SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número2Avaliação de treinamento e desenvolvimento nas organizações: resultados relativos ao nível de aprendizagemOrientação psicológica para a aposentadoria índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.9 n.2 Florianópolis dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Síndrome de Burnout em funcionários de uma fundação de proteção e assistência social*

 

Burnout Syndrome in employees of a foundation for the protection and welfare

 

 

Karine Moreira de AlmeidaI; Lúcia Azambuja de SouzaII; Mary Sandra CarlottoIII

IAcadêmica do curso de Psicologia da ULBRA/Canoas. karinemoreiraalmeida@yahoo.com.br
IIAcadêmica do curso de Psicologia da ULBRA/Canoas. lucinha44@hotmail.com
IIIPsicóloga, mestre em Saúde Coletiva (ULBRA-RS). Doutora em Psicologia Social (USC/ES). Professora do Curso de Psicologia (ULBRA/Canoas). mscarlotto@pesquisador.cnpq.br. lattes http://lattes.cnpq.br/1719199468870466

 

 


RESUMO

Burnout é um fenômeno psicossocial resultante da tensão emocional crônica, vivenciada pelos profissionais cujo trabalho abrange o relacionamento intenso e frequente com pessoas que necessitam de cuidado e (ou) assistência. O objetivo deste estudo foi avaliar a relação entre as dimensões de Burnout e variáveis demográficas, laborais, psicossociais e sintomas de estresse em funcionários que atuam em abrigos e casas de atendimento de uma Fundação de Proteção e Assistência Social. Foram utilizados, como instrumentos de pesquisa, o Maslach Burnout Inventory (MBI) e um questionário para o levantamento das demais variáveis. A amostra foi constituída de 73 funcionários de uma Fundação de Proteção e Assistência Social. Os resultados apresentam um perfil de risco caracterizado por trabalhadores jovens, com filhos, que trabalham também em outro local, insatisfeitos com seu trabalho, salário, higiene local, possibilidade de promoção e participação e que percebem como fatores de estresse aspectos intrínsecos de seu trabalho, carga horária, escala, tipo de público a que atende, relação com superior e colegas, que têm de conciliar trabalho e família. Todos os sintomas de estresse foram relacionados às dimensões da síndrome. Sugestões para futuros estudos finalizam o artigo.

Palavras-chave: síndrome de burnout, estresse ocupacional, MBI.


ABSTRACT

Burnout is a psychological phenomenon resulting from chronic emotional stress, experienced by professionals in the work that covers the frequent and intense relationship with people in need of care and / or assistance. This study aimed to evaluate the Burnout Syndrome on employees who work in shelters and homes to care for a Foundation for the Protection and Welfare. It also sought to identify associations of the dimensions of burnout with demographic variables, employment, psychosocial and symptoms of stress. Were used as instruments to search the MBI - Maslach Burnout Inventory and a questionnaire for the lifting of other variables. The sample consisted of 73 employees of a Foundation for the Protection and Welfare.The results obtained revealed a risk profile characterized by yourger workers, who have children, work in another institution, dissatisfied with his tasks, remuneration, hygiene in the workplace, promotion opportunities and that perceive as stress intrinsic factors of their work, workload, working hours, type of client, relationship with supervisor and co-workers, and to harmonize work and family. All symptoms of stress were related to the dimensions of the syndrome. Suggestions on further studies finish the job.

Keywords: burnout syndrome, occupational stress, MBI.


 

 

A Síndrome de Burnout (SB) é um fenômeno psicossocial resultante da tensão emocional crônica vivenciada pelos profissionais que, em seu trabalho, mantêm relacionamento intenso e frequente com pessoas que necessitam de cuidado e (ou) assistência (Maslach & Jackson, 1981). O exercício das profissões assistenciais caracteriza-se por uma relação com o cliente permeada de ambiguidades, tais como a de conviver com a tênue distinção entre envolver-se profissional e não pessoalmente na ajuda ao outro (Borges, Argolo & Pereira, 2002).

De acordo com Maslach e Leiter (1997), Burnout é o resultado de um desequilíbrio crônico, quando o trabalho exige mais do que o indivíduo pode dar e proporciona menos do que ele precisa. Harrison (1999) assinala essa síndrome como um tipo de estresse de caráter duradouro, vinculado a situações de trabalho, resultante da constante e repetitiva pressão emocional associada ao intenso envolvimento com pessoas por longos períodos de tempo. Trata-se de uma experiência subjetiva interna, que gera sentimentos e atitudes negativas no relacionamento do indivíduo com o seu trabalho (insatisfação, desgaste, perda de comprometimento), corroendo, assim, aos poucos, o seu desempenho profissional e trazendo consequências indesejáveis à organização (absenteísmo, abandono de emprego, baixa produtividade) (Tamayo & Tróccoli, 2002).

