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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.12 no.3 Florianópolis dez. 2012

 

Trabalho significativo e felicidade humana: explorando aproximações

 

Meaningful work and human happiness: exploring approaches

 

 

Narbal SilvaI; Suzana da Rosa TolfoII

IUniversidade de Santa Catarina
IIUniversidade de Santa Catarina

 

 


RESUMO

Os estudos sobre o trabalho são complexos e provenientes de diferentes áreas do conhecimento. Na psicologia, a preocupação com os significados que os trabalhadores atribuem ao trabalho que realizam se desenvolveu, de modo especial, com os estudos do Grupo MOW. Esse grupo internacional identificou que o significado do trabalho está associado à centralidade do trabalho, normas sociais sobre o trabalho e resultados valorizados do trabalho. Em relação a esses fatores, os participantes das pesquisas apresentavam concepções agrupadas como positivas, neutras (ou instrumentais) ou negativas. Estudos posteriores também identificaram que os significados do trabalho podem ser representados na forma de um contínuo, que vai do polo positivo ao negativo, e que, na atual sociedade predominam concepções positivas. Cabe, então, questionar neste artigo teórico, como abordagens atuais que tratam da felicidade no trabalho, a partir de perspectivas ancoradas na psicologia, podem ser relacionadas com percepções positivas do trabalho. As ações ou indicadores encontrados nas organizações voltadas à felicidade, bem estar e qualidade de vida no trabalho, que implicam a construção de relacionamentos solidários e que levam em conta princípios saudáveis de convívio entre seres humanos, constituem temas essenciais, que norteiam os argumentos construídos neste trabalho.

Palavras-chave: Felicidade, Significados do Trabalho, Psicologia.


ABSTRACT

Work studies are complex and derive from various areas of scholarship. In psychology, attention to the meanings that workers attach to work grew, in a distinct way, with the studies by the MOW Group. This international group found that the meaning of work is associated with the centrality of labor, social standards regarding labor, and the values placed on the results of labor. Regarding these factors, research participants presented concepts grouped as positive, neutral (or instrumental), or negative. Further studies also found that the meaning of work can be represented in the form of a continuum, ranging from the positive to the negative pole, and that in contemporary society positive conceptions prevail. Thus it is appropriate to question, in this theoretical article, how current approaches that address the psychology of happiness at work may be related to positive perceptions of work. The actions or indicators found in organizations focused on happiness, well-being, and quality of working life, which involve the construction of supportive relationships and take into account healthy principles of human coexistence, are fundamental questions that guide the discussion in this work.

Keywords: Meaning of Work, Happiness, Psychology.


 

 

O quê e como as pessoas fazem na atualidade, de modo formal ou informal em situações de trabalho, vem acompanhado de sentimentos que endereçam para o sofrimento físico ou psíquico? Ou pode gerar experiências contributivas para a construção de uma vida saudável? Você é feliz, se for o seu caso, com o trabalho remunerado que realiza? É possível ser feliz realizando um trabalho ao qual se atribui pouco significado? Tais questões supõem pensar sobre como encontrar propósitos relevantes para trabalhar que contribuam com a construção de sentimentos sustentáveis de satisfação.

Agora convidamos você a refletir sobre a seguinte questão: se você tivesse dinheiro suficiente para viver o resto da sua vida confortavelmente sem trabalhar, o que você faria em relação ao trabalho que executa hoje? Em diversos estudos protagonizados por diferentes pesquisadores, mais de 80% das pessoas consultadas respondeu que trabalharia mesmo assim (Morin, 1997; MOW, 1987;), mas sob condições diferentes. Os principais motivos elencados foram: continuar a se relacionar com os colegas de trabalho, não perder o sentimento de fazer parte de algo, sentir-se útil, evitar o vazio existencial e ter um objetivo ou causa considerada válida na vida.

Tal compreensão e os sentimentos relacionados denotam a relevância do trabalho na vida das pessoas, em especial, ao que se refere à influência que este exerce e representa em relação à motivação e à satisfação das pessoas (Morin, 2001). Entre outros aspectos, por meio do trabalho, as pessoas podem satisfazer ou frustrar necessidades de sobrevivência, segurança, convivência, estima e autorrealização (Maslow, 1970), bem como consubstanciar uma identidade positiva sobre si mesma (autoconceito), pois dizemos aos outros o que somos, muito influenciados por aquilo que fazemos (Ciampa, 1986). Na sociedade em que vivemos, centrada no mercado e, por conseguinte, caracterizada por relações eminentemente econômicas ("é dando que se recebe"), a identidade ocupacional ocupa largos espaços da identidade pessoal. Para muitas pessoas é o que existe de mais importante (Schein, 1982).

Ao considerarmos a relevância do trabalho na vida das pessoas, também levamos em conta as relações entre trabalho significativo e realização humana por meio de tarefas constituídas de importância para quem as realiza. A autorrealização humana implica encontrar propósitos válidos que confiram sentido à existência humana nos planos de vida pessoal e no trabalho. Tornar-se também por meio do trabalho o que de fato se deseja ser. É possível ser autorrealizado e não ser feliz? Autorrealização e felicidade no trabalho constituem fenômenos que se influenciam mutuamente?

Caso pensemos que sim, trabalhos percebidos e sentidos como significativos contribuem para a realização e o desenvolvimento humano, assim como ajudam a gerar o que denominamos felicidade, um sentimento mais estável de satisfação no trabalho. A demonstração concreta dessa afirmação pode ocorrer pela observação dos comportamentos motivados das pessoas quando movidos por causas que estas julguam "valer a pena" se dedicar (McGregor, 1992). Nesse caso, o trabalho é compreendido como gratificante para quem o realiza, sendo associado a significados pessoais e sociais positivos. A importância proporcionada pelo trabalho à construção do bem-estar é variada, mas na sociedade atual tende a ser relevante, pois aqueles que trabalham são cercados de designativos positivos.

