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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.71 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2019

https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i1p.54-67 

ARTIGOS

 

Julgamento moral e posicionamento político-ideológico de jovens brasileiros

 

Moral judgment and political ideological position

 

Juicio moral y posicionamiento político-ideológico de jóvenes brasileños

 

 

Pollyana Lucena MoreiraI; Júlio RiqueII

IPós-doutoranda. Programa de Pós-graduação em Psicologia. Universidade de Fortaleza (Unifor). Fortaleza. Estado do Ceará. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-graduação em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba (UFPB). João Pessoa. Estado da Paraíba. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presente pesquisa foi realizada com base na concepção de que julgamentos morais e posicionamentos político-ideológicos possuem uma estrutura lógica pautada em valores e que ambos se desenvolvem paralelamente. Nesse sentido, teve-se como objetivo verificar a qualidade do posicionamento político-ideológico de jovens brasileiros a partir de diferenças no julgamento moral. Os resultados confirmaram a associação entre as diferenças na qualidade do julgamento moral e do posicionamento político-ideológico: jovens com julgamento convencional defenderam um posicionamento pautado em valores humanitários; jovens com julgamento pós-convencional defenderam um posicionamento político-ideológico pautado na associação entre princípios humanitários e democráticos. A partir desses resultados conclui-se a existência de maior sofisticação do posicionamento político-ideológico para jovens com julgamento pós-convencional.

Palavras-chave: Moral; Ideologia; Política; Valores.


ABSTRACT

The research was developed from the conception that moral judgments and the political-ideological position have a logical structure based on values and that they develop in a parallel way. In these terms, the main objective of this research was to verify the political ideological position quality from the differences in the moral judgment of young Brazilians. The results confirmed the association between the differences in the quality of moral judgment and political ideological position: young people with conventional moral judgment supported a political position based on humanitarian values; young people with a postconventional moral judgment supported a political position based on the association between humanitarian and democratic values. From these results, it is concluded that young people with postconventional moral judgment have a more sophisticated political-ideological position.

Keywords: Moral; Ideology; Politics; Values.


RESUMEN

La presente investigación fue realizada con base en la concepción de que juicios morales y posicionamientos político-ideológicos poseen una estructura lógica pautada en valores y que ambos se desarrollan paralelamente. En ese sentido, se tuvo como objetivo verificar la calidad del posicionamiento político-ideológico de jóvenes brasileños a partir de diferencias en el juicio moral. Los resultados confirmaron la asociación entre las diferencias en la calidad del juicio moral y del posicionamiento político-ideológico: jóvenes con juicio convencional defendieron un posicionamiento pautado en valores humanitarios; jóvenes con juicio post-convencional defendieron un posicionamiento político-ideológico pautado en la asociación entre principios humanitarios y democráticos. A partir de estos resultados se concluye la existencia de mayor sofisticación del posicionamiento político-ideológico para jóvenes con juicio post-convencional.

Palabras clave: Moral; Ideología; Política; Valores.


 

 

Introdução

A manutenção da democracia nas sociedades requer constantes lutas por direitos. Sobretudo no século XX, época que proporcionou às pessoas maior acesso à informação, observam-se ações coletivas organizadas por diferentes movimentos sociais e com diferentes pautas nutridas pela liberdade conferida pela democracia (Thomas, & Louis, 2013; Dutt, & Grabe, 2014; Curtin, Stewart, & Cole, 2015; Jones & Brewster, 2016). Liberdade também significa busca por igualdade e direitos, que entram na pauta de lutas com vistas à institucionalização quando a população percebe que seus direitos estão sendo negados. De acordo com Bobbio (1995), as demandas de movimentos sociais significam evolução social. Nesse contexto, a ideologia surge como uma variável central, orientando as ações coletivas e consequentes transformações sociais.