Maslach, Schaufeli e Leiter (2001) definem a SB como um conceito multidimensional que envolve três dimensões: 1) a exaustão emocional, que se caracteriza pela falta ou carência de energia e um sentimento de esgotamento emocional, que ocorre quando o indivíduo percebe que não pode dar mais de si mesmo em nível afetivo e sente que sua energia e recursos emocionais estão esgotados em decorrência do contato diário com seus próprios problemas e os de outras pessoas; 2) a despersonalização, caracterizada pelo desenvolvimento de uma insensibilidade emocional, que faz com que o profissional trate clientes, colegas e a organização de maneira fria e impessoal, sendo essa uma forma de o profissional defender-se perante a carga emocional proveniente do contato direto com o outro; e, 3) a baixa realização profissional, dimensão na qual ocorre uma tendência de o profissional avaliar-se negativamente, o que causa um sentimento de insatisfação com a realização do seu trabalho, originando a sensação de incompetência e de baixa autoestima.

Independentemente de já existir um consenso sobre seu conceito, é importante diferenciar Burnout do estresse. Burnout tem sido considerado um tipo de estresse ocupacional (Cordes & Dougherty, 1993). É a intensificação da sintomatologia própria do estresse (Kyriacou & Sutcliffe,1978). Ao se percorrer o caminho do estresse ao Burnout, segundo Benevides-Pereira (2001), observa-se uma mudança de perspectiva acentuada no sentido de que houve uma evolução do plano predominantemente individual para o social, isto é, para o relacional.

Gil-Monte (2009) pontua que trabalhar em contato com os usuários de serviços faz com que os trabalhadores fiquem expostos, com frequência, a riscos psicossociais, tais como agressões e conflitos interpessoais, sobrecarga de casos para atender, conflito e ambiguidade de papel, percepção de iniquidade nos intercâmbios sociais, falta de controle sobre os resultados, etc. Tais condições de trabalho favorecem o desenvolvimento do Burnout.

No exercício profissional dos funcionários de uma Fundação de Proteção e Assistência Social, existem diversos fatores de estresse psicossocial, os quais, ao persistirem, podem levar ao desenvolvimento da SB. Esses profissionais atuam em programas e serviços que promovem direitos e a inclusão dos cidadãos que estão em situação de risco e vulnerabilidade social. Atendem a crianças e adolescentes, famílias, moradores de rua, idosos e pessoas com deficiência, de forma articulada com uma grande rede de atendimento, composta por unidades próprias e organizações nãogovernamentais conveniadas. Faz parte de suas atribuições realizar atividades de apoio, de recreação e de acompanhamento diurno e noturno da clientela. Executam atividades diárias, lúdicas e recreativas, trabalhos educacionais de artes diversas; acompanhamento em passeios, visitas, festas e festividades sociais. Auxiliam na higiene pessoal, devendo estar atentos para a observação da saúde e do bemestar da clientela, levando-a, quando necessário, para atendimento médico e ambulatorial. Ministram medicamentos conforme prescrição médica e prestam primeiros socorros, cientificando o superior imediato da ocorrência.

Segundo Gil-Monte, Carretero, Roldán e Núñez-Román (2005), esses trabalhadores têm de realizar com frequência seu trabalho em condições que exigem altos níveis de trabalho emocional e manejo de conflitos, devem regular a expressão das emoções, estabelecer e manter empatia, bem como manejar frustrações vinculadas à atividade laboral. Estudo realizado pelos autores, com uma amostra de 154 monitores e educadores que trabalham em centros para pessoas com vulnerabilidades sociais, identificou que 11,70% dos sujeitos apresentavam níveis elevados de Burnout. Os autores identificaram associação entre a SB e fatores psicossociais relacionados à organização do trabalho.

A SB tem sido considerada um sério processo de deterioração da qualidade de vida do trabalhador, tendo em vista suas implicações para a saúde física e mental (Sávio, 2008). O profissional afetado se sente exausto, frequentemente, está doente, sofre de insônia, úlcera, dores de cabeça (Maslach, 1976), tensão muscular, fadiga crônica (Maslach & Leiter, 1997), cefaleia, ansiedade, depressão e problemas cardiovasculares (Gil-Monte, Nunes-Román & Selva Santoyo, 2006).