Por meio do trabalho temos oportunidades de: construir a identidade, interagir e ter suporte social, encontrar um propósito ao qual valha a pena se dedicar, despender tempo de modo relevante, encontrar desafios, adquirir status e obter renda (Zanelli, Silva & Soares, 2010). Nessas circunstâncias, temos o que Snyder e Lopez (2009) denominam de atividade gratificante. O que significa fazer trabalhos que confiram propósitos importantes à existência humana, de modo que, ao serem feitos, contribuam para a formação de percepções e sentimentos decorrentes de que a vida no trabalho vale a pena. Entre outros fatores determinantes, um trabalho provido de significado contempla em suas características essenciais a participação do trabalhador na identificação e solução de problemas, que de modo direto ou indireto poderão repercutir na sua vida pessoal e no trabalho (Roche & Mackinnon, 1976).

Em sentido oposto, o trabalho também pode ser compreendido e vivenciado como tortura, sofrimento ou esforço doloroso, e visto como fonte de alienação econômica, política e de aflição para aqueles que o realizam (Zanelli, Silva & Soares, 2010). Tal concepção vincula o labor à exploração e deterioração da qualidade vida do ser humano, quando este despende esforço físico e psíquico com significados negativos ou pouco relevantes (Zanelli, Calzaretta, García, Lipp & Chambel, 2010). O rebaixamento dos padrões de qualidade de vida no trabalho, entre outros fatores, implica em sofrimento físico e psíquico, que pode ser compreendido como o tédio experimentado em situações que resultam na sensação de cansaço, desânimo e descontentamento dos seres humanos com os trabalhos que realizam (Mendes & Tamayo, 2001).

Contudo, os motivos que justificam as ações das pessoas no trabalho estão vinculados à função denominada expressiva, o que significa ter um trabalho interessante, fonte de autoestima e de autorrealização, concomitante com a função econômica de prover necessidades fisiológicas e de segurança (Maslow, 1970; Morin, 2001). Esse tipo de compreensão aliada aos fins de produtividade e de qualidade nas organizações tem levado à preocupação recente de estudiosos e gestores de que a possibilidade das pessoas experimentarem sentimentos de felicidade por meio do trabalho que realizam deixe de ser algo utópico e passe de fato a ser experimentada no cotidiano laboral.

Nas perspectivas de estudos mais atuais, a felicidade resulta de meios que propiciam bem-estar físico e psicossocial, que levem as pessoas a se sentir em paz, voltar-se aos outros e contribuir para a melhoria das condições de vida no ambiente de trabalho (Matos, 2001). Como, então, a construção de significados positivos no trabalho pode se articular com a felicidade? É viável experimentar sentimentos de felicidade no trabalho concomitantes com a realização de tarefas pouco ou nada significativas? Frente a essas argumentações, consideramos relevante social e cientificamente explorar possíveis articulações entre sentidos e significados do trabalho e decorrentes sentimentos de felicidade.

Entendemos como significado do trabalho a representação que a tarefa executada tem para o trabalhador, seja individual (a identificação de seu trabalho no resultado da tarefa), coletivo (o sentimento de pertença a uma classe unida pela execução de um mesmo trabalho), ou social (o sentimento de executar um trabalho que contribua para a sociedade). Já o sentido do trabalho pode ser concebido, além do significado - individual, coletivo e social do trabalho -, como a utilidade da tarefa executada para a organização a que se pertence, a autorrealização e a satisfação, o sentimento de desenvolvimento e evolução pessoal e profissional (Tolfo & Piccinini, 2007).

Os sentimentos de felicidade decorrentes de experiências gratificantes com relativa constância no trabalho são produzidos por meio de interpretações cognitivas das situações que, não raro, encontram vinculações com o que já existe de registro na memória de quem as experimenta. Portanto, os sentimentos constituem interpretações subjetivas do que está ocorrendo internamente, construídas por meio do processamento cognitivo das reações fisiológicas e dos conteúdos da memória, cujo conjunto repercute nas expressões faciais, gestuais e verbais de um ser humano (Gondim & Siqueira, 2004).

Portanto, ao levarmos em conta a importância conferida ao trabalho, sobretudo no que diz respeito às amplas possibilidades deste prover ou não felicidade às pessoas na sociedade atual, na seção que segue discute-se a respeito da relevância do trabalho para a vida humana associada. Destacaremos também os múltiplos significados conferidos ao trabalho e às metamorfoses pelas quais este tem passado na sociedade contemporânea.

 

REPRESENTAÇÕES E METAMORFOSES NO MUNDO DO TRABALHO

O trabalho constitui um fenômeno psicossocial fundamental à existência humana, sobretudo nas organizações. Tal condição se explica pelo fato de que, por meio de esforços físicos e psíquicos, mediamos nossas relações com as pessoas com as quais nos relacionamos. Portanto, o trabalho se caracteriza como uma categoria central da vida humana associada que, por sua vez, tem passado por intensas e progressivas transformações desde o final da década de 1950.

Tais metamorfoses têm ocorrido em função das reconfigurações geopolíticas, sociais, econômicas, culturais e psicológicas, via de regra expressas na intensificação da globalização, criação acirrada de tecnologias, reestruturação da organização do trabalho e novas arquiteturas organizacionais. Também devemos considerar o aumento da expectativa de vida e do nível educacional da força de trabalho. No Brasil, por exemplo, a expectativa de vida, que na década de 1950 era de 48 anos, no início da segunda década do século XXI passou para 73,5 anos. A escolaridade média, que no início da década de 1990 era de 4,9 anos, passou na atualidade para 7,2 anos (Relatório do Desenvolvimento Humano - PNUD, 2011).

Por conseguinte, mudanças ocorreram nas percepções do que venha a ser trabalho e nos significados atribuídos às relações que o ser humano estabelece com este. Analisar fenômenos relacionados a trabalho remete ao próprio conceito, que é polissêmico, amplo e envolve diferentes tipos de relações entre o homem e as atividades das quais ele se apropria. Nos estudos acadêmicos capitaneados pela sociologia contemporânea, as concepções tradicionais e prevalentes de trabalho tratam da capacidade do homem de transformar a natureza de modo intencional, e essa relação dialética homem-natureza implica na transformação de ambos.

