apenas com os tipos motivacionais foi R' = 0,15. Na regressão seqüencial, o bloco 1 (3 fatores do significado) foi R2 = 0,05. Após a adição dos dez tipos motivacionais, há um pequeno aumento da variância explicada Nagelkerke R2 = 0,18, indicando que os valores contribuíram com um acréscimo de (0,13). As Tabelas 4 e 5 mostram os coeficientes da regressão (B, Wald Statistics e o índice de significância) da regressão direta e seqüencial, respectivamente.
O tipo motivacional universalismo foi preditivo positivamente na explicação da preferência por carros populares, indicando que as pessoas que preferem esse tipo de carro endossam valores de apreciação, tolerância e proteção para o bem-estar de todas as pessoas e da natureza. Isso pode ser explicado porque a preferência por carros populares contrapõe-se à preferência por carros mais luxuosos, que podem ser percebidos como gastadores de mais combustível e responsáveis por emissão de gases. Também, os indivíduos que possuem carros luxuosos podem ser percebidos por essas pessoas como pertencentes a um nível social diferente, entrando assim em conflito com os valores altruísticos desse tipo motivacional. Quando são inseridos os significados e julgamentos do produto, o tipo motivacional se mantém significativo e quase estável. Contudo, novamente, os significados do produto não são significativos na predição.
Para a preferência por carros compactos populares (ex: Volkswagen Gol, General Motors Celta, Fiat Uno, etc), a variância explicada Nagelkerke para a regressão direta apenas com os tipos motivacionais foi R2 =0,15. Na regressão seqüencial, o bloco 1 (3 fatores do significado) foi R2 = 0,05. Após a adição dos dez tipos motivacionais, há um pequeno aumento da variância explicada Nagelkerke R2 =0,18, indicando que os valores contribuíram com um acréscimo de (0,13). As Tabelas 4 e 5 mostram os coeficientes da regressão (B, Wald Statistics e o índice de significância) da regressão direta e seqüencial, respectivamente.
O tipo motivacional universalismo foi preditivo positivamente na explicação da preferência por carros populares, indicando que as pessoas que preferem esse tipo de carro endossam valores de apreciação, tolerância e proteção para o bem-estar de todas as pessoas e da natureza. Isso pode ser explicado porque a preferência por carros populares contrapõe-se à preferência por carros mais luxuosos, que podem ser percebidos como gastadores de mais combustível e responsáveis por emissão de gases.
Também, os indivíduos que possuem carros luxuosos podem ser percebidos por essas pessoas como pertencentes a um nível social diferente, entrando assim em conflito com os valores altruÍsticos desse tipo motivacional. Quando são inseridos os significados e julgamentos do produto, o tipo motivacional se mantém significativo e quase estável. Contudo, novamente, os significados do produto não são significativos na predição.
Os resultados do estudo 1 sugerem que: (1) os valores podem auxiliar na explicação da preferência por tipos de carro, bem como predizer escolhas futuras de carros, apesar de terem baixa variância explicada; (2) dependendo do tipo de carro analisado, os valores preditivos são diferentes; e (3) os fatores dos significados e julgamentos do produto predizem pouco a preferência por carros e os valores humanos são melhores preditores.
A primeira sugestão dos resultados contribui com o modelo de Allen e Ng (1999), aplicado em escolhas de carro no Brasil, e também sugere outra medida de predição (preferência) que não posses passadas. Essa medida vai ao encontro de medidas utilizadas em pesquisa de marketing sobre marcas de carro (Malhotra, 2001). Dessa forma, a preferência pelo carro indica que, se o pesquisado tivesse condições de escolher qualquer carro, ele escolheria aquele modelo indicado, fazendo com que pudesse utilizá-lo como forma de atingir sua meta (valor humano). Normalmente são medidas categóricas e pretendem predizer escolhas futuras de produtos, levando-se em consideração marcas e modelos concorrentes. Ressalta-se também a contribuição para a teoria dos valores. (Schwaetz, 1994), implicando que a preferência por produtos pode seguir o conflito entre valores proposto por Schwartz. Assim, carros compactos populares para pessoas que endossam valores de autotranscendência (universalismo) e compactos luxuosos para pessoas que endossam valores contidos em autopromoção (realização) e abertura à mudança (estimulação). Então, percebe-se que, mesmo para um tipo de carro (compacto), existe uma diferenciação da escolha que poderia ser explicada de acordo com tipos motivacionais opostos.