A ideologia é comumente pensada a partir dos contínuos de pensamentos "de esquerda-direita" ou "liberais-conservadores/autoritários". Esses contínuos começaram a ser utilizados ao longo do século XX, como referência às formas de ideologia política, quando os conceitos econômicos (por exemplo, liberalismo e socialismo) foram atualizados e passaram a representar modelos de organização social (Conover, & Feldman, 1981; Malka, & Lelkes, 2010). De acordo com Kroh (2007), Raaijmakers e Hoof (2006), Dallago, Cima, Roccato, Ricolfi, e Mirisola (2008), Schwarzmantel (2008), Crowson (2009), Graham, Haidt, e Nosek (2009), Amable (2010), Onraet, Hiel e Comelis (2013), Tagar, Morgan, Halperin, e Skitka (2013), Crawford e Pilanski (2014), Crawford, Brandt, Inbar e Mallinas (2015)e Saeri, Iver e Louis (2015) e a ideologia de direita, representa uma visão política tradicional, caracterizada pela manutenção do status quo, sendo, portanto, bastante resistente a mudanças sociais e, no ponto de vista dos autores politicamente liberais, o conservadorismo legitima a existência de desigualdades sociais. Já a ideologia de esquerda representa uma visão política pautada em ideias mais progressistas e igualitárias, prezando pelo estabelecimento de mudanças sociais como uma forma de combater as desigualdades sociais.

Para Martin (2015), as diferenças verificadas entre esses polos ideológicos envolvem a forma como as pessoas compreendem, aplicam e combinam as concepções de justiça e de igualdade na construção da sociedade; na regulação das relações interpessoais, sociais e institucionais; e na compreensão da realidade social, considerando aspectos como a desigualdade social e o desemprego, por exemplo. Assim, as diferentes possibilidades de combinação entre as concepções de justiça e de igualdade favorecem a construção de reflexões qualitativamente distintas sobre um determinado tema social, o que pode, consequentemente, favorecer o apoio a políticas públicas e a partidos políticos específicos. Isso implica pensar que as diferentes possibilidades de combinações desses valores ou conceitos políticos estão organizadas a partir de uma estrutura lógica, que faz com que essas combinações sejam cognitivamente coerentes.

Desse modo, é possível verificar em conservadores e igualitários uma oposição de ideais na defesa dos mesmos valores. Por exemplo, igualitários e conservadores podem apresentar discursos relativos à defesa do meio ambiente e ao mesmo tempo expressar esse valor e agir com o intuito de defendê-lo, de formas distintas e opostas. De um lado os conservadores tendem a manter o status quo das relações entre agricultores e indígenas nas negociações sobre o uso das terras, o que favorece a manutenção do poder dos agricultores e sem respeito às diferenças. Do outro lado, os liberais defendem uma igualdade entre esses dois grupos pela equidade, respeitando as diferenças, o que retira, consequentemente o poder do grupo economicamente mais forte. No entanto, a forma como conservadores e igualitários refletem sobre o mesmo tema não representa um julgamento de valor no sentido de avaliar qual é realmente a melhor forma de fazer política. Representa apenas o reconhecimento de que causas comuns são apoiadas em princípios estruturalmente diferentes.

Na Psicologia, a ideologia é estudada enquanto um fenômeno que está além da esfera política, e que não se limita, necessariamente, aos contínuos mencionados. Essa concepção tem sido defendida por autores como Piaget (1965), Freeden (1994), Doise, Staerklé, Clémence e Savory (1998) e Doise (2002). Piaget (1965) apresentou a ideologia como um conjunto de valores construídos ao longo do desenvolvimento individual. Os valores, de acordo com esse autor, consistem em avaliações sobre objetos sociais (pessoas ou situações), que são construídas a partir de interesses individuais (liberdade, segurança, confiança etc.) e/ou de restrições ou normas morais ou legais. Os diferentes valores, construídos ao longo do desenvolvimento, constituem a base por meio da qual as pessoas refletem sobre a melhor forma de resolver conflitos morais, servindo assim como guia para as ações (Piaget, 1965). Na perspectiva piagetiana, um conjunto de valores passa a ser considerado uma ideologia quando são compartilhados por outras pessoas; ou seja, quando várias pessoas orientam suas ações a partir de um mesmo conjunto de valores. Nesse sentido, uma ideologia passa a ser considerada política quando esses valores são aplicados para a reflexão não apenas de conflitos morais, mas também de conflitos sociais. Desse modo, pode-se dizer que para Piaget (1965) toda ideologia possui uma função política e que a existência de diferentes ideologias, em uma mesma sociedade, indica que pessoas ou grupos utilizam valores diferentes como base para a construção do que para elas representa uma sociedade ideal.