Na sociedade capitalista atual, o trabalho adquire um papel de categoria sociológica chave, se configurando como o principal fato social (Antunes, 2000; Ciampa, 1986; Borges, 1997) em virtude da sua importância como organizador da sociedade e dos indivíduos e pelas mudanças que vem passando como instituição - pluralidade nas formas, flexibilização das relações de trabalho, alterações nos contratos, desemprego estrutural, entre outras. Essas alterações também ocorrem nas atribuições de significados e sentidos ao trabalho pelos sujeitos, bem como às vivências de felicidade e bem-estar relacionadas ao seu fazer.

Na sociedade capitalista, comumente o trabalho é tratado como sinônimo de emprego (Antunes, 2000). Conforme Rebello (2002) existem duas perspectivas relativas ao trabalho às quais o emprego pode ou não ser equiparado: uma delas vincula trabalho a emprego - a "lógica do emprego assalariado" - e outra contrapõe trabalho a emprego - a "lógica da atividade". Na primeira, o emprego se associa à existência de um posto de trabalho, que caracteriza o emprego dito tradicional, com o pagamento de contrapartida financeira - o salário, a dedicação em tempo integral (jornada de trabalho) e o contrato de trabalho por tempo indeterminado. A lógica da atividade se refere a outras atividades com funções sociais e que conferem status ao seu realizador.

Além do significado mais instrumental do trabalho, equiparado ao emprego, é possível atribuir tanto significados positivos quanto negativos. Apesar de ter como origem a palavra tripalium, associada à ideia de tortura, na atualidade a valorização do trabalho faz o fenômeno se tornar uma instituição cercada de adjetivos positivos. O fato de dizermos aos outros quem somos por meio da ação laboral torna o trabalho parte fundamental da nossa identidade, como indivíduos, pessoas dignas e socialmente inseridas. Tal qual afirma Ciampa (1986), formamos nossas identidades a partir de nossas ações, daquilo que fazemos, em condições materiais e históricas dadas, sendo o trabalho uma categoria central na vida de cada um.

Ao considerarmos a centralidade do trabalho na vida dos trabalhadores, na seção que segue será abordada a tarefa de demonstrar alguns significados que têm sido atribuídos a este na atualidade. Mostraremos também, as dimensões consideradas centrais do trabalho, que, ao serem percebidas de modo otimista ou favorável, geram percepções e sentimentos positivos, que também podem ser compreendidos como vivências e sentimentos de felicidade decorrentes de um trabalho concebido como gratificante.

Significados múltiplos conferidos ao trabalho

O fenômeno trabalho é complexo, multifacetado e polissêmico, podendo assumir diferentes conotações. Em meio a diversas definições e perspectivas epistemológicas de análise, adotou-se uma definição genérica, capaz de abarcar as especificidades das situações concretas, conforme proposto por Blanch Ribas (2003). Para o autor, o trabalho é uma atividade humana social, complexa e dinâmica, exercida de forma individual ou coletiva. Não se reduz a ações instintivas decorrentes das funções biológicas voltadas para a sobrevivência; mas "[...] Se distingue de qualquer outro tipo de prática animal por sua natureza reflexiva, consciente, propositiva, estratégica, instrumental e moral" (Blanch Ribas, 2003, p.35).

Esse fenômeno, no cenário contemporâneo atual de diversificação e de complexificação das formas de trabalho, traz novos elementos para a relação homem/trabalho. As implicações para tal relação são tanto objetivas quanto subjetivas, dado que analisar a categoria trabalho implica considerar não só as condições socioeconômicas nas quais essa ação humana se desenvolve, mas também o significado, o sentido e o valor socioculturais dessa experiência (Blanch Ribas, 2003). Mas em que consistem os sentidos e significados atribuídos ao trabalho?

Nos últimos 30 anos vêm se ampliando os estudos cujo foco de interesse está em responder a questões que embasam nossa constituição de sujeitos trabalhadores. Qual a importância do trabalho na vida? Quais os sentidos pessoais que atribuo ao meu trabalho? Quais os significados sociais compartilhados na nossa sociedade em relação ao trabalho? O trabalho é um fardo ou traz felicidade e bem estar? Essas questões não têm respostas de consenso, pois as temáticas dos sentidos e dos significados do trabalho são pesquisadas por diferentes autores baseados em diversas vertentes epistemológicas (Tolfo et al., 2011). A palavra sentido etimologicamente vem do latim sensus, compreendido como "faculdade da percepção, significado ou interpretação, percepção, sentimento, empreendimento", ou do verbo sentire: "perceber, sentir, saber" (Harper, 2005). A origem da palavra remete, sobretudo, à análise e compreensão do sujeito.

Os estudos mais clássicos sobre significados do trabalho foram desenvolvidos na década de 1980 por pesquisadores do grupo MOW - Meaning of Working (1987). Para eles, o significado do trabalho se constitui como um construto psicológico multidimensional e dinâmico, formado da interação entre variáveis pessoais e ambientais e influenciado pelas mudanças no indivíduo. Em um estudo foram operacionalizadas e avaliadas amostras representativas de oito países (Japão, Israel, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Bélgica e França) entre 1981 e 1983, que permitiram estruturar os dados empíricos em 12 fatores, que por sua vez foram agrupados em quatro dimensões principais: a centralidade do trabalho, as normas sociais sobre o trabalho, os resultados valorizados do trabalho/metas do trabalho e a identificação das regras do trabalho, sendo que esta última dimensão foi estatisticamente pouco consistente e, por isso, excluída (MOW, 1987). As três dimensões restantes são as seguintes:

- Centralidade do trabalho: o grau de importância que o trabalho tem na vida de uma pessoa em determinado momento. Inclui um componente valorativo - a centralidade absoluta do trabalho -, que mede o valor atribuído na vida dos sujeitos (Qual a importância do trabalho na sua vida?); e outro sobre a centralidade relativa do trabalho, comparada a outras esferas importantes na sua vida.

- Normas sociais sobre o trabalho: são normas derivadas de valores morais e éticos relacionados com o trabalho e que atuam como antecedentes dos princípios e condutas sociais associados às crenças sobre as obrigações e os direitos do trabalhador. Estas funcionam como padrões sociais que fundamentam as avaliações individuais sobre as recompensas obtidas pelo trabalho e consistem em uma expressão geral sobre trocas equitativas entre o que o indivíduo recebe por meio do trabalho e as contribuições que ele traz para o trabalho. Dependem das circunstâncias do meio, influenciadas por variáveis sociodemográficas e pessoais que também incluem os direitos e deveres. Os deveres são os padrões sociais relacionados ao trabalho, considerados corretos pelos indivíduos na sua relação com a sociedade. Vinculados aos deveres, os sentidos do trabalho são expressos por meio do entendimento de que todo indivíduo tem o dever de contribuir para o bem social por meio do seu trabalho. Já os direitos implicam nas obrigações da sociedade em relação ao indivíduo e que incluem os aspectos contratuais, a expectativa de um trabalho interessante e significante, que possibilite participar da tomada de decisões.

- Resultados valorizados do trabalho: referem-se às finalidades das atividades para a pessoa, aos motivos que a levam a trabalhar. Os resultados abrangem o conjunto de produtos básicos que os indivíduos buscam no trabalho, as funções que têm e as necessidades que lhes permitem se satisfazer - obter prestígio e retorno financeiro, manter-se em atividade, fazer contato social, estabelecer relações interpessoais e contribuir para a autorrealização.

Com base na ideia de que constitui construto psicológico multidimensional e dinâmico (MOW, 1987), o trabalho é compreendido como um componente da realidade social construída e reproduzida, que interage com diferentes variáveis pessoais e sociais e influencia as ações das pessoas e a natureza da sociedade em dado momento histórico. Os valores relacionados com o trabalho se estabelecem por intermédio da educação na infância e na adolescência e têm efeito durável na personalidade das pessoas, mas se modificam e se adaptam nas diferentes etapas da vida e em situações sociais distintas (MOW, 1987).

Os estudiosos do grupo MOW são os que têm contribuições mais extensas para a compreensão do fenômeno em nível mundial, ao identificarem que os significados do trabalho são constituídos pelo significado individual, coletivo/grupal e social; pela utilidade do trabalho para a organização; pela autorrealização e satisfação gerada pela realização do trabalho; pelo sentimento de desenvolvimento e evolução pessoal e profissional; e pela liberdade e autonomia existente para a execução do trabalho. Ruiz-Quintanilla e Claes (2000) sistematizaram duas dimensões constituintes dos significados e que motivam a pessoa a trabalhar: a busca de objetivos econômicos, como a remuneração e segurança no trabalho; e a busca de objetivos expressivos, como a autonomia, a realização de um trabalho interessante e a possibilidade de aplicação de competências existentes.

Na busca de definir o que significa trabalho, os pesquisadores do grupo MOW (1987) descobriram seis padrões, os quais classificaram de A a F. Nos padrões de A a C o trabalho assume uma concepção positiva. Em relação ao Padrão A, o trabalho acrescenta valor a qualquer coisa, deve-se prestar conta deste e ocorre contrapartida em dinheiro para realizá-lo. No Padrão B, o trabalho implica sentimento de vinculação, é remunerado e contribui com a sociedade. No Padrão C, o trabalho permite beneficiar os outros, é remunerado, tem relevância social e é fisicamente exigente.

Nos padrões D e E, a concepção de trabalho predominante é negativa. No Padrão D, recebe-se dinheiro para realizar o trabalho, significa contrapartida das tarefas realizadas, alguém pensa e determina o que deve ser feito e a tarefa é percebida como não agradável. Por fim, os significados no Padrão E implicam que o trabalho é mental e fisicamente desgastante, recebe-se dinheiro para fazê-lo e este também não é percebido como esforço físico e psíquico gratificante. Uma concepção neutra do trabalho foi sistematizada no Padrão F, o que significa existir um horário regular para desenvolver o trabalho, recebe-se dinheiro para fazê-lo e o labor se encontra incluído nas rotinas diárias das tarefas.

Em relação à classificação dos padrões estabelecidos para o trabalho, os resultados dos estudos comparativos nos diferentes países demonstraram que predominou uma concepção positiva do trabalho para a maioria dos participantes dos países investigados (55,8%), sendo que a concepção negativa predominou para 32,3% do total da amostra investigada e a neutra para 11,8%. Na Bélgica, Inglaterra, Israel, Holanda, ex-Iugoslávia e, sobretudo, no Japão, a concepção positiva predominou. Entre os alemães e americanos predominou uma concepção neutra do trabalho. Foi constatado, ainda, que o trabalho pode assumir desde uma condição neutra até de centralidade na identidade pessoal e social dos investigados (MOW, 1987).

Quando foi avaliado o grau de importância do trabalho entre as amostras dos mesmos países citados, os pesquisadores constataram que este aparece em segundo lugar em termos de importância, após a família, sendo seguido pelo lazer na maioria dos países pesquisados, exceto no Japão e na ex-Iugoslávia. Tal descoberta pode demonstrar que o sentimento de felicidade nos espaços de vida na família pode compensar, em parte, experiências de realização de tarefas percebidas com pouco significado? Os pesquisadores também verificaram que em todos os padrões identificados, o salário representa um elemento importante na definição de trabalho, o que pode revelar que a maioria dos pesquisados estabelece poucas diferenças entre trabalho e emprego, constatação que vai ao encontro das descobertas dos estudos de Rebello (2002) sobre a existência de tendências de equilíbrio entre trabalho e emprego; o que pode ser considerado compatível com a lógica de mercado existente na sociedade capitalista da qual fazemos parte.

