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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.17 no.2 Brasília Abr.-Jun. 2017

https://doi.org/10.17652/rpot/2017.2.12687 

Integração profissional de pessoas com deficiência visual: das práticas organizacionais às atitudes individuais

 

Professional integration of visually impaired people: from organizational practices to individual attitudes

 

Integración profesional de personas con discapacidad visual: de las prácticas organizacionales a las actitudes individuales

 

 

Ana Andrade; Isabel Soares Silva; Ana Veloso

Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Braga, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho aborda a integração de pessoas cegas no mercado de trabalho e visa contribuir para o conhecimento do processo de integração, bem como refletir sobre políticas e práticas organizacionais passíveis de promover tal integração. O seu desenho contempla tanto a perspectiva das pessoas cegas como das instituições empregadoras. Foram realizadas treze entrevistas semi-estruturadas, oito direcionadas a pessoas cegas integradas no mercado de trabalho e cinco às respetivas chefias. De modo geral, os entrevistados consideram que a integração de pessoas cegas no mercado de trabalho é positiva. Contudo, consideram que há ainda um longo caminho a percorrer, especialmente ao nível da informação junto aos empregadores de modo a ultrapassar preconceitos associados à deficiência. Os resultados sugerem também que empregadores e trabalhadores cegos devem assumir uma atitude ativa no processo de integração de modo a desenvolverem um cenário de adaptação mútua que promova o bem-estar dos trabalhadores cegos na entidade empregadora.

Palavras-chave: pessoas cegas; organizações; condições de trabalho.


ABSTRACT

This work discusses the integration of blind people in the labor market and it aims to contribute to the knowledge of the integration process and to dwell on the organizational policies and practices capable of promoting it. This work includes both the blind people's and the employers' perspectives. Semi-structured interviews were conducted: eight with blind people integrated in the labor market and five with their supervisors. The interviewees consider that the integration of blind people in the labor market is positive. In spite of such perception, they consider that there is still much work to be done, mainly regarding the information employers have, to overcome the prejudice associated to this disability. Results also suggest that both employers and blind workers should assume an active attitude in the integration process, in order to develop a scenario of mutual adaptation that promotes the well-being of blind workers in their work environment.

Keywords: blind people; organizations; working conditions.


RESUMEN

Este trabajo aborda la integración de las personas ciegas en el mercado de trabajo y tiene como objetivo contribuir al conocimiento sobre la integración, así como reflexionar sobre las políticas y prácticas que fomentan dicha integración. La investigación tiene la perspectiva de las personas ciegas como de las instituciones que las emplean. Fueron realizadas trece entrevistas semi-estructuradas: ocho personas ciegas trabajadoras y cinco a los respectivos dirigentes. En general, las personas entrevistadas creen que la integración de las personas ciegas en el trabajo tiende a ser positiva. No obstante, hay un largo camino a recorrer, relativamente a la información entre los empresarios con el fin de superar los prejuicios relativos a la discapacidad. Los resultados sugieren que los empleadores y los trabajadores ciegos deben ser más activos en la integración con el fin de desarrollar una adaptación mutua que promueva el bienestar de los empleados ciegos en el trabajo.

Palabras-clave: personas ciegas; organizaciones; condiciones de trabajo.


 

 

O presente trabalho versa sobre a integração profissional de pessoas cegas no mercado de trabalho. Nesse âmbito, importa sublinhar que a obtenção de um emprego não é só importante do ponto de vista da independência econômica, também o é do ponto de vista psicológico e social, contribuindo para uma integração plena na sociedade (Costa, 2012; Vieira & Vieira, 2015). Esses fatores, aliados a boas práticas organizacionais e aos efeitos de determinadas condições do ambiente de trabalho, contribuem para uma melhor qualidade de vida dos indivíduos (Silva & Ferreira, 2013).

Entende-se por deficiência visual a ausência ou deterioração do sentido da visão, podendo essa refletir-se em diversos graus de limitação, desde baixa visão até cegueira (Pelechano, Miguel, & Ibánez, 1995). Essa problemática pode ser causada por alteração genética, complicações verificadas durante a infância ou idade adulta (Pelechano et al., 1995) ou, ainda, infecções maternas durante o período gestacional (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2000). Em Portugal os graus de incapacidade são atribuídos por meio da Tabela Nacional de Incapacidades, legislada pelo Decreto-Lei 352/2007 de 23 de outubro. Salienta-se que o presente trabalho versa sobre o processo de integração no mercado de trabalho de pessoas cegas.

Do ponto de vista funcional, inerentes à ausência do sentido da visão estão limitações sensoriais que se refletem em uma diminuição da autonomia no desempenho de determinadas tarefas. No entanto, existe atualmente uma multiplicidade de tecnologias que permitem às pessoas cegas contornar suas limitações e ganhar autonomia. Dessa forma, as capacidades e aptidões aproximam-se das de um normovisual (indivíduo com visão normal), o que lhes permite assumir um papel ativo tanto em nível social como profissional (Bacelo, 2012; Silva, 2007).

De acordo com estudo realizado em 2012 pela Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO, 2012), existem nesse país cerca de 27.000 mil pessoas com algum tipo de incapacidade visual, sendo que a taxa de emprego dessa população situa-se nos 32,9%, enquanto na população geral é de 62,9%. A fonte citada revela, ainda, que a proporção de empresários, dirigentes e profissionais liberais é apenas metade da observada na população em geral, enquanto a proporção de empregados executantes atinge o dobro do verificado na população em geral.

