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versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777
Rev. Subj. vol.22 no.1 Fortaleza jan./abr. 2022
https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v22i1.e11777
RELATOS DE PESQUISA
"Minha cor não desbota, não deixa se abater por qualquer coisa": o hiato entre força e sofrimento em histórias de mulheres negras
"My color does not fade, it does not let itself be beaten down by anything": the gap between strength and suffering in black women stories
"Mi color no desvanece, no se deja abatir por cualquier cosa": el hiato entre fuerza y sufrimiento en historias de mujeres negras
"Ma couleur ne s'estompe pas, elle ne se laisse abattre par rien" : l'écart entre la force et la souffrance dans les histoires de femmes noires
Debora Lydinês Martins CorsinoI; Flávia Ângelo VercezeII; Silvia Nogueira CordeiroIII
IPsicóloga e Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina
IIPsicóloga e Mestra em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina
IIIProfessora Associada do Departamento de Psicologia e Psicanálise da Universidade Estadual de Londrina
RESUMO
Mulheres e homens negros vivenciam cotidianamente experiências violentas por conta do racismo que impacta diretamente em suas vidas. Todavia, mulheres negras estão expostas a condições específicas dessa forma de violência. Neste sentido, o presente artigo discute como o corpo da mulher negra é percebido no laço social, bem como as posições estigmatizadas em que são vistas e o sofrimento decorrente delas. Para isso, foi realizada uma pesquisa clínico-qualitativa, em que a coleta de dados se deu a partir de entrevistas semidirigidas com nove mulheres em uma unidade básica de saúde de uma cidade do Norte do Paraná. A análise dos dados ocorreu por meio da técnica de análise temática de conteúdo, utilizando o referencial teórico da psicanálise para considerações. Assim, as categorias de análise foram: A posição superpotência: força e luta constante; Sobre ser estranho e familiar; Entre o trabalho escravo e o não lugar no trabalho; e Questões sobre a feminilidade, sexualidade e corpo. Por meio das narrativas das mulheres, pode-se perceber como as posições fixadas no laço social acerca do corpo da mulher negra impactam suas histórias e como esse sofrimento muitas vezes não é acessado via palavra, deixando-as impossibilitadas de significar a dor causada.
Palavras-chave: mulheres negras; laço social; racismo; psicanálise.
ABSTRACT
Black women and men daily live violent experiences due to racism that directly impacts their lives. However, black women are exposed to specific conditions of this form of violence. In this sense, this article discusses how the black woman's body is perceived in the social bond as well as the stigmatized positions in which they are seen and the suffering resulting from them. For this, clinical-qualitative research was carried out, in which data collection took place from semi-structured interviews with nine women in a basic health unit in a city in North of Paraná. Data analysis took place through the thematic content analysis technique, using the theoretical framework of psychoanalysis for considerations. Thus, the categories of analysis were: The superpower position: strength and constant struggle; About being strange and familiar; Between slave labor and no place at work; and Questions about femininity, sexuality, and the body. Through the women's narratives, it is possible to perceive how the positions fixed in the social bond about the black woman's body impact their stories and how this suffering is often not accessed through words, leaving them unable to signify the pain caused.
Keywords: black women, social bond, racism, psychoanalysis.
RESUMEN
Mujeres y hombres negros experimentan cotidianamente situaciones violentas por causa del racismo que impacta directamente en sus vidas. Sin embargo, mujeres negras están expuestas a condiciones específicas de esta forma de violencia. En este sentido, este trabajo discute cómo el cuerpo de la mujer negra es percibido en ámbito social, como también las posiciones estigmatizadas en que son vistas y el sufrimiento proveniente de ellas. Para tanto, fue realizada una investigación clínico-cualitativa, en que la recogida de datos se obtuvo a partir de entrevistas semi-dirigidas con nueve mujeres en una unidad básica de salud de una ciudad del Norte de Paraná. El análisis de los datos se realizó por técnica de análisis contenido, utilizando el referencial teórico del psicoanálisis para consideraciones. Así, las categorías de análisis fueron: La posición superpotencia: fuerza y lucha constante; Sobre ser raro y familiar; Entre el trabajo esclavo y el sin sitio en el trabajo; y Cuestiones sobre femenilidad, sexualidad y cuerpo. Por medio de las narrativas de las mujeres, se puede percibir cómo las posiciones fijadas en el ámbito social sobre el cuerpo de la mujer negra impactan sus historias y cómo este sufrimiento muchas veces no es accedido por palabra, dejándolas imposibilitadas de significar el dolor causado.
Palabras clave: mujeres negras; lazo social; racismo; psicoanálisis.
RÉSUMÉ
Les femmes et les hommes noirs vivent quotidiennement des expériences violentes à cause du racisme qui ont un impact direct sur leur vie. Néanmoins, les femmes noires sont exposées à des conditions particulières de cette forme de violence. En ce sens, cet article traite de la façon dont le corps de la femme noire est perçu dans le lien social, ainsi que des positions stigmatisées dans lesquelles elles sont vues et des souffrances qui en découlent. Pour cela, une recherche clinique-qualitative a été réalisée, dans laquelle la collecte de données a eu lieu à partir d'entretiens semi-structurés avec neuf femmes dans une unité de santé de base d'une ville du nord du Paraná, au Brésil L'analyse des données a eu lieu à travers la technique d'analyse de contenu thématique, en utilisant le cadre théorique de la psychanalyse pour les considérations. Donc, les catégories d'analyse étaient : La position de superpuissance : force et lutte constante ; A propos d'être étrange et familier ; Entre le travail esclave et le pas lieu de travail ; et questions sur la féminité, la sexualité et le corps. À travers les récits des femmes, on peut voir comment les positions fixées dans le lien social sur le corps de la femme noire impactent leurs histoires et comment cette souffrance n'est souvent pas accessible par les mots, les laissant incapables de signifier la douleur causée.
Mots-clé : femmes noires ; lien social ; racisme ; psychanalyse.
O racismo é um fenômeno presente em muitas sociedades, em suas "malhas" culturais, nas instituições e no cotidiano das pessoas. Todavia, é preciso apontar que nem todo racismo se estrutura da mesma forma, pois ele passa, no decorrer dos anos, por complexas mutações em suas figuras sociais, culturais e discursivas (Munanga, 2017).
Sabe-se que o Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão. Os negros africanos foram escravizados por 338 anos, e mesmo que o tráfico de negros tenha sido proibido mundialmente desde 1850, foi apenas em 1888, por pressão de outros países, que o Brasil decretou a abolição da escravatura.
É inegável que essa narrativa histórica repercuta até os dias atuais e reaparece quando debatemos sobre população negra, questões étnico-raciais e racismo, bem como as consequências das péssimas condições em que foram alforriados e que refletem a desigualdade social vivida pelos negros até os dias atuais (Braga, 2016; Reis Filho, 2005).