Na perspectiva cognitivista, a pesquisadora brasileira Borges (1997, 1999), classifica o significado conferido pelos trabalhadores ao trabalho em três componentes: a) cognição subjetiva, que reflete a história pessoal de cada um e representa a forma como o ser humano interpreta e dá sentido ao trabalho; b) componente sócio-histórico, caracterizado pelos aspectos compartilhados por um conjunto de pessoas e influenciado pelas condições históricas da sociedade na qual se encontram inseridos; e c) componente dinâmico, o que confere ao significado atribuído ao trabalho, o caráter de um construto inacabado, que se encontra em permanente processo de construção.

O que significa que as mudanças ocorridas no mundo do trabalho têm alterado, substancialmente, os sentidos e significados atribuídos ao trabalho, que, por conseguinte, proporcionam aos trabalhadores novas percepções em relação a modos de agir, pensar e sentir o seu fazer.

Ao utilizar a abordagem de significado do trabalho do grupo MOW (1987), Borges (1999) aprofundou a análise sobre a estrutura fatorial das crenças existentes sobre o trabalho e estabeleceu distinção entre os atributos valorativos (como o trabalho deve ser) e descritivos do trabalho (o que o trabalho de fato é). Os atributos valorativos se referem a como o trabalho deve ser e se relacionam com os valores inerentes a ele. Já os atributos descritivos designam o que o trabalho é concretamente, ou seja, o que representa do ponto de vista mental ou abstrato para cada pessoa.

Entre os atributos valorativos conferidos ao trabalho, destacam-se:

exigências sociais - a atribuição do trabalho deve representar responsabilidade social;

justiça no trabalho - trabalho que proporciona proteção ao indivíduo, por meio da oferta de assistência na forma de segurança física, higiene e conforto no ambiente de trabalho, garante seus direitos, igualdade de esforços e proporcionalidade entre entrega e recompensa, acolhimento interpessoal de colegas e superiores e respeito pelas pessoas;

esforço corporal e desumanização - trabalho deriva de um fardo que levaria ao desgaste corporal;

realização pessoal - relaciona-se com o trabalho que proporciona prazer por múltiplas causas e fontes;

sobrevivência pessoal e familiar - permite garantir o sustento do ser humano e de seus familiares.

Como atributos descritivos se incluem:

êxito e realização pessoal - apresenta o trabalho a partir das ideias de crescimento pessoal e desafio intelectual;

justiça do trabalho - mostra o trabalho representado quanto ao respeito que o trabalhador vivencia pelo cumprimento dos direitos por parte dos gestores nas organizações;

sobrevivência pessoal e familiar e independência econômica - função social do trabalho em relação à família e às garantias individuais de sobrevivência e recompensa financeira;

carga mental - descreve o trabalho como esforço mental, subordinação hierárquica, repetição, execução e exigência de ritmo.

Outra autora que estuda o trabalho e utiliza a denominação sentidos para caracterizá-lo é Morin (1996, 2001). Essa pesquisadora orienta seus estudos pelas pesquisas desenvolvidas pelo grupo MOW (1987) e pelos psiquiatras existencialistas, Viktor Frankl e Irvin Yalom. Conforme Frankl (1991, p.100), as pessoas precisam de uma vida com sentido e um dos modos de se descobrir sentido na vida é "criando um trabalho ou praticando um ato [...]". Com base nisto, Morin (1996, p.269) investigou as características de um trabalho que tem sentido e, orientada pela perspectiva existencialista, argumentou que "o sentido é um efeito, um produto da atividade humana. [...] o sentido é uma estrutura afetiva formada por três componentes: a significação, a orientação e a coerência".

A significação diz respeito às representações que o sujeito tem das suas atividades, bem como o valor que atribui a elas. A orientação representa o que guia as suas ações. Por fim, a coerência é a harmonia ou o equilíbrio esperado nas relações de trabalho.

Em pesquisas no Quebec e na França, com uma amostra de estudantes de administração e outra de administradores, Morin (2001) constatou que predominava entre os participantes uma concepção positiva do trabalho e que um trabalho com sentido possibilita a autonomia, o autodesenvolvimento, os relacionamentos satisfatórios, a aprendizagem e o crescimento, assim como contribui para a sociedade. Morin, Tonelli e Pliopas (2007, p.54) constataram que, "o primeiro aspecto a ser ressaltado para os participantes dos seus estudos é o sentido positivo dado pelos entrevistados ao trabalho [...] os entrevistados se enquadram no padrão B da pesquisa do grupo MOW (1987) [...]".

Por meio da análise desses componentes foi possível identificar três características que conferem sentido ao trabalho: boas condições de trabalho; oportunidades para aprender e prestar serviços; um trabalho interessante, variado e com ampla autonomia. Na direção contrária, um trabalho sem sentido inviabiliza qualquer tipo de avaliação positiva das características que lhe conferem sentido.(Morin, Tonelli & Pliopas, 2003, 2007).

As pesquisas realizadas pelo grupo MOW (1987) e por Morin (1996, 2001), conforme visto anteriormente, demonstraram que a maioria dos participantes, mesmo que tivessem condições para viver o resto da vida confortavelmente, continuariam a trabalhar; talvez sob outras condições e realizando outro tipo de trabalho. A justificativa para esse tipo de escolha é que por meio do trabalho se relacionam com outras pessoas, têm sentimentos de vinculação, sentem que têm algo para fazer, evitam o tédio e é possível conferir propósitos à vida.

A análise dos estudos cognitivistas até aqui elencados, referentes aos significados e sentidos do trabalho, leva à ideia da existência de dois polos que delimitam um continuum ou gradiente. A esse respeito, Blanch Ribas (2003) contribuiu para a compreensão do gradiente ou continuum, ao identificar três posições em relação ao trabalho: um polo negativo, um centro e um polo positivo.