A segunda sugestão de resultado abre caminhos para aplicação em marketing. Assim, os valores humanos predizem a preferência por tipos de carros diferentes, sugerindo uma aplicação para tecnologias de mercado, tais como segmentar o mercado automotivo brasileiro com base nas metas desejáveis dos consumidores. Se for segmentado dessa maneira, o esforço de comunicação mercadológica (ex: criação de conteúdo de campanhas publicitárias sobre cada modelo de carro) poderá ser mais eficaz, fazendo que o consumidor, ao ver aquela campanha, se identifique com a situação que ela demonstra e passe a ter uma atitude favorável para com ela (Shimp, 2002). Por exemplo, sugere-se que campanhas de compactos luxuosos dêem uma ênfase maior para situações de sucesso pessoal.
No terceiro item, percebe-se que a escala de significado, quando aplicada no Brasil, não teve uma boa predição sobre a preferência. A escala mede julgamento e significados de produtos de forma geral (sem especificar a categoria do produto). Espera-se que a forma como as pessoas julgam e dão significados aos produtos variem de acordo com a categoria de produto. Uma pessoa não julga suas ações de compra de calçados da mesma maneira que de telefone celular. Seus significados também podem não ser semelhantes. Porém ressalta-se que a inserção dos fatores da escala de significado e julgamento do produto diminui ligeiramente o poder preditivo dos valores sobre a preferência. A construção de uma escala adaptada para a categoria de produto, que verifique sua predição sobre a preferência é um caminho para futuras pesquisas.
Estudo 2 - Julgamento e significado do celular para adolescentes
Após a realização de vários estudos no Brasil (Allen e Torres, 2006; Nepomuceno e Torres, 2003; Nepomuceno e Torres, 2005; Porto, 2005; Torres e Allen, no prelo), relativos ao modelo de duas rotas de Allen (2001), duas linhas de pesquisas têm sido seguidas. A primeira visa a desenvolver o instrumento proposto por Allen (2001), aprimorando a mensuração do construto através do desenvolvimento de um instrumento baseado na reahdade brasileira. Essa linha resultou no estudo de Nepomuceno et al. (2004) e em outras pesquisas que se encontram em andamento. A segunda linha parte da idéia de utilizar o referido modelo teórico para criação de instrumentos específicos para cada categoria de produto. Decidiu-se desenvolver uma escala específica para o aparelho de telefone celular, por ser um objeto de consumo que cresce anualmente a taxas altíssimas no Brasil, estando próximo a alcançar a marca de 100 milhões de unidades vendidas. Dessa forma, o presente estudo faz parte desta segunda linha de pesquisa e apresenta a aplicabilidade de uma escala de julgamento e significado do celular para o público adolescente.
Instrumento
Para realização da pesquisa, foi utilizado o instrumento proposto por Nepomuceno et al. (2005), criado a partir de entrevistas de grupo focal com 24 pessoas cujas idades variavam entre 13 e 48 anos. Após as entrevistas e a análise do instrumento por juízes, 51 itens foram criados. Desses, 30 são relacionados ao processo de julgamento e significado do aparelho de telefone celular, e 21 são relacionados ao processo de julgamento e significado da operadora.
Todos os participantes responderam o instrumento avaliando o quanto concordavam com cada item, de acordo com uma escala tipo Likert, que variava de 1 a 7. O número 1 indicava que a pessoa "Discorda totalmente", o número 7 indicava que apessoa "Concorda totalmente". Nas Tabelas 6 e 7, é possível venficar a redação de cada item. Além disso, foram controlados dados de mográficos como idade e escolaridade, bem como informações outras, se possui celular e renda familiar.
Apesar de os itens do instrumento mensurarem conjuntamente o julgamento e significado de dois produtos, operadora de celular e aparelho de celular, a criação dos fatores respeitou essa diferença existente. Com isso, para as análises a serem apresentadas, esses itens foram separados nos dois grupos possíveis, evitando-se, assim, que os dois produtos se misturassem.