Freeden (1994) apresenta a ideologia como composta por elementos lógicos e culturais: os elementos lógicos envolvem os valores, ou conceitos políticos, que se combinam e que caracterizam cada dimensão ou polo ideológico (por exemplo, conservadorismo-liberalismo); os elementos culturais envolvem os significados atribuídos a esses conceitos políticos, que são construídos de acordo com dinâmicas sociais específicas. Nesse sentido, a ideologia, apresentada conforme os contínuos esquerda-direita ou liberalismo-conservadorismo, envolve concepções sobre a natureza humana, sobre a estrutura social e sobre diferentes conceitos políticos como liberdade, direitos, igualdade, poder, justiça, autoridade etc. E é a forma como esses conceitos se complementam, se contrapõem e se reforçam que conferem um significado às ideologias e que fazem com que elas representem um modelo de organização social (Freeden, 1994).

Uma concepção de ideologia semelhante à proposta por Piaget (1965) foi apresentada por Doise, Staerklé, Clémence e Savory (1998) e Doise (2002). Esses autores consideram que as ideologias estão estruturadas em um conjunto de valores ou ideias-força (por exemplo, democracia, igualdade, poder, liberdade, tradições, dinheiro e solidariedade). O avanço desses autores quanto à proposta de Piaget está na atribuição de um contínuo ideológico a partir da qualidade da associação entre esses valores e da importância atribuída a cada um deles, sendo possível identificar a defesa de um posicionamento político "mais liberal ou de esquerda", ou "mais conservador ou de direita". Por exemplo, uma alta valorização da ideia-força "poder" reflete um posicionamento político mais relacionado com o conservadorismo, visto que esse conceito envolve a defesa de valores individuais relacionados com a autorrealização e exercício da autoridade. Por outro lado, uma alta valorização da ideia-força democracia reflete um posicionamento político mais relacionado com as concepções de uma ideologia mais igualitária ou liberal, visto que a Democracia implica no compartilhamento da vida pública e na preocupação com o bem-estar coletivo e com a justiça social.

A justiça, elemento essencial para a construção do posicionamento político-ideológico como apresentado por Doise et al. (1998) e Doise (2002), representa a base das reflexões que as pessoas constroem sobre a sociedade, ou seja, representa a estrutura que dá suporte à construção dos diferentes tipos de valores ou das ideologias que as pessoas defendem. Pode-se dizer também que os posicionamentos ideológicos são acompanhados de reflexões sobre aquilo que as pessoas julgam ser certo ou errado, ou seja, as ideologias são acompanhadas de julgamentos morais (Moreira, Rique, Sabucedo, & Camino, 2018).

Nesse sentido, liberdade, democracia e igualdade de direitos, enquanto valores que compõem uma ideologia, são construídas a partir de ideias de justiça, como defende a teoria do desenvolvimento do julgamento moral de Kohlberg (1984). Esse autor apresenta o raciocínio de justiça como um elemento central do julgamento moral, que se desenvolve e se organiza em esquemas qualitativamente diferentes compostos por três níveis (pré-convencional, convencional e pós-convencional) e seis orientações (1 - Orientação para a obediência e punição; 2 - Orientação hedonista instrumental; 3 - Orientação pela moralidade do bom garoto; 4 - Orientação para lei e para ordem; 5 - Orientação para o contrato social; 6 - Orientação para princípios éticos universais). Ao longo dessa estrutura, as concepções de justiça, se tornam cada vez mais complexas pois acompanham o desenvolvimento da cognição (Piaget, 1964) e das relações sociais (Selman, 1971; Selman, & Byrne, 1974). Essas últimas, ao longo de sua evolução, deixam de envolver, em suas formas iniciais, apenas as pessoas mais próximas, como a família e os amigos, e passam a compreender grupos mais amplos como a sociedade e suas interações ecológicas.