Segundo Gonzalez (1988), o racismo latino-americano é sofisticado no sentido de manter os negros e indígenas na condição de segmentos subordinados, no interior das classes mais exploradas, graças a ideologia do branqueamento. Veiculado pelos meios de comunicação e pelos aparelhos ideológicos tradicionais, estabelece-se o mito da superioridade branca e o desejo de embranquecer é internalizado com a negação da própria raça e cultura.
Além disso, o racismo no Brasil apresenta uma construção própria, marcado pelo silêncio, isto é, pela ausência de leis segregacionistas, como aconteceu/acontece em outros países. Gonzalez (1988) o qualifica como um racismo por denegação, isto é, aquele que se sustenta e permanece através das teorias da miscigenação, da assimilação e da democracia racial. Característico nos países de colonização luso-espanhola, esse racismo é um tipo específico, uma forma mais eficaz de alienação dos discriminados. Esse modelo dispensa formas abertas de segregação, uma vez que as hierarquias garantem a superioridade do grupo dominante, como aponta a autora: "No Brasil não existe racismo, porque o negro reconhece o seu lugar" (Gonzalez, 1988, p. 73). Dessa forma, Gonzalez (1984) apresenta que o racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira.
Nesse sentido, Kilomba (2019) afirma que o mundo conceitual branco se comporta como um inconsciente coletivo das pessoas negras, programando-as para a alienação, a decepção e o trauma psíquico. As imagens referentes à negritude não são realistas e nada gratificantes, fazendo com que os sujeitos negros sejam sempre forçados a desenvolver uma relação consigo mesmo/a através da presença alienante do "outro branco".
Desta maneira, muitas das discriminações sofridas pelas pessoas negras não são analisadas pelo prisma do racismo, sendo considerada apenas uma questão econômica ou de classe social, como se não houvesse ligação com o mito da superioridade e inferioridade racial (Munanga, 2017).
Todavia, sabe-se que mulheres e homens negros vivenciam, cotidianamente, continuidades de experiências do período escravocrata e que o sofrimento gerado pelo racismo impacta diretamente em suas vidas. Mulheres negras, no entanto, estão expostas a condições específicas no que diz respeito às vulnerabilidades sociais e econômicas.
Em relação às condições de trabalho, Ribeiro (2017) aponta que as mulheres negras são a maioria entre os desempregados e mesmo as que se encontram no mercado de trabalho continuam recebendo menos que as mulheres brancas, que homens brancos e negros. Além disso, segundo a mesma autora, do total de mulheres negras que trabalhavam em 2016, "39,6% estavam inseridas em relações precárias de trabalho, seguidas pelos homens negros (31,6%), mulheres brancas (26,9%) e homens brancos (20,6%)" (Ribeiro, 2017, p. 42). Vale destacar ainda que, neste período, mulheres negras representavam o maior número de trabalhadoras domésticas.
Quanto ao número de mortes entre mulheres, o Atlas da Violência no Brasil, publicado em 2020, aponta que as negras são as que mais morrem. Entre 2008 e 2018, enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras caiu 11,7%, a de mulheres negras aumentou 12,4%; além disso, das mulheres assassinadas em 2018, 68% eram negras (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2020).
Quando pensamos no campo da sexualidade, a mulher negra é representada de forma estereotipada, vista com uma sensualidade exacerbada (Nogueira, 1998), o que até a atualidade perdura no imaginário social (Braga, 2016), exemplificando, portanto, uma diferença entre mulheres brancas e negras na vivência de suas sexualidades. Um exemplo é quando se trata da beleza feminina, diz-se "uma mulher linda" ao se referir a uma mulher branca. Todavia, quando se trata de uma mulher negra, diz-se uma "negra linda". Como se o aspecto da beleza negra fosse uma exceção que precisa ser adjetivada. Tal aspecto não acontece apenas no quesito da beleza, mas na própria definição de gênero, que é marcada por um ideal de branquitude. Ora, os brancos não se referem a si como brancos, apesar de a branquitude representar vantagens que a negritude não oferece numa sociedade racista (Munanga, 2017).
Peixoto (2016) evidencia que construções históricas sobre a mulher branca e a mulher negra se diferenciam devido ao período escravocrata e, portanto, alguns elementos vividos por estas mulheres passam por significações diferenciadas, seja via transmissão psíquica da mulher negra escravizada para a mulher negra da atualidade, seja pelos discursos que se sustentam no laço social.
No período escravocrata, enquanto as mulheres brancas viviam nas casas-grande e tomavam decisões sobre os corpos dos escravizados, as mulheres negras eram violentadas fisicamente e sexualmente pelos senhores (Braga, 2016; Reis Filho, 2005). Piedade (2017) aponta que o maior número de violências sexuais e estupros da atualidade ainda acomete mais a mulheres negras, o que a autora considera uma ferida deste período histórico, ou, de acordo com Kilomba (2019, p. 29), "como uma realidade traumática, que tem sido negligenciada".
Braga (2016) também aponta que, quando mulheres negras tinham seus bebês, eram levadas como "amas de leite" para nutrir os bebês das brancas. Além dessa função, as amas eram comercializadas e arbitrariamente separadas de seus recém-nascidos, que muitas vezes não eram anunciados junto com a mãe nos jornais de vendas. Dessa forma, enquanto amamentavam e criavam os filhos das sinhás, ficavam impossibilitadas de amamentar e criar seus filhos negros, ou seja, de exercer sua maternidade. Essa experiência ainda persiste, já que mulheres negras ocupam quase integralmente os lugares de babás de mulheres brancas, compreendendo, portanto, a atualização das amas de leite enquanto as babás da contemporaneidade, muitas delas, inclusive, obrigadas a usar uniforme, evidenciando essa função. Além disso, nas situações em que uma mulher negra é vista com uma criança branca, conclui-se quase que de imediato - devido ao racismo estrutural - que a primeira seja a babá da segunda, mesmo que haja algum vínculo familiar entre elas (Braga, 2016).
Segundo Gonzalez (1984), esses lugares são herdeiros da figura da "mucama", a jovem escrava negra escolhida para os serviços caseiros e por vezes também como ama de leite das crianças brancas. A autora afirma: "É por aí que a gente saca que não dá prá fingir que a outra função da mucama tenha sido esquecida" (Gonzalez, 1984, p. 231), justamente por compreender que, no Brasil, o que se sustenta enquanto referência da função materna é construída a partir das amas de leite, mães-pretas, e, atualmente, das babás.
A partir do contexto estadunidense, Davis (1981/2016) ressalta que o corpo da mulher negra era utilizado de acordo com a conveniência do período da escravidão. Quando era necessário maior contingente de mão de obra nas lavouras, seu gênero era anulado, ocupando, portanto, o mesmo lugar que o homem negro; porém, quando sofriam abusos e explorações sexuais, eram rebaixadas à condição de fêmea (como qualquer animal) e afastadas de um sentido humano. A autora ainda enfatiza que, em um dado período da história da escravidão, a procriação entre escravizados foi estimulada devido à queda do número de escravos, forçando a mulher negra a assumir um papel de procriadora, reduzida, mais uma vez, a um lugar de bestialidade/animalidade.