O polo negativo vai ao encontro da ideia do tripalium, ou seja, de castigo, coerção, esforço, maldição e penalidade. Na posição central estão os significados do trabalho em uma perspectiva instrumental. O que significa que, por meio do trabalho, o ser humano pode prover sustentação das suas necessidades mais elementares, bem como das mais elevadas na hierarquia das necessidades humanas (Maslow, 1970). O polo positivo do trabalho é associado a possibilidades de satisfação e de autorrealização, de compreender e legitimar a missão e visão da organização, e, por fim, tomar consciência dos valores centrais que norteiam modos típicos de pensar, sentir e agir na vida organizacional.

Vale ressaltar que, na sociedade contemporânea, o trabalho é predominantemente associado a valores positivos, em virtude da valorização da ética do trabalho, que por sua vez é influenciada pela doutrina protestante, onde reside a crença de que "o trabalho dignifica o homem", conforme mencionado por Weber (Blanch Ribas, 2003; Borges & Yamamoto, 2004).

As múltiplas possibilidades e vertentes de entendimento do trabalho e dos significados que o trabalhador atribui ao seu fazer se refletem nos estudos da psicologia. No caso dos significados do trabalho, verifica-se a existência de diferentes abordagens1, com estudos nos últimos 30 anos, o que permite demonstrar que, embora a temática venha sendo objeto de interesse dos pesquisadores, ela é complexa e ainda está em construção. Tolfo e colaboradores (2005, 2011) asseveram que mesmo em presença de correntes epistemológicas diferentes que estudam os sentidos e os significados, há algo em comum entre elas: predomina a concepção de que estes são produzidos pelos sujeitos a partir de suas experiências concretas na realidade.

Nos estudos empíricos sobre a temática, também se verifica que, em diferentes países e para trabalhadores de diferentes profissões, predominam significados positivos associados ao trabalho, e a maior parte das pessoas, mesmo que pudesse deixar de fazê-lo, continuaria a trabalhar (MOW, 1987; Ruiz-Quintanilla & Claes, 2000; Morin, 1996, 2001). Poderíamos pensar, então, no trabalho como fonte e importante preditor da felicidade? Em caso positivo, de que modos os dois fenômenos se aproximam?

Centralidade do trabalho gratificante e felicidade: utopia ou fato?

A atual pluralidade da instituição trabalho tem levado a um acalorado debate quanto a sua centralidade como categoria, seja do ponto de vista sociológico, psicológico, cultural, político ou econômico. Por um lado, existem os defensores da perda da centralidade do trabalho em virtude do aumento dos índices de desemprego que contribuem para a pauperização, racionalização e alienação, além da perda de princípios éticos; pois "[...] o seu sentido para o operário não coincide com sua significação objetiva" (Offe, 1989, p.122).

Em estudo clássico, Bernardes (1994) reafirmou que o trabalho constitui categoria analítica privilegiada, o que também é referendado por Antunes (1998; 2000) e Harvey (2000). O primeiro autor argumenta que, com a reestruturação mundial, predominam as estratégias competitivas pautadas na qualificação das pessoas nas organizações e há uma revalorização ética e moral do trabalho, na qual o indivíduo se torna sujeito do processo de trabalho, e há uma "reprofissionalização", que requer o uso da inteligência pelo trabalhador. Para além da perspectiva macrossociológica, De la Garza Toledo (2008, p.1) enfatiza a necessidade de "um conceito ampliado de trabalho que considere as dimensões objetiva e subjetiva. Quer dizer, parte do pressuposto de que o trabalho é uma forma de interação entre seres humanos e com objetos materiais e simbólicos, que todo trabalho implica construção e intercâmbio de significados".

Na perspectiva social, o trabalho é o principal ordenador da vida humana associada. Regras, horários, atividades e interações sociais são dispostas conforme as exigências que as tarefas impõem. Tais características, se por um lado contemplam a peculiaridade humana de busca por ordem, consistência e previsibilidade, por outro, ao estabelecerem sincronicidade e um ritmo frenético de vida no trabalho, dispõem às pessoas tempo físico e psíquico restrito para que possam pensar e aprimorar suas vidas pessoais (Senge, 1999). Também é um núcleo definidor do sentido da existência humana, pois praticamente toda a nossa vida adulta se articula em torno do trabalho. Os processos de socialização primária e secundária nos preparam para isso, mesmo quando ainda não entendemos de modo mais preciso tais significados (Berger & Luckmann, 1985).

É por meio do trabalho assalariado que as pessoas, em expressiva parcela, buscam o atendimento de suas necessidades e o alcance de autonomia. Contudo, as relações de produção se caracterizam pelo estabelecimento de outra forma de dependência: a organização dispõe da força de trabalho e, quase sempre, retribui parcimoniosamente. Neste caso, quando os geridos entregam sua força de trabalho, e são remunerados por isso pelos gestores, o comprometimento gerado que se põe em evidência é restrito, e se caracteriza como do tipo instrumental, como decorrência de uma relação do tipo racional-econômica (Meyer & Allen, 1997; Schein, 1982).

Existem diferentes abordagens ao estudo da felicidade, com base na filosofia, nas religiões, na psicologia ou articuladas à administração/gestão de pessoas. O ser humano, desde os primórdios, sempre buscou a felicidade. Filósofos e religiosos, em todos os tempos, sempre se dedicaram a definir sua natureza e que tipo de comportamento ou estilo de vida levaria à felicidade plena. Contudo, em que pese a base do fenômeno ter sido identificada desde os filósofos clássicos, ainda é difícil definir rigorosamente a felicidade e sua mensuração; demonstração disso é que para as emoções associadas à felicidade, os filósofos preferem utilizar a palavra prazer (Schoch, 2011).

Com o intuito de avançar na construção de conhecimentos referentes à felicidade, psicólogos desenvolveram diferentes métodos e instrumentos de pesquisa, como por exemplo, o "Questionário da Felicidade de Oxford", com o propósito de mensurar o nível de felicidade de um indivíduo. O Oxford Happiness Inventory (OHI) (Argyle et al., 1989) é um questionário de 29 itens que avalia as causas psicológicas gerais da felicidade, incluindo realização, satisfação, vigor e saúde.