A relação entre julgamento moral e ideologia foi verificada em estudos que utilizaram o Defining Issues Test (DIT) como medida de avaliação do julgamento moral (Fishkin, Keniston, & Mackinnon, 1973; Rest, Cooper, Coder, Masanz, & Anderson, 1974; Rest, Thoma, Narvaez, & Bebeau, 1997; Narvaez, Getz, Rest, & Thoma, 1999) com correlações que variaram de 0,40 a 0,65. De um modo geral, esses estudos indicaram que pessoas com um julgamento moral convencional estavam mais propensas a defender um posicionamento político conservador. Já aquelas com um julgamento moral pós-convencional estavam mais propensas a defender um posicionamento político liberal. Narvaez et al. (1999) interpretaram esses resultados considerando que os posicionamentos conservadores aparecem associados aos julgamentos morais convencionais, pois esse tipo de julgamento enfatiza uma concepção de justiça ligada ao respeito, à autoridade e à necessidade de manutenção da ordem social por meio da obediência às normas e leis impostas por ela. Já os posicionamentos liberais aparecem associados a julgamentos morais pós-convencionais, pois enfatizam uma concepção de justiça ligada à igualdade, à liberdade e ao respeito aos direitos individuais.

Moreira et al. (2018), com base na teoria de Kohlberg (1984), verificaram que diferenças na qualidade do julgamento moral estão associadas a diferenças no posicionamento político-ideológico e nas formas de ação coletiva que as pessoas se mostram dispostas a adotar para defender seus valores. De acordo com esses autores, seria possível dizer que, assim como ocorre com o julgamento moral, os diferentes posicionamentos político-ideológicos são construídos a partir de um núcleo comum.

Ainda conforme Moreira et al. (2018), pessoas com julgamento moral convencional, além de defenderem uma ideologia conservadora, ou voltada para a defesa de valores tradicionais, se apresentaram dispostas a participar de ações políticas que ocorrem dentro dos limites legais; e que as pessoas com julgamento moral pós-convencional, além de defenderem uma ideologia voltada para a defesa da igualdade, se apresentaram dispostas a participar tanto de ações que ocorrem dentro da legalidade, como de ações que possam chegar a infringir alguma norma ou lei, desde que suas consequências favorecessem a algum tipo de mudança social ligada a promoção da justiça ou da igualdade (Moskalenko, & McCauley, 2009). Desse modo, ao considerar que os julgamentos morais envolvem os valores, ou o conjunto de valores que as pessoas defendem e, diante das associações verificadas entre julgamento moral e ideologia, é possível afirmar que as ideologias representam uma dimensão do desenvolvimento sociocognitivo, paralela ao julgamento moral.

Se consideramos o julgamento moral enquanto uma orientação sociocognitiva e, se consideramos a ideologia como uma dimensão do desenvolvimento dessa orientação, pode-se esperar que a ideologia, assim como o julgamento moral, possua um núcleo estrutural que não se altera diante das mudanças do contexto social. Ou seja, na sua estrutura, os julgamentos morais são lógicos e, desse modo, podem ser utilizados para a reflexão de qualquer tipo de situação social e em qualquer contexto. E, pelo fato de os julgamentos morais envolverem os valores que as pessoas defendem em suas relações interpessoais e institucionais, pode-se dizer que os posicionamentos político-ideológicos também possuem uma estrutura lógica que acompanha a estrutura dos julgamentos morais. Portanto, defende-se que as pessoas em qualquer tempo ou contexto, utilizam as mesmas orientações sociocognitivas, de julgamento moral e de posicionamento político-ideológico, para pensar sobre diferentes questões sociais.

Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho foi investigar, com base na teoria de Kohlberg (1984), o posicionamento político-ideológico de jovens brasileiros. Para verificar a validade das reflexões que apoiam o objetivo desse trabalho, foram estabelecidas as seguintes hipóteses: (1) a estrutura do posicionamento político-ideológico dos jovens com julgamento moral convencional dominante estaria organizada a partir da associação entre conceitos políticos que representam ideais mais conservadores; (2) a estrutura do posicionamento político-ideológico dos jovens com julgamento moral pós-convencional dominante estaria organizada a partir da associação entre conceitos políticos que representam ideais mais igualitários.

 

Método

Participantes

Desta pesquisa, realizada com um delineamento correlacional, participaram 485 jovens com idades de 16 a 25 anos (M = 18,28; DP = 2,49), sendo 305 mulheres (62,9%) e 180 homens (37,1%). Do total de participantes, 225 (46,4%) eram estudantes do Ensino Médio e 260 (53,6%) eram estudantes universitários.

Instrumentos

Defining Issues Test (DIT)

Consiste em uma medida objetiva para a avaliação do julgamento moral elaborada por Rest et al. (1974), que tem como base os dilemas morais hipotéticos propostos por Colby, Kohlberg e Kauffman (1987) no Moral Judgment Interview (MJI). O DIT é composto por seis dilemas morais. Para a administração do instrumento os participantes são convidados a ler cada dilema e logo após são solicitados a responder uma questão inicial sobre o que o protagonista do dilema deve fazer diante do conflito apresentado. Para essa questão são dadas as opções de resposta "sim", "não", ou "não sei". Em seguida são apresentadas 12 afirmativas construídas como base em diferentes orientações sociocognitivas de julgamento moral conforme Kohlberg (1984), e que apresentam diferentes reflexões sobre o conflito em questão. Para cada afirmativa deve ser atribuído um grau de importância em uma escala do tipo Likert de cinco pontos, variando de 1 (Nenhuma importância) a 5 (Máxima importância). Em seguida, os participantes devem escolher, dentre as 12 afirmativas apresentadas, quatro que eles consideram como as mais importantes. Nesse estudo foram utilizados dois dilemas do DIT, adaptados para o contexto brasileiro por Camino, Lua, Alves, Silva e Rique (1998).

Escala de Simpatia Ideológica (ES)

Essa medida foi elaborada por Doise et al. (1998) e avalia o posicionamento ideológico dos participantes a partir do conhecimento que eles indicam ter sobre um conjunto de conceitos relacionadas com a organização social (Democracia, Igualdade, Poder, Tradições, Esquerda, Dinheiro, Direitos Humanos, Solidariedade, Liberdade, Partidos Políticos, Sindicatos, Direita). Nesse instrumento solicita-se aos participantes que indiquem, em uma escala do tipo Likert de quatro pontos, se eles desconhecem os conceitos apresentados (0 - Não conheço esse conceito) ou o quanto eles acreditam em cada um deles (1 - Acredito muito nesse conceito a 4 - Eu não acredito de forma alguma nesse conceito). Para o presente estudo, a escala foi adaptada: foram retirados os conceitos "Esquerda, Direita e Sindicatos", e foi inserido o conceito "Perdão". Optou-se por excluir os conceitos "Esquerda e Direita", para evitar um viés ideológico; e retirou-se o conceito "Sindicatos" devido a sua possível associação, no contexto brasileiro, com a ideologia política "de esquerda". Já a inclusão do conceito "Perdão" ocorreu devido a sua relação com julgamentos morais de justiça (Abreu, 2013). Apesar das modificações sofridas, a Escala de Simpatia Ideológica manteve seu objetivo principal, ou seja, verificar o posicionamento ideológico dos participantes sobre um conjunto de conceitos construídos a partir de considerações sobre justiça e solidariedade.

Questionário biodemográfico

Foi composto por perguntas que visavam conhecer a idade, o gênero e escolaridade dos participantes.

Procedimentos

Éticos

A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (Protocolo nº 0527/2014), e atendeu a todos os requisitos da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Procedimentos de coleta de dados

Os dados foram coletados em ambiente de sala de aula, mas respondidos individualmente por meio de lápis e papel. Antes de responder aos instrumentos, os participantes foram informados sobre o objetivo geral da pesquisa, sobre o anonimato das respostas e sobre a possibilidade de desistência da pesquisa sem sofrer qualquer ônus.

Procedimentos de análise dos dados

Os dados foram analisados com auxílio do IBM SPSS, versão 20. Os escores obtidos por meio do DIT são tradicionalmente analisados a partir do "Índice-p", que representa o índice de pensamento pós-convencional. Esse índice é calculado a partir dos escores atribuídos às quatro afirmativas indicadas como as mais importantes para cada dilema apresentado. No entanto, por representar apenas o índice de pensamento pós-convencional, o Índice-p não permite a verificação do índice de pensamento convencional. Desse modo, optou-se por realizar o levantamento das médias dos níveis convencional e pós-convencional de julgamento moral, por meio dos escores brutos atribuídos às afirmativas correspondentes aos estágios que compõem esses níveis. Ao analisar o julgamento moral dessa forma, tem-se a possibilidade de verificar as médias dos estágios e níveis de julgamento moral, bem como o tipo de julgamento moral dominante dos participantes. Sobre esse último tipo de análise, considerou-se como dominante aquele julgamento moral no qual o participante obtém maior média.

Para a Escala de Simpatia Ideológica, foram realizadas análises fatoriais. Para essas análises, o critério de Kaiser foi escolhido como método de extração de fatores e utilizou-se o método de rotação varimax como uma forma de maximizar as correlações dos itens com o fator. Para inclusão do item no fator utilizou-se a ocorrência de uma saturação superior a 0.40. Para a verificação da estrutura do posicionamento político-ideológico dos jovens, a partir dessa Escala, a amostra foi dividida em dois grupos independentes, a partir do nível de julgamento moral dominante: um grupo foi composto por jovens com julgamento moral convencional dominante e outro grupo foi composto por jovens com julgamento moral pós-convencional dominante.

Para o questionário biodemográfico foram feitos levantamentos de médias e frequências.

 

Resultados

Análise do julgamento moral

Por meio da análise das frequências do nível de julgamento moral dominante verificou-se que 24,13% (n = 177) dos participantes apresentou julgamento moral convencional dominante (JMC), sendo a maioria composta por estudantes do Ensino Médio (54,8%). Verificou-se ainda que 75,87% (n = 308) dos participantes apresentou julgamento moral pós-convencional dominante (JMPC), sendo a maioria composta por estudantes universitários (58,4%). Por meio de um Teste-t para amostras independentes verificou-se que a média do julgamento moral pós-convencional dominante (M = 3,43; DP = 0,41) foi superior e significativamente diferente da média verificada para o julgamento moral convencional dominante (M = 3,26; DP = 0,52; t(484) = -6,613; p = 0,001; d = 0,36).

Um Teste-t para amostras independentes, utilizando o julgamento moral como variável de agrupamento, indicou não haver diferenças significativas entre o posicionamento político-ideológico dos jovens com julgamento moral convencional e pós-convencional dominantes [Julgamento Moral Convencional: M = 3,18; DP = 0,43; Julgamento Moral Pós-Convencional: M = 3,12; DP = 0,52; t(483) = 1,207; p = 0,228)]. Entretanto, mesmo não tendo sido constatada diferenças significativas no posicionamento político-ideológico dos participantes decidiu-se realizar análises fatoriais para a ESI com o objetivo de verificar se haveria semelhanças também quanto à organização estrutural do posicionamento político-ideológico desses jovens.

Análise do posicionamento político

As Tabelas 1 e 2 apresentam, respectivamente, a organização dos conceitos da ESI em fatores para os dois grupos de jovens: com JMC dominante e com JMPC dominante. Para os jovens com JMC foram encontrados três fatores que juntos explicaram 64,35% da variância total da escala. Esses fatores foram chamados de Princípios Humanitários (Fator I), Princípios Democráticos (Fator II) e Princípios Individualistas (Fator III). Para os jovens com JMPC verificou-se uma estrutura bifatorial, que foi responsável por explicar 60,38% da variância total da escala. Esses dois fatores foram chamados de Princípios Humanitários e Democráticos (Fator I) e Princípios Individualistas (Fator II).

Para as análises fatoriais efetuadas tanto para os jovens com JMC dominante como para os jovens com JMPC dominante, utilizou-se o Critério de Kaiser como método de extração dos fatores, ou seja, os valores próprios ou eigenvalue de cada fator deveriam apresentar um valor igual ou superior a um (1). No entanto, verificou-se na literatura a possibilidade de manter um Fator na estrutura fatorial quando esse apresentasse um eigenvalue muito próximo a um (1), desde que sua manutenção estivesse coerente com a proposta teórica (Field, 2005). Para a análise fatorial realizada para os jovens com JMC, verificou-se que o eigenvalue foi de 0,979.

Além de se considerar esse fator relevante para a explicação do posicionamento político-ideológico dos jovens com JMC, verificou-se que as médias dos três fatores encontrados para a ESI para esse grupo apresentaram diferenças significativas entre si [Fator I vs. Fator II: t(176) = 3,745; p < 0,001; Fator I vs. Fator III: t(176) = 9,027; p < 0,001; Fator II vs. Fator III: t(176) = 5,478; p < 0,001]. Desse modo, optou-se por manter esse fator na estrutura fatorial encontrada. Foram verificadas diferenças significativas também entre as médias dos dois fatores verificados para essa mesma escala, para os jovens com JMPC (Fator I vs. Fator II: t(307) = 10,544; p < 0,001). Para os dois grupos de jovens, os conceitos Partidos Políticos e Tradições Culturais apresentaram correlações inferiores a 0,40 e foram retirados das análises.

 

Discussão

ados do presente estudo confirmaram as hipóteses de que diferenças na qualidade do julgamento moral estão relacionadas com diferenças na estrutura do posicionamento político-ideológico de jovens. Verificou-se que o posicionamento político-ideológico dos jovens com JMC esteve organizado a partir da associação entre conceitos que representam ideais mais tradicionais ou conservadores e que o posicionamento político-ideológico dos jovens com JMPC esteve organizado a partir da associação entre conceitos que representam ideais mais igualitários ou liberais.

No que diz respeito à qualidade do Julgamento Moral, os resultados do presente estudo corroboraram aqueles encontrados por Camino et al. (1998) e por Biaggio (1975; 1976; 2002) no que concerne à relação entre a qualidade do julgamento moral e escolaridade: uma predominância de julgamentos convencionais em adolescentes estudantes do ensino médio e uma predominância de julgamentos pós-convencionais em jovens universitários.

No que diz respeito ao posicionamento político-ideológico, os resultados corroboram também parte daqueles encontrados por Doise et al. (1998) e por Camino et al. (2007). Partindo de uma análise fatorial de correspondência, mas sem considerar as diferenças da qualidade do julgamento moral, Doise et al. (1998) verificaram uma organização bifatorial, similar à verificada no presente estudo para os jovens com JMC, com o segundo fator composto pelos conceitos Dinheiro e Poder. Uma estrutura bifatorial foi encontrada também por Camino et al. (2007). No estudo realizado por estes autores, foram agrupados no primeiro fator, os itens Liberdade, Solidariedade, Direitos Humanos, Igualdade e Democracia; no segundo fator foram agrupados os itens Poder, Dinheiro e Partidos de Direita. Ao se comparar os resultados encontrados no presente estudo com aqueles encontrados por Camino et al. (2007), verificou-se um aumento na variância explicada pela escala, que passou de 41,75 % (com Camino et al., 2007), para mais de 60% (estudo atual - 64,35% para os jovens com JMC e 60,38% para os jovens com JMPC). Acredita-se que essa diferença tenha sido produto das modificações efetuadas nos conceitos apresentados na escala.

O JMC envolve uma ideia de moralidade caracterizada pela força do papel das normas e das leis na organização das relações interpessoais e sociais. A moralidade convencional envolve também uma valorização dos grupos de pertença como a família, os amigos, colegas de trabalho e, em um nível mais avançado, a comunidade da qual se faz parte. A partir das análises fatoriais efetuadas e, considerando o posicionamento político-ideológico enquanto os valores que as pessoas possuem e que são defendidos em suas ações na sociedade, pode-se dizer que a estrutura desse posicionamento para os jovens com JMC se organiza com base em três princípios norteadores, cujas finalidades ou aplicações são distintas: (1) grupos de pertença, (2) instituições políticas e (3) aquilo que o próprio indivíduo valoriza para sua vida. Ou seja, verificou-se para esses jovens uma separação entre aqueles princípios que devem reger suas relações interpessoais e aqueles que devem reger as relações sociais ou políticas.

Desse modo, considera-se que os princípios humanitários (Fator I: de Perdão, de Liberdade, de Solidariedade e de Direitos Humanos) representam os valores ou as virtudes de caráter que esses jovens defendem como a base de suas relações interpessoais. Devido à separação entre os princípios humanitários e os princípios democráticos (Fator II: Igualdade e Democracia) acredita-se que para esses jovens, as instituições políticas devem estar voltadas para a promoção da democracia, sobretudo no que diz respeito à distribuição de direitos e deveres, não sendo seu papel interferir ou julgar os princípios que as pessoas defendem para suas relações interpessoais. Se consideramos as associações apresentadas na literatura sobre julgamento moral e ideologia política, as considerações de Scruton (2016; 2017) sobre a defesa de valores conservadores, torna a interpretação desse resultado ainda mais plausível. Enquanto um conservador, Scruton defende que os valores individuais devem ser mantidos na esfera pessoal e que o Estado, ou os arranjos políticos, não devem interferir nem na expressão e nem na defesa desses valores, pois esses fazem parte da herança cultural das pessoas e devem ser respeitados pelo Estado como tal. Nesse sentido, não seria papel do Estado sugerir como as pessoas devem gerir suas relações interpessoais, nem sob quais princípios ou valores essas relações devem ser construídas e mantidas.

