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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.64 no.2 Rio de Janeiro ago. 2012

 

ARTIGOS

 

Quem estuda a profissão de psicólogo no Brasil?i

 

Who investigates professional psychologists in Brazil?

 

¿Quién estudia la profesión de psicólogo en Brasil?

 

 

Joyce Pereira da CostaI; Keyla Mafalda de Oliveira AmorimII; Vanessa Costa PessanhaIII; Oswaldo Hajime YamamotoIV

IMestranda. Programa de Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal. Rio Grande do Norte. Brasil
IIDoutoranda. Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Brasil
IIIGraduanda. Curso de Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal. Rio Grande do Norte. Brasil
IVDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal. Rio Grande do Norte. Brasil

 

 


RESUMO

A profissão de psicólogo tem sido objeto constante de estudos em Psicologia no Brasil. Diante disso, questiona-se: quem estuda a profissão de psicólogo no Brasil? Nesta pesquisa objetivou-se caracterizar a autoria de trabalhos que discorrem sobre esse tema. Para tanto, recorreu-se aos Currículos Lattes, identificando-se características gerais dos autores e de sua produção relacionada ao assunto. Os resultados revelam predominância de autores do sexo feminino, doutores e mestres, vinculados a instituições no eixo sul-sudeste do país. Em geral, cada autor apresentou de uma a três produções sobre a temática, em escritos produzidos individualmente. Apesar de extensa produção na área, observa-se que a profissão do psicólogo é temática residual e difusa. Propõem-se outros estudos sobre essas publicações, considerando aspectos ora não contemplados.

Palavras-chave: Produção científica; Autoria; Psicologia.


ABSTRACT

Psychologist profession has been the focus of significant set of studies in psychology in Brazil. Who are the scholars that investigate professional psychologists in Brazil? In this paper we tried to characterize who are the authors of such studies. We examine the authors' Lattes curricula identifying professional and personal characteristics and those of their publications. They are mostly females, with either a PhD or Master degrees, belonging to professional associations. Most of the authors have from one to three individually authored publications on the theme. Despite the large number of publication, the profession constitutes a residual and diffuse theme. New studies are necessary on aspects that have not been addressed.

Keywords: Scientific production; Authorship; Psychology.


RESUMEN

La profesión de psicólogo ha sido constante objeto de estudios permanente de estudios en Psicología en Brasil. Ante esta realidad, nos cuestionamos: ¿quién estudia la profesión de psicólogo en Brasil? Esta investigación pretende caracterizar la autoría de las obras que hablan de este tema. Para ello, se recurre a los Currículums Lattes, para identificar características generales de los autores y de su producción relacionada al asunto. Los resultados revelan una predominancia de autores del sexo femenino, doctores y maestros, vinculados a instituciones en el eje sur-sureste del país. En general, cada autor presentó de una hasta tres producciones sobre el asunto, en escritos producidos individualmente. A pesar de la extensa producción en el área, se observa que la profesión del psicólogo es tema residual y difuso. Se proponen otros estudios acerca de estas publicaciones, considerando aspectos no cubiertos.

Palabras-clave: Producción científica; Autoría; Psicología.


 

 

A autoria refere-se ao conjunto de indivíduos ou instituições que contribuíram para a realização e a escrita de um documento e se responsabilizam por ele (Sabadini, Sampaio & Koller, 2009). Na comunidade científica, o grau de colaboração prestada para sua elaboração é o principal critério para definir a ordem na qual os autores são listados numa publicação. Desse modo, é consensual que o primeiro autor (ou autor principal) designa a pessoa que mais contribuiu, principal responsável pelo documento (Garcia, Martrucelli, Rossilho & Denardin, 2010; Sampaio & Sabadini, 2009).

Critérios definidores de autoria não se restringem a escrever o manuscrito, mas também elaborar ideias que sejam aplicadas ao conhecimento que ali está sendo produzido. Assim, também são considerados autores aqueles que contribuem para elaboração da pesquisa (formulação do problema, delineamento da pesquisa, organização e análise dos resultados). Parece consenso que etapas de coleta dos dados, elaboração de instrumentos e execução de aplicativos estatísticos não são considerados critérios para se atribuir autoria (Kerbauy, 2005).