A integração profissional de pessoas cegas tornou-se uma realidade à medida que cada país foi criando políticas de incentivo à contratação de pessoas com deficiência (Costa, 2012; Silva, 2007). No caso de Portugal, a Lei 38/2004 determina um sistema de cotas de vagas destinadas a cidadãos com deficiência. No que se refere às organizações privadas, dependendo da sua dimensão, as vagas podem representar até 2% do número total de trabalhadores. Na administração pública, o sistema de cotas representa uma porcentagem igual ou superior a 5% (Capítulo IV, Artigo 28º, números 1 e 3). No que diz respeito à legislação, Markel e Barclay (2009) salientam que a discrepância entre as taxas de emprego entre pessoas com e sem deficiência - mais baixas no primeiro caso - indica que esta não é condição suficiente para a obtenção e manutenção de uma relação de emprego.

Com efeito, existem diversos fatores que condicionam o acesso de pessoas cegas ao emprego. Por um lado, à semelhança do que acontece na população em geral, a escolaridade e a idade constituem fatores importantes nesse acesso; por outro, aliam-se aos fatores referidos variáveis inerentes à deficiência visual, como a autonomia no cotidiano e adesigualdade de oportunidades de trabalho dos candidatos (ACAPO, 2012; Costa, 2012). A falta de informação, a qual origina atitudes preconceituosas por parte dos possíveis empregadores (Markel & Barclay, 2009; Vieira & Vieira, 2015) tem sido também indicada pela investigação (Kaye, Stephen, Lita, & Jones, 2011; Kulkarni & Lengnick-Hall, 2014; Lengnick-Hall, Gaunt, & Kulkarni, 2008) como um dos principais fatores que limitam o acesso ao emprego por parte dessa população.

Com efeito, como indica tal investigação, muitos empregadores referem que não contratam pessoas com deficiência por recearem que elas possam lesionar-se ou faltar devido a problemas de saúde inerentes à deficiência, por considerarem que elas não têm capacidade para realizar o trabalho ou, ainda, por temerem reações menos positivas por parte de colegas e/ou clientes. Em outro estudo (Golin, 2003), os entrevistados referiram que a baixa escolaridade, o preconceito, a falta de informação e a elevada competitividade são aspectos que podem dificultar a integração no mercado de trabalho. Apontaram, ainda, as seguintes medidas capazes de diminuir as dificuldades encontradas, como: aposta na criação ou atualização da formação, divulgação de informação acerca da integração no mercado de trabalho de pessoas com deficiência e adaptação dos postos de trabalho. A integração de pessoas cegas no mercado de trabalho implica não só a adaptação do posto de trabalho, mas também a adequação de políticas e práticas organizacionais que assegurem uma melhor integração. Contudo, nesse âmbito, Carvalho-Freitas (2007), em seu estudo em que foram inquiridas 18 empresas localizadas no Brasil, constatou que estas têm privilegiado as adaptações no posto de trabalho e desvalorizado as ações de sensibilização e as práticas de recursos humanos que assegurem a inserção.

A (in)satisfação laboral das pessoas cegas integradas no mercado de trabalho parece estar relacionada com as práticas de recursos humanos, nomeadamente a gestão de carreira e a adaptação dos postos de trabalho. Assim, a insatisfação está relacionada com a falta de perspectiva de crescimento profissional (Carvalho-Freitas, 2007), enquanto as adaptações dos postos de trabalho contribuem positivamente para a satisfação laboral (Assunção, Carvalho-Freitas, & Oliveira, 2015).

Quando surge um indivíduo com deficiência em um processo de seleção, a recomendação é que seja realçado o perfil apresentado pelo candidato em termos de suas competências, habilidades, conhecimentos e experiência para desempenhar as funções (Costa, 2012; Lengnick-Hall et al., 2008), aliás, procedimentos que também devem ocorrer com candidatos sem deficiência. A legislação portuguesa reforça essa preocupação, referindo o Código do Trabalho (Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro), no artigo 24º, ponto 1, que

O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego (...) não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento dequalquer dever em razão, nomeadamente, de (...) deficiência (...). (p. 933)

Acrescenta ainda, o nº 2 (alínea a) do referido artigo, que tal direito deve respeitar "critérios de seleção e condições de contratação, em qualquer setor de atividade e a todos os níveis hierárquicos". Nesse âmbito, Markel e Barclay (2009) chamam também a atenção para o modo como as vagas de emprego são divulgadas, de modo a evitar práticas discriminatórias (p. ex., os formatos de divulgação usados podem não ser passíveis de leitura por pessoas com deficiência visual).

Passada a fase de seleção, segue-se a integração do indivíduo na organização, a qual, se bem-sucedida, implica uma participação plena no local de trabalho. Assim, com vista a garantir seu sucesso, é importante que se forme uma aliança entre empregadores, o próprio indivíduo e os demais colegas de trabalho, para garantir o apoio inerente à integração do trabalhador cego, adaptando e proporcionando-lhe condições de trabalho, sem o infantilizar ou desvalorizar (Bacelo, 2012; Carvalho-Freitas, 2007; Costa, 2012; Kaye et al., 2011; Lengnick-Hall et al., 2008; Markel & Barclay, 2009).