Assim, tendo em vista que o trabalho desenvolvido nesse tipo de instituição e com esse público é bastante complexo, pois envolve o relacionamento intenso e frequente com pessoas que necessitam de cuidado e (ou) assistência, estando os trabalhadores expostos a diversos estressores psicossociais, o presente estudo, de caráter observacional-analítico de corte transversal (Grimes & Schulz, 2002), buscou avaliar a relação entre a SB e variáveis demográficas, laborais, psicossociais e sintomas de estresse em funcionários de Fundação de Proteção e Assistência Social.

 

MÉTODO

População e amostra

A população do estudo é composta por 135 funcionários que desempenham suas funções em cinco abrigos e duas casas de atendimento vinculados a uma Fundação de Proteção e Assistência Social, localizada em uma cidade de grande porte, no estado do Rio Grande do Sul. A amostra não-probabilística foi composta por 73 sujeitos (54,4% da população) pertencentes aos cinco abrigos e às duas casas de atendimento. Ocorreram 16 perdas de sujeitos devido ao fato de estarem em licença para tratamento de saúde. Outros 46 sujeitos não aceitaram participar, com os seguintes argumentos: receio de sofrerem perseguições políticas ou da própria instituição, medo de serem identificados em virtude da assinatura do termo de consentimento de pesquisa e falta de tempo, tendo em vista a sobrecarga de trabalho.

Os profissionais que constituíram a amostra são, na sua maioria, mulheres (72,6%), solteiros, separados ou viúvos (68,5%), possuem filhos (58,9%), cursaram ensino superior completo (63%) e têm idade média de 42 anos e 6 meses (DP=11,76). A maioria trabalha somente na instituição (68,5%). Com relação à carga horária, realizam semanalmente, em média, 40 horas (DP=11,76), atendendo a uma média de 56 pessoas por dia (DP=38,26). Possuem uma média de 13 anos e 7 meses (DP=9,37) de experiência profissional e 4 anos e 10 meses (DP= 3,68) de experiência no local e função.

Instrumentos

Para o levantamento das variáveis demográficas (sexo, idade, estado civil, filhos), laborais (tempo de experiência profissional na instituição, tempo neste local de trabalho, número de pessoas que contata diariamente, carga horária semanal de trabalho), psicossociais (satisfação com o trabalho, com a salubridade do lugar de trabalho, com as oportunidades de promoção, com a supervisão recebida, com a participação nas decisões institucionais; percepção de fatores de estresse como a profissão, a carga horária, escala de trabalho, tipo de público atendido, relação com superior imediato, convívio com colegas de trabalho, necessidade de conciliar trabalho e família) e sintomas de estresse (dificuldade de respirar, agulhadas no peito, dores no estômago, crise de ansiedade, náuseas ou vertigens, enxaqueca ou dores de cabeça, problema de saúde por causa do trabalho, dificuldades para dormir, contraturas ou dores musculares), foi utilizado um questionário construído pelas autoras do estudo e baseado no referencial teórico sobre a SB. Para todas as questões, foi utilizada uma escala de intensidade que variava de 1 (nada) a 5 (muito).

A avaliação da SB foi realizada através do Maslach Burnout Inventory (MBI) de Maslach e Jackson (1986), traduzido e adaptado por Benevides-Pereira (2001). O instrumento avalia como o sujeito vivencia seu trabalho. É composto de 22 itens avaliados e distribuídos em três subescalas: exaustão emocional (9 itens), despersonalização (5 itens) e realização profissional (8 itens). As opções de respostas estão disponibilizadas em escala tipo Likert, que indica a frequência das respostas. Utiliza-se, neste estudo, o sistema de pontuação de 1 a 5, também usado por Tamayo (1997) na adaptação brasileira do instrumento, pois foi verificado que os sujeitos apresentavam dificuldades para responder muitos itens do instrumento devido à especificidade da escala original, que utiliza 7 pontos. Assim, utiliza-se 1 para indicar "nunca", 2 para "algumas vezes ao ano", 3 para "algumas vezes ao mês", 4 para "algumas vezes na semana" e 5 para "diariamente. O MBI é um instrumento utilizado exclusivamente para a avaliação da síndrome, não levando em consideração os elementos antecedentes e as consequências de seu processo. Ele avalia índices de Burnout de acordo com os escores de cada dimensão, sendo que altos escores em exaustão emocional e despersonalização e baixos escores em realização profissional (essa subescala é inversa) indicam alto nível de Burnout (Maslach & Jackson, 1986). Estudo das características psicométricas do MBI em uma amostra multifuncional, realizado por Carlotto e Câmara (2007), indica seu uso em amostras brasileiras.