São colaboradores científicos aqueles responsáveis por um passo-chave na pesquisa, com ideias originais, hipóteses ou interpretações teóricas, além do proponente e líder do projeto. Nem sempre esse pressuposto implica coautoria, pois há coautores listados como colaboradores em publicações sem que, necessariamente, tenham se empenhado no trabalho intelectual, como é o caso de técnicos ou assistentes de pesquisa (Vanz & Stumpf, 2010a). Contudo, considera-se que essa ampliação do conceito de autoria por alguns pesquisadores, em que contribuições técnicas também se convertem em coautoria, é reajustada quando a lista de coautoria se estabelece. Seria incomum ou um contrassenso coautores definirem o nível de colaboração para uma publicação por justificativas outras que não sejam uma contribuição definitiva, embora os motivos que levem à coautoria de documentos sejam diversos e, por vezes, polêmicos (Monteiro, Jatene, Goldenberg, Población & Pellizzon, 2004; Montenegro & Alves, 1987; Petroianu, 2010).

Embora existam estudos sobre a autoria de comunicações científicas, o investimento neste tema ainda é pouco realizado nas diversas áreas do conhecimento, dentre estas, a Psicologia. Investigar quem produz conhecimento a respeito de determinado assunto - no caso desta pesquisa, quem produz sobre a profissão de psicólogo - oferece informações relativas tanto aos aspectos demográficos quanto à evolução da área, o que permite compreender as condições em que tal produção ocorre e qualificá-la (Witter, Ferreira & Theodório, 2004).

Diversos autores partilham a ideia de que pesquisas sobre a produção científica são vias de avaliação do saber produzido, uma vez que permitem compreender o conhecimento divulgado e mapear as contribuições, as necessidades e os déficits de determinada área do conhecimento (Oliveira, Cantalice, Joly & Santos, 2006; Witter, 2005). Mostram, ainda, como o desenvolvimento de subáreas e temas ocorrem, bem como revelam sua importância social, profissional, institucional e científica (Witter, 2005). Além disso, investigações desse tipo auxiliam a tomada de decisões que influenciam os rumos da ciência, das políticas científicas e tecnológicas de determinada região, promovendo, assim, possíveis avanços na área (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde/Biblioteca Regional de Medicina -BIREME, 2004; Joly, Martins, Abreu, Souza & Cozza, 2004; Macias-Chapula, 1998; Silva & Bianchi, 2001; Vanz & Stumpf, 2010b).

Diante do crescente volume de produção científica, a Ciência da Informação desenvolve-se como área interdisciplinar voltada para organização e estruturação dos documentos científicos, bem como registro, acesso, recuperação e uso da informação (Mostafa, 1994). Dentre as técnicas de estudo que tal área oferece, podemos citar aquelas advindas da bibliometria, ramo de estudo quantitativo da produção, disseminação e circulação de documentos científicos, seus autores e usuários. Busca identificar, por exemplo, padrões de distribuição da literatura nas regiões, contribuição à produção por instituições de pesquisa, variações da produção de áreas do conhecimento e produtividade dos autores (Macias-Chapula, 1998; Mostafa, 1994; Pacheco & Kern, 2001; Spinak, 1998).

O reconhecimento da importância de pesquisas sobre a produção científica faz com que diversas bases de dados utilizem técnicas bibliométricas para avaliação e seleção de publicações. A título de exemplo, pode-se mencionar a ISI Web of Knowledge (Web of Science)1, que recorre à análise de citações; no Brasil, a SciELO, a Plataforma Lattes e o Diretório dos Grupos de Pesquisa também utilizam-se desse recurso e disponibilizam dados bibliométricos sobre a produção científica nacional.

A produção científica em Psicologia no Brasil desenvolve-se lentamente a partir dos anos 1960 e consolida-se apenas duas décadas depois (Matos, 1988). Contudo, até o fim dos anos 1990, ainda se assinalava a necessidade de empenho na divulgação do conhecimento produzido na área (Witter, 1999). Atualmente, a Psicologia tem acompanhado a expansão da produção científica nas diversas áreas do conhecimento no país, com seus produtos divulgados em diferentes formatos, em especial: artigos científicos, livros, anais de eventos, dissertações de mestrado e teses de doutorado. A título de exemplo, a Psicologia e a Psiquiatria estavam à frente no ranking das áreas que mais contribuíram para a expansão da ciência brasileira, com 70% de crescimento entre os triénios 2001-2003 e 2004-2006, do total dos artigos científicos na base de dados do Institute for Scientific Information (ISI) (Castro, 2007).