A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (AESST, 2004) refere que a adaptação dos postos de trabalho implica um conjunto de alterações que vão desde fornecer ao trabalhador todos os equipamentos necessários para a realização do trabalho (p. ex., leitores de ecrã) até a adaptação dos espaços físicos e/ou sinalética.

Há, no entanto, outra realidade, que é a dos indivíduos que perdem a visão em uma fase posterior a já estarem integrados no mercado de trabalho. Perante um caso desses, cabe à organização avaliar se o trabalhador pode permanecer nas funções que tinha anteriormente. Em caso de resposta negativa, o posto de trabalho poderá ser reajustado de forma a permitir ao trabalhador desempenhar suas funções em sua nova condição (Bacelo, 2012). É desejado que as organizações tenham essa mesma atitude. Contudo, nem sempre isso acontece (Bacelo, 2012; Costa, 2012; Gonçalves & Nogueira, 2012).

É nesse seguimento que referimos o Modelo de Experiências de Trabalho Bem-sucedidas para trabalhadores com deficiência visual (Golub, 2006), desenvolvido com base em 22 entrevistas realizadas por telefone com empregadores nos Estados Unidos que contratavam pessoas cegas ou com baixa visão. De acordo com o modelo proposto, empregadores e trabalhadores deverão assumir papel ativo no desenrolar do processo de integração. O modelo está alicerçado em 14 etapas, sendo sete referentes às atitudes do empregador e sete referentes ao trabalhador. O alcance da última etapa do modelo em ambos os casos - empregadores e trabalhadores-pressupõe "adaptação mútua", em que o objetivo é reconhecer, respeitar e valorizar as diferenças.

Ainda nesse âmbito, Carvalho-Freitas, Toledo, Nepomuceno, Suzano e Almeida (2010) sugerem medidas com vista à socializa ção e à adequação aos postos de trabalho, como: adotar critérios de seleção que valorizem as potencialidades dos indivíduos com deficiência; verificar a flexibilidade da organização em realizar as adaptações necessárias para trabalhar com as diferenças; sensibilizar chefias e colegas de trabalho; divulgar a informação acerca das expectativas relativamente ao trabalho que irão desenvolver, aos resultados ou possibilidades de crescimento; e demonstrar abertura para negociar as condições e os instrumentos de trabalho para que não estejam em desvantagem.

Posto isso, pode-se concluir que é esperado que a adoção do tipo de medidas mencionadas anteriormente contribua para a promoção do bem-estar dos trabalhadores. Assim, cabe às organizações o desafio da promoção da igualdade de direitos no acesso de pessoas com algum tipo de deficiência ao mercado de trabalho, desde a seleção até a integração, contribuindo para a diminuição da discriminação (Costa, 2012; Gonçalves & Nogueira, 2012). No entanto, como o Modelo de Golub (2006) propõe, também é desejável e necessário que as próprias pessoas cegas ou com baixa visão desempenhem papel ativo nesse processo, em especial pelo tipo de atitudes que podem adotar face ao contexto profissional.

O estudo aqui apresentado visa contribuir para o conhecimento do processo de integração de pessoas cegas no mercado de trabalho, tendo em conta a experiência das próprias pessoas cegas e a perspectiva das organizações empregadoras. Considera-se que a integração dessa dupla perspectiva, isto é, a perspectiva dos trabalhadores e a das entidades empregadoras, por meio de suas chefias, permite uma abordagem mais rica e completa do fenômeno em estudo. Além disso, à semelhança do estudo de Golub (2006), a coleta de dados foi feita com base em experiências de trabalho bem-sucedidas (i.e., de pessoas cegas que já entraram e se mantêm no mercado de trabalho), o que permite refletir sobre boas políticas e práticas de integração. Por sua vez, integra a perspectiva dos empregadores, o que tem sido raro na investigação nesse domínio (Golub, 2006; Lengnick-Hall et al., 2008).

De modo mais detalhado, procurou-se identificar, na perspectiva das organizações, por meio de suas chefias, de que modo foi efetuado o processo de seleção, no sentido de explorar eventuais especificidades em comparação com a população geral. Além disso, pretendeu-se identificar como as organizações, após a admissão do trabalhador, geriram seu processo de integração e qual a sua percepção geral sobre esse processo. Na perspectiva do trabalhador cego, pretendeu-se identificar o modo como este percepcionou a sua integraçãoprofissional, explorando, nesse caso, aspectos como: dificuldades experienciadas no processo de integração na organização, dificuldades sentidas na execução das tarefas e eventuais estratégias de resolução, e percepção geral do processo de integração. Em ambos os casos, a identificação de boas políticas e práticas constituiu também um propósito da investigação realizada.

 

Método

Participantes

O estudo foi realizado em Portugal e recorreu à realização de entrevistas. No total, foram entrevistadas 13 pessoas, oito trabalhadores e cinco chefias dos primeiros. Todos os trabalhadores entrevistados eram cegos. Das cinco chefias, duas também eram cegas, trabalhando ambas em uma associação de apoio a pessoas com deficiência visual. Dos oito trabalhadores, três são mulheres. Dois deles estão integrados no mercado de trabalho na ilha da Madeira, um em Lisboa, dois no Porto e três em Braga. As funções que exercem profissionalmente são: treinador em uma associação de apoio a pessoas com deficiência visual (2), jurista (1), psicólogo e treinador (1), telefonista e recepcionista (2), técnico administrativo (1) e técnico auxiliar (1).