Procedimentos

Primeiramente, foi realizado um contato com a direção da instituição para apresentar os objetivos do estudo a fim de obter-se a autorização e o apoio para a aplicação dos instrumentos. Após aprovação, fez-se contato com os gerentes dos sete abrigos e das duas casas de atendimento, para combinar a forma mais adequada de aplicação em cada local. Os instrumentos foram aplicados individualmente ou em pequenos grupos, durante o expediente de trabalho, de acordo com a disponibilidade dos funcionários. No momento da aplicação, foram fornecidas as informações sobre os objetivos da pesquisa, o preenchimento dos instrumentos, bem como o termo de consentimento livre e esclarecido. Foi esclarecido aos funcionários e gerências das instituições tratar-se de uma pesquisa sem quaisquer efeitos avaliativos individuais e (ou) institucionais e que as respostas seriam anônimas e confidenciais. A pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética de afiliação das autoras, tendo sido realizados os procedimentos éticos, conforme resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no que diz respeito à pesquisa com seres humanos (Ministério da Saúde, 1997).

O banco de dados foi digitado e posteriormente analisado em pacote estatístico. Foram calculadas médias e desvios padrão das dimensões de Burnout e realizada prova de correlação de Pearson e t de student para verificar associação entre as dimensões da SB e variáveis demográficas, laborais, psicossociais e sintomas de estresse.

 

RESULTADOS

Quanto aos índices de Burnout, verificou-se que a exaustão emocional foi a dimensão que atingiu maior índice médio (M=2,26; DP=1,18), seguida pela dimensão baixa realização profissional (M=2,04; DP=0,77), sendo que a de menor índice foi despersonalização (M=1,93; DP=1,10). A matriz de correlação, apresentada na Tabela 1, evidencia associação negativa entre a exaustão emocional e a idade, satisfação no trabalho (tarefa, salário, higiene, promoção, supervisão, participação nas decisões); e positiva com a percepção de estresse (trabalho, carga horária, escala, tipo de público, relação com superior, relação com colegas, conciliar trabalho e família) e com todos os sintomas de estresse (agulhadas no peito, dores no estômago, crise de ansiedade, náuseas e vertigens, enxaqueca ou dor de cabeça, problemas de saúde relacionados ao trabalho, dificuldades para dormir, contraturas ou dores musculares). A despersonalização associou-se negativamente às variáveis de satisfação no trabalho, com exceção do salário; e, positivamente, às variáveis de percepção de estresse, com exceção da relação com o superior imediato. Também positiva foi a associação com todos os sintomas de estresse. A realização profissional evidenciou associação positiva somente com a satisfação com o trabalho; e negativa com a percepção de que o tipo de público que atende é estressante e com os sintomas de estresse de ansiedade, náuseas e vertigens, enxaqueca e dores de cabeça, dificuldades para dormir, contraturas e dores musculares.

Com relação às variáveis quantitativas, de acordo com a Tabela 2, verificou-se que os sujeitos que têm filhos apresentam menor despersonalização e maior realização profissional. Os que trabalham somente na instituição possuem maior realização profissional. Já os sujeitos que tiveram afastamento por problemas de saúde apresentam menor desgaste emocional, menor distanciamento da clientela e realização com o trabalho.

 

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos foram de maior índice médio em exaustão emocional, seguida pela dimensão de baixa realização profissional, sendo que a de menor índice foi despersonalização. Esse resultado pode indicar uma fase inicial do processo de Burnout, de acordo com o modelo processual de Maslach. Segundo o modelo, Burnout é um processo em que a exaustão emocional é a dimensão precursora, sendo a que, inicialmente, apresenta índices mais elevados. Essa situação pode ser agravada ao considerar-se o elevado número de sujeitos que não se dispuseram a responder o instrumento e os motivos informados. Alguns pesquisadores (Lee & Ashforth, 1993; Heus & Diekstra, 1999; Benevides-Pereira, 2002) levantam a possibilidade de que a alta taxa de não-respostas a instrumentos pelos quais se investiga a SB como um indicativo de alto nível de Burnout deva-se ao fato de que o indivíduo possa estar em tal estado de desgaste, que a situação de responder a uma pesquisa significa mais uma tarefa, considerada excessiva.

No que diz respeito às variáveis demográficas, verifica-se que quanto menor a idade, maior é a exaustão emocional. Cherniss (1980) e Cordes e Douguerty (1993) entendem que profissionais jovens apresentam maiores níveis de SB devido ao seu entendimento irrealístico sobre o que podem ou não fazer, sendo, portanto, frequentes as frustrações profissionais. Segundo Maslach (1982), jovens precisam aprender a lidar com as demandas do trabalho e, por essa razão, podem apresentar maiores níveis de Burnout. Na literatura, não há uma concordância quanto à influência do tempo de exercício da atividade laboral no processo de Burnout, embora alguns autores acreditem que a pouca experiência na profissão poderia desencadear a SB, por não terem sido ainda desenvolvidas formas de enfrentamento adequadas à situação, ou ainda por fatores associados à pouca idade (Benevides-Pereira, 2002).