Dentre as diversas temáticas que permeiam os estudos na Psicologia, a profissão de psicólogo é objeto de investigação e discussão anterior à regulamentação profissional no país, ocorrida em 1962 (Costa, Amorim & Costa, 2010). Entretanto, a dedicação dos pesquisadores a esse tema é mais evidente nas últimas décadas. Em estudo sobre a produção científica a respeito da profissão do psicólogo, Yamamoto e Amorim (2010) verificaram volume considerável de publicações sobre esse tema a partir da década de 1990, com crescimento significativo nos anos 2000.

Botomé (1988) ressalta a importância de se investigar as profissões, uma vez que estas necessitam tanto de conhecimentos de boa qualidade quanto de autoavaliação por parte dos que atuam ou irão atuar no campo - tarefa à qual a Psicologia não foge. Esse autor considera, ainda, que estudar publicações sobre a profissão de psicólogo possibilita o seu avanço, levando a um "melhor embasamento sobre o que deve ser feito com a atividade profissional, com a formação de psicólogos ou com as pesquisas" (Botomé, 1988, p. 275). Assim, estudos desse tipo são mais uma via de avaliação da atual situação do psicólogo no país, sobretudo no tocante aos conhecimentos produzidos na área e à prática social desse profissional.

É nesse quadro que se insere o presente estudo, que tem como objetivo caracterizar a autoria de escritos científicos que discorrem sobre a profissão de psicólogo, produzidos no Brasil, com a expectativa de contribuir para o debate sobre as características das publicações e o desenvolvimento científico da área.

 

Método

Pesquisaram-se informações concernentes aos autores principais (primeiro autor de cada publicação) de documentos sobre a profissão de psicólogo no Brasil publicados até 2008, no formato de artigo científico ou de divulgação científica, livro, capítulo de livro, dissertação de mestrado, tese de doutorado ou monografia de conclusão de curso. Estes documentos compuseram um banco de dados sobre o mesmo tema, relativo à pesquisa anteriormente realizada (Bastos & Gondim, 2010; CFP, 1988; Coimbra, 1980; Oliveira, Silva & Yamamoto, 2007; Yamamoto, 2007, Yamamoto & Costa, 2010).

Nesta primeira investigação, efetuou-se uma busca pelas referidas publicações em páginas eletrônicas que oferecem produções da área de Psicologia: Biblioteca Virtual de Psicologia (BVS-PSI), que contém acervo da Biblioteca Eletrônica SciELO e dos indexadores LILACS, Index Psi e outros; DEDALUS: banco de dados bibliográficos da USP; Google Acadêmico; acervo eletrônico do Conselho Federal de Psicologia; Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (BDTD-IBICT). Para tanto, utilizaram-se termos-chave relativos ao tema, tais como atuação, exercício, profissão, prática, mapeamento, trabalho, levantamento, inserção, atividade, descrição, acrescidos da palavra Psicologia. Cabe destacar que a pesquisa documental mencionada não delimitou, a priori, um período específico ou tipo de produções para a seleção de publicações. Diante disso, e pelo fato de a pesquisa ter sido realizada entre o segundo semestre de 2008 e o de 2009, a estratégia metodológica utilizada possibilitou a captura de trabalhos publicados entre os anos de 1952 até 2008. Estes estudos assumem os mais diversos formatos de publicações, delineamentos e recortes e buscam, desde uma caracterização geral da situação dos psicólogos no país, a compreensão de aspectos específicos da profissão em determinadas localidades (e.g., Bastos & Gondim, 2010; CFP, 1988; Coimbra, 1980; Oliveira, Silva & Yamamoto, 2007; Yamamoto, 2007).

As informações sobre os materiais coletados foram organizadas em um banco de dados a partir do qual foram identificados os nomes dos autores dos documentos. No referido banco, constava o primeiro nome e o sobrenome dos autores. Complementou-se essa informação por meio de texto completo do documento relacionado a esse autor ou em busca de registros na internet. Em posse dos nomes, procedeu-se à busca de informações sobre esses autores por meio da Plataforma Lattes - base de dados eletrônica mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Esta base dispõe de formulário individual, denominado Currículo Lattes, para autopreenchimento por pesquisadores que atuam nas mais diversas áreas do conhecimento no Brasil, historiando sua trajetória acadêmico-profissional. Descartaram-se autores cujo currículo não foi localizado2 ou que somente publicaram documentos de tipos não considerados para a amostragem desta pesquisa (artigos em site, relatórios técnicos, cartilhas, entre outros).

