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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. v.9 n.2 Florianópolis dez. 2009
ARTIGOS
Satisfação com o emprego em call centers: novas evidências sobre o emprego trampolim
Satisfaction about job in call centers: new evidences about the trampoline job
Luís Fernando Santos Corrêa da SilvaI; Daniel Gustavo MocelinII
IBacharel e licenciado em Ciências Sociais e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorando em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Travessa Albano, 83, Bairro Camaquã, CEP 91920-440, Porto Alegre (RS). lfscorrea@gmail.com. lattes http://lattes.cnpq.br/6593123652025386
IISociólogo, bacharel em Ciências Sociais e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorando em Sociologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. dmocelin@terra.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/6855371859011719
RESUMO
Este estudo busca revelar novos elementos que comprovem a tese do emprego-trampolim, com base na satisfação com o emprego em call centers. Para a pesquisa que deu origem ao estudo, foram selecionadas três empresas de call center situadas na região metropolitana de Porto Alegre (RS). A pesquisa se apoiou em procedimentos metodológicos quantitativos, tendo sido aplicados 212 questionários entre os trabalhadores das referidas empresas. Os call centers são organizações empresariais de prestação de serviços de telemarketing. Seus operadores são trabalhadores com escolarização elevada frente aos níveis do mercado de trabalho brasileiro, o que apontaria para uma profissionalização da atividade. Paradoxalmente, as condições de trabalho, caracterizadas pela intensificação e baixa remuneração, mas com exigência de qualificação média, influenciam as estratégias e os sentidos desse emprego para jovens trabalhadores, acabando por defini-lo como "emprego-trampolim", que responde apenas a uma superação transitória da condição material e simbólica, e não a busca de profissionalização e estabilidade, mesmo com as exigências de conhecimentos técnicos especializados e reciclagem constante.
Palavras-chave: emprego-trampolim, sociologia do trabalho, call centers, perfil sócio-ocupacional de trabalhadores, rotatividade do emprego.
ABSTRACT
The present study aims to reveal new elements to prove the "trampoline job" thesis based on the satisfaction about job in call centers. Three call center companies placed in the metropolitan region of Porto Alegre/RS have been selected for the research that originated the study. The research is based on methodological and quantitative procedures with the application of 212 questionnaires among workers in the referred companies. Call centers are enterprising organizations in telemarketing service render. Its workers usually have a higher scholarization level compared to the Brazilian job market, what indicates the professionalization in such activity. Paradoxically, working conditions - characterized by enhancing work and low salaries, but with average qualification demands - have influence on strategy and directions about such job for young workers, by finally defining it as a "trampoline job", which only answers to a transitory overcome of the material and symbolic condition but not to the quest for professionalization and stability, even with technical and specialized knowledge demands, as well as continuous recycling.
Keywords: trampoline job, sociology of work, call centers, workers' social occupational profile, job turnover.
Telemarketing consiste na atividade laboral desempenhada pelos empregados em call centers e está entre as ocupações que mais geraram empregos nos últimos anos no mundo. Um destaque empírico é a ampla expansão de call centers na Índia, que "inaugurou" a concepção dos serviços offshore, atendendo a chamados de outros países, especialmente dos Estados Unidos, e promovendo mudanças importantes na inserção internacional e no mercado de trabalho daquele país. A atividade de telemarketing e os call centers parecem configurar um desafio analítico para as mais diversas questões teóricas que envolvem as relações laborais emergentes, pois, nessas empresas, seria executado um trabalho parcelado, mas que exige algum grau de qualificação. Estudos demonstraram que, nessas empresas, tem se constituindo um nicho ocupacional híbrido e heterogêneo, tendo, por um lado, trabalho parcelado e, por outro, trabalhadores qualificados ou em processo de qualificação (Silva, 2006; Mocelin e Silva, 2008).