Amostra e procedimento de coleta de dados
A amostra foi composta de 410 adolescentes. A média de idade foi de 15,86 anos e todos eram estudantes do ensino médio. 88% possuíam aparelho celular, e 54,4% da amostra eram do sexo feminino. Os questionários foram aplicados coletivamente em salas de aula de escolas públicas e privadas do Distrito Federal. Os pesquisadores explicavam o objetivo da pesquisa e solicitavam a colaboração dos participantes em responder o instrumento.
Resultados e discussão
As respostas aos instrumentos foram submetidas à análise fatorial pelo método 'Principal Axis Factoring' (PAF) com rotação oblimin, utilizando-se o critério de eigenvalues superiores a 2 e excluindo-se os itens que possuíram cargas fatoriais menores que 0,3. Considerou-se a possibilidade de realizar uma análise paralela, conforme feito por Laros e Puentes-Palacios (2004), visto que, conforme Zwick e Velicer (1986), essa análise é mais adequada. No entanto, para tal, seria necessária uma amostra maior de participantes, visto que o instrumento possui 51 itens. Tal análise pode vir a ser realizada em pesquisa futura, quando novos dados forem coletados.
Para a escala de julgamento e significado da operadora (JSO), o índice de fator abilidade KMO da escala foi de 0,88. Os resultados dessas análises indicaram dois fatores: o primeiro (Fator 1) possui variância explicada de 28,22% e alfa de 0,88, sendo composto por 16 itens. O segundo (Fator 2) possui variância explicada de 9,03% e coeficiente de confiabilidade de 0,83, sendo composto por apenas 2 itens.
A escala de julgamento e significado do aparelho (JSA) obteve um índice de fatorabilidade KMO de 0,93. Os resultados dessas análises indicaram dois fatores: o primeiro (Fator 1) possui variância explicada de 32,97%e alfa de 0,92, sendo composto por 19 itens. O segundo (Fator 2) possui variância explicada de 6,89% e coeficiente de confiabilidade de 0,81, sendo composto por 10 itens. Os alfas dos fatores de ambos os produtos estão adequados (Tabachnick e Fideli, 1996), demonstrando que o instrumento específico parece ser mais adequado para mensuração do construto.
Também no presente estudo, assim como encontrado em pesquisas anteriores (Allen e Torres, 2006; Nepomuceno e Torres, 2003; Nepomuceno e Torres, 2005; Torres e Allen, no prelo), foram encontrados dois fatores, diferentemente dos quatro propostos no modelo de Allen (2001). Já no estudo apresentado anteriormente neste artigo, foram encontrados três fatores. Segundo Allen, o julgamento passo a passo leva a um significado utilitário e o julgamento afetivo leva a um significado simbólico. No entanto, também nessa pesquisa, essas estruturas relacionadas aglutinaram-se em único fator, tanto para o aparelho quanto para as operadoras. Dessa forma, foram encontrados os fatores JSO Racional (Fator 1 da Tabela 6) e JSO Emotivo (Fator 2 da Tabela 7). Para os aparelhos, foram encontrados os fatores JSA Emotivo (Fator 1 da Tabela 7) e JSA Racional (Fator 2 da Tabela 7).
Esse resultado recorrente reforça a explicação dada por Nepomuceno e Torres (2005) de que:
Conforme apresentado inicialmente por Hofstede (1980), e constatado em diversos outros estudos (e.g., Nogueira, 2001), o coletivismo é uma característica marcante dos brasileiros. Como coletivistas, os brasileiros não tenderiam a processar informações de maneira fragmentada, o que foi chamado por Triandis (1995) como uma onentação racional" das informações. Ao invés disso, a ênfase está na relação subjacente ao processo (chamado de orientação "relacional" pelo autor). Talvez, tal característica cultural faz com que haja a percepção de indiferenciação entre julgamento e significado, resultando em fatores agregados. Já os individualistas, devio a sua orientação racional, identificam e diferenciam com mais clareza os processos envolvidos nos julgamentos (Passo-a-Passo e Afetivo) da atribuição de significado (Utilitário e Simbólico), quando comparados aos coletivistas.
Essa interpretação ganha ainda mais força após a presente pesquisa, visto que falseia a hipótese de que o instrumento proposto por Allen (2001) não é adequado ou possui problemas de adaptação para a realidade brasileira. Isso fica claro ao considerarmos que a criação do instrumento da pesquisa teve como base o modelo teórico de Allen (2001), mas foi construído de maneira única para a realidade brasileira.
A Tabela 6 apresenta as cargas fatoriais dos itens por fator do instrumento de JSO, e a Tabela 7 faz o mesmo para o instrumento de JSA. Na Tabela 6, verifica-se que os itens 7, 31 e 49 obtiveram as melhores cargas fatoriais para o Fator 1, e que os itens 42 e 43 obtiveram as melhores cargas fatoriais para o Fator 2. Vale notar que a matriz de correlação dos fatores apresentou uma correlação positiva de 0,29 entre os fatores 1 e 2. A Tabela 6 apresenta também as médias, o desvio padrão por item e por fator. O item que possui o maior desvio padrão (dp=2,42) e que, portanto, indica uma melhor distribuição de respostas na escala foi o item 43.
Segundo verificado, o item 35 não obteve carga fatorial superior a 0,30 para nenhum dos fatores, apesar de ter sido redigido após pesquisa de Nepomuceno et al (2005), demonstrando ser o mais inadequado para mensurar o JSO. Uma vez que todas as operadoras possuem tal serviço e, principalmente, porque o item descreve apenas um atributo do produto e não a maneira pelo qual é julgado ou o seu significado é atribuído, o mesmo obteve baixa carga fatorial para ambos os fatores.
Os itens 41 e 45 foram classificados inicialmente como pertencentes ao fator JSO Emotivo. No entanto, ao realizar o cálculo do alfa de Cronbach, verificou-se que esses itens faziam com que o índice de confiabilidade fosse de 0,70, frente ao 0,83 encontrado. Com isso, visando a promover uma maior confiabilidade do instrumento, optou-se por excluí-los. Num primeiro momento, seria esperado que esses itens fizessem parte do fator racional e não do emotivo da operadora, pois utilizar a mesma operadora de amigos e familiares faz com que as contas fiquem mais baratas, visto que as operadoras possuem tarifas especiais para ligações efetuadas entre clientes de mesma empresa. Além disso, o uso de uma secretária eletrõnica possibilita uma praticidade e facilidade para a vida do usuário. No entanto, para a amostra de adolescentes, esses itens formam percebidos como emotivos, pois eles consideram que possuir a mesma operadora de pais e amigos passa por uma questão de aprovação social. Da mesma forma, a secretária eletrônica é percebida de uma maneira emotiva, pois seu uso permite o contato de entes queridos, simbolizando uma maneira de obter aprovação social e gerando também sentimentos positivos.
Dessa forma, por serem ambíguos, os itens 41 e 45 obtiveram cargas fatoriais inferiores para essa amostra específica. Uma vez que o instrumento foi desenvolvido para uma população mais ampla do que a adolescente, faz-se necessário mantê-los no instrumento e verificar sua composição para amostras de pesquisas futuras.
A Tabela 7 demonstra que os itens 12, 15, 23 e 47 obtiveram as melhores cargas fatoriais para o Fator 1 e que os itens 9, 22 e 40 obtiveram as melhores cargas fatoriais para o Fator 2. Vale notar que a matriz de correlação dos fatores apresentou uma correlação positiva de 0,406 entre os fatores 1 e 2. A Tabela 7 apresenta também as médias e o desvio padrão por item e por fator. O item que possui o maior desvio padrão (dp=2,25) e que, portanto, indica uma melhor distribuição de respostas na escala foi o item 12. Segundo verificado, o item 44 não obteve carga fatorial superior a 0,30 para nenhum dos fatores, tendo sido excluído das análises. O chip é uma tecnologia que permite que o cliente troque de aparelho sem necessitar repassar sua agenda e dados pessoais. Essas informações ficam gravadas, possibilitando maior comodidade ao cliente. O motivo das baixas cargas fatoriais é semelhante ao apontado no item 35, ou seja, o item descreve apenas um atributo do produto e não a maneira pelo qual é julgado ou seu significado é atribuído. No entanto, a existência de chip também pode ser compreendida como um item relacionado com a operadora, visto que algumas empresas trabalham com a tecnologia do chip e outras não. Dessa maneira, realizaram-se as mesmas análises incluindo-o para os fatores racional e emotivo da operadora. Mesmo assim, o item também se comportou de maneira negativa; obtendo cargas fato riais baixas e contribuindo para uma piora do alfa daqueles fatores. Dessa maneira, optou-se por excluir o item em definitivo.
Ao analisarmos a Tabela 7, os itens do fator emotivo que possuem maiores cargas fatoriais são: 47; 23; 15; 12. A formulação desses itens demonstra sua clara relação com o JSA Emotivo, visto que estão relacionados com as emoções geradas pela posse do aparelho e principalmente com o significado simbólico que ele possui. Os itens 4, 16, 17 e 36 também eram esperados para compor esse fator, e os resultados confirmaram essa expectativa. No entanto, vários outros itens eram esperados para compor o fator Racional, visto que são relativos a funções e atributos palpáveis dos produtos, tais como diversidade de funções do aparelho (câmera, MP3 Player, jogos, internet, fone de ouvido e rádio), possibilidade de personalização e tamanho reduzido, o que possibilita um maior conforto ao usuário. No entanto, tais itens compuseram o fator emotivo. São eles: 3,5, 10, 11, 13, 18, 19, 20, 21, 38 e 50.
A explicação para o resultado apontado acima passa por dois pontos. O primeiro é relativo à composição da amostra da presente pesquisa. Quando consideramos os adolescentes como clientes, temos de lembrar as características que marcam essa fase da vida. Segundo Martins, Trindade e Almeida (2003), a adolescência é um período de transição entre a infância e a fase adulta. É um período em que o indivíduo constrói seu projeto de vida. Nesse momento, O adolescente procura se definir por meio de suas atividades, inclinações, aspirações e relações afetivas. Por estarem vivenciando um processo de mudança, é compreensível que percebam o celular de maneira diferenciada. Dessa forma, atributos e qualidades que seriam obviamente racionais são percebidos como emotivos, devido às mudanças geradas por essa fase da vida. É provável que certas funcionalidades fossem percebidas de maneira diferente, caso o público-alvo fosse diferente. Por exemplo, se a mesma pesquisa fosse aplicada para um público de adultos executivos, itens como o 21 e 38 poderiam ser interpretados de uma maneira racional, compondo, assim, o outro fator. O segundo ponto explicativo parece ser mais coerente para compreender esses resultados. Conforme dito anteriormente, o que há de comum na formulação dos itens apontados é que todos são relativos a atributos palpáveis dos aparelhos. À primeira vista, todas são funcionalidades que permitem um maior conforto ao usuário e também uma multiplicidade de funções. No entanto, tais funcionalidades, nessa amostra, estão mais ligadas ao significado simbólico do que ao utilitário. Ou seja, o status que eles representam é mais importante do que suas funções em si. Dessa maneira, a posse de uma câmera fotográfica no celular, por exemplo, está mais ligada ao status que essa função representa do que a sua utilidade. Por ser uma função que torna o aparelho mais caro, possuí-la representa um status que é percebido pelas outras pessoas. É de se esperar que a compreensão desses itens se modifique à medida que essas tecnologias e funcionalidades se tornem mais baratas e populares.
Em relação ao fator JSA Racional, há também um item cuja formulação levava a crel; previamente, que ele faria parte de outro fator. Era de se esperar que o item 24 compusesse o fator Emotivo e não o Racional. Isso porque o fator Emotivo diz respeito àquilo que as pessoas sentem em relação a determinado produto. Novamente o argumento apresentado acima quanto à particularidade da amostra pode ser levantado como uma possível explicação desse resultado. Ou seja, os adolescentes percebem que sentir-se bem ao utilizar um aparelho passa por um processo racional e utilitário ao invés de emotivo. Novamente, cabe considerar que 'sentir-se bem' pode estar ligado ao lado racional, ao se considerar que certas capacidades do aparelho, como qualidade do sinal, estejam relacionadas positivamente com esse item.
Em resumo, pode-se dizer que, nesse item, os participantes avaliam o sentimento de maneira racional, ou seja, o sentimento gerado pela posse do aparelho é considerado como um "atributo" do próprio aparelho. Deve-se notar também que o item possui cargas fatoriais mínimas para ambos os fatores, o que demonstra sua ambigüidade. Apesar disso, nas análises finais, ele permaneceu no fator racional, visto que contribui para uma maior fidedignidade do instrumento. Em pesquisas futuras, deve-se observar como esse item se comporta, para tomar uma decisão final quanto ao seu fator e compreender melhor essa aparente contradição que ele gera.
Segundo Gorsuch (1983) itens cuja diferença entre os valores absolutos das cargas fatoriais for menor do que 0,10 devem ser excluídos, pois eles não podem ter cargas similares em dois ou mais fatores. Isso demonstra que, a princípio, deveriam ser excluídos outros itens, tais como 14, 24 e 39. No entanto, novamente devido à particularidade da amostra, optou-se por mantê-los, para que se possa observar como eles são percebidos em outras populações.
Após as análises fatoriais, o instrumento permaneceu com 47 itens. Desses, 18 são relativos ao JSO e 29 são relativos ao JSA, sendo que ambos JSO e JSA) são bi-fatoriais, mesmo quando o instrumento é criado especificamente para o celular. Dessa maneira, essa pesquisa demonstra a necessidade de adaptação do modelo de Allen (2001) para a realidade brasileira e possivelmente para outros países coletivistas. Deve-se lembrar que, apesar de o instrumento ter sido criado para aplicação em participantes adolescentes, jovens e adultos, a amostra da presente pesquisa é composta somente de adolescentes, indicando que, ao menos para esses, a adaptação é necessária. Estudos futuros indicarão a necessidade de adaptação para populações mais amplas.
Além disso, o estudo apresenta um instrumento de pesquisa válido e fidedigno, que possibilita compreender o comportamento do consumidor, no que tange à aquisição de aparelhos celulares e utiliza o modelo teórico proposto por Allen, demonstrando sua contribuição para o modelo de duas rotas. Pesquisas futuras, que serão realizadas com adultos e jovens, possibilitarão aprimorar ainda mais a escala e compreender melhor o fenômeno.
Discussão geral
As pesquisas sobre comportamento do consumidor que utilizam a abordagem da cognição social têm sido realizadas no Brasil para explicar o porquê e como o consumidor brasileiro avalia seus atos de consumo. Os dois estudos dessa abordagem relatados nesse artigo analisam objetos diferentes (consumo de carros e de celulares), porém ambos analisam relações sobre avaliação do objeto de consumo. No primeiro estudo, utilizou-se relação de dependência entre os valores humanos e significados do produto propostos por Allen e Ng (1999) sobre a preferência por carros. No segundo, estudou-se a relação de interdependência da variável julgamento e significado proposto por Allen (2001), contextualizando-a para o objeto celular e vislumbrando melhorias na escala (portanto metodológicas). Em ambos os estudos, foram apresentados resultados que apontam para a necessidade de se realizarem algumas adaptações no modelo das duas rotas, visando a melhorar a sua aplicação no Brasil.
Ambos os estudos permitem entender melhor a maneira como os consumidores avaliam um mesmo objeto. Por exemplo: valores diferentes predizem preferência de carros diferentes, e o julgamento e o significado de celular comportam duas maneiras diferentes. Dessa maneira, percebe-se que as variações das escolhas das pessoas podem ser explicadas de acordo com o modo como elas avaliam os objetos e o contexto no qual elas estão inseridas. Com isso, é possível diferenciar o mercado consumidor baseado nessas características.
Os estudos têm uma complementaridade, sendo que o primeiro indica que a escala de julgamento e significado de Allen e Ng (1999) poderia ser modificada e contextualizada para diferentes categorias de produtos. O segundo estudo apresenta uma nova escala construída já nessa nova perspectiva, com bons resultados psicométricos e faz surgir novas perguntas tais como: será que a criação de escalas específicas para cada produto possibilita uma compreensão mais fidedigna do processo?
Essa questão pode ser respondida com o aprofundamento dos resultados aqui encontrados e com uma melhor compreensão do papel que a cognição social pode dar aos estudos sobre consumo e tomada de decisão como um todo. Os estudos têm, igualmente, implicações para práticas de marketing. O primeiro pode ser aplicado para segmentar consumidores (de carro) e, assim, direcionar atividades de mercado, tais como definição de temas de criação de campanhas publicitárias. O segundo estudo pode ser aplicado adaptando-se os celulares e os serviços de operadoras para melhor se adequarem às avaliações dos consumidores jovens de celular.
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Recebido: 10/10/06
Revisado: 20/11/06
Aceito: 27/11/06