É preciso ressaltar que a escolha por focalizar os primeiros autores dos trabalhos, além de atender à viabilidade da pesquisa em tempo hábil, justifica-se uma vez que eles são considerados os responsáveis pela publicação e os que mais contribuíram para sua elaboração.

As informações recolhidas foram organizadas em um banco de dados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), que também auxiliou na análise de estatística descritiva. Os resultados daí decorrentes foram discutidos em dois blocos - características gerais dos autores e contribuição em estudos acadêmico-científicos sobre a profissão de psicólogo no país -, conforme registrados na seção a seguir.

 

Resultados

Identificaram-se 723 autores que publicaram sobre a profissão de psicólogo no Brasil. Destes, somam 164 (22,7%) aqueles cujo Currículo Lattes não foi localizado ou que somente publicaram documentos não considerados para a amostragem. Desse modo, investigaram-se especificidades sobre 559 autores. Vale destacar que este quantitativo representa apenas 4,8% do total de pesquisadores de Psicologia registrados na Plataforma Lattes, que totalizavam 11.663 ao término do ano de 2010 (CNPq, 2010b).

Tomando por base o sexo dos autores, verificou-se a predominância de mulheres, representada por 79,6% dos autores investigados. Esse número corrobora o próprio perfil profissional da Psicologia, com 83,3% de psicólogos desse sexo (Bastos, Gondim & Rodrigues, 2010) e se aproxima aos verificados em pesquisas anteriores acerca da produção científica na área da Psicologia (Amorim, 2010; Souza Filho, Belo & Gouveia, 2006; Witter, 2005; Yamamoto, Souza & Yamamoto, 1999), confirmando um resultado já esperado neste estudo.

No que diz respeito à maior titulação atual dos autores, identificou-se que 92,8% possuem pós-graduação stricto sensu (54% são doutores e 38,8%, mestres). Esses dados refletem a expansão do sistema de pós-graduação no país que em 2008 contava com 1.320 programas em nível de doutorado (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2010) e a própria distribuição dos pesquisadores por titulação, independentemente de área, no Brasil: 63,4% desses são doutores, 27% são mestres, 9% são graduados ou têm especialização (CNPq, 2010a). A alta titulação desse grupo de autores também pode estar relacionada ao financiamento de projetos, pois são os doutores vinculados a instituições públicas que correspondem à exigência mínima das agências de fomento para aprovação de projetos, podendo facilitar a execução de pesquisas e efetiva publicação.

Verificou-se também que 76,2% dos autores de escritos sobre profissão de psicólogo no Brasil se titularam em Psicologia. Contudo, também se observou maior titulação dos autores em 19 outras áreas de concentração (22,9%), a exemplo da Educação (9,7%), da Saúde Coletiva (4,5%) e da Filosofia (2,5%), podendo indicar que há, por parte dos autores, o reconhecimento da necessidade de se buscar conhecimentos em áreas afins à Psicologia, a exemplo de outros aportes teórico-metodológicos para compreender a realidade que se estuda. Ainda, é provável que autores titulados em outras áreas mantenham algum vínculo com a Psicologia, participando de grupos de pesquisa na área.

Em relação à distribuição geográfica das instituições de vínculo dos autores, percebeu-se que há uma concentração dos mesmos nas regiões Sudeste e Sul do país, totalizando 70,3% do total, conforme se pode averiguar na Figura 1.

 

 

A distribuição por unidade federativa revela que os autores pesquisados encontram-se em 22 estados, havendo predominância em São Paulo (32,7%), Rio Grande do Sul (8,4%) e Rio de Janeiro (8,2%). Considerando as instituições de vínculo atual apontadas pelo autor, identificou-se que 79,8% dos autores atuam em Instituições de Ensino Superior (IES); destes, 63% vinculam-se à IES com pós-graduação em Psicologia. As instituições mais assinaladas foram: Universidade de São Paulo (9,5%), Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade de Brasília (2,5%, cada), Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2,1%, cada), e Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2%). Autores que não possuem vínculo institucional somam 5%; outros 14,3% atuam em instituições não acadêmicas, a exemplo de órgãos públicos, hospitais, consultórios particulares ou consultorias organizacionais.