Os sujeitos que têm filhos apresentam menor despersonalização e maior realização profissional. Estudos realizados por Maslach e Jackson (1981) e Bontempo (1999) encontraram resultados semelhantes, visto que a vida familiar pode propiciar maior experiência em lidar com outras pessoas e seus problemas. Trabalhadores com filhos desenvolvem, em função de sua vida pessoal, mais paciência e desenvoltura para lidar com as pessoas que têm atender em seu trabalho (Maslach & Jackson, 1985). Pode-se pensar que, no caso da clientela atendida pelos profissionais da amostra, esse resultado seja relevante, pois o profissional interage com pessoas que apresentam problemas bastante sérios e de difícil resolução, não raras vezes tendo de desempenhar papéis sociais e familiares, como os de cuidado, proteção e acolhimento.

Na análise das variáveis laborais, resultados indicam que os sujeitos que trabalham somente na instituição apresentam maior realização profissional. Esse resultado pode estar relacionado ao fato de, ao trabalharem somente na instituição, os profissionais podem visualizar melhor seus resultados, na medida em que se dedicam apenas a esse trabalho. Profissionais que atuam em uma única organização tendem a envolver-se e comprometer-se mais com os objetivos e organização de trabalho (Cornelius & Carlotto, 2007). Essa questão pode proporcionar uma maior identificação com o trabalho, seu significado, além de uma maior possibilidade de verificar o grau de impacto que seu desempenho causa nas pessoas às quais atende.

A satisfação no trabalho, em todos os seus fatores, associou-se negativamente com a exaustão emocional. Quanto maior é a satisfação no trabalho, com o salário recebido, com as condições de higiene e segurança, com a supervisão recebida, com a possibilidade de promoção e de participação nas decisões da instituição, menor é o sentimento de desgaste emocional. O mesmo resultado foi encontrado com relação à despersonalização, com exceção do fator salário recebido. Já a realização profissional apresentou relação somente com a satisfação pelo conteúdo, aspecto intrínseco ao trabalho. Esse é um resultado que já vem sendo consolidado em vários estudos (Kahn & Carlotto, 2008; Jenaro-Río, Flores-Robaina & González-Gil, 2007; Silva & Carlotto, 2003). No entanto, cabe destacar que, no grupo estudado, somente a satisfação com o conteúdo do trabalho relaciona-se ao sentimento de desenvolvimento e realização no trabalho. Hackman e Oldham (1980) destacam a importância do conteúdo e significado do trabalho para a motivação interna e a realização profissional. Essa questão pode indicar questões vocacionais importantes nesse tipo de trabalhador, conforme refere Sávio (2008). Esse profissional é idealista, motivado e tem necessidade de acreditar que suas ações são significativas. Seu trabalho tem um sentido existencial (Pines, 2000).

Nas duas casas de atendimento, os funcionários atendem à população de rua, oferecendo apoio à sua organização pessoal, fazendo abordagem nas ruas, convidando-a para entrar na rede de atendimento, tendo como objetivo de trabalho desenvolver, no público-alvo, a vontade de sair da rua e elaborar um novo projeto de vida. Nos abrigos, são oferecidos atendimentos noturno ou integral a adolescentes, adultos, idosos, famílias e crianças em situação de rua.

Todos os fatores de estresse revelaram associação positiva com a exaustão emocional. Assim, na medida em que aumenta a percepção de que o tipo de trabalho, carga horária e escala realizada, tipo de público atendido, relação estabelecida com a chefia e com colegas, assim como conciliar trabalho e família são estressantes, aumenta a sensação de desgaste emocional pelo trabalho. O desgaste emocional, geralmente, está associado a fatores de estresse relacionados à sobrecarga de trabalho (Maslach & Jackson, 1981). O trabalho, nesse tipo de instituição e com esse público, é bastante complexo, pois envolve relacionamento intenso e frequente com pessoas que necessitam de cuidado e (ou) assistência. Os funcionários tendem a criar vínculos com os usuários devido ao papel que desempenham, pois têm de educar, impor limites e cuidar do seu bem-estar.