Sobre isso, Kilomba (2019) destaca que, na língua portuguesa, há uma ausência de termos que não estão ancorados na terminologia colonial e nem vinculados a uma nomenclatura animal, estes frequentemente ainda utilizados nos dias de hoje. Tais termos têm como função afirmar a inferioridade de uma identidade por meio da animalização, como, por exemplo: mestiça/o, mulata/o, cabrito/a. Souza (1983) também aponta a função da animalização como meio de assujeitamento dos negros - se é macaco não é sujeito, logo não é humano. Fica evidente, então, que esses termos criam hierarquizações que servem à construção da branquitude como condição humana ideal.
Assim, para pensarmos sobre a questão da mulher negra, Ribeiro (2017) apresenta um contraponto entre Simone de Beauvoir e Grada Kilomba. Enquanto Beauvoir, pautada pela perspectiva do feminismo branco, aponta a mulher como o Outro do homem, por ela ser atravessada por um olhar masculino que a caracteriza como algo que possui uma função, Kilomba nomeia a mulher negra como o Outro do Outro, ocupando assim um espaço vazio: "por serem nem brancas nem homens, ocupam um lugar muito difícil na sociedade supremacista branca por serem uma espécie de carência dupla, a antítese da branquitude e masculinidade [...] exerceriam a função de Outro do Outro" (Ribeiro, 2017, p. 41). Este lugar da mulher negra, portanto, impõe uma posição mais difícil a ser superada, pois sua existência se pauta pelo diferente da norma que está pressuposta. Além disso, a mulher negra é vista como sendo duplamente essa "outra(o)": o outro do branco e a outra da mulher branca. Isto é, a negritude serve como uma forma primária de "outridade", pela qual a branquitude é construída. Logo, os aspectos negados do eu branco são reprojetados nos sujeitos negros. As mulheres negras são aquelas que representam os medos da cultura ocidental, variando entre "a negra selvagem", "as serviçais", a "prostituta negra", "as criminosas"; representando o corpo, a fertilidade e a sexualidade, temidos pela sociedade branca puritana (Kilomba, 2019). Logo "o sujeito negro não é apenas o diferente, mas também a personificação de aspectos repressores do eu do sujeito branco […] a representação mental daquilo que o sujeito branco não quer parecer" (Kilomba, 2019, p. 38).
Ribeiro (2017) ainda observa que, enquanto a realidade da diferenciação entre mulheres negras e brancas continuar invisível, sem uma nomeação, o cenário de vulnerabilidades sociais e violências contra a mulher negra não será passível de melhorias e mudanças. É evidente que um corpo marcado por estas questões históricas, sociais e culturais se relaciona com o mundo de uma forma específica.
Sabemos que não há teoria que se institua sem mergulhar na história e temporalidades de sua época (Lacan, 1956/1998b), pois, apesar das constantes transformações através dos anos, há algo que se repete e resiste ao tempo, como, por exemplo, as camadas da colonização e da escravatura que cobrem o tecido social até hoje e afetam os sujeitos de diferentes maneiras. Segundo diz Noemi Kon: "O Brasil é um país traumatizado que jamais ajustou contas com suas dores terríveis, obscenas, da colonização e da escravatura" (Borges, 2017, p. 9).
Desde Freud, a relação entre individual e social foi contestada. "A psicologia individual, nesse sentido ampliado, mas inteiramente justificável das palavras, é, ao mesmo tempo, também psicologia social" (Freud, 1921/1976, p. 91), visto que, para a psicanálise, o individual se constitui num lastro que é rigorosamente social. É neste sentido, então, que o racismo e seus efeitos subjetivos interessam ou deveriam interessar à escuta psicanalítica. Os efeitos da colonização, do racismo, da discriminação, do trauma e da neurose cultural brasileira, não se configuram ainda como assunto de estudos da psicanálise e há poucos psicanalistas que pesquisam seus efeitos na subjetividade.
A respeito disso, Maria Lúcia da Silva, psicanalista e ativista do movimento negro, afirma que a invisibilidade e a resistência à nomeação do racismo atingem também a prática psicanalítica (Silva, 2017). Problematizando as implicações que o racismo pode ter na constituição psíquica do sujeito, serão discutidas a seguir: as interlocuções entre a psicanálise e as questões relacionadas ao corpo negro na vivência de mulheres negras.
O Corpo Negro e a Psicanálise
Sabe-se que a psicanálise pensa "o corpo como erógeno, marcado e inscrito desde sempre pela linguagem" (Braga, 2016). É evidente, portanto, que todo corpo possui essa marca, que vai sendo nomeada desde bebê pelas figuras parentais, que bordejam e dão sentido para as suas sensações. Nesse sentido, a noção psicanalítica de corpo rompe com o estritamente biológico por apresentar a noção de pulsão, isto é, ela trabalha com o corpo pulsional, o corpo que é reinvestido de linguagem. Tal noção psicanalítica ultrapassa a ideia de um corpo somente orgânico e estabelece uma ligação entre corpo e sexualidade, afirmando que é a partir do corpo que o psiquismo nasce (Lindenmeyer, 2012).
Radicalizando o conceito de corpo para além do orgânico, a psicanálise traz a ideia de um corpo simbólico, imerso nas questões do sujeito e em sua história. Partindo da concepção de Lacan (1964/2008, p. 27) de que "o inconsciente é estruturado como uma linguagem",entende-se que o indivíduo e o seu corpo são inseridos em um registro simbólico, isto é, o corpo físico é também um corpo simbólico a partir da aquisição da linguagem.
Lacan (1949/1998a), em O Estádio do Espelho, como formador da função do eu, propõe que o bebê antecipa, no plano imaginário, sua unidade corporal, identificando-se com a imagem do semelhante. Entretanto, para que o processo de constituição do eu aconteça, é fundamental o reconhecimento do Outro (Lacan, 1954-55/2010). O corpo do sujeito se constitui através de marcas inscritas pelo Outro, aquilo que é anterior ao sujeito e o que determina sua constituição, adquirindo uma representação subjetiva. É somente quando o corpo recebe significações pelo discurso do Outro que ele passa a ser subjetivado, transformando-se em um corpo erógeno e simbólico. Isto é, a constituição do sujeito se dá necessariamente com e partir do outro. Só assim "o corpo humano é socialmente concebido" (Rodrigues, 2006, p. 44).
Nogueira (1998) ressalta que, no Brasil, o negro possui um corpo marcado pelo escravismo que se apresenta, também, nas características do corpo - como cor da pele, traços e formatos de rostos e cabelos -, que marcam o negro como ser diferente, além de por vezes estar fora da norma do belo e socialmente aceito (Reis Filho, 2005; Souza, 1983).
Segundo Nogueira (1999), o corpo humano, para além de seu caráter biológico, é afetado pela religião, grupo familiar, classe, cultura e outras intervenções sociais. Assim, devido o laço social repudiar a imagem do corpo negro, uma mãe negra pode acabar por desejar um bebê branco, para que este não experimente o sofrimento gerado pelo racismo contra o negro. Desta forma, numa cultura racista, desde a constituição do sujeito, o bebê negro se depara com uma imagem no espelho que não corresponde ao desejo materno, precisando negar imaginariamente o real de seu corpo, referenciando-se pelo ideal de brancura (Nogueira, 1998).