As informações acerca do vínculo institucional dos autores pesquisados coadunam-se com investigações anteriores a respeito da produção científica nas diversas áreas do conhecimento, bem como na Psicologia, assinalando a concentração dos autores no eixo sul-sudeste do país (Guimarães, 2002; Yamamoto et al., 1999). Isto pode estar relacionado ao fato de essas regiões congregarem a maior parcela de IES do país (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], 2010; Soares, 2002). Desde os anos 1940, os investimentos em tecnologia no país centravam-se nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (Araújo, 1985). Os dados apresentados confirmam que esse padrão de desequilíbrio entre regiões se mantém: desenvolvimento concentrado no sudeste, tendo o estado de São Paulo a maior estrutura científica, subsidiada por 30% a 35% dos investimentos federais, impactando a produção científica no país (UNESCO, 2010). Além disso, é preciso lembrar que a pós-graduação, lócus da pesquisa científica nacional, também se encontra concentrada na região sudeste, abrangendo 50,8% dos cursos de Mestrado e 60,5% dos de Doutorado, (Tourinho & Bastos, 2010). A Psicologia não difere quanto a esse traço, conforme os dados apresentados expressaram. Apesar da recente reconfiguração dos campi das IES e das ofertas de vagas para estudos no sistema de pós-graduação, expandindo-se para regiões em que outrora não se alcançava, tal concentração reflete a desigual distribuição de recursos, de oportunidades educacionais e de formação acadêmica existente no Brasil, até os dias de hoje (Yamamoto et al., 1999). Assim, o aumento de indicadores de crescimento do sistema de ensino superior em outras regiões não destituiu da região Sudeste a concentração da maior parte da produção da ciência no Brasil.

A institucionalização da pesquisa em Psicologia nas IES, sobretudo nas universidades públicas, também se associa à organização da comunidade científica em grupos de pesquisa. Em 2010, essa área constava entre as doze com maior número de grupos do país. Possuía 669 grupos, representando 2,4% dos 27.523 registrados no Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil (CNPq, 2010a). Com esta investigação, computou-se 351 diferentes grupos nos quais a profissão de psicólogo pode ser tema debatido em estudos desenvolvidos por seus membros, o que representa quase a metade dos grupos de pesquisa em Psicologia no país. Revelou-se que 52,4% dos autores de escritos sobre profissão de psicólogo no Brasil compõem tais grupos, sendo 21,5% líderes daqueles que participam. A existência de autores que produziram conhecimentos acerca desse tema vinculados a um grande número de grupos de pesquisa sugere dispersão dessa produção. Ainda sobre esse resultado, averiguou-se que 68% dos autores que produziram coletivamente estudos sobre profissão compõem grupos de pesquisa, o que indica que o agrupamento de pesquisadores possibilita a realização de estudos em colaboração.

No que se refere ao financiamento, observou-se que 22,4% dos autores de publicações sobre a profissão de psicólogo no Brasil recebem fomento para pesquisa, seja por meio de bolsa ou de seleção por edital. A maior parte desse financiamento (61,6%) é proveniente do CNPq, sendo que 37 autores que publicaram sobre a profissão de psicólogo no país são bolsistas de produtividade do CNPq. Considerando-se o total de bolsistas de produtividade em Psicologia (n = 290), 12,8% destes dedicaram-se à publicação de estudos sobre o tema, em algum momento de sua carreira. Acerca dos resultados sobre fomento, é preciso ressaltar que o Lattes só insere automaticamente informações a respeito de bolsas quando estas são concedidas pelo próprio CNPq. Nos outros casos, verifica-se déficit na disponibilidade de tais informações, somente assinalada quando o autor a inscreve. Sendo assim, esse resultado deve ser avaliado com cautela.

Ainda, poder-se-ia supor que a participação em entidades representativas da profissão de psicólogo induziria a autoria sobre esse tema. No entanto, apenas 12% dos autores assinalaram algum vínculo atual ou anterior com tais entidades, até o período de coleta de informações desta investigação, sendo os Conselhos Regionais de Psicologia os órgãos mais citados pelos autores (n = 33). Somadas, as sociedades científicas ou associações profissionais são apontadas por 44 autores. Também constam autores com vínculos ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) (n = 10) e aos sindicatos (n = 2). Não é possível afirmar que existe relação direta entre o número de publicações sobre a profissão de psicólogo e a participação desses autores em instituições dirigidas a essa categoria profissional. Uma explicação plausível para essa condição seria o distanciamento entre os profissionais atuantes, que estão em serviço, e a academia, o que pode dificultar a relação entre teoria e prática, de primordial importância para o debate sobre a profissão de psicólogo. Outro aspecto a se considerar diz respeito ao ano de criação dessas instituições, sejam Conselhos ou associações acadêmicas ou profissionais. Essa característica poderia ser definitiva para o interesse dos pesquisadores pelo tema em determinado período histórico. Contudo, ressalva-se que informações referentes ao vínculo com entidades representativas da profissão - bem como outras que podem ser listadas no currículo dos autores - não são valorizadas na carreira acadêmica, eventualmente não importando, ao autor, preenchê-las no Lattes, omissão que pode limitar esta análise.

A partir da análise de autoria em estudos acadêmico-científicos sobre a profissão de psicólogo, verificou-se a produção de 1 a 18 estudos sobre o tema por autor. A maioria desses autores apresenta apenas uma publicação (65,7%), sendo que a soma de um a três estudos a respeito do tema totaliza 90,9% do número desses autores (Tabela 1).

Estes números seriam indicativos de que a profissão de psicólogo é um tema pontual na carreira desses autores? Isoladamente, a descrição desses resultados não é conclusiva. Numa tentativa de aprofundamento dessa discussão, ao se comparar esses resultados com o total de publicações que cada autor possui ao longo de sua carreira, verificou-se que a produção acadêmico-científica sobre esse tema assume porcentagens em torno de 1,5% a 25,4%. Foram registrados apenas dois casos em que as publicações sobre a profissão de psicólogo atingiram valores superiores a 50% da produção total de cada autor (71,4% e 57,1%): no primeiro caso, o autor possui cinco publicações sobre a profissão de psicólogo, do total de sete em seu currículo; no segundo, são 8 produções sobre a profissão dentre as 14 listadas no Lattes. Contudo, esses casos configuram exceção, posto que em outras ocorrências o alto percentual de documentos sobre a profissão de psicólogo não indica permanência da discussão sobre esse tema por determinado autor. Exemplo disso é a existência de autores que ao longo de sua carreira publicaram dois documentos, sendo um deles sobre profissão. Uma análise superficial desses resultados poderia levar a interpretações equivocadas, como afirmar que aqueles autores que possuem expressivos percentuais de produção sobre a profissão de psicólogo são os que contribuem mais significativamente ao estudo desse tema. Contudo, ressalta-se que, em geral, a maioria desses autores dedica-se a outras temáticas, conforme pode ser constatado nos seus Currículos Lattes, não tendo como tema central de suas pesquisas a profissão. Apesar de tal análise requerer o estudo de outros determinantes, a exemplo do tempo de percurso acadêmico desses autores, considera-se que a profissão de psicólogo é tema eventual de pesquisa para a maioria desses autores, levando-se em conta o número de publicações por autor.

Ainda recorrendo-se a uma análise de conjunto, averiguou-se o lapso de tempo entre a primeira e a mais recente publicação sobre a profissão de psicólogo por esses autores (Figura 2).

A existência de alguns autores com primeira publicação sobre profissão desde as décadas de 1950 e 1970, com aumento nos anos 1980, indica que a trajetória de estudos sobre o tema não é recente. O número de autores que publicaram pela primeira vez sobre profissão tem crescido desde então, duplicando da década de 1980 para a seguinte e alcançando, nos anos 2000, o número de 366 autores (95 deles com mais de uma publicação sobre o tema).

Em relação ao baixo quantitativo identificado nas décadas de 1950 e 1960, deve-se considerar que a lei que regulamenta a profissão de psicólogos no Brasil foi aprovada em 27 de agosto de 1962, não sendo esperado, portanto, que houvesse um grande número de produções sobre a profissão antes disso. Por outro lado, a identificação de um documento nesse período corrobora o fato de que a profissão já era alvo de preocupação antes mesmo de sua regulamentação, reiterando a ideia de que tal normatização foi fruto de um longo processo histórico (Pereira & Pereira Neto, 2003). É razoável supor que a regulamentação tenha alavancado a produção sobre o tema, quando se pôde discutir a profissão de psicólogo no sentido estrito.

Por sua vez, o expressivo aumento de estudos sobre a profissão de psicólogo nos anos 1980 relaciona-se aos questionamentos sobre o exercício profissional que impactaram as discussões sobre o tema à época, em especial no tocante ao compromisso social da categoria (e.g., Botomé, 1979; Campos, 1983; CFP, 1988; Mello, 1975). Nos anos 1990 e 2000, o aumento significativo do volume de estudos sobre profissão de psicólogo (Yamamoto & Amorim, 2010) acompanha os debates sobre a ampliação dos campos de atuação profissional (CFP, 1992, 1994). Além das implicações com a própria história da Psicologia, não se pode deixar de fazer referência à consolidação da produção científica na área de um modo geral, nos anos 1980 (Matos, 1988), e ao crescimento da ciência no Brasil, com destaque para a Psicologia, nos anos 2000 (Castro, 2007).

Ressalva-se que nesses resultados constam 271 autores cuja primeira publicação é a única sobre o assunto, o que pode indicar eventualidade ou que tal autor iniciou recentemente seu programa de estudo sobre o tema. Ao considerar a última publicação dos autores sobre profissão, nota-se que alguns interromperam suas publicações sobre o assunto já nos anos 1980 (29 autores) e 1990 (92 autores). Somam 437 aqueles que publicaram nos anos 2000 (o que representa 78,2% do total). Desses, 71 iniciaram suas publicações nas décadas anteriores, mantendo-se publicando sobre profissão nos últimos anos, o que demonstra continuidade nas publicações ao longo das décadas. Apesar de modestos, tais números ressaltam a persistência do tema nos programas de estudos de alguns autores.

No tocante ao intervalo de tempo médio entre as publicações sobre profissão de psicólogo, os resultados corroboram a interpretação de continuidade de escritos sobre o assunto por alguns autores, conforme Figura 3.

Entre os autores que apresentam mais de uma publicação relativa à profissão de psicólogo no Brasil, observa-se que grande parte deles publicou a cada 1-4 anos (161 autores). Se, por um lado, verifica-se eventualidade na produção sobre a profissão do psicólogo entre os autores de um modo geral, por outro, há indícios de que exista dedicação consistente, por parte de determinados pesquisadores, no estudo sobre a temática, quando considerados aqueles que publicaram mais de um escrito a esse respeito.

Por fim, o tipo de autoria adotado nas produções sobre a profissão de psicólogo é, em sua grande parte, independente. Dos 559 autores pesquisados, 65,3% produziram escritos sobre a profissão do psicólogo no Brasil somente em publicações individuais; 17,9% publicaram tanto individual quanto coletivamente; e 16,8% dos autores só publicaram textos sobre a profissão de psicólogo contando com o auxílio de coautores. Esse resultado pode indicar que, academicamente, há pouco intercâmbio entre pesquisadores para tratar do assunto. Também que, quando esse diálogo ocorre, pode restringir-se a membros de um mesmo grupo de pesquisa ou instituição - confirmando a participação de 52,4% dos autores em grupos de pesquisa, conforme já discutido nesta seção. De todo modo, sugerem-se novos estudos a fim de relacionar o tipo de autoria com a natureza do estudo, a exemplo de estudos teóricos em que há maior possibilidade de a autoria do escrito ser individual, em contrapartida aos relatos de pesquisa ou de experiência.

 

Considerações finais

De um modo geral, os resultados apresentados fornecem um quadro descritivo da autoria da produção científica sobre a profissão de psicólogo existente no país: a maioria dos autores é do sexo feminino, pós-graduada em Psicologia, vinculada a instituições do eixo sul-sudeste do país e compõe grupos de pesquisa. Os autores produzem individualmente, de um a três escritos sobre a profissão de psicólogo, publicados desde a década de 1950 e com considerável expansão a partir da década de 1980. Diante dessas informações, faz-se necessário tecer algumas considerações relevantes.

Primeiramente, a caracterização da autoria das produções sobre a profissão aproxima-se de resultados obtidos em outros estudos realizados acerca da Psicologia ou de outras áreas do conhecimento, refletindo a produção científica como um todo no país. Por muitos anos, grande parte das políticas científicas empreendidas não estimulou, a contento, a produção intelectual própria dos pesquisadores no país, dirigindo-se, por vezes, ao desenvolvimento da ciência a partir da importação de modelos estrangeiros. Esse quadro se altera na Psicologia, especialmente a partir dos anos 1980, com um movimento crítico originário da própria academia para o desenvolvimento de mais estudos referentes à realidade brasileira. Por outro lado, a marca da concentração da produção científica no país permanece, como pode ser verificado pela distribuição geográfica das instituições de vínculo dos autores pesquisados. Ao que parece, a diversificação de incentivos governamentais para a ciência, na última década, não tem contribuído suficientemente para a reversão da histórica desigualdade no investimento em ciência e educação superior, fazendo-se necessário que mais políticas científicas sejam empreendidas com esse propósito.