Em termos do setor de atividade, quatro estão integrados no setor público, um está no setor privado e três estão em instituições particulares de solidariedade social (IPSS). Refira-se que as IPSS são instituições de natureza particular, sem finalidade lucrativa e sem administração do Estado, que assumem responsabilidades de solidariedade e justiça social (Segurança Social, 2016). O tempo de trabalho na empresa variou entre 5 e 18 anos (o valor mediano foi de 8,5 anos), denotando, assim, um grupo de trabalhadores com uma razoável experiência profissional. No caso das chefias, o tempo de trabalho na empresa variou entre 5 meses e 18 anos, situandose o valor mediano em 10 anos.

Instrumentos

As entrevistas basearam-se em dois roteiros semiestruturados, desenvolvidos a partir da revisão da literatura e dos objetivos do estudo. No roteiro relativo às chefias, foram abordados os temas: integração do trabalhador cego na organização; percepção do exercício profissional deste; percepção da organização acerca da integração de pessoas cegas no mercado de trabalho; e sugestões de medidas promotoras da integração. No caso dos trabalhadores, os temas foram: processo de integração na organização; exercício profissional; percepção geral sobre o tema em estudo; e, também, sugestões de medidas.

Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos

Na primeira fase, e por questões de facilidade de acesso, solicitou-se apoio à delegação da ACAPO de Braga (Portugal), de forma que fosse possível identificar e estabelecer o primeiro contato com possíveis participantes no Distrito de Braga, tendo sido explicado, nesse contato, em que consistiam os objetivos do estudo. Quanto aos participantes oriundos dos Distritos de Lisboa e do Porto (os maiores de Portugal Continental) e da ilha da Madeira, recorreu-se a contatos informais.

Após a fase inicial de identificação de potenciais participantes, procedeu-se ao contato com os trabalhadores cegos, via telefone, com a finalidade de esclarecer dúvidas que, eventualmente, existissem acerca da participação no estudo. Salienta-se que, dos contatos fornecidos pela ACAPO, não foi possível estabelecer contato com apenas duas pessoas e, por conseguinte, elas não participaram no estudo. O passo seguinte foi contatar as organizações empregadoras, via e-mail, explicando os objetivos da investigação e solicitando a colaboração por parte das respectivas chefias. Foram contatadas as chefias dos oito trabalhadores. Contudo, três não responderam ao e-mail, apesar de ter sido realizada mais de uma tentativa de contato.

Exceto em dois casos, em que as entrevistas foram realizadas na delegação da ACAPO de Braga, as demais entrevistas foram realizadas nas respectivas organizações. A coleta de dados ocorreu em abril e maio de 2015. Imediatamente antes da realização das entrevistas, foi apresentado a cada um dos participantes o termo de consentimento que, no caso das pessoas cegas, encontrava-se em braille ou em documento digital, no qual constavam todas as informações relativas à investigação, ou seja, os objetivos do estudo, a garantia de anonimato e de confidencialidade dos dados recolhidos e analisados, bem como a solicitação para autorização de gravação da entrevista e a salvaguarda da sua posterior destruição. Nesse documento, os participantes eram ainda informados que a sua participação no estudo era totalmente voluntária e que poderiam desistir a qualquer momento se assim o desejassem.

Procedimentos de análise de dados

Recorreu-se à Template Analysis como metodologia de análise de dados. Essa metodologia de análise qualitativa inicia-se com a definição dos temas com suporte no conceitual teórico e em simultâneo com a definição dos roteiros das entrevistas, organizados em um Template Inicial (King, 2012), procedimentos que cumprimos nesta investigação. Durante o processo de codificação dos dados, o Template Inicial poderá ser alterado, geralmente pela introdução de novos temas que se evidenciam nos dados pela sua relevância (ver Tabelas 1 e 2, respetivamente correspondentes aos trabalhadores e às chefias). Assim, na conclusão da análise dos dados, obtivemos um Template Final mais aprofundado, que sustentou a discussão dos dados. Da análise foram excluídos alguns temas abordados pelos entrevistados, visto não se enquadrarem no tema em estudo (p. ex., evolução histórica de um dado departamento). Ao longo da apresentação dos dados, as entrevistas dos colaboradores serão identificadas com EC, seguidas de números de 1 a 8, e as das chefias com ECH, seguidas de números de 1 a 5.

 

 

 

 

Resultados

Na Tabela 1, estão representados os temas e subtemas que integram os Templates inicial e final da análise das entrevistas com os trabalhadores. Na Tabela 2, encontram-se representados os temas e subtemas identificados no caso das chefias. Em seguida, descrevem-se os temas e subtemas presentes nos dois Templates finais, sendo que tal descrição considerará, em simultâneo, os dados relativos às entrevistas com os trabalhadores e com as chefias em uma dada temática (p. ex., entrada na organização). De modo a facilitar a correspondência entre as referidas Tabelas e a descrição dos resultados, optou-se por colocar também no texto a numeração atribuída a um dado Tema/Subtema.

O primeiro tema, Entrada na organização (1), engloba o processo de seleção profissional a que o trabalhador foi, ou não, submetido, o processo de integração na organização ao longo do tempo e a integração atual. No que diz respeito ao Processo de seleção (1.1), constatou-se que não houve especificidades, do ponto de vista da presença de deficiência, nos processos dos quatro trabalhadores que se submeteram a um processo de recrutamento e seleção, tendo sido realizadas provas de conhecimentos e entrevistas em todos os casos. Um dos processos de recrutamento e seleção, dada a natureza do trabalho em questão, foi dirigido especificamente a pessoas com deficiência visual, tendo, para o efeito, a entidade empregadora contatado a ACAPO. Os demais quatro trabalhadores não participaram de qualquer processo de seleção profissional, sendo que dois deles foram colocados nas respectivas organizações por meio de estágio profissional, um por meio de um programa ocupacional para desempregados e o último foi contatado diretamente.

De modo geral, as chefias entrevistadas corroboram a informação relativa aos processos de recrutamento e seleção profissional descritos anteriormente, embora três delas tenham acrescentado o acesso ao currículo dos candidatos como parte integrante de tais processos. Salienta-se, ainda, que duas das chefias (ambas trabalhando na ACAPO) referiram que o processo de seleção não sofre alteração no caso de uma pessoa cega se candidatar à vaga, sendo que o fator determinante é o posto de trabalho.

No que se refere à Integração profissional (1.2), emergiram, sobretudo, dois aspectos: adaptações no posto de trabalho, em especial ao nível do software, e a importância da socialização para um processo de integração bem-sucedido. Em relação às adaptações ao nível de software, foram observadas três realidades. Dois dos trabalhadores beneficiaram-se de adaptações promovidas pela organização, como dotar o posto de trabalho com um computador com leitor de ecrã e scanner: "A única coisa que me adaptaram foi a instalação de um programa [...] um scanner para eu poder digitalizar alguns documentos" (EC5). Em contraste, em outros dois casos, as adaptações efetuadas foram realizadas pelos trabalhadores em seu próprio computador pessoal: "Adaptações não foram feitas nenhumas, eu ainda atualmente trabalho com o meu computador" (EC3). Nessa vertente encontra-se, no entanto, um caso em que, inicialmente, o trabalhador utilizava equipamento próprio, mas para o qual posteriormente a organização disponibilizou parte do equipamento (computador), permanecendo o leitor de ecrã do trabalhador.

No processo de integração, foi ainda observada uma terceira realidade em que não foi necessário efetuar qualquer tipo de adaptação em relação ao software, visto que tais adaptações já estavam presentes no posto de trabalho, como se verificou em três casos, por se encontrarem integrados em delegações da ACAPO ou, em um dos casos, a um serviço de apoio a estudantes com deficiência. As respectivas chefias confirmaram as situações relatadas anteriormente.

A socialização com a organização, em geral, e os colegas de trabalho, em particular, emergiu como um aspecto crítico no processo de integração: "É muito difícil estar integrado profissionalmente se eu não conseguir estar integrado socialmente" (EC6); "Eu tive a sorte de, para além do emprego, [...] ter tido também uma integração[...] não fui colocado à margem, as pessoas sempre foram muito abertas e muito disponíveis" (EC1). Esse aspecto foi reforçado pelo relato de uma chefia que refere que o fato de os demais colegas conviverem com um colega cego fez com que adquirissem competências para lidar de modo mais adequado com estudantes também cegos (p. ex., dar indicações de como se movimentar entre os vários edifícios no campus universitário). Em contraste com a descrição anterior, um dos trabalhadores relatou ter havido, em uma fase inicial de sua integração, "algum preconceito", algo que foi eliminado com o tempo.

Quanto à Integração atual (1.3) na organização, todos os entrevistados afirmam que esta é positiva: "Uma pessoa nunca pode dizer que está 100% integrada, mas se pudesse dizer isso dizia" (EC4); "Sinto-me totalmente integrada agora" (EC8). Tal apreciação positiva é validada pelas chefias: "Atualmente acho que ele está muito bem integrado" (ECH4).

O segundo tema, Exercício profissional (2), divide-se em dois subtemas: alterações de funções ao longo do tempo e dificuldades encontradas no desempenho das funções. No que diz respeito às Alterações de funções ao longo do tempo (2.1), seis trabalhadores referiram a ocorrência de tal situação, encontrando-se esta, sobretudo relacionada com mudanças internas do próprio departamento ou com a necessidade de dar resposta a outras tarefas. Nesse âmbito, é pertinente destacar a situação de um dos trabalhadores que entrou na organização com problema de baixa visão e evoluiu para cegueira. Perante a situação, a organização procurou perceber-se o trabalhador pretendia manter, ou não, as funções, sendo que o trabalhador escolheu mantê-las. No entanto, as funções sofreram algumas alterações, sobretudo devido ao fato de a empresa não ter adaptado um computador, adequando-o às novas necessidades do colaborador.

Quanto às Dificuldades encontradas na execução das funções (2.2), um dos entrevistados revelou que sua maior dificuldade é acessar o sistema informático da empresa, o que é consequência direta do fato de ter que utilizar seu próprio computador no posto de trabalho:

Teres acesso ao conteúdo da Internet da empresa, tinhas acesso como os outros colegas, a todas as informações [...] não consegues, porque é um computador pessoal, não tenho acesso à rede [...] estás a trabalhar noutra velocidade que os outros não estão. (EC2)

Se, por um lado, fica visível que a não adaptação do computador por parte da organização limita o desempenho desse trabalhador, fica também visível que isso não se verifica no caso de outro entrevistado em que a organização também não adaptou, convenientemente, o posto de trabalho, uma vez que ele refere não sentir dificuldades no desempenho de suas funções.