Nesse sentido, para Nogueira (1999), o corpo da mulher negra implica pensar o corpo enquanto signo que reproduz uma estrutura social, de forma a dar-lhe um sentido particular, que varia de acordo com os mais diferentes sistemas sociais. Essa singularidade também éapresentada por Braga (2016) ao afirmar que a mulher negra vive uma experiência singular perante o laço social, visto que é estrangeira ao homem por ser mulher e estrangeira à mulher branca por ser negra.
Assim, Peixoto (2016) questiona se a feminilidade da mulher negra balizada pelo referencial da mulher branca é suficiente, ou se a constituição do feminino nas mulheres negras ocorre de uma forma diferente. Davis (1981/2016) aponta, inclusive, que a mulher negra passa por um processo de masculinização, sendo, portanto, entendida com uma feminilidade atípica.
Sabe-se que a imagem do corpo é estruturante para o sujeito da psicanálise, além da proposta de Nogueira (1998) e Braga (2016) ao pensarem como o corpo negro é significado no laço social e representado pela linguagem. Já pensando as questões relacionadas aos estupros de mulheres negras por parte dos senhores no período escravocrata e ao ódio e vingança recebidos das sinhás, o corpo da mulher negra era e ainda é associado a uma sensualidade exacerbada, visto como um corpo de gozo excessivo, selvagem e sem amarras, que muitas vezes é invejado, porém sem valor social (Braga, 2016; Nogueira, 1998; Peixoto, 2016).
A respeito disso, Gonzalez (1984) apresenta um dos nomes e lugar dado pela branquitude à mulher negra - "a mulata deusa do meu samba", essa que é estranhamente sedutora, exercendo assim uma violência simbólica sobre aquela. Pois, ao lado desse "endeusamento" fetichista, no cotidiano dessa mulher, ela é a empregada doméstica. Deste modo, sustentam-se, no laço social, supostos lugares que a mulher negra ocupa, como os de mulata, babá e empregada, favelada e "barraqueira", ou, ainda, como um símbolo de mulher forte (Braga, 2016; Farias, 2018; Reis Filho, 2005). Percebemos que esses significantes, que não são valorizados na sociedade, estão colados à imagem dessas mulheres, acompanhando-lhes mesmo quando elas não estão nesta função.
Braga (2016) aponta que mulheres negras estão expostas à invisibilização e à superexposição de seus corpos. Esses conceitos representam que, ao mesmo tempo em que não são vistas, são também tomadas pelo olhar do Outro de forma invasiva ou reconhecidas apenas pelos lugares supostos que ocupam. O corpo funciona como marca de valores sociais. Se, por um lado, o negro é herdeiro deste passado histórico marcado pela desumanização, por outro, vive em uma sociedade cujas representações denegam o racismo, camuflando assim um problema social que produz efeitos no seu próprio processo de constituição como sujeito. É neste sentido que o presente trabalho teve como objetivo abordar, a partir da narrativa de mulheres negras e nos significantes presentes em seus discursos, a existência de um sofrimento causado por experiências de racismo, mesmo que camuflado sob a ótica de um significante de força esperado da mulher negra no laço social.
Procedimentos Metodológicos
O presente trabalho é um recorte de uma pesquisa de monografia realizada para conclusão de residência multiprofissional na área de concentração da psicologia. A pesquisa caracterizou-se como clínico-qualitativa, de acordo com a proposta de Turato (2003), fundada numa atitude clínica, particularizada aos fenômenos de saúde-doença, direcionada por uma escuta que leva em conta os aspectos psicodinâmicos e emocionais.
A coleta de dados ocorreu em uma a Unidade Básica de Saúde (UBS) da região norte do Paraná em 2019, com mulheres que se autodeclaram negras, pretas ou pardas, de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2013) e que possuíam acima de 18 anos de idade. A busca das participantes aconteceu a partir de convite, realizado pessoalmente pela pesquisadora, para mulheres que participavam de consultas, grupos e ações de promoção de saúde no serviço e território. A aproximação com as mulheres ocorreu da seguinte forma: 1) a pesquisadora abordava individualmente cada mulher e perguntava de qual cor ela se autodeclarava; 2) caso a resposta fosse negra, preta ou parda, a pesquisadora dizia que estava realizando um trabalho em que queria escutar a história de mulheres negras e perguntava se ela tinha interesse em conversar sobre sua história; 3) após o aceite, era agendada uma entrevista individual em que o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) era lido em conjunto com a participante e, após acordo com as condições do termo, iniciava-se a entrevista. Vale ainda destacar que a pesquisadora responsável pelas entrevistas se autodeclara como negra e que, ao final da pesquisa, foi realizada uma roda de conversa para debater com as participantes os resultados do estudo.
As entrevistas - gravadas para posterior transcrição - ocorreram no espaço da UBS, de forma individual, com prévio aceite, horário marcado com as participantes e em sala adequada que permitisse o sigilo. Foram realizadas entrevistas semidirigidas, com liberdade para que a pesquisadora realizasse questionamentos de acordo com os conteúdos que surgissem (Turato, 2003). Para garantir o sigilo da identidade das participantes, então, optou-se pelo uso de nomes de mulheres negras artistas, escritoras ou personagens de livros e cinema que possuem relevância no debate racial. As referências para os nomes utilizados foram: Vanessa Keefer, da série estadunidense Atlanta; Bianca Santana, jornalista e escritora brasileira; Dona Ana, mãe de Mano Brown, - cantor, compositor e rapper brasileiro; Celie, protagonista do romance estadunidense A Cor Púrpura, escrito por Alice Walker; Vilma Piedade, escritora do livro Dororidade, onde afirma que "a faxina tem cor no Brasil"; Nina Simone, pianista, cantora e compositora norte americana; Elisa Lucinda, cantora, poetisa e atriz brasileira; Bia Ferreira, cantora, compositora, produtora musical e multi-instrumentista; Neusa Santos psicanalista e autora do livro .
A seleção da amostra foi intencional e deu-se por saturação, com seleção de mulheres que poderiam fornecer dados relevantes para o tema (Fontanella et al., 2008; Minayo, 2017). Este critério permite que a coleta seja interrompida de acordo com as informações levantadas nas entrevistas, ao invés de um número determinado de participantes. Buscou-se, inicialmente, realizar aproximações com a possível população-sujeito do estudo, a partir do processo de aculturação (Minayo, 2017) com o qual se realizou entrevistas para verificar se o instrumento corresponderia ao objetivo do estudo, a saber: identificar, a partir do discurso de mulheres negras, como acontecem suas respectivas relações com a esfera social, bem como os significados atribuídos aos locais que ocupam.