Nesse contexto, convivem com o desemprego, falta de planejamento familiar, álcool, drogas, doenças, abusadores, abusados, violências, desesperanças, brigas, miséria, criminalidade, agressões verbais e físicas. Assim, os funcionários esperam alguma forma de retorno dos usuários em relação ao serviço prestado (gratidão, desejo de melhorar, colaboração, respeito) e raramente essas expectativas são satisfeitas, pois muitos usuários acreditam que cuidar é um dever deles. Bakker, Killmer, Siegrist e Schaufeli (2000) afirmam que o desequilíbrio entre os investimentos realizados e as recompensas recebidas se associa ao Burnout. Cherniss (1980) salienta que a tendência existente na sociedade moderna para a individualização e para a desintegração do tecido social conduz a um aumento da pressão nos serviços sociais e, por consequência, a um acréscimo da necessidade de os técnicos resolverem os problemas. Os clientes geralmente estão com problemas, com dificuldades de cuidarem de si ou experimentando algum tipo de dificuldade ou adoecimento. Esse foco em informações negativas faz com que a interação entre eles seja frequentemente carregada de fortes emoções, como constrangimento, medo, frustração, ressentimentos de ambas as partes. A regularidade desse tipo de relação torna o trabalhador assistencial vulnerável ao Burnout. A expectativa de obter bons resultados no atendimento ao cliente e não atingi-los, lidar situações graves e o intenso processo de empatia podem ser fatores estressantes que levem a Burnout (Maslach, 1978). Essas questões são importantes, pois, de acordo com Rublescki (1994), para o funcionário que trabalha em instituição semelhante de proteção e assistência, achar que está ajudando o usuário é uma maneira de obter satisfação e de tornar-se indiferente aos aspectos áridos do seu trabalho.

Conforme Morales, Gallego e Rotger (2004), os obstáculos dos sistemas de proteção causam desgaste profissional em pessoas que trabalham com vítimas de diferentes tipos de violência, constituindo uma junção de estressores. Dessa forma, o estresse e o Burnout são comumente conhecidos para descrever as reações desses profissionais.

O mesmo resultado ocorre com a despersonalização, com exceção do fator relacionamento com a chefia. Pode-se supor que a chefia desempenhe um papel de suporte, não se constituindo em fator de estresse e gerador de distanciamento e impessoalidade. Suporte social envolve empatia, identificação, cooperação e interação harmoniosa com o outro. Trabalhadores que recebem de sua chefia feedback sobre o desempenho, elogiando e orientando suas atividades, apresentam menor possibilidade de desenvolver a SB (Gil-Monte & Peiró, 1996).

Já a realização profissional somente apresentou relação com o tipo de público atendido, indicando que quanto maior é a percepção de que esse é um fator de estresse, menor é o sentimento de que o trabalho é fonte de realização. Em consonância com Maslach (1978), na relação entre profissionais que desenvolvem atividades de ajuda a seus clientes, o tipo de interação e o papel desempenhado pelo cliente possuem forte influência sobre o nível de estresse emocional do profissional. O tipo de problema do cliente, a natureza da relação entre eles, o papel de controle, a posição e a reação do ocupante do cargo são elementos do papel do cliente que contribuem para o desenvolvimento da SB. É importante destacar que, para muitos profissionais de ajuda, a oportunidade de auxiliar seus clientes é a principal razão de escolha da profissão, motivo de satisfação no trabalho e realização profissional.

A totalidade dos sintomas de estresse investigada (agulhadas no peito, dores no estômago, crise de ansiedade, náuseas e vertigens, enxaqueca ou dor de cabeça, problemas de saúde relacionados ao trabalho, dificuldades para dormir, contraturas ou dores musculares) indicou associação positiva com a exaustão emocional e com a despersonalização; e negativa com a realização profissional. Nessa última, verificou-se que quanto menor a frequência de crise de ansiedade, náuseas e vertigens, enxaqueca ou dor de cabeça, dificuldades para dormir, contraturas ou dores musculares, maior é o sentimento de realização profissional. Harris (1998) assevera que profissionais com Burnout apresentam fadiga crônica e falta de energia, distúrbios de sono, aumento de tensão muscular, pois fazem movimentos rápidos e acelerados, ocasionando operações negligentes que podem legitimar o afastamento do trabalho e o aumento da suscetibilidade a doenças.

O estudo aponta para um quadro complexo de variáveis que pode prevenir ou ocasionar Burnout no grupo de trabalhadores investigado, principalmente variáveis demográficas, psicossociais e sintomas de estresse. Esse resultado aponta para ações importantes em termos de prevenção da SB.

É necessário destacar que a literatura sobre Burnout em trabalhadores, nesse contexto, ainda é incipiente (Carlotto & Câmara, 2008), dificultando, desse modo, a comparação com outros estudos. Profissionais que atendem a clientela com sérios e graves problemas, pelas especificidades de seus trabalhos, devem ser inclusos na agenda de pesquisas sobre Burnout. Nesse sentido, torna-se importante a realização de novos estudos com outros delineamentos, variáveis e contextos de trabalho em instituições que atendam a essa clientela.