Dois dos entrevistados apontaram dificuldades inerentes ao acesso à informação em papel: "A única limitação que eu tenho é quando quero ler um documento no imediato" (EC8). A formatação de documentos também foi descrita como uma dificuldade encontrada "Peço às administrativas para formatarem" (EC5). Um dos trabalhadores referiu, ainda, a dificuldade inicial em responder às novas tarefas e, outro, a falta de atualização de software como sendo uma dificuldade inerente ao desempenho de sua função.

Uma chefia confirma uma das dificuldades descrita por um dos colaboradores: "A única dificuldade [...] os documentos terão de ser todos digitalizados para que possa analisar. E se houver um despacho manuscrito, [...] ele tem de ter alguém ao lado para apoiá-lo" (ECH5). Outra das chefias aponta a dificuldade na formatação de documentos: "Há documentos que ele tem de elaborar e a parte mais gráfica [...] passa por mim" (ECH4), algo que não foi mencionado pelo trabalhador (EC4), que referiu não ter dificuldades no desempenho das suas tarefas. As demais chefias revelaram, ainda, não ter existido qualquer necessidade de adaptação da função. Quanto ao desempenho dos trabalhadores, as chefias fazem uma apreciação positiva no geral.

No que se refere ao tema Percepção geral sobre o processo de integração (3), isto é, perspectiva geral acerca da integração de pessoas cegas no mercado de trabalho, incluindo-se aqui a percepção tanto de chefias como de colegas, familiares ou amigos e a do próprio trabalhador, os entrevistados fazem, no geral, uma apreciação positiva: "No geral [...] eu penso que as pessoas que convivem com pessoas cegas integradas obviamente conseguem ter uma visão das coisas muito mais aberta" (EC6). No entanto, consideram que a integração de pessoas cegas no mercado de trabalho ainda se processa de forma lenta: "Eu acho que, apesar de tudo, ainda é um bocado reduzida. Haveriam de dar mais oportunidades" (EC3); "É lenta. Acho que tem tido um caminho, acho que tem melhorado ao longo dos anos" (EC2). Consideram que um dos fatores responsáveis por tal situação é o fato de ainda haver falta de informação por parte dos empregadores acerca dessa temática.

Nesse contexto, uma das chefias da ACAPO refere que o problema é "as empresas terem pouca informação sobre nós... deviam se calhar procurar informações e ver que há muito cego, há muito baixa visão que é tão ou mais competente que um normovisual" (ECH6). Essa situação pode traduzir-se em preconceito, tanto dos empregadores como, por vezes, das próprias pessoas cegas. As duas citações que se seguem são representativas dessa situação: "Eu acho que, na perspectiva de emprego, hoje em dia ainda existe muito preconceito da parte das instituições e até dos próprios deficientes [...]" (EC7); "Há sempre quem ache que a deficiência devia ser escondida e não posta aos olhos de toda a gente" (EC2).

Uma forma de contrariar esse preconceito pode residir na atitude adotada pela própria pessoa cega quando inicia a sua integração no mercado de trabalho, que pode passar por uma postura positiva, proativa, procurando ser polivalente, como se constata nas seguintes citações:

Preponderante é a atitude da pessoa cega na integração no mercado de trabalho, vai fazer toda a diferença. Ou tem uma forma de encarar as coisas de forma aberta, ou então, caso contrário, os outros não vão acreditar no seu potencial. (EC4)

Nós temos de ser mais proativos, procurar ser polivalentes, que eu penso que é isso que se espera hoje nos locais de trabalho. (EC6)

Há ainda dois entrevistados que, apesar de considerarem a percepção das chefias e dos colegas positiva, referem haver necessidade de um "esforço extra": "Se calhar por sermos cegos, agarramos mais as oportunidades que nos dão, porque se já para os outros é difícil arranjar empregos, para nós pior ainda" (EC3); "O tipo que tem uma deficiência como a visual se calhar vai aproveitar muito mais rápido uma oportunidade dessas do que um tipo sem deficiência nenhuma" (EC2).

Por fim, quanto ao tema das Sugestões de medidas (4) a tomar de forma a alterar a situação, os trabalhadores entrevistados sugerem que a divulgação de informação junto aos empregadores acerca dessa temática pode revelar-se fulcral na medida em que pode fazer com que as portas do mercado de trabalho se abram a um maior número de pessoas cegas. Dessa forma, as pessoas com deficiência visual teriam oportunidade de mostrar as suas capacidades e competências. Porém, um dos entrevistados manifestou uma opinião contrária à dos demais. Referiu que, devido ao fato de ainda ser muito difícil uma pessoa cega integrar o mercado de trabalho, uma boa alternativa seria a criação de emprego protegido (nesse caso, as entidades empregadoras recebem ajuda financeira como incentivo à contratação de pessoas com certas características). Ou seja, nesse contexto, a entidade patronal não pode avaliar o desempenho do colaborador com deficiência da mesma forma que o faz com um colaborador sem deficiência, possibilitando, assim, saídas de trabalho alternativas. Outra opção pode ser "Criar uma empresa específica, uma empresa de serviços que dê preferência ao emprego de pessoas com deficiência [...] nessa empresa nós podemos perceber o que cada um é capaz de fazer" (EC1).