Posteriormente, e desde a primeira entrevista e coleta, foram realizadas a transcrição e avaliação minuciosa para compreensão dos conteúdos (novos ou por repetição). Além da pesquisadora, a orientadora também realizou o processo, visando priorizar a avaliação conjunta e perceber quando a amostra estaria saturada. Fontanella et al. (2008) e Minayo (2017) propõem que o momento para realizar a interrupção da coleta deve ocorrer a partir de um equilíbrio entre a repetição das informações e aquilo que ainda surge de novo e particular de cada participante. Assim, discutiram-se os dados das entrevistas entre pares do Laboratório de Estudo e Pesquisa em Psicanálise (LEPPSI) da Universidade Estadual de Londrina, para validação da saturação da amostra. Após esta discussão, houve mais uma entrevista com respostas semelhantes às demais, além de algumas experiências particulares. Dessa forma, portanto, optou-se por interromper a coleta, totalizando nove mulheres participantes para o estudo.
O tratamento dos dados foi realizado na perspectiva da análise de conteúdo (Bardin, 1977/2011), que se caracteriza por leituras e releituras "flutuantes" do material coletado, classificação em categorias e análises dos conteúdos apresentados pelos participantes. Para a divisão das categorias, nos apoiamos nas fases recomendadas por Souza (2019, p. 56): "familiarização com dados; geração de códigos iniciais; busca por temas; revisão dos temas; definição e nomeação dos temas; e produção do relatório". Assim, foram elaboradas categorias temáticas, pensadas a posteriori e priorizando os temas e assuntos que emergiram das entrevistas (Fontanella et al., 2008).
A leitura e a classificação do material foram realizadas a partir dos passos citados acima, bem como as análises e/ou inferências que se deram a partir do retorno ao referencial teórico e do que estava nas entrelinhas dos discursos das mulheres. Utilizou-se, como suporte teórico para as considerações, autoras e autores que discutem as relações étnico-raciais a partir de conceitos advindos da teoria psicanalítica.
O estudo estava vinculado ao projeto de pesquisa denominado A Interdisciplinaridade no Cuidado da Saúde da Mulher nos Diferentes Níveis de Atenção e foi aprovado com nº CAAE: 04001218.0.0000.5231 pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade Estadual de Londrina.
Resultados e Discussão
Inicialmente, apresentaremos alguns dados de caracterização sobre as participantes do estudo.
Por meio das entrevistas, foi possível verificar a existência de falas e significantes que dizem respeito a uma posição vivenciada por mulheres negras no laço social e que deram origem às seguintes categorias: 1) A posição superpotência: força e luta constante, 2) Sobre ser estranho e familiar, 3) Entre o trabalho escravo e o não lugar no trabalho e 4) Questões sobre feminilidade, sexualidade e corpo.
Posição Superpotência: Força e Luta Constante
Nesta categoria apresentamos as falas das mulheres que evidenciam o quanto este imaginário de superpotências fica presente em seus discursos.
Minha cor não desbota, não deixa abater por qualquer coisa. Eu tô feliz com a minha cor. [...] Igual lá no Rio de Janeiro mesmo, nas favelas, aquelas menina negra, que corre, vai à luta, e aprende isso, aprende aquilo, olha que coisa mais bonita. Não deixa se abater, né. E tem muitos negro que deixa abater. (Vanessa).
[...] eu sei que tem racismo, mas a gente não pode deixar se abater. Ficar menosprezando e assim 'ah, quem vai me ajudar', a gente tem que se levantar e dizer, 'eu posso fazer isso, eu posso, eu quero e eu vou correr atrás', é difícil? É. Dá vontade de chorar? Dá. Dá vontade de largar tudo? Dá. Mas a gente tem que se impor [...]. (Nina).
"[...] a partir do momento que eu me reconheci como negra, eu comecei a ver o quanto eu sou forte, porque numa sociedade que te oprime de várias formas, por eu ser mulher, me oprime porque eu sou pobre, e me oprime por eu ser negra, então a partir disso eu descobri coisas fortes dentro de mim, né [...] é isso basicamente. Força". (Bia).
[...] é um símbolo de resistência né, porque ser negra, num país que foi o último a poder liberar os seus escravos e que de lá pra cá não conseguiu fazer muita coisa em relação à população negra, eu acho que me sinto num papel de resistência, de luta sempre, né [...]. (Neusa).
Mulheres negras, muitas vezes, são fixadas no laço social por meio de um imaginário de força, que ocorre desde a compreensão do biológico, quando, por exemplo, são negados anestésicos a elas no momento do parto, acreditando que o corpo negro é mais resistente a dor, como ao esperar que elas tenham uma força descomunal para superar obstáculos e "dar a volta por cima" (Leal et al., 2017; Prestes, 2013).
As falas das mulheres evidenciam que elas estão nesta posição combativa constantemente, lidando principalmente com as diferenças de tratamento que a pessoa negra enfrenta na sociedade e com a dor que isso gera. É como se lutar fosse uma saída possível para essa dor (Prestes, 2013). A partir de Farias (2018), no entanto, entendemos que, enquanto a dor causada por algo externo não for sentida, elaborada e transformada em experiência, pode causar danos significativos ao psiquismo, pois "o racismo pode ser pensado como uma experiência da ordem do traumático, da ordem da ruptura de possibilidades simbólicas" (Farias, 2018, p. 107). Além disso, reitera-se que o corpo negro está à margem da rede discursiva e da linguagem e, portanto, questiona-se como pessoas negras podem dar um sentido para esta dor, se elas ainda não alcançam a palavra.
Assim, esta posição de luta, potência e combate constante podem ser entendidos como uma via de defesa para não acessar essa dor, visto que no laço social ela não poderá ser significada. Dessa forma, consideramos que o movimento de "não deixar se abater" envolve duas questões: a primeira, pela não possibilidade de elaborar, via palavra, a dor sentida; e a segunda, pelas consequências que o movimento causa à subjetividade dessas mulheres, como constituição narcísica, ameaça à existência subjetiva e empobrecimento dos possíveis destinos para o pulsional (Farias, 2018).
Sabemos que a constituição narcísica é um processo fundamental para o funcionamento psíquico e quando este está ameaçado, a partir dos enquadres sociais, questionamos quais possibilidades de existência subjetiva restam a essas mulheres. E é neste momento que a posição de força e combate constante emerge, para que elas se defendam frente à ameaça de sua constituição narcísica (Farias, 2018).
Podemos supor que há uma experiência de sofrimento na mulher negra a partir do próprio corpo, produzindo, então, formas particulares na constituição de sua dimensão psíquica, impossível de ser simetrizada à condição da mulher branca. Verifica-se que o significante de fragilidade, tão presente na construção da feminilidade da mulher branca ligada ao discurso de uma "inferioridade nata" relativa à diferença sexual, não ocorre da mesma forma na mulher negra. Há algo que se sobrepõe, isto é, a necessidade de ser vista como um ser humano com prerrogativas e direitos que concernem à humanidade. É preciso entender de que maneira se dá o processo pelo qual passa o corpo e a feminilidade da mulher negra, visto não se configurar da mesma maneira em todas as mulheres (Nogueira, 1999).