O estudo apresenta algumas limitações que devem ser consideradas na análise de suas conclusões. A primeira limitação é que ele tem delineamento transversal, o que impede conclusões em termos de causalidade. É importante considerar o efeito do trabalhador sadio, questão peculiar em estudos transversais em epidemiologia ocupacional que, muitas vezes, exclui o possível doente (Mc Michael, 1976). Essa é uma situação que pode subestimar o tamanho dos riscos identificados, porque os mais afetados não conseguem manter-se no emprego, afastando-se por licenças para tratamento de saúde. A segunda é que são utilizadas apenas medidas de autorrelato, o que pode ocasionar algum viés devido à desejabilidade social que algumas questões abordam, no caso deste estudo, as questões relacionadas à dimensão de despersonalização, pois é difícil para o trabalhador admitir que se distancia e trata de forma impessoal as pessoas a que atende. Por fim, deve-se ter cautela com relação aos resultados obtidos neste estudo, pois são decorrentes de uma amostra não-probabilística, não sendo, portanto, passíveis de generalizações para outras instituições ou profissionais.

 

REFERÊNCIAS

Benevides-Pereira, A. M. T. (2001). A saúde mental de profissionais de saúde mental. Maringá: EDUEM.         [ Links ]

______. (2002). Burnout: Quando o trabalho ameaça o bem estar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Bakker, A. B., Schaufeli, W. B., Demerouti, E., Janssen, P. P. M., Van Der Hulst, R., & Brouwer, J. (2000). Using equity theory to examine the difference between burnout and depression. Anxiety, Stress, and Coping, 13, 247-268.         [ Links ]

Borges, L. O., Argolo J. C. T., Pereira A. L. S. de, Machado, E. A.P. & Silva, W. S. da. (2002). A síndrome de Burnout e os Valores Organizacionais: um estudo comparativo em hospitais universitários. Psicologia: Reflexão e Crítica, 15, 1, 189-200         [ Links ]

Bontempo, X. F. (1999). Nível de síndrome de agotamiento em médicos, enfermeras y paramédicos. Revista Mexicana de Puericultura y Pediatria, 6, 2, 252-260.         [ Links ]

Carlotto, M. S. & Câmara, S. G. (2007). Propriedades psicométricas do Maslach Burnout Inventory em uma amostra multifuncional. Estudos de Psicologia-Campinas, 24, 3, 325-332.         [ Links ]

______. (2008). Análise da produção científica sobre a Síndrome de Burnout no Brasil. Psico-PUCRS, 39, 2, 152-158.         [ Links ]

Cherniss C. (1980). Professional burnout in human service organizations. New York: Praeger.         [ Links ]

Cordes C. L. & Dougherty, T. W. (1993). A review and integration of research on job burnout. Academy of Management Review,18, 4, 632-636.         [ Links ]

Cornelius, A. & Carlotto, M. S. (2007). Síndrome de Burnout em profissionais de atendimento de urgência. Psicologia em Foco, 1, 1, 15-27.         [ Links ]

Gil-Monte, P. R. (2009). Algunas razones para considerar los riesgos psicosociales en el trabajo y sus consecuencias en la salud pública [Editorial]. Revista Española de Salud Pública,83, 2, 169-173.         [ Links ]

Gil-Monte, P. R., Carretero, N., Roldán, M. D. & Núñez-Román, E. (2005). Prevalencia del síndrome de quemarse por el trabajo (burnout) en monitores de taller para personas con discapacidad. Revista de Psicología del Trabajo y de las Organizaciones, 21, 1-2, 107-123.         [ Links ]

Gil-Monte, P. R., Nuñes-Román, E. M. & Selva-Santoyo, Y. (2006). Relación entre el Síndrome de Quemar-se por el trabajo (Burnout) y síntomas cardiovasculares: un estudio en técnicos de prevención de riesgos laborais. Revista Interamericana de Psicología, 40, 2, 227-232.         [ Links ]

Gil-Monte, P. R., & Peiró, J. M. (1996). Un estudio sobre antecedentes significativos del síndrome de quemar-se por el trabajo (burnout) en trabajadores de Centros Ocupacionais para discapacitados psíquicos. Psicologia del Trabajo y de las Organizaciones,12, 1, 67-80.         [ Links ]

Grimes, D. A. & Shulz, K. F. (2002). An overview of clinical research: the lay of the land. The Lancet, 359, 57-61.         [ Links ]

Hackman, J. R. & Oldhan, G. R. (1980). Work redesign. Massachustts: Addison/Wesley Reading.         [ Links ]