Outro ponto importante diz respeito aos números relativos à participação dos autores na produção a respeito da profissão de psicólogo no país. Tomados em conjunto, os resultados revelam que o estudo sobre a temática é pontual e difuso na comunidade científica da área. Isto pode significar que, por um lado, o tema pode estar sendo discutido em diversos campos, algo salutar, uma vez que a Psicologia ocupa as mais diversas subáreas de atuação. Por outro, pode indicar, também, a inexistência de homogeneidade de referenciais que embasem as discussões, e/ou ausência de sistematização dos estudos, acarretando falta de consistência teórico-metodológica ao conjunto de saber construído. Entretanto, tais considerações são apenas inferências iniciais, fazendo-se necessária uma investigação mais acurada sobre o conteúdo dessas produções para se averiguar a pertinência de tais reflexões.

Embora exista grande número de pesquisadores com apenas um artigo acerca desse assunto, pode-se afirmar que tradição e expansão também marcam a autoria de publicações sobre a profissão de psicólogo no país. Primeiro, por considerar que alguns autores que iniciaram pesquisas sobre a profissão de psicólogo nos anos 1980 e 1990 mantêm-se publicando sobre o assunto nos anos 2000; segundo, levando-se em conta que grande parte das publicações é recente e que houve crescimento no número de publicações durante as três últimas décadas. Esses resultados evidenciam a existência de autores que podem ser tidos como referência, uma vez que se dedicam sistematicamente ao estudo do tema, não podendo, portanto, serem desconsiderados, já que podem apresentar importantes e consistentes reflexões sobre a profissão.

Ainda, é preciso considerar que estamos tratando de um tema e não de uma subárea específica da Psicologia. Desse ponto de vista, pode-se afirmar que a difusão de estudos entre a comunidade de autores na Psicologia não é algo surpreendente. No entanto, não se pode prescindir da defesa de que a profissão de psicólogo é um tema importante e primordial, que deve contar com estudos sistematizados, utilizando as mais diversas angulações, seja por meio do mercado de trabalho, da formação ofertada, ou da própria produção científica existente ao seu respeito (Yamamoto & Costa, 2010), tal como defendido por Botomé (1988). Isto posto, questiona-se: não haveria necessidade de haver uma rede integrada de pesquisadores discutindo a profissão de psicólogo? Estamos dando o devido lugar a tal temática?

Essas são apenas reflexões que só podem ser respondidas com mais pesquisas a respeito da produção científica na área. Por fim, três pontos em relação a este estudo precisam ser assinalados: 1) A escolha pelo Currículo Lattes para busca de informações apresenta algumas limitações, uma vez que não contempla os autores que tiveram atuação científica anterior à existência do mesmo, conforme assinalado em parágrafos anteriores. Contudo, a sua utilização nesta pesquisa não deixa de ser pertinente, uma vez que se trata de uma base de dados de larga utilização, abarcando uma diversidade de autores. Corrobora isso o fato de que foram localizados os currículos de 80% dos primeiros autores ora investigados e, dentre eles, foram identificados pesquisadores de várias titulações (de graduados a doutores) e das mais diversas áreas; 2) verificou-se que as informações acessadas nos Currículos Lattes apresentaram incoerências, revelando certa negligência dos autores quanto às informações que prestam sobre seu percurso acadêmico e impondo limitações a qualquer investigação que se baseie nessa base de dados; e 3) a título de complementação das informações discutidas no presente artigo, sugere-se que outros trabalhos venham a ser desenvolvidos a respeito da autoria de produções científicas na área, de modo a incluir, por exemplo, a análise de coautoria ou o conteúdo da produção dos autores ora estudados, auxiliando, dessa forma, a melhor apreensão da realidade investigada.

 

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Submetido em: 07/02/2011
Revisto em: 16/06/2012
Aceito em: 17/06/2012

 

 

i Apoio CNPq.
1 A ISI Web of Knowledge (Web of Science) pertence à empresa Thomson Reuters, considerada uma das bases mais conceituadas no campo científico. Abarca aproximadamente 15 mil periódicos e fornece acesso à suas avaliações por meio do Journal Citation Report (JCR). (Sampaio & Sabadini, 2009; Yamamoto & Costa, 2009).
2 Alguns autores identificados pela pesquisa atuaram em épocas anteriores ao surgimento e utilização do Currículo Lattes, que data de 1999. Diante disso, eles também compõem os 164 autores não incluídos na análise.