Mesmo com essa posição de força internalizada por essas mulheres, observamos em suas falas que elas não passaram imunes pelas experiências de racismo, o que evidencia um sofrimento psíquico de mão dupla. Como apontado acima, a ultrapotência da mulher negra, vivida no laço social, tem impactos nos seus lugares subjetivos e "ser forte" não lhes impede de sentir e sofrer com as situações em que sofreram racismo.
Sobre ser Familiar e Estranho
Ao ouvir as mulheres, percebemos que havia um lugar comum quando falavam de suas famílias, seja a família de origem, a família constituída nos relacionamentos ou a inserção na família dos companheiros. Este lugar comum refere-se ao estranhamento que se tem dentro da própria família, pois, mesmo pertencendo a ela, essas mulheres precisam constantemente validar o parentesco, seja no social, seja para os próprios familiares.
Vanessa, apesar de afirmar que não sente muito os impactos do racismo em sua vida e na de sua família, em um momento da entrevista, apresentou esta fala sobre uma neta branca:
[...] ela teve uma menininha, que é branca, branquinha. O marido é branco, e a menininha saiu branca. Aí eu falo que, quando eu sair com ela, vou ter que levar todos os documentos e fotografias pra provar que eu sou vó. [...]. (Vanessa).
Bianca apresentou em seu discurso uma questão relacionada à filha branca:
[...] A Cecília memo, os outro achava que eu era babá, da Cecília nascer, de eu tá andando na rua, 'ah cê tá cuidando de criança?', [...] 'ah, cê tá brincando que é sua filha', [...] 'mas e aí, onde que a mãe dela tá?', [...] 'ah, não acredito que cê é mãe dela [...] mas não tem nada a ver'. (Bianca).
Sobre o estranhamento causado por visualizar pessoas negras e brancas como pertencentes à mesma família, temos esses dois relatos. Vanessa, ao falar de sua neta branca, afirma que precisará ter os documentos em mãos para comprovar que a bebê é sua neta e Bianca apresenta uma cena em que perguntaram se era babá de sua filha, que tem a pele mais clara que a dela. Assim, compreende-se que ainda que a miscigenação tenha sido um projeto colonial para tornar a população brasileira mais branca e ser comum observar famílias inter-raciais, alguém supôs que Bianca e Vanessa, por estarem com uma bebê branca, seriam sua babá, ou qualquer outra figura, menos sua mãe e avó. Diante disso apontamos, de acordo com Gonzalez (1984) e Braga (2016), que o significante da "mãe-preta" enquanto objeto ainda permeia o laço social, atualizado nas figuras de babás, ou seja, as mulheres negras com crianças brancas são responsáveis por exercer o cuidado, mas não podem fazer parte da mesma família.
Deste modo, é possível perceber o quanto os corpos das mulheres negras foram historicamente destituídos de sua condição humana, bem como coisificados. Nessa condição, apenas ocupavam um lugar de satisfazer o apetite sexual dos senhores ou de servir como máquinas reprodutoras. Seus filhos não lhes pertenciam; quase sempre eram vendidos como mercadoria, quando não morriam por ausência de cuidados, sendo possível exercer a função materna apenas como amas de leite dos filhos dos seus senhores. "Isto é, a mulher negra é historicamente desinvestida de qualquer possibilidade que a permitisse exercer sua feminilidade" (Nogueira, 1999, p. 3), ainda que no lugar de mãe.
Já no período do ventre livre, foi autorizado que essas mulheres pudessem ficar com seus filhos e, dessa forma, "foram elas que funcionaram como pólo organizador de família, exercendo ao mesmo tempo, a função materna e paterna" (Nogueira, 1999, p.3). Nessa condição, portanto, lhes recaia a alcunha de mulheres fortes, situação que é no mínimo contraditória, pois se em um momento lhes era desautorizado exercer função materna com seus próprios filhos, em outro, exerciam todas as funções sozinha.
De acordo com Gonzalez (1984), porém, a figura da "mãe preta" é aquela que é a mãe da cultura brasileira. É quem exerce a função materna, passando todos os valores para a criança brasileira, inclusive sua língua - o pretuguês. Quando, em psicanálise, pensamos sobre a função materna e sobre o significante mãe, sabemos que não se trata de um significante qualquer (Braga, 2016). A função materna é o que funda o sujeito, bordejando o corpo do bebê e lhe inserindo na linguagem. Mesmo que hoje as mulheres negras encontrem outras condições de vida, foi possível observar na fala delas que esse lugar de mãe/avó ainda não lhes é de direito. A mulher negra ainda se vê aprisionada em um lugar de doméstica, babá, ama de leite, em relação à função materna. Segundo Nogueira (1999), pela herança de um passado que coloca a mulher na condição de mercadoria, lhe foi e lhe é negado se vincular de maneira afetiva, inclusive aos seus próprios filhos e netos; e isso é evidenciado nas falas acima, quando Vanessa diz que terá que levar todos os documentos e fotografias para provar seu vínculo de parentesco com a neta e quando compreende-se Bianca como babá de sua filha branca.
Assim, observamos que, mesmo que a miscigenação seja presente e valorizada no laço social, o estranhamento se sustenta quando se visualiza pessoas negras e brancas na mesma família. Ou seja, a figura da babá, da mãe preta, da transferência de cuidados, se sobrepõe e se evidencia como um lugar aceito no social para as mulheres negras.
Entre o Trabalho Escravo e o Não Lugar no Trabalho
A questão do trabalho foi um elemento que surgiu no discurso das mulheres de uma forma explícita, sendo perceptível apenas para algumas que o fato de serem mulheres negras atravessou as cenas relatadas por elas. Como Davis (1981/2016) aponta, as mulheres negras sempre foram trabalhadoras em tempo integral desde a época da escravidão e, mesmo com a abolição, continuaram trabalhando em subempregos e sem acesso aos direitos.
Celie trouxe histórias de quando começou a ser empregada, com sete anos de idade, e ao longo da entrevista identifica essas vivências como trabalho escravo.
[...] aí eu ficava olhando eles cumê, e ela batia o sininho pra mim servi eles, entendeu. [...] Eu achava bonito bater aquele sininho, porque eu não entendia. Sabe, eu achava lindo. Eu ia correndo atender, hoje que eu fui entender que era o jeito que chamavam os escravo [...]. (Celie).
Vilma também trouxe para a entrevista muitas vivências de quando trabalhava como empregada, tanto no sítio como na cidade.
[...] chegava a visita eu tomava um banho, ia lá na sala, e perguntava que que eles queria. [...] Ia buscar e servia do jeito que queria. [...] 'Senhora Vilma você não é empregada, você é uma amiga, eu considero você como amiga'. [...] Minhas patroa emprestava eu pros outros, elas viajava e falava 'vou emprestar minha Vilma pra você, quando vorta não vai seduzí pra ela ficá com você não [...]'. (Vilma).