Harris, P. (1998). Assessing burnout: The organizational and individual perspective. Family & Community Health, 6, 4, 32-43.         [ Links ]

Harrison, B. J. (1999). Are you to burn out? Fund Raising Management, 30, 3, 25-28.         [ Links ]

Heus, P. & Diekstra, R. F. W. (1999). Do you teachers burnout more easily? A comparison of teachers with other social professions on work stress and burnout symptoms. Em: R. Vanderbergue, R. & Huberman, M. A. (Orgs.), Understanding and preventing teacher burnout: A source book of international practice and research. Cambridge: Cambridge University Press.         [ Links ]

Jenaro-Rio, C., Flores-Robaina, N. & Gonzáles-Gil. (2007). Síndrome de Burnout y afrontamiento en trabajadores de acogimiento residencial de menores. International Journal of Clinical and Health Psychology, 7, 1, 107-121.         [ Links ]

Kanh, K. & Carlotto, M. S. (2008). Síndrome de Burnout en monitores que actúan en una fundación de protección especial. Diversitas, 4, 53-62.         [ Links ]

Kyriacou, C. & Sutcliffe, J. (1978). Teacher stress: Prevalence, sources, and symptoms. British Journal Educational Psychology, 48, 159-167.         [ Links ]

Lee, R. T. & Ashforth, B. E. (1993a). A further examination of managerial burnout: Toward an integrated model. Journal of Organizational Behavior, 14, 3-20.         [ Links ]

Mc Michael, A. J. (1976). Standardized mortality ratios and the healthy worker effect: scratching beneath the surface. Journal Occupational Medical, 18,165-168.         [ Links ]

Maslach, C. (1976). Burned-out. Human Behavior, 5, 9, 26-22.         [ Links ]

______. (1978). The client role in staff burn-out. Journal of Social Issues, 34, 4, 111-124.         [ Links ]

______. (1982). Burnout: The cost of caring. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice - Hall.         [ Links ]

______. & Jackson, S. E. (1981). The measurement of experienced burnout. Journal of Occupational Behavior, 2, 99-113.         [ Links ]

______. & Jackson, S. E. (1985). The role of sex and family variables in burnout. Sex Roles, 12, 7/8, 837- 851.         [ Links ]

______. (1986). Maslach Burnout Inventory. 2nd ed. Palo Alto, CA: Consulting Psychologist Press.         [ Links ]

______. & Leiter, M. P. (1997). The truth about burnout: How organization cause, personal stress and what to do about It. San Francisco: Jossey-Bass.         [ Links ]

______. Schaufeli, W. B. & Leiter, M. P. (2001). Job burnout. Annual Review Psychology, 52, 397-422.         [ Links ]

Ministério da Saúde. (1997). Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes e normas para pesquisa envolvendo seres humanos. Resolução CNS 196/196. Brasília: Ministério da Saúde.         [ Links ]

Morales, G., Gallego, L. M. & Rotger, D. (2004). La incidencia y relaciones de la ansiedad y el burnout en los profesionales de intervención en crisis y servicios sociales. Interpsiquis. Disponível em http://www.psiquiatria.com/articulos/estres/14721/. Acessado em 03/11/2008.         [ Links ]

Pines, A. M. (2000). Nurses' burnout: An existential psychodynamic perspective. Journal of Psychosocial Nursing & Mental Health Services, 38, 2, 23-35.         [ Links ]

Rublescki, M. F. (1994). A Febem e seu mito instituinte: reflexões. Trabalho de Conclusão, CEAPIA, Porto Alegre.         [ Links ]

Savio, S. A. (2008). El Síndrome del Burnout: un proceso de estrés laboral crónico. Hologramática, V , 8, 121- 138.         [ Links ]

Schaufeli, W. B. & Buunk, B. (1996). Professional burnout. Em: M. Schabracq, J. Winnubst & C. Cooper (Orgs.), Handbook of work and health psychology (pp. 311 -346). New York: John Wiley.         [ Links ]

Silva, G. N. & Carlotto, M. S. (2003). Síndrome de Burnout: um estudo com professores da rede pública. Revista de Psicologia Escolar e Educacional, 7, 2, 145-153.         [ Links ]

Tamayo, M. R. & Troccoli, B. T. (2002) Exaustão emocional: Relações com a percepção de suporte organizacional e com as estratégias de coping no trabalho. Estudos de Psicologia, 7, 1, 37-46.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 11.12.2008
Aprovado em: 18.01.2010
Publicado em: 22.03.2010

 

 

* Trabalho apresentado à Universidade Luterana do Brasil como pré-requisito para a conclusão do curso de Psicologia.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons