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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.10 no.2 Belém maio/ago. 2018

https://doi.org/10.210.26823/RevistadoNUFEN.vol10.n02ensaio37 

Ensaio

 

 

Des-envolver humano: ampliação de campo para Gestalt-Terapia

 

Human Development: a field extension for a Gestalt-therapy

 

Desarrollar Humano: una extensión de terreno de Terapia Gestalt

 

 

Magaly Fernandes Santiago Karpen

Comunidade Gestáltica

 

 

 


RESUMO

O presente trabalho busca ampliar o campo e contribuir com as inquietações que surgem na prática clínica dos Gestalt-terapeutas sobre o processo de desenvolvimento humano. Para alcançar tal propósito, neste artigo serão expostas algumas perspectivas teóricas sobre o desenvolvimento e aprendizagem, bem como estudos da abordagem gestáltica direcionados a esta temática. Acredita-se que a compreensão de tais pontos de vistas, bem como o conhecimento das divergências e convergências dos mesmos, possa contribuir para o fortalecimento da Gestalt-terapia, não como paralelo a teorias existentes, mas como um novo modo de compreensão do processo de "des-envolver-se"

Palavras-chave: Gestalt-terapia; Desenvolvimento humano; Psicologia.


ABSTRACT

The present work seeks a field extension and contribute with the concerns that arise in the clinical practice of Gestalt therapy's about the process of human development. To achieve this purpose, this article will present some theoretical perspectives on development and learning, as well as studies of the Gestalt approach directed to this theme. It is believed that the understanding of such points of view, as well as the knowledge of the divergences and convergences of these, can contribute to the strengthening of Gestalt therapy, not as parallel to existing theories, but as a new way of understanding the process of developing.

Keywords: Gestalt-therapy; Human development; Psychology.


RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo ampliar el campo y contribuir con las inquietudes que surgen en la práctica clínica de los Gestalt terapeutas sobre el proceso de desarrollo humano. Con este fin, en este trabajo será expuesto algunas perspectivas teóricas sobre el desarrollo humano y la aprendizaje, así como estudios de lo enfoque gestáltico dirigidos a esta cuestión. Se cree que la comprensión de tales puntos de vista, así como el conocimiento de las divergencias y convergencias de los mismos, puede contribuir al fortalecimiento de la Gestalt-terapia, no como paralelo a las teorías existentes, sino como un nuevo modo de comprensión del proceso de "desarrollarte".

Palabras-clave: Terapia Gestalt; Desarrolar humano; Psicología.


 

 

INTRODUÇÃO

Este estudo, o des-envolver humano: uma ampliação de campo para a Gestaltterapia, convida a desvelar o processo do desenvolvimento humano em perspectivas teóricas que estudam a temática e compreender alguns paralelos construídos entre a Gestalt-terapia e outras teorias de desenvolvimento.

A contribuição deste trabalho está na compreensão didática e conceitual de cada teoria apresentada, a fim de ampliar a awareness a respeito do pensar da Gestalt-terapia sobre o desenvolvimento humano.

Para alcançar tal objetivo, neste trabalho serão expostas algumas perspectivas teóricas sobre o desenvolvimento humano e aprendizagem tendo como base os estudos de David Shafer, Helen Bee e Denise Boyd, Diane Papalia e Ruth Feldman e Knud Illeris e colaboradores, bem como estudos da abordagem gestáltica direcionados ao desenvolvimento humano, tendo como base a teoria da Gestalt-terapia desenvolvida por Perls, Hefferline e Goodman.

Acredita-se que a compreensão de tais pontos de vistas sobre o desenvolvimento humano possa contribuir para o fortalecimento da Gestalt-terapia como teoria de estudo do processo dinâmico de desenvolvimento, não como paralelo a teorias existentes, mas como um modo diferente de compreensão do processo de "des-envolver-se", ampliando o campo sobre como a Gestalt-terapia compreende o desenvolvimento humano fazendo a diferenciação encontrando as divergências e convergências com algumas das teorias de desenvolvimento mais citadas e estudadas pelos teóricos da área.

 

O DESENVOLVIMENTO HUMANO

O desenvolvimento humano ocorre através de transformações, desde a concepção, e este processo é marcado por uma série de mudanças. Os desenvolvimentistas que estudam estes processos de transformações focam seus estudos em características mutáveis e também nas que permanecem estáveis, buscando compreender os processos estáveis e sistemáticos. Também, preocupam-se em estudar a continuidade e as mudanças que ocorrem durante o processo de vida do indivíduo, pois segundo afirma Shafer (2005, p.02) "a ciência do desenvolvimento tem como fenômeno de estudo a continuidade e as mudanças que um indivíduo sofre do berço ao túmulo".

De modo a ampliar a compreensão na área das pesquisas sobre o desenvolvimento humano, Papalia e Feldman (2013, p.36) afirmam que as pesquisas também se aplicam "na criação, educação e saúde das crianças e também nas diretrizes sociais em relação a elas". Para os autores a ciência do desenvolvimento é multidisciplinar, usa-se aterminologia "desenvolvimentista" para qualquer estudioso, independente da disciplina, que se interesse a entender o processo de desenvolvimento.

Para Shafer (2005) os processos que contribuem para o estudo do desenvolvimento humano são: a maturação, que dispõe sobre o desenvolvimento biológico do indivíduo, fundamental para o crescimento desde o andar, falar, maturidade sexual, velhice e morte. A neurociência estuda estes processos maturacionais do cérebro como a capacidade de concentração, atenção, resolução de problemas e também busca entender os pensamentos e sentimentos com base em uma matriz maturacional. O segundo processo citado pelo autor é a aprendizagem na qual as experiências produzem mudanças relativamente permanentes nos sentimentos, pensamentos e comportamentos humanos. Aprendemos ao observar e interagir socialmente e tais mudanças ocorrem em resposta ao nosso ambiente. Estes processos são domínios para o estudo do desenvolvimento, passando pelo desenvolvimento físico (crescimento do corpo e cérebro, capacidades sensoriais, habilidades motoras), o desenvolvimento cognitivo (aprendizagem, atenção, memoria, linguagem, pensamento, raciocínio e criatividade) e o desenvolvimento psicossocial (emoções, personalidade e relações sociais) (Papalia e Feldman, 2013).

Existem na ótica de Bee e Boyd (2011) duas questões que permeiam o estudo do desenvolvimento humano: o debate filosófico e científico sobre o quanto fatores inatos e ambientais influenciam no desenvolvimento e as divergências a respeito das mudanças relacionadas à idade e os estágios.

O debate possui suas bases sustentadas por idealistas e racionalistas como Platão e Descartes que acreditam que alguns dos conhecimentos humanos eram inatos, já os empiristas, dentre eles John Locke, insistiam que a criança nascia como uma tábula rasa preenchida pelas experiências criando o conhecimento. Em oposição aos racionalistas e empiristas, outros filósofos acreditavam que o desenvolvimento envolvia uma interação entre forças internas e externas. O filósofo francês Jean-Jaques Rousseau acreditava nesta interação e alegava que todos os seres humanos são naturalmente bons e buscam experiências que os ajudem a crescer, para desenvolver um potencial inato (Bee e Boyd, 2011).

Estudos recentes conceituam que a aprendizagem é qualquer processo que leve organismos vivos a uma mudança permanente em suas capacidades e que não se deve unicamente ao amadurecimento biológico ou ao envelhecimento, mas inclui integração entre indivíduo e seu ambiente social, cultural e um processo psicológico interno de elaboração e aquisição de conhecimento (Illeris, 2013). Apesar das discussões a respeito da natureza-criação e continuidade e descontinuidade, a maioria concorda que essencialmente cada faceta do desenvolvimento é contínua e outra, mais "de estágios".

 

PERSPECTIVAS TEÓRICAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO HUMANO

Para contextualizar a reflexão proposta neste trabalho, serão apresentadas algumas das perspectivas sobre o desenvolvimento humano. Foram selecionadas as teorias mais citadas pelos autores: David Shafer, Helen Bee e Denise Boyd, Diane Papalia e Ruth Feldman e Knud Illeris. Tais autores foram escolhidos por serem os mais citados no meio acadêmico.

Perspectiva Psicanalítica

A base teórica desta perspectiva é a teoria psicossexual de Freud na qual impulsos inconscientes controlam o comportamento. Para esta teoria as mudanças nos padrões de ligação afetiva, estão relacionadas às mudanças de um estágio para outro, iniciando aos quatro (4) anos o estágio fálico, onde acontece a crise edipiana que envolve o processo de identificação. A primeira experiência familiar é um dos pontos importantes do desenvolvimento. No início da vida prevalecem aspectos do Id (instintos e desejos), por volta dos dois (2) anos começa a desenvolver o Ego que organiza e possibilita a adaptação à realidade e o Superego desenvolve-se antes da idade escolar na medida em que a criança incorpora crenças e valores culturais (Bee e Boyd, 2011; Papalia e Feldman, 2013).

Psicanalistas como Adler, Horney e Sullivan colocam mais ênfase em seus estudos nas influências sociais sobre o desenvolvimento e menos ênfase nas pulsões sexuais, mas todos trabalham com as experiências da primeira infância (Shafer, 2005).

A teoria de Donald Winnicott considera o ambiente e ficou conhecida como uma psicanálise não edipiana. De acordo com Loparick (2006) a teoria Winnicottiana considera a "relação" indivíduo e ambiente na qual o indivíduo é caracterizado pela tendência para o amadurecimento, e o ambiente é visto como facilitador do processo de amadurecimento. O nascimento não concede à criança o estatuto de ser humano, somente lhe possibilita iniciar sua construção, que é um processo longo e nunca completamente terminado (Frota, 2006). Para Winnicott (1999, p. 11) "num ambiente que propicia um 'segurar' (holding) satisfatório, o bebê é capaz de realizar o desenvolvimento pessoal de acordo com suas tendências herdadas".

Perspectiva Cognitiva

Os cognitivistas estudam a relação entre o desenvolvimento das ligações afetivas e o desenvolvimento cognitivo, onde as mudanças nos padrões afetivos da criança estão relacionadas a mudanças em suas habilidades cognitivas (Bee e Boyd, 2011). Piaget formuloua teoria dos estágios cognitivos onde constatou que mudanças qualitativas no pensamento ocorrem entre a primeira infância e a adolescência. Os esquemas (estrutura cognitiva) são padrões de organização do pensamento e ações que explicam a experiência. Os estágios que seguem o desenvolvimento cognitivo são: sensório-motor (0 aos 2 anos) e baseiam-se em capacidades motoras e sensoriais; pré-operatório (2 aos 7 anos) onde o pensamento é egocêntrico e as crianças passam a utilizar simbolismos para representar o ambiente, tornamse mais imaginativas nas brincadeiras; operações concretas (7 aos 11 anos) onde ocorre a aquisição de atividades que compõem o pensamento lógico; operações formais (11 anos em diante) onde o adolescente reorganiza as operações cognitivas e passa a pensar sobre o pensamento de forma sistemática e abstrata. O método utilizado por Piaget foi o de entrevistas e observações (Shafer, 2005; Papalia e Feldman, 2013; Bee e Boyd, 2011).

Dentro desta perspectiva também encontra-se a teoria sociocultural de Vigotsky, onde a interação social é o fator desencadeante para o desenvolvimento cognitivo. Vigotsky rejeita a ideia de estágios por acreditar que novas habilidades são adquiridas de acordo com a cultura, crenças, valores, tradições e habilidades de um grupo social, deixando para trás as estruturas cognitivas universais.

De acordo com Oliveira (1992) a teoria de Vigotsky tem como pressuposto a ideia de que o ser humano se constitui na relação com o outro social, considerando que a cultura e os aspectos biológicos moldam o funcionamento psicológico humano.

Perspectiva Etológica ou Evolucionista

A perspectiva evolucionista objetiva de acordo com Martins et al. (2012) compreender a natureza humana à luz da perspectiva evolucionista do neodarwinismo, propondo uma expansão da noção de adaptações do biológico para o mental. Os pressupostos que organizam esta perspectiva são: que mecanismos mentais possuem um substrato fisiológico; que os comportamentos ocorrem em função dos mecanismos mentais instintivos e inatos; que alguns comportamentos proporcionaram maiores vantagens adaptativas; que a seleção natural proporcionou modificações na fisiologia dos organismos ao longo do tempo (Tooby e Cosmides, 1992 conforme citado por Martins et al., 2012).

O processo de desenvolvimento humano etológico é estudado através da teoria do apego de Bowlby que acredita que seres humanos possuem mecanismos adaptativos para sobreviver. Esta perspectiva enfatiza os padrões instintivos, inatos, de interação do bebê, onde a criança provoca cuidados chorando e/ou movimentando-se prolongando assim o estado afetuoso, tornando-se mais voluntário com o desenvolvimento da criança (Shafer, 2005; Papalia e Feldman, 2013).

Perspectiva da Aprendizagem

Pavlov, Skinner, Watson e Bandura contribuíram para o estudo desta perspectiva através da teoria tradicional da aprendizagem ou Behaviorismo, onde as pessoas são reativas e o ambiente controla o comportamento, utilizando como método procedimentos científicos experimentais para a mudança de comportamento através de reforçadores. Shafer (2005) diz que para Watson e Skinner o ambiente modelava o comportamento da criança, enquanto Bandura propõe que as ligações entre as pessoas, são bidirecionais e o ambiente influencia o comportamento da criança, assim como a criança influencia o ambiente, de modo a estar ativamente envolvida em moldar o próprio ambiente, que por sua vez, influenciará seu crescimento e desenvolvimento.

Importante ressaltar que teorias recentes sobre teorias contemporâneas da aprendizagem consideram que o tipo de espaço de aprendizagem gera diferença entre a aprendizagem cotidiana, dependendo das condições gerais de tempo e espaço, possibilitando que a aprendizagem seja mais ampla hoje do que um século atrás e também diferem entre os países e culturas da atualidade (Illeris, 2013).

Perspectiva Ecológica

A Abordagem Ecológica do desenvolvimento privilegia os aspectos saudáveis. Os estudos são realizados em ambientes naturais e a análise da participação da pessoa é focada no maior número possível de ambientes e em contato com diferentes pessoas - díades, tríades, etc. (Alves, 1997).

Para Urie Bronfenbrenner, o desenvolvimento humano é um "o conjunto de processos através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente interagem para produzir constância e mudança nas características da pessoa no curso de sua vida" (Bronfenbrenner, 1989 conforme citado por Alves, 1997, p.191).

Na perspectiva ecológica do desenvolvimento a família funciona como um filtro por onde a cultura social passa antes de influenciar diretamente o desenvolvimento da criança. O que diferencia esta teoria de outras que também consideram a influência familiar, é que a perspectiva ecológica busca explicar como estas diversas influências do contexto estão relacionadas entre si e também com o desenvolvimento biológico da criança (Bee e Boyd, 2011). Nesta perspectiva o desenvolvimento humano é definido como uma mudança duradoura na maneira pela qual uma pessoa percebe e lida com seu ambiente, entendendo ambiente como algo amplo através dos sistemas.

 

A GESTALT-TERAPIA E O DESENVOLVIMENTO HUMANO

A Gestalt-terapia sustenta-se com bases fenomenológicas, existenciais, nas teorias de campo, organísmica e holística, compreende o desenvolvimento humano como um processo, onde através de ajustamentos criativos e da capacidade inata de autorregularão organísmica a pessoa desenvolve-se de maneira continua e permanente (Antony, 2006).

Yontef (1988) conforme citado por Fernandes (1995, p.20) afirma que o desenvolvimento psicológico humano é de que ele é sempre função de maturação biológica, das influências ambientais, da interação entre o indivíduo e o meio e do ajustamento criativo feito pelo indivíduo único".

Segundo Perls, Hefferline e Goodman (1997) é através do ajustamento criativo que a pessoa busca atender suas necessidades, garantindo criativamente sua sobrevivência, e também a sua adaptação, ampliando as possibilidades de ação no mundo. "[...] podemos considerar a criatividade do self e o ajustamento organismo/ambiente como polos: um não pode existir sem o outro" (Perls, Hefferline e Goodman, 1997, p.211). O Self para a Gestaltterapia é um sistema de contato no campo organismo/meio, um agente de crescimento, que proporciona a interação entre os polos. Robine (2006) afirma que o self constitui os movimentos de integração e diferenciação do processo de individuação.

Para Perls, Hefferline e Goodman (1997) qualquer estudo sobre o crescimento deve considerar o campo organismo/ambiente. As atividades do Self são um processo temporal composto de dinâmicas como: pré-contato, onde não há evento na fronteira, o organismo e o meio estão disponíveis para qualquer excitamento que ocorra; contato, quando inicia-se o processo de excitamento no campo proporcionando maior atenção para as possibilidades apresentadas; contato final, que é a união da figura e do fundo, a experiência propriamente dita onde o fundo é assimilado e por fim, pós-contato, que é o próprio crescimento, quando ocorre a significação através da assimilação do contato ocorrido. Este sistema de contatos integra funções perceptivo-proprioceptivas, funções motor-musculares e necessidades orgânicas. Os aspectos do Self ou funções do Self são o Id, (pré contato), Ego (contato e contato final) e Personalidade (pós-contato), são etapas principais de ajustamento criativo (Robine, 2006).

Pode-se compreender que a teoria do desenvolvimento humano da Gestalt- Terapia está sustentada por meio dos conceitos de autorregulação organísmica e ajustamento criativo. Conforme Perls, Hefferline e Goodman (1997), diante disso entende-se que a Gestaltterapia possibilita compreender o desenvolvimento sem priorizar o viés biológico ou o social, mas sim, uma interação inseparável entre eles de modo a reorganizar ininterruptamente o desenvolvimento individual das potencialidades e habilidades da pessoa no campo organismo-meio (Aguiar, 2014).

O contato que favorece a assimilação e crescimento de uma figura de interesse contra um fundo ou contexto ambiente é um processo dinâmico, onde as necessidades do campo se potencializam gradualmente, favorecendo a nitidez e tornando a figura dominante. A figura se intensifica com a awareness que não é apenas consciência, mas presentificação (Perls et al. 1951 conforme citado por Ajzenberg; Cardoso; Fernandes; Lazaros; Nogueira, 1995). O contato é relação, é a experiência primeira e depende do vínculo na relação Eu-Tu (Robine, 2006).

A experiência ocorre na fronteira entre o organismo/meio e o desenvolvimento ocorrerá através da metabolização do desconhecido, que quando assimilado transforma os aspectos do Self. Este self não é fixo, nem uma instancia psíquica, é um processo singular que manifesta-se em um dado momento e num dado campo. Segundo Ginger e Ginger (1995, p.126) "não é o seu 'ser', mas o seu 'ser no mundo'". Assim de acordo Schillings, (2014, p. 195) "tocamos e somos tocados pelo mundo a todo instante por meio da nossa sensorialidade. O mundo nos toca mobilizando nossa visão, audição, olfato, gustação e sensação tátil – esses são órgãos dos sentidos".

Considerando a afirmação de Perls (1977) de que aprender é descobrir que algo é possível, pode-se compreender que diante das inúmeras experiências desde o nascimento, o desenvolvimento ocorre através da forma que cada pessoa consegue dar para suas vivências cotidianas. Sabe-se que gestalticamente, as ocorrências do organismo no campo são dinâmicas, fluídas e sem direção determinada. Para apresentar este processo de uma forma meramente didática pode-se organizar segundo Robine (2006) que inicialmente a criança encontra-se em confluência com o meio na dinâmica do pré-contato, e na medida em que ocorre o excitamento, busca em seu fundo situações semelhantes introjetadas partindo para a dinâmica do contato, em seguida projeta no meio suas necessidades, confrontando com o meio e buscando possibilidades de fechamento. Em seguida, ainda no contato, ocorre o engajamento com o meio buscando possibilidades através da autocrítica, contendo em si o excitamento, para organizar a nova forma. Depois vai para o meio através do egotismo em direção ao contato final, que assegura o pertencimento do que foi adquirido e organizado. Quando vive-se situações novas o egotismo ocorre para que se assegure de que a entrega não seja precoce. Por fim, no pós-contato o retorno a confluência garante que o que foi assimilado torne-se parte do eu atual e poderá servir de fundo para as experiências seguintes constituindo e atualizando o fundo dos vividos.

Para concluir Schillings (2014) afirma que o ser humano ao relacionar-se com o ambiente organiza-se no sentido social, bem como no sentido de possuir uma singularidade no mundo onde vive. A autora ainda esclarece que o desenvolvimento saudável do ser humano consiste na maneira como este se relaciona com a apresentação das circunstâncias da vida e a forma como busca satisfazer as necessidades que emergem - apesar dosobstáculos que possam aparecer, procurando a solução através de ações viáveis que possibilitem o fechamento da situação apresentada.

 

AMPLIANDO O CAMPO: AS (DI) VERGÊNCIAS

Inicialmente é importante esclarecer que não é intenção do presente trabalho criticar as perspectivas de estudo do desenvolvimento humano, mas sim compreender e ampliar o conhecimento gestáltico sobre a temática, sendo que por vezes encontra-se referenciais teóricos de outras abordagens nos artigos de Gestalt-terapia que abordam o processo de desenvolvimento humano.

A priori vale a reflexão sobre a epistemologia, definida por Houaiss (1999) como a teoria do conhecimento. Ampliando o conceito Kegan (2013) afirma que a epistemologia refere-se não ao que sabemos, mas ao nosso modo de saber. Complementando a importância do conhecimento das raízes de um saber, Ribeiro (2011, p.13) afirma que "para se compreender um fazer, é preciso saber de que lugar se está falando, em qual lugar estamos nos colocando e colocando o outro a ser compreendido, para, daí, podermos acessar uma teoria e utilizá-la com sabedoria".

Iniciando as reflexões, Fernandes (1995) conceitua a Gestalt-terapia como uma teoria de processo que refere-se ao desenvolvimento através do tempo. Com sua singularidade a Gestalt-terapia possui uma compreensão do desenvolvimento sendo o ciclo de contato o próprio desenvolvimento em fluxo. Morss (2002) conforme citado por Aguiar (2014, p.45) corrobora dizendo que "a Gestalt-terapia não precisaria de uma teoria do desenvolvimento, uma vez que seus pressupostos não abarcam uma teoria baseada em estágios sequenciais de caráter universal [...]".

Segundo Fernandes (1995) se faz importante conhecer os estudos sobre o desenvolvimento humano como norteador da prática do Gestalt-terapeuta para localizar o momento do processo evolutivo do cliente com a finalidade de compreender, no caso da criança, se o que esperam de seu desenvolvimento se faz coerente com seu momento evolutivo. Também, considera importante para que seja possível identificar em que momento de seu desenvolvimento ocorreu alguma cristalização, sendo possível compreender qual a Gestalt inacabada que impossibilita seu crescimento.

Considerando as divergências entre a Gestalt-terapia e as teorias deterministas, Almeida (1983) conforme citado por Fernandes (1995, p. 70) chama a atenção para o erro cometido em pensar o desenvolvimento da criança como um processo dirigido para o futuro, pois "ela não é um futuro adulto, e sim, um ser completo e adaptado em cada momento de sua vida, sendo seu comportamento organizado e funcional em cada fase do desenvolvimento.

Referindo-se a psicanalise, não pode-se negar suas contribuições para o surgimento da Gestalt-terapia, não apenas como teoria e prática que fundamentou Perls em sua trajetória clínica, mas diante da qual Perls fundamentou suas principais divergências. Diante disso Ginger e Ginger (1985) apontam algumas das controvérsias que as diferenciam. Inicialmente vale ressaltar que Perls não nega o inconsciente, porém diferente de Freud que propõe o acesso através das associações verbais ou dos sonhos, Fritz Perls propõe outras formas de acesso ao inconsciente, através da atenção do corpo, das sensações da emoção, dando ênfase às necessidades fisiológicas que são importantes para a sobrevivência humana.

Sintetizando, Ribeiro (1985) enumera três críticas que Perls faz a Freud diferenciando as duas teorias. Em primeiro lugar está o fato de a psicanálise lidar com os fatos isolados do organismo como um todo. Na Gestalt-terapia Perls propôs os conceitos holísticos do organismo seguindo o conceito formulado por Smuts de que o todo é composto por partes. Este olhar que possibilita a compreensão da relação dinâmica entre as partes, e qualquer distúrbio em uma dessas partes pode afetar o todo, acarretando num esforço cooperativo entre todas as partes, para reajustar as suas funções, objetivando restabelecer o equilíbrio do organismo, preservando o todo (Helou, 2013). Em seguida, o uso das associações livres pela psicanálise, que difere da compreensão fenomenológica que propõe a Gestalt-terapia, considerando a redução fenomenológica como método gestáltico de descrição dos fenômenos. Rehfeld (2013) classifica o método fenomenológico como uma forma de elucidar "o reino das essências" que objetiva estabelecer a essência do objeto sem formular hipóteses apriorísticas.

Perls propõe a aplicação do pensamento diferencial de Friedlaender que afirma que a partir do ponto zero acontece a diferenciação entre os opostos de forma dinâmica e processual, sem a dualidade estanque, mas com possibilidades fluídas da compreensão entre as polaridades.

De acordo com Miller (2002) na teoria psicanalítica ocorre uma perda da mãe quando a criança descobre que é separado dela, chamado de ansiedade primaria de separação, significando que ao descobrir-se separado, descobre-se a ansiedade e o terror de estar separado, enquanto na Gestalt-terapia esse processo, chamado pelo autor de desafio e resposta, possibilita o desenvolvimento de capacidades para transpor dificuldades na satisfação das necessidades, sem haver perdas e sim ganhos com a descoberta de novas possibilidades de ação no mundo. Acrescenta-se que além das descobertas de maneiras diferentes de estar no mundo, este movimento amplia o contato com outras pessoas descobrindo e construindo uma rede de relacionamentos repleta de características nutritivas para cada movimento de crescimento que aparece no decorrer do desenvolvimento na vida.

A psicanálise e a Gestalt-terapia segundo Ginger e Ginger (1985) tanto se inspiram quanto se opõe. Os autores afirmam que ao contrário da psicanálise, a Gestalt não reivindica o estatuto de ciência, mas orgulha-se de permanecer uma arte.

Complementando, Miller (2002) afirma que a Gestalt-terapia pode aprender muito com a psicanálise, devido suas décadas de teorias sobre como as pessoas se desenvolvem, porém, não é o suficiente porque o fundo filosófico do qual a Gestalt-terapia se desenvolve é radicalmente diferente daquele da psicanálise e a Gestalt-terapia pode sim emprestar alguns conceitos, mas se faz necessário transformar em algo que seja de sua própria epistemologia. Para o autor a teoria é apenas uma forma de organizar a experiência.

Diante do exposto, compreende-se que o estudo isolado das partes que constituem o desenvolver humano diverge do conceito de mundo e de pessoa da Gestaltterapia. Ginger e Ginger (1985) ao afirmarem que o todo é diferente da soma de suas partes, exemplificam que um rosto humano não se reduz a soma de estímulos percebidos, assim como a água é diferente do oxigênio e do hidrogênio. Para compreender um comportamento vai-se além da mera análise, mas pela percepção da totalidade, no conjunto amplo e global.

As divergências entre a GT e a visão cognitivista estão na crença que as mudanças no comportamento bem como o desenvolvimento cognitivo ocorrem através de mudanças nas habilidades cognitivas. Piaget afirma que as mudanças qualitativas no pensamento estão vinculadas com a primeira infância e na adolescência. Já teorias de aprendizagem, como o behaviorismo apostam das mudanças comportamentais através de reforçadores por acreditarem que as pessoas são reativas ao ambiente. Diante disso pode-se estabelecer que a divergência no dialogo da Gestalt terapia e as teorias cognitivas e de aprendizagem está no fato da Gestalt terapia acreditar de acordo com Perls (1988) que é possível desenvolver o potencial humano sempre que novas formas surgirem e possibilitarem a aprendizagem através da experiência. Em sua afirmação de que aprender e descobrir que algo é possível, Perls refere-se que aprender vai além do armazenamento de algumas informações. Para a Gestalt terapia a conscientização do ocorre no aqui agora permite que livremente a pessoa encontre recursos que estão disponíveis no presente para reorganizarse criativamente. Para Perls formas prontas de reorganização ou formas rígidas de lidar com a vida são paralisantes das ações espontâneas de resolução de problemas da pessoa. A Gestalt terapia utiliza-se da fenomenologia visando trabalhar na conscientização do processo que ocorre e como ocorre.

A perspectiva evolucionista propõe que mecanismos mentais possuem um substrato fisiológico. O desenvolver humano passa do biológico para o mental. Sendo assim a Gestalt terapia se afasta desta perspectiva por acreditar na relação inseparável corpomente, organismo-meio, não existe esta relação dicotomizada, pessoa e mundo, mas naverdade o que temos é a pessoa-mundo, uma relação cósmica intrínseca conforme nos aponta Ribeiro (2011) permitindo assim uma fluidez do existir, dinâmico e mutável.

Finalizando as divergências deste trabalho eis a perspectiva ecológica onde o desenvolvimento humano é definido como uma mudança duradoura na forma como a amplitude do ambiente e seus sistemas é percebida pela pessoa. Já a visão de mundo da Gestalt terapia este é um permanente processo em ação vivendo em permanente troca, em permanente intrarelação campo-organismo-meio. De acordo com Ribeiro (2011, p.54) "não existem dois mundos, o Universo e nós, somos uma única e mesma realidade em total interdependência, embora estejamos habituados a ver o mundo como uma realidade independente e submissa a vontade do homem".

 

AMPLIANDO O CAMPO: AS (COM) VERGÊNCIAS

Refletindo a questão de como a Gestalt-terapia pode utilizar dos conhecimentos dos diversos estudos sobre o desenvolvimento humano, mantendo-se fiel a proposta teórica e filosófica, Fernandes (1995) reflete que, o conhecimento sobre as demais teorias serve apenas como um referencial orientador na relação terapêutica.

Diante das perspectivas de desenvolvimento apresentadas é possível observar que a maneira de estudar o ser humano varia de acordo com a visão de homem de cada uma delas. Neste sentido, para a Gestalt-terapia o estudo do desenvolvimento humano ultrapassa a observação comportamental, considerando as dimensões biopsicossociais e a integração indissociável destas dimensões. Portanto, será a forma como cada perspectiva estuda seu objeto que dará a significação para ele, podendo ser semelhante umas às outras ou até mesmo opostas (De Ajuriaguerra e Marcelli, 1986).

Para Fernandes (1995) a teoria construtivista de Piaget embora com epistemologia diferente assemelha-se com a Gestalt-terapia no sentido de privilegiar a experiência vivida como ponto de partida que leva ao crescimento. Para Piaget a cada estágio uma nova perspectiva se apresenta e se constrói desenvolvendo-se para níveis mais abstratos, onde é possível a pessoa utilizar de toda a sua experiência prévia, assim como também a experiência do outro. A autora questiona se isto não se assemelha com o que denomina-se ampliação de awareness através do contato com experiências vividas que são assimiladas servindo de suporte para novas experiências fazendo da criança agente de seu processo de crescimento, selecionando o que recebe do ambiente e como responderá ao mesmo, Piaget fala em assimilação e acomodação, que segundo Fernandes (1995) não deixam de ser semelhantes.

Apesar das semelhanças apontadas pela autora, não pode-se perder de vista que o método de estudo de Piaget consistia nas entrevistas e observações em campo e o métodoutilizado pela Gestalt-terapia é a redução fenomenológica que possibilita conhecer o fenômeno como ele se apresenta e é conhecido pela própria pessoa. Segundo Holanda e Freitas (2011) o significado está entre o entrelaçamento do sujeito com o mundo, entre os atos da consciência (noesis) e os objetos vividos correlato da experiência (noema).

Nas teorias de aprendizagem contemporâneas semelhanças aparecem ao observar que a gestaltpedagogia propõe que a aprendizagem ocorre através do desenvolvimento de todas as potencialidades individuais. Para que tal desenvolvimento ocorra faz-se necessário que se crie condições necessárias para que a criança ou adolescente sinta-se pertencente, preservando a dignidade, transmitindo o sentido de equivalência, bem como preservar também a coragem e autoconfiança do aprendiz e se necessário restabelece-la. Em resumo, Burow e Scherpp (1985, p.108) citam como objetivos da getaltpedagogia "a formação das próprias capacidade e habilidades; sentir e realizar os próprios potenciais e possibilidades e livrar-se de bloqueios que o tolhem".

A partir das teorias contemporâneas da aprendizagem apresentada por Illeris (2013) dois processos básicos da aprendizagem devem estar ativamente envolvidos para que ocorra a aprendizagem, sendo que um é o processo externo de interação indivíduo e ambiente social, cultural e material e o outro é um processo psicológico interno de elaboração e aquisição. Isto lembra o conceito de mundo da Gestalt-terapia que compreende o comportamento humano como relação pessoa-organismo-meio, como unidade indissociável num dado campo e num dado momento, entendendo campo como forças em movimento (Ribeiro, 2011).