A partir dos relatos acima, Celie e Vilma apresentam a realidade do trabalho na perspectiva doméstica, em que este espaço é o que lhes era permitido ocupar. Ambas lamentam o fato de não terem concluído os estudos em razão do trabalho, o que se concretiza por serem mulheres, negras e pobres. Como Davis (1981/2016) debate, os espaços concedidos às pessoas devem ser avaliados na perspectiva de gênero, raça e classe, e se essas mulheres tivessem tido a possibilidade de acesso a outros modos de vida, que não apenas o trabalho doméstico, talvez a dor sentida pelas discriminações pudesse obter outros significados. Ribeiro (2017) discute que há um movimento de incluir mulheres negras em alguns espaços, porém elas nunca serão consideradas como iguais, a exemplo das trabalhadoras domésticas, que rotineiramente escutam que fazem parte da família, porém continuam subalternizadas.
As histórias de Celie e Vilma representam essa afirmativa. Celie, em outro momento da entrevista, afirma que não sabia diferenciar quem era sua família; por ser trabalhadora da casa, era tratada como mais um membro e até lhe era autorizado tratar a patroa como "madrinha". Vilma afirma que era considerada amiga das patroas, que inclusive lhe confiavam segredos; no entanto, quando era convidada para estar nos mesmos espaços de seus patrões, recusava e afirmava que precisava se pôr em seu lugar. Além disso, no discurso de Vilma, identificamos um lugar em que sua existência subjetiva é ameaçada, visto que seus patrões lhe emprestavam para outras pessoas, como se fosse um utensílio.
De acordo com Nogueira (1999), a escravidão constituiu para os negros a representação de que eram seres carentes de humanidade, aproximando-os de animais e coisas, seres que se constituíam como objetos de posse dos "indivíduos humanos" - brancos. Nas falas acima fica evidente o que a autora afirma: que o corpo negro marcado pela desumanização tem o seu processo de construção da subjetividade obstruído. Representação esta que afeta, sobretudo, o processo de tornar-se sujeito. Dessa forma, é preciso entender de que maneira se dá esse processo, permeado por questões que aparentemente externos, mas que na verdade fazem parte de toda essa herança cultural, estando inserido no processo de estruturação do sujeito. Ou seja, "como inscrever-se no nível das representações nesse lugar social se, até ontem, estava excluído dele?" (Nogueira, 1999, p. 2).
Ainda sobre as narrativas, Neusa apresentou histórias em que a cor de pele atravessava suas relações desde a infância até a vida adulta, e do momento em que se descobriu negra percebeu: vivências da família em espaços que lhe eram negados, bem como de seu trabalho político institucional junto a gabinetes e secretarias governamentais.
[...] eu tava em uma atividade no calçadão, e aí desci de um carro da prefeitura, e uma pessoa falou assim pra mim 'ah, você trabalha na prefeitura?' -eu disse-- 'sim né, eu sou secretária e trabalho na prefeitura'. 'Ah sim, é que eu queria fazer uma reclamação, a senhora é a responsável pela limpeza aqui do calçadão?' - eu tava de colar, de brinco, maquiada, vestida, não tinha como ser a pessoa da limpeza daquele calçadão pela forma como eu estava [...]. (Neusa).
Souza (1983) discute que, mesmo em ascensão social, o corpo negro é representado no laço social a partir de posições estigmatizadas. Nogueira (1999, p. 3) também aponta que "em particular a mulher negra, se vê aprisionada em alguns lugares: a sambista, a mulata, a doméstica". Neusa marca que mesmo "[...] de colar, de brinco, maquiada, vestida [...]" foi entendida como a responsável pela limpeza. Estes adereços que comumente representam a formalidade da mulher no laço social não garantiram que Neusa fosse compreendida como alguém que ocupa uma posição importante. Sobre isso, Braga (2016) aponta que a doméstica é entendida como um corpo assexual, portanto, está à margem da representação de feminilidade, sendo reduzida à condição de trabalhadora. Portanto, Neusa, como negra, visualizada como responsável pela limpeza, teve seu cargo importante e seu gênero anulados.
Celie, Vilma e Neusa apresentaram experiências acerca da relação da mulher negra com o trabalho. Perceber a mulher negra fixada na posição de doméstica ou responsável pela limpeza é uma herança do período do escravismo (Nogueira, 1999) que ainda não foi superada. Assim, fixadas nessa posição, mulheres negras ficam impossibilitadas de constituir, pela linguagem e numa rede discursiva, um espaço subjetivo diferente daquele que lhe foi designado (Farias, 2018). Compreende-se, então, que o trabalho doméstico ainda é uma posição fixada ao corpo da mulher negra, mesmo que ela acesse outros espaços. E não à toa, a palavra "doméstica" diz respeito a domesticar. Portanto, ao colar esse significante à imagem da mulher negra evidencia-se que algo deste corpo precisa ser domesticado (Braga, 2016).
Questões sobre feminilidade, sexualidade e corpo
Em relação às questões do corpo, do feminino e da sexualidade da mulher negra, apresentaram-se algumas falas das entrevistadas que dizem respeito a estes temas. As vivências dessa temática para a mulher negra possuem especificidades que por vezes não são consideradas.
Dona Ana trouxe histórias familiares e na relação com amigas, tanto do passado quanto atuais, em que se sentiu discriminada ou percebia que o racismo estava presente. O seguinte trecho diz respeito a uma cena de sua adolescência:
Tava todas meninas conversando sobre unha, aí eu falei, 'ah, minha prima tem uma unha bem grandona, bem bonita' [...] aí uma menina falou 'ah, ela tem unha grande, mas que cor ela é?', eu falei 'da minha cor, ela é preta também' - e ela - 'a então não adianta nada ter unha bonita, porque é preta' [...]. (Dona Ana).
De acordo com a resposta recebida por Dona Ana, supomos que, mesmo quando a mulher negra possui um significante de feminilidade difundido no social, no caso "unha bonita", ela é invalidada como um corpo sem valor social. Vale ressaltar também que, desde o período escravocrata, mulheres brancas e negras vivem uma espécie de rivalidade, tendo em vista que mulheres brancas aplicavam castigos às negras, devido aos estupros e interesse sexual dos senhores de engenho por estas. Esses castigos envolviam quebrar os dentes, queimar o rosto, cortar os peitos e arrancar as unhas (Braga, 2016), todos envolvendo características que marcariam a beleza e feminilidade.
Outro exemplo tratou-se da menção de Bia sobre seu não entendimento de sofrer discriminação na infância, o que atualmente é abordado em seus debates através de: sua inserção na universidade, nos movimentos sociais e partidos políticos, no estágio profissional em sua área de estudo, sempre enfatizando a dificuldade desse processo por ser negra, mulher e pobre.
[...] eu lembro uma vez que eu estava me relacionando com um cara, e ele falou assim que eu seria mais bonita se eu fosse loira [...] em alguns relacionamentos que eu tive, eu sempre fui trocada por meninas brancas [...]. (Bia).
Bia apresenta um conflito no que diz respeito a não ser escolhida para relacionamentos amorosos pelos meninos. Essa constatação se relaciona com toda construção sócio-histórica do ideal de beleza e de mulher que mereceria o status de um relacionamento, fato oposto ao que acontece com o corpo negro no imaginário social, pois não corresponde a este ideal. Nesse sentido, Braga (2016) discute um dos conflitos que a mulher negra vivencia, com um corpo marcado pela vergonha, por não se sentir atraente. De acordo com a autora, esse corpo encarna, a partir da transmissão psíquica simbólica, os corpos de negras escravizadas que, associadas à mucama, à mulata, eram "um corpo de gozo, mas sem valor social" (Braga, 2016, p. 259).
Nogueira (1998) discute o quanto a imagem do corpo é fundamental e fundante para o sujeito e que, para o corpo negro, existe uma singularidade nesse processo, visto que ele é marcado pela brancura desde o desejo materno até a constante experiência de não valorização da imagem vista no espelho pela criança. A autora ainda destaca que não é raro observar pessoas negras se submetendo a processos estéticos e cirúrgicos para atingirem os padrões desejáveis no laço social. Bia apresenta essa questão ao dizer que realizou progressiva - procedimento químico para alisamento do cabelo - desde os 10 anos de idade, para se aproximar desse significante considerado belo. Entretanto, transformar suas características não lhe garantiram que fosse vista como bonita ou escolhida para relações. Nesse sentido, Nogueira (1998, p. 79) apresenta o questionamento: "como se haver com um corpo, que é a negação daquilo que se deseja, daquilo que é inatingível - o corpo branco"?.
Elisa demonstrou, durante as entrevistas, certa inquietação sobre como denominar sua própria cor, se seria entendida como afrodescendente em um concurso por exemplo. Além disso, falou sobre as questões de ser mulher e negra, sobre a sexualização do corpo e das dificuldades de acesso a algumas oportunidades.
[...] Mas é do corpo da mulher negra ser mais sexualizado do que outro corpo em si, e até de características mesmo [...] como no meu caso eu tenho seios grandes, então nessas questões as pessoas às vezes pré-julgam também, tipo: você tem esse tipo de corpo, então você pode ser uma mulher mais fácil [...]. (Elisa).
Sabe-se que a sensualidade exacerbada atribuída às características dos corpos das mulheres negras é oriunda do período escravocrata e perdura até hoje. Nogueira (1998) e Braga (2016) apontam que a figura da "mulata exportação", que é um representante da sensualidade da mulher brasileira, é outro significante colado ao corpo da mulher negra. Quando não é empregada, é mulata. Nesse sentido, o corpo da mulher negra é superexposto e invisível ao mesmo tempo, pois é visto como referência de sensualidade, como no período do carnaval, mas não é passível de amor, como apresentado no relato de Bia.
Além disso, temos a fala de Nina:
[...] Aí tinha o ranking, o famoso ranking das meninas, aí a loirinha de olho claro era a primeira, a branca de cabelo liso a segunda, daí a morena e aí depois eu, bem depois é eu. Eu ouvi isso da boca de um menino [...] eu pensava 'porque elas e eu não, por que eu não posso ser a primeira, porque eu tenho que ser lá a última? Eu não sou bonita o suficiente, eu não tenho corpo, ou é a minha cor?'. (Nina).
Esse processo pode ser entendido a partir do conceito de invisibilização (Braga, 2016), principalmente quando ela questiona se não possui um corpo, visto que não é tida como bonita no ranking da escola. Nina evidencia que o conflito de não ser enxergada como bonita ameaça inclusive sua existência, pois lhe faz questionar se não possui um corpo e se é por isso que é invisível. E se esse corpo está ameaçado de existir, entendemos que há uma ameaça também à existência subjetiva (Farias, 2018), visto que a constituição psíquica nasce do corpo.
Portanto, só é possível pensar a negritude se considerarmos a branquitude a ela articulada, isto é, o racismo apresenta efeitos tanto para os sujeitos negros quanto para os sujeitos brancos. Todavia, muito mais devastadores às pessoas negras, em especial à mulher negra, uma vez que a negritude serve como uma forma primária de "outridade" pela qual a branquitude é construída. "Tal separação, trata-se de um trauma clássico, uma vez que priva o indivíduo de sua própria conexão com a sociedade inconscientemente pensada como branca" (Kilomba, 2019, p. 39).
Segundo Vannuchi (2017), hoje, no Brasil, a ordem jurídica não mais sustenta a desumanização dos negros, mas permanece com a política de "miscigenação" e "embranquecimento" da população negra, que estabelece, então, uma modalidade de "racismo à brasileira". Essas políticas produzem efeitos sociais de hierarquização e valorização negativa da identidade negra, o que, consequentemente, afeta a construção da identidade dos sujeitos negros, que são forçados a constituir uma imagem alienada ao discurso de "embranquecimento", experimentando uma situação de aniquilamento de seus próprios corpos.
Considerações Finais
A partir do desenvolvimento desta pesquisa e das construções teóricas, entendemos que, no enlace social, ainda existe uma marca específica no que diz respeito aos corpos de mulheres negras. Fica evidente, a partir das falas das mulheres, o quanto a questão sócio-histórica atravessa o modo como o corpo da mulher negra se relaciona com o laço social e as repercussões psíquicas que essa relação gera.
Assim, consideramos que é inviável compreender o sofrimento de mulheres negras no Brasil desarticulando as questões sócio-históricas das psíquicas. O significante de força, atrelado comumente à imagem de mulheres negras, possui herança histórica e se atualiza tanto no imaginário social como no psiquismo dessas mulheres. Entretanto, mesmo defendendo essa posição, todas as mulheres que foram entrevistadas relataram vivências baseadas em discriminação racial que marcaram suas vidas e produziram sofrimento. Portanto, entende-se que há uma distância entre a força e o sofrimento da mulher negra, o que dificulta a significação, pois se compreende que o sofrimento do corpo negro ainda está marginalizado da rede discursiva e da palavra.
Sendo assim, indagamos se os modelos teóricos atuais dão conta de acessar esse hiato e produzir uma significação para as esferas de sofrimento da mulher negra. E, para além, pensar as questões do feminino e da construção da feminilidade no Brasil, que estruturadas apenas numa perspectiva eurocêntrica também não alcançam as diferentes formas de ser mulher. Aponta-se, também, uma carência de estudos acerca das questões da feminilidade e sexualidade feminina que mostre a perspectiva das relações raciais. E, ainda, o fato de que as pesquisas e produções já existentes não são amplamente divulgadas ou trabalhadas no momento de formação profissional. Assim, portanto, evidencia-se a necessidade de pesquisas futuras que investiguem como as mulheres negras têm construído os seus referenciais de feminilidade e os significados que atribuem à sua experiência física e subjetiva, além de ser constatada a necessidade de mais publicações que trabalhem com essa temática.
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Endereço para correspondência:
Debora Lydinês Martins Corsino
E-mail: deboralydines.mc@gmail.com
Flávia Ângelo Verceze
E-mail: vercezeflavia@gmail.com
Silvia Nogueira Cordeiro
E-mail: silvianc2000@gmail.com
Recebido em: 23/10/2020
Revisado em: 07/06/2021
Aceito em: 03/07/2021
Publicado online: 29/04/2022