Em geral, tais métodos de pesquisa levam em conta fatores físicos e psicológicos, tais como envolvimento religioso ou político, estado civil, paternidade, idade, renda, etc. Tais estudos têm como pressupostos epistemológicos e metodológicos os que ancoram os conceitos fundamentais da psicologia positiva e do humanismo, que priorizam a saúde psicossocial, não o adoecimento do ser humano. Nesse caso, a felicidade está vinculada a afetos e ações positivas. O propósito é o de descobrir estados afetivos positivos, como a felicidade, o contentamento, a resiliência, o otimismo, a gratidão e a qualidade de vida, entre outros correlatos (Snyder & Lopez, 2009; Seligman, 2004).

Mas o que significa felicidade? Podemos defini-la como um estado perene de satisfação, equilíbrio físico e psíquico. Nessas condições, o sofrimento e a inquietude estariam ausentes na vida de um ser humano. A felicidade tem ainda o significado de bem-estar espiritual ou paz interior. Também se caracteriza como uma emoção básica que denota estados emocionais positivos de bem-estar associados à percepção de sucesso e à compreensão coerente e lúcida do mundo (Seligman, 2004). Nessa perspectiva, a felicidade pode ser compreendida como uma condição perene de realização, tanto na vida profissional, quanto em outros espaços da vida pessoal. O que pode significar que estados momentâneos de alegria ou de tristeza não impliquem necessariamente em ausência de felicidade (Islam, 2008).

A partir dessa ótica, a construção da felicidade não fica restrita à ampliação das condições materiais de existência, seja no contexto das organizações ou no âmbito macro societário, conforme preconizados nos pressupostos capitalistas de ênfase no consumo e intensificação da competitividade (Silva e Tolfo, 2011). Ao contrário do que acreditava Taylor (1911), o ser humano não é eminentemente racional econômico, ou seja, também é um ser que busca e necessita de relações e propósitos de vida significativos e gratificantes (Schein, 1982; Frankl, 1991).

Ao considerar as relações de mútua influência entre tais variáveis, não dá para afirmar que o caminho para a construção da felicidade humana tem como preditor exclusivo as melhorias das condições econômicas (Silva & Tolfo, 2011). A sustentação de tal afirmação implica admitir a motivação humana restrita à aquisição de incentivos financeiros. Ou seja, não importa o que e onde se faz, o primordial são os ganhos obtidos pelo trabalho realizado; quanto mais ganho, mais sou mais feliz: esta é a equação que muitos gestores tentam vincular de modo muito simplista e linear quando se trata de felicidade e trabalho.

A felicidade no trabalho é possível ou utópica?

Concebida por outra via, a obtenção de felicidade no trabalho, entre outros aspectos, pode também ser vista como conectada com o alcance de propósitos percebidos como relevantes via trabalhos significativos. Para isso, é crucial compreender e atuar em todas as etapas do processo de trabalho, utilizar múltiplas competências (conhecimentos, habilidades e atitudes), perceber a importância que o trabalho tem para si e para os outros potenciais beneficiados, exercer autonomia (pensando e tomando decisões) e receber feedbacks sistemáticos (corretivos e positivos), sempre baseados em fatos a respeito do desempenho laboral (Hackman & Oldham, 1975; Schein, 1982). Além desses aspectos, a percepção da existência de práticas de reconhecimento como contrapartida do valor agregado ao trabalho também é fator relevante à promoção do bem-estar.

Qual é o lugar ocupado pelo trabalho na felicidade das pessoas? Quais são os aspectos considerados centrais do trabalho capazes de tornar felizes ou infelizes as pessoas enquanto trabalham? Tais aspectos influenciam a felicidade das pessoas no trabalho da mesma forma? (Baudelot; Gollac, 2011).

Ao transportarmos o conceito de felicidade para as organizações, os desafios impostos aos gestores de entidades públicas, privadas e não governamentais de contribuir para a construção de políticas e práticas organizacionais que enderecem para experiências de felicidade e de bem-estar da força de trabalho, têm sido complexos. A felicidade adviria de meios que proporcionam bem-estar físico e psicossocial, de modo que as pessoas se sintam em paz, voltem-se aos outros, encontrem propósitos significativos e contribuam para a melhoria das condições de vida no ambiente de trabalho. Daí resulta a motivação maior do homem: realizar, realizando-se (Matos, 2001).

Ao considerarmos a relevância da felicidade também em situações de trabalho, o que caracterizaria uma organização percebida pelos trabalhadores como um lugar de excelência emocional para trabalhar? O que fazem organizações preocupadas com o bem-estar subjetivo e psicológico (Siqueira & Padovan, 2008) dos seus trabalhadores diferenciarem-se das demais? Uma questão como essa implica respostas complexas. A razão é que temos de levar em conta múltiplas variáveis relevantes para que uma organização seja considerada um lugar de excelência humana para trabalhar. Trata-se, portanto, de um fenômeno multicausal, cujos estudos podem ser encontrados, de forma mais delimitada, sob a denominação de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT). Um meio fundamental para gerar felicidade no trabalho.

Um dos principais ícones em estudos sobre qualidade de vida no trabalho, Richard Walton (1973), estabeleceu dimensões e respectivos indicadores que permitem identificar e avaliar a existência de qualidade de vida em uma organização. Tais dimensões são em número de oito, conforme descritas a seguir: Oportunidade de uso e desenvolvimento das capacidades; Oportunidade de crescimento contínuo e segurança; Integração social no trabalho; Compensação justa e adequada; Condições de trabalho; Constitucionalismo; Trabalho e o espaço total da vida; e Relevância social da vida no trabalho. O conjunto dessas e de outras condições pode atuar para a construção de ambientes mais saudáveis e voltados para o bem-estar, que estão na base de um ambiente laboral favorável à felicidade dos trabalhadores.