Na perspectiva das organizações, uma chefia considera que a organização tem uma percepção positiva da integração de pessoas cegas no mercado de trabalho, devido ao fato de a experiência que tem com o trabalhador em questão ser positiva, não descartando, por isso, a hipótese de contratar mais alguém com deficiência: "Se surgir-nos outra oportunidade e tivermos necessidade, e tivermos de enquadrar alguém, se calhar não vamos pensar duas vezes" (ECH4). Há, contudo, duas chefias que não têm a noção de qual é a percepção que a organização tem da integração de pessoas cegas no mercado de trabalho.

No que se refere ao ponto de vista das chefias acerca do que poderia ser melhorado no âmbito da integração de pessoas cegas no mercado de trabalho, uma chefia considera que deveria haver um reforço das medidas de apoio à contratação. E outra considera que "a universidade poderia ter um papel interessante, sobretudo na difusão em tornar mais normal e mais generalizado o conhecimento sobre as especificidades das necessidades dessas pessoas em contexto laboral" (ECH1).

 

Discussão

O estudo aqui apresentado procurou contribuir, por um lado, para aprofundar o conhecimento do processo de integração de pessoas cegas no mercado de trabalho e, por outro, a partir das realidades profissionais identificadas, refletir sobre as práticas e atitudes que as entidades empregadoras e os próprios trabalhadores cegos podem assumir com vista a uma melhor integração. Apesar da amostra reduzida e do fato de não ter sido possível entrevistar todas as chefias, cremos que o presente estudo permite abordar várias reflexões a partir dos resultados obtidos. Como salientam Kulkarni e Lengnick-Hall (2014), uma melhor compreensão dos obstáculos que as pessoas com deficiência enfrentam em seus locais de trabalho reais permitirá aos profissionais responsáveis pela gestão e desenvolvimento dos recursos humanos encontrarem mais soluções baseadas em evidências.

Observou-se que metade dos trabalhadores entrevistados teve acesso ao mercado de trabalho a partir de estágios curriculares, programas específicos e contrato direto, o que, em nossa perspectiva, reforça a importância de medidas, sobretudo governamentais, que incentivam a colocação de pessoas cegas no mercado de trabalho. Por outro lado, tal resultado vai de encontro às sugestões de medidas dadas pelos próprios trabalhadores. De fato, essa colocação "protegida" no contexto profissional oferece às pessoas a oportunidade de mostrar as suas competências, o que constitui um aspecto crítico do ponto de vista da contratação por parte dos empregadores.

Como indica a investigação de Lengnick-Hall et al. (2008), realizada junto de empregadores, uma das principais razões pelas quais eles não contratam pessoas com deficiência relaciona-se com a crença de que esses candidatos não têm as devidas competências e, por conseguinte, terão um desempenho menor, ainda que a evidência empírica não suporte tal associação. Nesse contexto, tem sido assinalada a importância da experiência pessoal ou de contratações bem-sucedidasde pessoas com deficiência para o desenvolvimento de apreciações positivas do desempenho e do potencial dessa população (Kaye et al., 2011).

Relativamente à forma como as organizações geriram o processo de integração do trabalhador, constatamos que tal ocorreu, genericamente, de duas formas. Assim, enquanto, em cinco dos casos estudados, os trabalhadores beneficiaram-se de todas as adaptações necessárias no posto de trabalho, principalmente no que se refere à adaptação do computador com leitor de ecrã, nos outros três casos, os trabalhadores tiveram necessidade de recorrer a equipamento pessoal. Essa "dupla realidade" é também consistente com outros estudos realizados (ACAPO, 2012; Bacelo, 2012), tendo, por exemplo, o estudo da ACAPO (2012) indicado que 30% dos indivíduos inquiridos integrados no mercado de trabalho apontaram a falta de adequação dos equipamentos ao seu posto de trabalho como uma das dificuldades sentidas, o que significa que as recomendações da AESST (2004) não estão sendo cumpridas por parte dos empregadores. As dificuldades sentidas incluem também acesso à informação manuscrita.

O conjunto dos resultados obtidos nesse domínio aponta, em nosso entender, para a necessidade de as organizações adotarem uma postura mais ativa na integração desses trabalhadores. Ainda que as adaptações para as pessoas com deficiência possam representar custos adicionais para os empregadores, a evidência disponível sugere que esses custos habitualmente são pequenos, sendo improvável que afetem a relação custos-benefícios que resultam da contratação dessa força de trabalho (Lengnick-Hall et al., 2008; Schur et al., 2014). No domínio da integração, a socialização no local de trabalho emergiu como fator importante nesse processo, tanto na perspectiva dos trabalhadores como nadas chefias, tendo sido também identificado no estudo de Kulkarni e Lengnick-Hall (2011). Tal socialização, permite, também, que os demais membros da organização passem a conhecer melhor a realidade do trabalhador cego, ajudando, assim, a desconstruir eventuais preconceitos associados.

A investigação (Lengnick-Hall et al., 2008) tem também apontado o receio de reações negativas por parte de colegas e/ou de clientes face a trabalhadores com deficiência como um dos principais entraves à contratação por parte dos empregadores, ainda que não exista investigação que sustente tal conexão. No âmbito da perspectiva da integração profissional dos próprios trabalhadores, dois referiram que uma pessoa cega, quando tem oportunidade de integrar o mercado de trabalho, sente, de certa forma, necessidade de um "esforço extra" de modo a não desperdiçar oportunidades, resultado que é consistente com o estudo de Bacelo (2012) e que sugere que as pessoas cegas que estão no mercado de trabalho ainda sentem a necessidade de "provar" que são merecedoras da oportunidade que tiveram.

A falta de informação surgiu neste estudo como sendo um dos maiores entraves à integração profissional de pessoas cegas, resultado que é congruente com outros estudos (ACAPO, 2012; Golin, 2003) e com revisões de literatura sobre obstáculos à integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho (p. ex., Kulkarni & Lengnick-Hall, 2014; Markel & Barclay, 2009). Uma forma de contornar essa situação seria, segundo os participantes, a divulgação de informação junto dos empregadores, tal como sugerido também pelos participantes do estudo de Golin (2003). Uma alternativa poderia sera divulgação de histórias de sucesso da integração no mercado de trabalho, fazendo com que essas se tornassem modelos a seguir (Lengnick-Hall et al., 2008). Essa estratégia foi posta em prática pela Organización Nacional de Ciegos Españoles (ONCE, 2015), a partir da divulgação, em sua página da internet, não só de informação relevante acerca da integração de pessoas cegas no mercado de trabalho, mas também de casos de sucesso.

Após o cruzamento dos resultados desta investigação com os encontrados na literatura, cremos poder concluir que uma maior divulgação de informações sobre as políticas de incentivo à contratação, aliada a políticas e práticas de gestão de recursos humanos que assegurem a inserção, poderá ajudar a reduzir desigualdades no acesso de indivíduos com deficiência ao emprego. Neste ponto da discussão, importa salientar o papel que a área dos recursos humanos -em que com frequência os psicólogos do trabalho e das organizações trabalham - pode assumir do ponto de vista da intervenção nesse domínio. Por exemplo, Markel e Barclay (2009), com base na literatura revista, colocam diversas questões que as organizações deverão responder, fazendo, no seguimento de tais questões, recomendações específicas em diversas políticas e práticas (p. ex., recrutamento, seleção, treinamento, avaliação de desempenho) que os profissionais de recursos humanos podem adotar no sentido de desenvolver locais de trabalho "mais amigos" das pessoas com deficiência. Por exemplo, no nível do treinamento, colocam a seguinte questão: "As organizações possuem treino quer em questões legais quer em gestão orientada para pessoas com deficiência?", recomendando que os trabalhadores de organizações que recrutam pessoas com deficiência deverão ter treinamento sobre as questões legais associadas à deficiência e sobre o modo como estabelecer e manter uma relação de trabalho produtiva com a pessoa que foi recrutada.

Kulkarni e Lengnick-Hall (2014) apresentam também diversas recomendações na área dos recursos humanos. Por exemplo, recomendam que as práticas de recrutamento incluam fontes de recrutamento não tradicionais, de modo a aumentar a probabilidade de conhecimento das ofertas de emprego junto a pessoas com deficiência. Em suma, é possível identificar na literatura orientações específicas que as organizações podem implementar em suas políticas e práticas de gestão de recursos humanos com vista ao desenvolvimento de uma cultura organizacional "amiga" da pessoa com deficiência e, por conseguinte, mais responsável socialmente.

Foi também referida, pelos próprios trabalhadores, a importância de desenvolverem uma atitude "positiva", "proativa" e "polivalente". No conjunto, os resultados apontam para a necessidade de serem consideradas medidas coletivas (nesse caso, organizacionais) mas também individuais, sendo possível, em nosso entender, que ambas se inter-relacionem, isto é, um clima organizacional apoiante das pessoas com algum tipo de deficiência gerará uma atitude mais favorável destas para com a organização e vice-versa. Com efeito, como preconiza o modelo de experiências de trabalho bemsucedidas para trabalhadores com deficiência visual (Golub, 2006), empregadores e trabalhadores devem adotar uma postura ativa no processo de integração com vista à "acomodação mútua", em que os empregadores devem proporcionar condições de trabalho ajustadas e um clima organizacional "amigo" da diversidade, e os trabalhadores devem procurar ativamente ter as competências necessárias a um bom desempenho e ser "embaixadores" da sua deficiência nas organizações em que estão inseridos.

Conclui-se que a integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho significa a redução de diversas barreiras e preconceitos. Talvez seja a maior vitória da inclusão, ainda que haja um longo caminho a percorrer, visto que nem todas as organizações estão preparadas para acolher pessoas com deficiência. Além disso, ainda há que se derrubar a barreira do preconceito que faz com que muitos empregadores ainda tenham a perspectiva de que um trabalhador cego não será uma mais-valia para a empresa (Bacelo, 2012; Costa, 2012; Lengnick-Hall et al., 2008). Em todo o caso, como salientam Kulkarni e Lengnick-Hall (2014, p. 175), a eliminação ou redução de obstáculos nessa matéria exigirá um "esforço combinado de empregadores, profissionais da área dos recursos humanos, pessoas com deficiência e sociedade em geral".

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Ana Andrade
Escola de Psicologia da Universidade do Minho, Campus de Gualtar
Braga, Portugal, 4710-057
E-mail: anamariafreitasandrade@gmail.com, isilva@psi.uminho.pt

Recebido em: 27/07/2016
Primeira decisão editorial em: 24/08/2016
Versão final em: 17/09/2016
Aceito em: 22/09/2016

 

 

As autoras gostariam de agradecer todo o apoio prestado pela Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO, delegação de Braga) no recrutamento de participantes para o estudo, bem como a todas as pessoas que dele participaram.

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