Também, considerando esta unidade holística da Gestalt-terapia observa-se uma convergência no pensar da aprendizagem contemporânea quando refere-se a três dimensões da aprendizagem iniciando pelo conteúdo que é aprendido (conhecimento e habilidades), a dimensão do incentivo que direciona a energia mental necessária para o aprendizado e possui como elementos sentimentos, emoções, motivações e volição e por fim a dimensão de interação que impulsiona o aprender através da percepção, experiência, participação e atividade construindo a socialidade do indivíduo (Illeris, 2013).

Ribeiro (2011) didaticamente organiza os principais subtemas da psicologia da Gestalt utilizadas nesta compreensão do conceito de mundo em Gestalt-terapia: Figura-fundo e as articulações funcionais possíveis; Espaço e tempo e as organizações das unidades temporais; Parte-todo e as experiências, percepção, sistemas inter-relacionais; Percepção e a lei da pregancia, organização do espaço, visão periférica; Aprendizagem e processo, aplicações, repetições; e por fim Solução de problemas, considerando a questão da comunicação, intuição, inteligência, percepção, pensamento.

A Gestalt-terapia foca no funcionamento saudável do desenvolvimento, podendo ser considerada uma teoria da saúde conforme afirma Poppa (2013), apontando comoaspecto convergente da teoria do amadurecimento de Winnicott, que também busca identificar as bases do desenvolvimento saudável para pensar em seguida na etiologia dos distúrbios psíquicos.

Ginger e Ginger (1985) reconhecem Winnicott como psicanalista contemporâneo, cujas teses mais se aproximam da Gestalt-terapia. Alguns aspectos pontuados por Delacroix (1984) conforme citado por Ginger e Ginger (1985) das semelhanças entre as duas abordagens são a clareza da influência da fenomenologia em seus estudos. Winnicott baseia sua clínica nas relações entre a criança e seu meio, concede espaço às necessidades e nem tanto às pulsões, valoriza a experiência e seu processo, privilegia o jogo e a criatividade e atenta-se a forma como a criança se expressa.

Outra similaridade entre a Gestalt-terapia e a teoria do amadurecimento é o conceito de integração, sendo que ambas teorias acreditam que para o desenvolvimento ocorrer se faz necessária a relação. Desse modo, como afirma Poppa (2013), as duas perspectivas enfatizam que a existência do homem se concretiza através da relação e na presença de um outro. Isto remete a pensar sobre o encontro Eu-Tu na postura dialógica proposta por Buber da qual a Gestalt-terapia se apropria e dos cuidados da mãe suficientemente boa proposta por Winnicott.

De acordo com Hycner (1988) a vida humana se constitui nos relacionamentos, EU-TU, que permeia uma atitude interessada na pessoa e EU-ISSO, que ocorre quando a outra pessoa é, essencialmente, um "objeto" para quem está na relação. Estas duas dimensões fazem parte da troca humana de forma simultânea. Para o autor o dialogo genuíno somente pode emergir se duas pessoas estiverem disponíveis para ir além da atitude EUISSO, valorizando, apreciando e respeitando a alteridade da outra pessoa, isto significa reconhecer e dar valor a singularidade do outro o compreendendo como um Ser diferente de nós, disponibilizando a existência do entre que refere-se Buber, descrevendo como a esfera onde estamos todos envolvidos e interessados na outra pessoa transcendendo o senso de identidade, proporcionando em encontro genuíno, onde "somos todos únicos e, ainda assim, somos tods semelhantes" (Hycner, 1995, p.111). Complementando Yontef (1998, p.27) "uma pessoa existe pela diferenciação entre o self e o outro, e por conectar o self e o outro. Estas são as duas funções de uma fronteira".

Para a Gestalt-terapia a agressividade é fundamental para o processo do desenvolvimento humano. A agressividade é a energia investida no estabelecimento do contato com o ambiente, mantendo uma postura ativa na relação e oportunizando a autorregulação na percepção de novidades no ambiente que podem ser tóxicas ou nutritivas. Aquilo que é nutritivo é assimilado e as toxicidades rejeitadas, caracterizando assim o crescimento (Yontef, 1998). Winnicott também evidencia aspectos positivos da agressividade no desenvolvimento humano nos estágios mais primitivos tendo como objetivo satisfazer as excitações do bebê (Poppa, 2013).

Considerando a inter-relação e experiências do campo vivido, a perspectiva ecológica aponta para a ampliação da percepção sobre subcampos que influenciam o desenvolvimento humano, enfatizando os aspectos saudáveis desta relação. Para a Gestalt terapia o "homem é um ser de fronteira" é na fronteira de contato que a experiência acontece e possibilita a constituição do si mesmo, possibilitando "estar com o outro sem deixar de ser si mesmo e para se tornar si mesmo" (Cardella, 2014 p.107).

Para Frazão (1997) o funcionamento saudável é a interatividade que ocorre na fronteira de contato proporcionando a habilidade de relacionar-se criativamente com o meio respeitando a singularidade, atendendo as necessidades individuais e ao mesmo tempo mantendo uma relação respeitosa com o outro em sua unicidade. Para a Gestalt terapia "o homem realizado é aberto, em constante processo de atualização, transformação e realização criativa capaz de unir-se e separar-se ritmicamente, de tocar e de ser tocado pelo mundo" (Cardella, 2014 p.108).

 

CONCLUSÃO

O presente trabalho se propôs a conhecer os estudos do desenvolvimento humano e refletir este processo sob a ótica da Gestalt-terapia. Para isso, com a finalidade de didaticamente compreender os processos do desenvolvimento procurou-se des-envolver as teorias para melhor conhece-las.

Compreendeu-se que o desenvolvimento para a Gestalt-terapia é um processo singular que ocorre através do tempo na contínua identificação e satisfação de necessidades apresentadas na fronteira de contato, onde através de ajustamentos criativos no ambiente, o ser humano, apesar das dificuldades que possa encontrar, busca a melhor forma de fechamento da gestaten, ou seja, da necessidade emergente no momento, através do fluxo de contato que se desenvolve, isto ocorre através da assimilação mediada pelos polos de conservação e crescimento. Importante ressaltar que para a Gestalt-terapia "os erros são formas de fazer algo de maneira diferente, talvez criativamente nova" (Perls, 1977, p.18 conforme citado por Schillings, 2014, p.196).

Diante do exposto, conclui-se que semelhanças aparentes existem entre a Gestalt-terapia e as teorias apresentadas como: a teoria construtivista de Piaget, no sentido de privilegiar a experiência vivida como ponto de partida que leva ao crescimento; na teoria contemporânea da aprendizagem onde as semelhanças aparecem no conceito da gestaltpedagogia que propõe um olhar para a aprendizagem ocorrida através do desenvolvimento de todas as potencialidades individuais; na teoria do amadurecimento de Winnicott, que também busca identificar as bases do desenvolvimento saudável para pensar em seguida na etiologia dos distúrbios psíquicos, considerando a importância do ambiente como facilitador deste processo, através da interação indivíduo e ambiente.

A Gestalt-terapia foca no funcionamento saudável do desenvolvimento e neste sentido as divergências aparecem frente às teorias deterministas do desenvolvimento, que por sua vez podem interromper o processo fluído do desenvolver das singularidades, correndo o risco de ocorrer reproduções dos padrões de relacionamentos, aprendidos e direcionados, no decorrer da vida.

Aqui vale a reflexão de que a epistemologia, teoria do conhecimento e da formação de significados, vem trazer a compreensão que o estudo do desenvolvimento toma seu curso partindo de conceitos e significados embasados pelos fundos teóricos e filosóficos de cada abordagem que se dedica a estudar, neste caso, a forma como o ser humano se desenvolve no mundo. Portanto, as convergências e divergências entre a Gestalt-terapia e as demais teorias do desenvolvimento humano existem e precisam ser conhecidas como semelhantes em partes, mas se faz necessário traduzir estas semelhanças para a visão gestáltica de mundo e de pessoa, utilizando-se da teoria como organizadora do pensar a experiência humana.

Neste sentido é importante para o Gestalt-terapeuta conhecer para compreender de qual lugar se está organizando os pensamentos teóricos apresentados na semelhança, para a partir daí acessar o que aparentemente converge e traduzi-lo para a linguagem teórica gestáltica, tornando-se aware das diferenças epistemológicas. Lima (2013, p. 145) conclui que "as árvores, quando plantadas de acordo com as características as quais demandam o chão em que fincam suas raízes, crescem mais saudáveis, com mais força e vitalidade". Assim, a Gestalt-terapia ao falar de teoria do desenvolvimento não se refere a ela como uma verdade absoluta, mas sim uma maneira de compreensão da subjetividade humana.

Para concluir afirma-se que a Gestalt-terapia é um processo de desenvolver contínuo onde atualizações são feitas a todo instante de acordo com o sentir, o pensar e a maneira de cada pessoa estar no mundo. Diante disso a humildade gestáltica de considerar inúmeras possibilidades e horizontes atrai para si críticas que segundo Lima (2013) a incomodavam no sentido de atribuir a Gestalt-terapia como uma miscelânea de influências teóricas, uma verdadeira colcha de retalhos mal alinhavada. A autora reflete afirmando a Gestalt-terapia como uma ciência e uma arte, fazendo a analogia com o valor alto pago por uma colcha de patchwork, técnica artesanal que seleciona com cuidado e maestria os retalhos que serão organizados para formar um belíssimo mosaico de grande valor estético e emocional. Assim, atribui relevância científica e humana para arte de ser Gestalt-terapeuta que estuda o desenvolvimento humano considerando a técnica teórica-científica e o cuidado afetivo e humano com as singularidades e diversidades do ser humano através do tempo, sem predeterminações.

Reflita-se sobre a teoria paradoxal da mudança, que revela que "a mudança ocorre quando uma pessoa se torna o que é, não quando tenta converter-se no que não é [...] mas acontece se dedicarmos tempo e esforço a ser o que somos" (Beisser citado por Fagan e Shepherd 1975, p.110). Neste sentido, buscar uma teoria de desenvolvimento única e estanque para a Gestalt-terapia é coercitivamente tentar fazer desta abordagem algo que ela não é. A abordagem gestáltica é uma teoria da totalidade, das atualizações de potencialidades infinitas. O potencial da Gestalt terapia está na fluidez dos processos vividos, sendo uma teoria que foca o todo, sem desconsiderar as descobertas da neurociência, e este todo está sempre em desenvolvimento, se ajustando criativamente e se autorregulando no campo.

 

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Nota sobre o autor:

Magaly Fernandes Santiago Karpen – Especialista em Psicologia clínica na abordagem gestáltica pelo ComUnidade Gestáltica – clínica escola de psicoterapia - Florianópolis SC. Psicoterapeuta – Gestalt-terapeuta, pós-graduanda em neuropsicologia pelo Instituto Israelita Albert Einsten - São Paulo. E-mail: magalyfsksrpen@gmail.com

 

 

Recebido: 19/04/2018.
Aprovado: 04/07/2018.

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