Também na busca por fatores contributivos à construção de felicidade no trabalho, Snyder e Lopes (2009) descreveram oito benefícios ou características que podem ser encontrados em um trabalho percebido e sentido como gratificante. Tais qualidades são as que seguem: a possibilidade de realizar variadas tarefas, podendo, deste modo, dar ampla vazão ao repertório cognitivo e afetivo; trabalhar em um ambiente considerado seguro nos aspectos físico e psicossocial; poder proporcionar renda satisfatória para manter a família e a si; encontrar propósito percebido como significativo para fazer um produto ou prestar um serviço; encontrar felicidade e satisfação naquilo que faz; sentir-se comprometido afetivamente com a causa resultante do trabalho; perceber que o desempenho no trabalho é satisfatório e que os objetivos estão sendo alcançados; perceber e sentir companheirismo, lealdade e confiança nas relações estabelecidas com colegas e gestores.

Além dos indicadores propostos por Walton (1973), Hackman e Oldham (1975) e Snyder e Lopes (2009) foram acrescentados outros, de natureza estrutural e processual, que constam na avaliação das Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil, da Revista Exame, como por exemplo, o índice de felicidade (REVISTA VOCÊ S/A/EXAME, 2010). Conforme o método de avaliação das Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil, o índice de felicidade no trabalho dimensiona as políticas e práticas de gestão de pessoas e a percepção das pessoas sobre o ambiente de trabalho. A pesquisa, coordenada pelos professores André Fischer e Joel Dutra define a felicidade como composta por 70% do índice de qualidade do ambiente, 25% do índice de qualidade na gestão de pessoas e 5% pela avaliação do jornalista que observa a organização e a avalia.

A guisa de ilustração, uma das importantes descobertas desse estudo em sua versão de 2010 foi a de que as organizações que concentram um número maior de trabalhadores felizes são aquelas que apresentam índices mais profícuos de rentabilidade. Ou seja, a conclusão é a de que felicidade no trabalho, produtividade e rentabilidade andam juntas. Na equação felicidade e desempenho econômico da organização, 12 elementos são considerados essenciais: conhecer bem o trabalho, ter acesso a materiais e equipamentos de qualidade, ter oportunidade para fazer o que cada um faz de melhor, ser reconhecido, perceber que os gestores se preocupam com cada um dos empregados, ser encorajado para crescer como pessoa e profissional, ter a opinião levada em conta, identificar-se com a missão e a visão da organização, ter colegas comprometidos, ter o melhor amigo no trabalho, acompanhar o progresso das discussões e ter oportunidade para aprender (Instituto Americano de Pesquisa Gallup, 2011).

Ainda que existam na atualidade ações nas organizações voltadas para a felicidade, o bem-estar e a qualidade de vida no trabalho, também perduram organizações cujos valores e crenças contribuem para a construção de competição destrutiva, o estabelecimento unilateral de metas percebidas como inalcançáveis e a construção de relacionamentos utilitários e egoístas, que não levam em conta princípios saudáveis de convívio entre seres humanos.

Segundo o que podemos observar, parece que nas sociedades atuais, em qualquer parte do mundo, as oportunidades de um trabalho significativo e motivador tendem a se tornarem cada vez menos possíveis. Ao mesmo tempo, intensificam-se as exigências para os trabalhadores, paralelas ao aumento dos índices de desemprego (Muchinsky, 2004). Contudo, também é possível observar desde a década de 1990, um crescente desejo de autonomia e de envolvimento dos trabalhadores nas decisões que os afetam direta ou indiretamente. As relações de mando e subordinação estão se transformando não só no ápice da pirâmide organizacional.

Os gestores em todos os níveis da estrutura organizacional estão "tomando consciência" de que os trabalhadores já não aceitam mais ordens sem refletirem a respeito delas. Cada vez mais fazem perguntas e exigem respostas coerentes e rápidas (Toffler, 1990).

Seguindo essas tendências contraditórias, o trabalho ocupa amplos espaços na constituição da existência humana. Insere-se entre as atividades mais importantes, como fonte relevante de significados na construção da vida humana associada. O que vem ao encontro de que a ocupação de um ser humano, expressa por meio de suas atividades diárias, ao satisfazerem suas necessidades básicas e motivacionais, compõe elemento central do seu autoconceito, que se torna vital à construção de sua autoestima e do "sentir-se feliz" (Zanelli & Silva, 2008).

Na perspectiva psicológica, é uma categoria central no desenvolvimento do autoconceito e importante fonte de autoestima. É fundamental para o desenvolvimento do ser humano, pois também estabelece e direciona suas aspirações e seu estilo de vida. Em suma, o trabalho é um forte componente na construção da pessoa que convive bem consigo mesma, acredita e se orgulha de si (Zanelli, Silva & Soares, 2010). A explicação está no fato de que, nossa autoimagem ocupacional é uma parte essencial de nossa autoimagem total. Para muitas pessoas, é a parte mais relevante (Schein, 1982, 1984).

Ao considerarmos que o trabalho ocupa uma posição central na vida das pessoas, enquanto fonte de realização e de felicidade pessoal, urge refletir a respeito de condições físicas e psicossociais imprescindíveis à construção de experiências de felicidade no trabalho. A satisfação plena de necessidades fisiológicas (comer, beber, dormir, etc.), de segurança física e psíquica (boas condições de trabalho livres de assédio moral), de interações humanas saudáveis e gratificantes, de autoestima por meio de legítimas práticas de reconhecimento e, por fim, de oportunidades autênticas de autoatualização (crescimento pessoal e profissional) e de autorrealização são imprescindíveis à produção de sentimentos que levem a experiências de efetiva felicidade nos ambientes físico e psíquico de trabalho.

 

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Recebido em: 08.11.2011
Aprovado em: 27.11.2012

 

 

1 Para fins deste artigo, foram abordadas algumas perspectivas no estudo dos significados e dos sentidos do trabalho na psicologia, como a cognitivista e a existencialista estudadas pelo Grupo MOW (1987), por Borges (1999) e Morin (2001). Para uma análise mais pormenorizada das diferentes perspectivas, leia Tolfo e colaboradores (2011).