Hannif, Burgess e Connel (2008), por exemplo, estudaram a qualidade do emprego no segmento de call center e argumentam que essa atividade está na vanguarda dos debates sobre o emprego, devido ao crescimento rápido e ao desenvolvimento dessas novas formas de organização do trabalho, ao longo das últimas duas décadas. Em razão disto, Hannif e seus colegas afirmam que tais empresas chamam a atenção dos estudiosos, pois os call centers seriam frequentemente descritos, na literatura, como atividades com baixo lucro e pouco valor agregado, caracterizando empregos com baixos salários e condições precárias de trabalho, mão-de-obra descartável, alta rotatividade, e de aplicação de princípios tayloristas na organização do trabalho.
Em análises recentes realizadas no Brasil, aponta-se para uma tendência à não-profissionalização dos empregados nesse tipo de ocupação, devido ao pouco tempo de permanência desses trabalhadores no emprego. Com base nisso, autores apontaram a constituição de um paradoxo, uma vez que se observa que os operadores de telemarketing são trabalhadores razoavelmente instruídos, quando comparados aos níveis gerais do mercado de trabalho no Brasil, fato que poderia pressupor certo grau de profissionalização nessa atividade. Contudo, o perfil sócio-ocupacional dos operadores de telemarketing não segue o padrão das atividades em que os trabalhadores estão mais organizados, como nas empresas de setores tradicionais, nem mesmo segue o padrão do mercado de trabalho em geral, pois apresenta especificidades vinculadas à natureza do trabalho executado em call centers e às aspirações dos trabalhadores.
Na atualidade, o mercado de call centers tem sido objeto de estudos realizados no âmbito da psicologia e da sociologia do trabalho. Entretanto, se os primeiros estudos realizados relacionavam-se a uma abordagem generalista do trabalho nos call centers, destacando, sobretudo, a repetitividade do trabalho e o excesso de controle dos trabalhadores (por exemplo, Del Bono, 2000; Venco, 1999; Oliveira, 2004; Braga, 2006 e 2007; Rosenfield, 2007a e 2007b), seria possível afirmar que, na atualidade, outros aspectos são considerados para a compreensão das situações concretas de trabalho, tais como: a posição que ocuparia o call center nos processos da empresa; a importância econômica do telemarketing para a empresa que utiliza esse serviço, a natureza das operações desenvolvidas, se relacionadas ao telemarketing ativo ou receptivo; o segmento de mercado atendido; o tamanho da empresa; a complexidade e o ciclo de trabalho. Tais aspectos, incorporados ao debate acadêmico, possibilitaram o surgimento de uma abordagem relacional do trabalho realizado nessas empresas (Kerst e Holtgrewe, 2001; Taylor et. al., 2002; Glucksmann, 2004; Hannif, Burgess e Connel, 2008; Mocelin e Silva, 2008).
A pesquisa de Hannif, Burgess e Connel (2008) apresenta uma novidade metodológica, visto que se dedicou ao estudo dos call center considerando as características da atividade econômica no seu contexto. Para determinar o quadro de análise dos call centers, os pesquisadores revisaram a literatura e as categorias de análise que foram previamente usadas para examinar o emprego em diferentes setores, indústrias e países. Segundo o estudo, grande parte das investigações atuais sobre call center tem incidido sobre aspectos isolados, tais como o stress, o esgotamento emocional e laboral, o gênero, a fiscalização e vigilância, a formação e o desenvolvimento, os quais, apesar de importantes para discutir a satisfação com o emprego nesse setor, não abordam o fenômeno em sua multidimensionalidade.
Apesar da tendência internacional dos pesquisadores de realizar estudos vinculados à matriz relacional quando abordam a temática dos call centers, análises ancoradas na abordagem generalista têm se difundido nas investigações sobre o mercado brasileiro de call centers. Exemplos nesse sentido são os estudos desenvolvidos por Venco (1999), Oliveira (2004), Braga (2007) e Rosenfield (2007a e 2007b).
Por outro lado e com base numa abordagem relacional, Mocelin e Silva (2008) abordaram a temática dos call centers no Brasil numa perspectiva inovadora, ao formular o conceito de "emprego-trampolim". O estudo demonstra que esse tipo de ocupação apresenta tendência de elevada rotatividade voluntária no emprego, resultante não só da baixa remuneração, mas também da caracterização de um contingente de trabalhadores com baixa média de idade e com escolaridade relativamente elevada e (ou) escolarização crescente. Segundo os autores, a atividade de telemarketing tem se caracterizado como uma ocupação no sentido preciso do termo: os trabalhadores dos call centers estão nesses empregos "temporariamente", e os call centers têm se constituído como empresas de passagem. Essa seria uma tendência que tem perpassado a realidade do telemarketing, mesmo quando se observam diferentes condições de emprego, segundo o tipo ou a forma da atividade de telemarketing, que se distingue entre empresas e, às vezes, no interior de uma mesma empresa.
Mocelin e Silva (2008) recorreram a uma análise sobre aspectos objetivos do emprego em call centers para fundamentar a concepção do emprego-trampolim, analisando elementos sobre o conteúdo da atividade do telemarketing, associados ao perfil dos trabalhadores e às condições de trabalho nessas empresas. Contudo, os autores não abordaram uma análise sobre a satisfação com o emprego, aspecto que pode conter explicações fundamentais à dinâmica evidenciada nesse setor, podendo dar maior sustentação empírica ao conceito de emprego-trampolim para caracterizar tal realidade. Essa lacuna pode ser completada com os dados reunidos no presente estudo, tendo em vista saber se percepções subjetivas podem ampliar a concepção do empregotrampolim nos call centers.
A hipótese sugerida por Mocelin e Silva (2008) supõe que as atividades de telemarketing configurariam empregos-trampolim, ou seja, postos de trabalho temporariamente ocupados pelos trabalhadores, mas que não são atrativos profissionalmente, sendo descartados quando o trabalhador encontra uma melhor oportunidade ou concluem seus estudos, sua formação técnica ou sua graduação. O ambiente favorável para a emergência do emprego trampolim congregaria duas dimensões fundamentais: por um lado, exige um trabalhador jovem, escolarizado, qualificado e criativo e, por outro, oferece baixos salários, poucas possibilidades de ascensão profissional, ritmo intenso de trabalho, flexibilidade em horários e preocupações com ergonomia. Condições estruturais do mercado de trabalho influenciam o aumento do índice de rotatividade nas empresas, a falta de identificação dos trabalhadores - com a atividade que desempenham e com a sua "categoria profissional" - e a descrença na eficácia do movimento sindical. De acordo com os autores, essas condições influenciam a reelaboração dos sentidos do "estar empregado" e do "estar desempregado", uma vez que o foco das estratégias que definem o empregotrampolim não estaria fundado na obtenção da estabilidade, e sim na superação transitória e individual das condições materiais e simbólicas dos atores sociais envolvidos.
O objetivo do presente estudo é buscar revelar novos elementos que comprovem a tese do emprego-trampolim, com base na avaliação da satisfação com o emprego em call centers. Para tanto, são analisados elementos relativos ao perfil sócio-ocupacional dos trabalhadores empregados em call centers, associados com percepções sobre aspectos de satisfação com o emprego, mais especificamente com relação a: a) oportunidade de aprender, b) atividade interessante, c) oportunidades de promoção e d) reconhecimento dos méritos. Nesse sentido, buscar-se-á, através da realização de análise de regressão linear, determinar em que medida variáveis relativas ao perfil sócio-ocupacional dos teleoperadores - como sexo, idade, escolaridade, faixa de rendimentos, tempo de emprego, tipo de atividade realizada e complexidade do atendimento - se relacionam à satisfação com o emprego.
Para a realização da pesquisa que deu origem ao estudo, selecionaram-se três empresas prestadoras de serviços de call center, situadas na região metropolitana de Porto Alegre: uma do ramo financeiro, especializada em operações ativas; uma que presta serviços para uma distribuidora de energia elétrica, especializada em operações receptivas; e outra que presta serviços de cobrança e help desk, especializada tanto em operações ativas quanto receptivas. Os critérios utilizados para a seleção das empresas foram a natureza das operações, se telemarketing ativo ou receptivo1 , e o segmento de mercado atendido, ou seja, cada empresa deveria atender um diferente segmento de mercado. A adoção de tais critérios sustenta-se na revisão da literatura sobre o tema. Segundo parte da literatura especializada, as relações de trabalho nos call centers seriam condicionadas por aspectos como o tipo de operações realizadas, a complexidade e o ciclo de trabalho, bem como o segmento de mercado atendido2.
A coleta dos dados apoiou-se em procedimentos metodológicos quantitativos. Foi realizado survey com amostras de teleoperadores oriundos das três empresas prestadoras de serviços de call center. Foram distribuídos, nas três empresas investigadas, 240 questionários autoaplicáveis, dos quais 212 retornaram. A Tabela 1 apresenta dados relativos à população, amostra e número de questionários respondidos, por empresa.
A satisfação com o emprego como evidência do emprego trampolim
A literatura tem indicado que a satisfação com o emprego condicionaria as atitudes do trabalhador frente ao emprego. Nesse sentido, deve-se pensar a influência da satisfação como potencial causa de algumas questões no contexto dos call centers. Com base na concepção do empregotrampolim, poderíamos sugerir como hipótese que a insatisfação ou a redução da satisfação possa influenciar na alta rotatividade nas atividades de telemarketing, mais do que qualquer outro elemento, como tipo de telemarketing, sexo ou idade, por exemplo.
Para Handel (2005, p. 75-76), a satisfação com o emprego seria mais fortemente associada com o trabalho interessante, seguido por relações com gerentes e colegas e oportunidades de promoção, além de diversas características que incluem a avaliação subjetiva do pagamento, da segurança, do trabalho independente e das relações entre colegas. López (1988) afirma que a concepção de satisfação com o emprego advém da psicossociologia, como uma resposta afetiva do trabalhador sobre diferentes aspectos do seu emprego.
Para López, as respostas sobre satisfação com o emprego seriam condicionadas pelas circunstâncias do trabalho e as características de cada pessoa. Nesse tipo de abordagem, o foco seria medir como são satisfeitas determinadas necessidades do trabalhador e o grau em que ele sentiria "realizadas as diferentes aspirações que teria em seu emprego", sejam elas de tipo social, pessoal, econômico ou higiênico. Segundo o autor, "um estado de necessidade leva à busca de soluções e esta seria a iniludível conexão entre satisfação com o emprego, motivações e conduta ou ação".
Alguns estudos demonstram que os trabalhadores não se comportam da mesma maneira em relação ao trabalho, e isso tem repercussão sobre a satisfação com o emprego (Kóvacs, 2004, 2005). Tal fato implicaria que a satisfação com o emprego poderia variar antes em razão das expectativas do indivíduo quanto ao emprego do que em razão das condições específicas do seu emprego. Kovács (2005) demonstrou que, para os trabalhadores com emprego flexível, não há dimensão com alto nível de satisfação. A autora constatou maior satisfação na relação com os colegas e superiores (nível médio/bom), tempo livre e possibilidade de escolher o horário (nível médio) e condições de trabalho (nível médio). Kovács também ressalta o baixo nível de satisfação com as oportunidades de promoção, com a estabilidade e segurança quanto ao futuro profissional, com a participação nas decisões e com a autonomia no trabalho.
Os dois estudos de Kóvacs revelam que os trabalhadores com emprego estável estariam mais satisfeitos com aspectos sociais (relação com colegas), de contrato de trabalho e de estabilidade profissional. No entanto, trabalham em excesso, sobretudo os quadros superiores e os técnicos especializados, frequentemente 40 a 50 horas por semana. Não é por acaso que a sua maior insatisfação diz respeito à falta de tempo livre e à impossibilidade de escolher o horário de trabalho.
Valenzuela (2000) relaciona qualidade do emprego e satisfação com o emprego de acordo com a Tabela 2. O autor define a satisfação com o emprego como a percepção do trabalhador sobre uma série de características objetivas do emprego, ponderadas pelas preferências, normas e expectativas do trabalhador. A satisfação do trabalhador com o emprego dependeria, assim, do êxito dessa combinação de elementos, os quais seriam independentes da qualidade dos empregos.
Segundo Handel (2005, p. 73), alguns estudos enfatizam dimensões como recompensas materiais (pagamento, segurança, oportunidades de promoção), recompensas intrínsecas (trabalho interessante, autonomia), outras condições relativas aos empregos (stress, carga de trabalho, esforço físico) e a qualidade das relações interpessoais (relação entre gerência e empregados, relação entre colegas de trabalho).
Como afirma López (1988), a pergunta "você está satisfeito com seu emprego?" pode suscitar leituras muito diversas, porque a resposta "estou satisfeito" pode ter razões diversas. De acordo com Farné (2003):
Al depender del estado psicológico de los individuos, es intuitivo que la satisfacción en el empleo pueda experimentar modificaciones sin que se altere la calidad del empleo. Hasta aspectos no directamente relacionados con el trabajo de los individuos pueden modificar la satisfacción en el empleo. Por ejemplo, la disponibilidad en el barrio de mejores servicios para la infancia puede mejorar la percepción que tiene una trabajadora de su puesto. En este caso, evidentemente, su satisfacción crece mientras que la calidad de su empleo no sufre ninguna modificación. (p.13).
Segundo Carty (1999), deve-se destacar que o "sentimento" de satisfação laboral para um trabalhador pode variar segundo a etapa de sua vida profissional.
Para um indivíduo jovem e solteiro, por exemplo, o mais valioso poderia ser lograr um maior nível de qualificação ou educação, e os empregos precisariam ser condizentes com suas aspirações profissionais. Para alguém com família ou para um indivíduo próximo a se aposentar, a estabilidade do seu emprego poderia significar o fator mais importante.
Frente a tais conexões teóricas, o contexto dos call centers é emblemático para avaliar o que implicaria a satisfação com o emprego, considerando as características do perfil dos trabalhadores em call centers e o contexto das condições de trabalho nesse segmento ocupacional.
Perfil dos trabalhadores entrevistados
Considerando o conjunto dos teleoperadores entrevistados, constatou-se que as mulheres são maioria, pois representaram 164 dos 208 indivíduos que responderam a essa pergunta, conforme demonstrado na Figura 1. Os dados refletem a realidade dos call centers como um todo, em que as mulheres se encontram em maior número, bem como confirmam achados de pesquisas anteriores.
Em relação à idade, a maior parte dos entrevistados são pessoas bastante jovens: dos 211 entrevistados que responderam a essa pergunta, 148 têm até 24 anos de idade. Há ainda trabalhadores menores de idade, que possuem vínculo de trabalho como estagiários na empresa especializada em serviços de cobrança e help desk. O Gráfico 2 mostra que somente 14 entrevistados têm 35 anos de idade ou mais, o que evidencia a inserção predominante de trabalhadores no início da vida laboral.
Por seu turno, a escolaridade dos entrevistados pode ser considerada elevada, sobretudo quando comparada à média do mercado de trabalho no Brasil, de acordo com a Figura 3. Entre os 212 entrevistados que responderam a essa pergunta, 178 disseram possuir escolaridade equivalente ao ensino médio completo, ensino médio técnico, superior incompleto ou completo. Para ingresso no emprego, muitas empresas adotam como exigência mínima o ensino médio completo. Entretanto, foi possível constatar que 5 teleoperadores entrevistados possuíam somente o ensino fundamental e 29 responderam ter ensino médio incompleto. Segundo o gerente de recursos humanos de uma das empresas investigadas, isso ocorre, por um lado, devido à alta rotatividade da mão de obra e, por outro, em razão da carência de mão de obra compatível com as exigências mínimas para admissão. Outro aspecto que contribui para a existência de trabalhadores com escolaridade inferior ao ensino médio completo relaciona-se, conforme já mencionado, aos estagiários que atuam em uma das empresas investigadas, visto que eles cursam o ensino médio, obrigatoriamente.
Merece destaque que apenas seis trabalhadores afirmaram possuir escolaridade superior, reforçando a perspectiva apontada por Mocelin e Silva (2008) sobre a não-permanência de trabalhadores de qualificação mais elevada nas empresas de call center. É interessante observar que o número de empregados com ensino superior incompleto é significativa, segunda faixa mais populosa na amostra, mas que some quando poderia ocorrer a passagem de nível, o que se justifica pela provável mudança de emprego quando o trabalhador se profissionaliza.
Uma peculiaridade do mercado de trabalho dos call centers refere-se à alta rotatividade da mão de obra, como é destacado por diversos estudos (Oliveira, 2004; Braga, 2007; Rosenfield, 2007a e 2007b; Mocelin e Silva, 2008). Poucos empregados possuem elevado tempo no emprego, conforme Figura 4. Apenas 23 dos 210 entrevistados que responderam a essa pergunta disseram ter mais de 24 meses de tempo de emprego. O pequeno número de trabalhadores há mais de 24 meses no emprego contrasta com o grande número de trabalhadores com até um ano de emprego: 147. Esses dados reforçam a ideia de que os empregados em call centers não ficam muito tempo no emprego, configurando uma situação de emprego-trampolim.
Em termos salariais, pode-se constatar, na Figura 5, predomínio das faixas inferiores de remuneração. Apesar de apresentar dados obtidos no ano de 2005, em que o salário mínimo no Brasil equivalia a R$ 300,00, o Gráfico 5 mostra que a maioria dos teleoperadores entrevistados auferia salários inferiores a R$ 600,00 - ou dois salários mínimos do período. Esses dados contrastam com a elevada escolaridade dos entrevistados.
A maioria dos entrevistados realiza atendimentos relacionados ao telemarketing ativo, como pode-se notar na Figura 6. Segundo a literatura, os teleoperadores ativos permaneceriam por menor tempo no emprego, devido à elevada pressão por produtividade, seja em número de atendimentos realizados, seja por metas de vendas de produtos ou serviços.
Por fim, procurou-se dividir os atendimentos segundo sua complexidade, de acordo com a Figura 7. Os atendimentos considerados complexos são: recuperação de crédito, venda de cartão de crédito e atendimento técnico de distribuidora de energia elétrica, visto que exigem capacidade de negociação e (ou) conhecimentos técnicos. Por sua vez, os atendimentos considerados não-complexos são: agendamento de visitas, qualificação de serviços e informações sobre conta telefônica, por possuírem conteúdo mais repetitivo e rotineiro. A maioria dos entrevistados realiza atendimento complexo.
Os achados relativos ao perfil sócio-ocupacional dos teleoperadores entrevistados coincidem com os encontrados nas diversas pesquisas sobre o tema, como no estudo de Mocelin e Silva (2008), quando se observou que há predomínio de empregados do sexo feminino, jovens, com escolaridade relativamente alta, baixa remuneração e alta rotatividade no emprego.
Satisfação com o emprego
Neste estudo, o grau de satisfação com o emprego é entendido como percepção subjetiva do empregado em relação à sua ocupação. Entre diversas possibilidades de tentar apreender a satisfação com o emprego, foram selecionados quatro indicadores: trabalho interessante, oportunidade de aprender, reconhecimento dos méritos e oportunidade de promoção. A escolha dos quatro indicadores sustenta-se nos objetivos do estudo, que visava a avaliar a influência do perfil sócio-ocupacional do empregado no seu grau de satisfação, levando em consideração aspectos que estivessem relacionados à caracterização do emprego-trampolim, ou seja, que contribuíssem para a permanência ou não no emprego.
A satisfação relacionada à possibilidade de realização de trabalho interessante apresentou índices relativamente elevados de satisfação, conforme Figura 8. Somente 26 teleoperadores se declararam insatisfeitos frente a esse quesito. Em contrapartida, constataram-se índices semelhantes entre entrevistados que disseram estar razoavelmente satisfeitos ou satisfeitos com esse aspecto, totalizando 182 entrevistados.
O indicador relativo à satisfação com a oportunidade de aprender, apresentado na Figura 9, foi o que apresentou maior percentual de entrevistados que se consideram satisfeitos, bem como o menor percentual de insatisfação. Nesse sentido, acredita-se que as frequentes mudanças tecnológicas e de conteúdo do trabalho realizado colaborem para os elevados índices de satisfação encontrados.
Em relação à satisfação com o reconhecimento dos méritos, foi possível constatar índice de insatisfação mais elevado vis-à-vis os aspectos anteriores, conforme demonstrado na Figura 10. Constatou-se também que quanto maior o tempo de emprego, maior a insatisfação com relação ao reconhecimento dos méritos. Isso se explica na medida em que, passado algum tempo, o teleoperador percebe limitada a possibilidade de seguir carreira na empresa, pois não foi promovido ao cargo hierarquicamente superior, o de supervisor.
Aspecto semelhante ao anterior, a satisfação em relação à oportunidade de promoção foi a variável que apresentou níveis mais reduzidos de satisfação, de acordo com a Figura 11. Somente 45 dos 207 entrevistados se disseram satisfeitos com as oportunidades de promoção.
Por sua vez, o indicador "razoavelmente satisfeito" reuniu 95 entrevistados e os insatisfeitos somaram 67. Assim como no caso da variável anterior (reconhecimento dos méritos), quanto maior o tempo de emprego, maior a insatisfação com a oportunidade de promoção.
Paralelamente à análise descritiva dos indicadores, realizou-se regressão múltipla linear, de acordo com a Tabela 3, estabelecendo relação entre o perfil sócio-ocupacional dos entrevistados e seu grau de satisfação com o emprego. Como o intuito de tornar mais homogênea a variável dependente do estudo, as quatro variáveis relativas à satisfação com o emprego foram agrupadas em uma única variável, através de recurso à análise fatorial. As variáveis independentes, oriundas dos indicadores relativos ao perfil sócio-ocupacional dos entrevistados - sexo, idade, escolaridade, faixa de rendimentos, tempo de emprego, tipo de atividade realizada e complexidade do atendimento - foram relacionadas à satisfação com o emprego, essa a variável dependente do estudo. O R2 obtido com o modelo foi de 0,200, ou seja, as variáveis independentes do estudo explicam, conjuntamente, 20% da variação da satisfação com o emprego.
Em relação à significância, constataram-se melhores índices nas seguintes variáveis independentes: tempo de emprego (,000); faixa de rendimentos (,098); escolaridade (,132); e tipo de atendimento (,182).
O modelo de regressão demonstrou que a variável que condiciona, de modo mais significativo, a satisfação com o emprego é o tempo de emprego, que possui uma relação inversa com a satisfação, ou seja, quanto maior o tempo de emprego, menor a satisfação em relação a ele. A regressão prova que, para cada unidade de tempo de emprego (meses), a satisfação diminui em 0,434. Estes resultados são apresentados na Tabela 4.
Por fim, decidiu-se estabelecer a correlação entre o tempo de emprego e o indicador de satisfação obtido na análise fatorial. Os resultados encontrados sugerem forte correlação entre as variáveis, atingindo índices mais potentes que os encontrados no modelo de regressão e alcançando -,495 na correlação de Pearson, de acordo com a Tabela 5.
DISCUSSÃO
Os resultados apontam que o tempo de emprego é o principal indicador explicativo da satisfação ou insatisfação com o emprego. Nesse sentido, o argumento de que a atividade de telemarketing seria um emprego-trampolim pode ser confirmado pelo fato de que quanto maior o tempo de permanência no emprego, maior a insatisfação, o que motiva o desligamento voluntário do trabalhador quando ele se qualifica ou encontra emprego melhor. Quando a insatisfação com o emprego é associada a uma condição objetiva sabidamente não muito boa e ao perfil de um trabalhador jovem e em formação, pode-se averiguar que o emprego em call center tende a se caracterizar, de fato, como ocupação ou emprego de passagem, ou seja, um emprego temporário para suprir uma situação que o próprio empregado considera como transitória.
Portanto, confirma-se a hipótese sugerida por Mocelin e Silva (2008) quanto a serem as atividades de call center um emprego-trampolim, pois seriam postos de trabalho ocupados por trabalhadores jovens, escolarizados ou em processo de escolarização, mas que não seriam atrativos profissionalmente, tendo em vista as poucas chances de ascensão profissional.
Handel (2005), por exemplo, considera as oportunidades de promoção uma variável decisiva para a mensuração da satisfação com o emprego. Os achados de nossa pesquisa confirmam a perspectiva defendida pelo autor, visto que, tomando as quatro variáveis de satisfação analisadas, os índices mais elevados de insatisfação com o emprego foram observados no quesito "oportunidades de promoção".
A perspectiva de Carty (1999) também encontrou apoio empírico na pesquisa por nós realizada. Segundo o autor, a satisfação no emprego sofreria variação conforme a etapa da vida laboral em que o trabalhador se encontra. Indivíduos jovens tenderiam a buscar maior qualificação ou educação, e os empregos necessitariam ser condizentes com suas aspirações profissionais. O emprego em call centers seria um bom exemplo nesse sentido, pois emprega, sobretudo, trabalhadores jovens e em processo de escolarização e (ou) qualificação profissional.
Mocelin e Silva (2008) afirmaram ser problemático recorrer a categorias analíticas tradicionais para explicar a situação específica das atividades de telemarketing ou o trabalho em call centers, tais como identidade, filiação sindical ou estabilidade, como o fizeram Venco (1999), Oliveira (2004), Braga (2006 e 2007) e Rosenfield (2007b). O uso de tais critérios revelou invariavelmente a precarização do trabalho na atividade de telemarketing.
Nosso estudo sobre a satisfação laboral nos call centers reforça a perspectiva de que tais categorias analíticas são pouco representativas nesse caso. Em relação à identidade profissional, por exemplo, parece frágil argumentar acerca de uma identidade provisória ou transitória do trabalhador em call centers (Rosenfield, 2007b), pois eles não almejam essa identidade e buscam tais empregos convencidos disso. No caso da filiação sindical, não há interesse significativo por parte dos empregados em participar de mobilizações por melhorias nas condições de emprego, uma vez que, quanto mais tempo ficam nestes empregos, menos têm perspectivas profissionais. No caso da estabilidade, os trabalhadores consideram que um emprego desse tipo que fosse "estável" não seria interessante para eles, pois a ocupação de teleoperador limitaria outras oportunidades, o que é recorrente no meio do telemarketing, e, além disso, o trabalho seria intenso e repetitivo, bem como limitador, não atendendo às aspirações sociais e profissionais de trabalhadores em processo de qualificação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o contexto dos call centers, foi possível constatar que a variável tempo de emprego condiciona, de modo significativo, a insatisfação com o emprego, o que não ocorre com tanta força nos aspectos sexo, escolaridade, idade, tipo de atividade e complexidade do atendimento e faixa de remuneração. Tais evidências reforçam a ideia de que os call centers são empregos de passagem e que, na medida em que os trabalhadores permanecem mais tempo no emprego, suas expectativas em relação a oportunidades de promoção, trabalho interessante, oportunidade de aprender no trabalho e reconhecimento dos méritos influenciam sua percepção sobre a satisfação e reforçam a tendência a que deixem o emprego, fato que aumenta a rotatividade voluntária no setor. Os resultados estatísticos do presente estudo confirmam os achados de estudos anteriores e reforçam o entendimento de que o conceito emprego-trampolim é um avanço teórico considerável para compreender a realidade das atividades de call center.
Mesmo sem ter a pretensão de propor uma nova agenda de pesquisas, considera-se que um próximo passo no estudo do mercado de trabalho dos call centers poderia ser o de analisar a satisfação no emprego a partir de um leque mais amplo de itens de satisfação ou insatisfação, incorporando tanto aspectos subjetivos, relativos às experiências dos trabalhadores, quanto aspectos objetivos, pertinentes aos contextos econômicos ou empresariais em que se situa cada call center em particular.
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Recebido em: 26.05.2009
Aprovado em: 02.02.2010
Publicado em: 22.03.2010
1 No telemarketing ativo, o operador toma a iniciativa do contato com o cliente através da realização de uma chamada telefônica. Normalmente, o telemarketing ativo está relacionado à venda de produtos e serviços, bem como à cobrança, fidelização de clientes e pesquisas de mercado. Em sentido oposto, no telemarketing receptivo, a iniciativa do contato é do cliente, que realiza a chamada telefônica. Estão relacionados ao telemarketing receptivo os serviços de atendimento ao cliente, sobretudo através dos serviços de 0800 e 0900, serviços de reclamações e sugestões, prestação de informações diversas, cobrança, suporte técnico e vendas (Mocellin e Silva, 2003, p. 10).
2 Ver Taylor et al. (2002); Kerst e Holtgrewe (2001).