O JMPC, por sua vez, apresenta uma ideia de moralidade relacionada com a defesa de princípios éticos universais. Esses princípios são defendidos não apenas como guia das relações interpessoais, mas também das relações sociais e políticas. As pessoas com JMPC percebem as leis e normas sociais não apenas considerando a necessidade delas para a manutenção da ordem social, mas também pelos princípios que estão na base de sua construção. Ou seja, as pessoas com esse tipo de julgamento moral associam a existência de normas e regras aos seus propósitos e, desse modo, a política passa a ser compreendida não apenas como um sistema de manutenção de ordem social e de distribuição de direitos e deveres, mas como uma instituição pautada em princípios que são aplicados para o bem-comum. Desse modo, a associação verificada entre os princípios humanitários e democráticos em um único fator, para os jovens com JMPC, apresenta-se coerente com a concepção desse tipo de julgamento moral, de tal forma que para esses jovens não seria possível dissociar conceitos mais relacionadas à esfera política, como a Democracia, daqueles mais relacionados com a esfera das relações interpessoais, como o Perdão.

Portanto, pode-se dizer que, para as pessoas com uma maior maturidade de julgamento moral, os mesmos princípios regem, ou devem reger, tanto as relações interpessoais como a atuação das instituições políticas. Ainda, tendo em vista as reflexões de Scruton (2017) sobre a democracia, pode-se pensar que adotar a democracia como um princípio que rege não apenas as relações políticas, mas também as interpessoais, implica na disposição das pessoas em aceitar a possibilidade da imposição de alguma desvantagem pessoal a favor da obtenção de uma vantagem coletiva. Desse modo, observa-se que a defesa da democracia, enquanto um valor pessoal, implica na consciência de que a defesa de um ideal moral implica em ônus e bônus.

O fato de terem sido encontradas diferenças estruturais no posicionamento político-ideológico dos jovens, mas não no conteúdo desses posicionamentos, considerando a ausência de diferenças significativas nas médias dos escores da ESI, indica que os dois grupos de jovens acreditam nos mesmos conceitos, mas que, possivelmente, podem estar atribuindo um significado diferente para eles. Por exemplo, é possível que a ideia que os jovens com JMC têm da Igualdade considere a distribuição de recursos, direitos e deveres na sociedade, visto que esse conceito apresentou uma associação apenas com a ideia de Democracia. Por outro lado, é possível que a concepção de Igualdade, defendida pelos jovens com JMPC, envolva a ideia de equidade, havendo a necessidade de avaliações das diferenças individuais para a promoção de justiça social. Dessa forma, pode-se dizer que os dois grupos de jovens acreditam na ideia de Igualdade, mas que o significado atribuído a esse conceito e a forma como ele é aplicado em suas relações, é qualitativamente distinta. Essa reflexão tem suporte nas considerações de Arendt (2016) sobre as características de um governo. Para essa autora, o governo ou o Estado pode ser compreendido como o protetor da sociedade e dos interesses dos indivíduos, e tem como finalidade de existência garantir a segurança necessária para que as liberdades individuais sejam alcançadas. A concepção de liberdade, enquanto um conceito político, é construída ao longo da vida social. Desse modo, na medida em que as pessoas adquirem uma maturidade na compreensão da política, elas passam a perceber a liberdade não apenas como um valor pessoal, mas como um valor entrelaçado às ações do Estado.

Entretanto, a indicação de uma diferença no conteúdo do pensamento político entre os jovens com JMC e JMPC precisa permanecer no campo da suposição, pois os significados atribuídos aos conceitos políticos apresentados não foram investigados. Desse modo, a ausência de uma investigação desses conteúdos representa a principal limitação desse estudo e, devido a sua relevância para a compreensão da estrutura do posicionamento político-ideológico, merece ser objeto de investigação em estudos futuros.

 

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Endereço para correspondência:
Pollyana Lucena Moreira
pollyanadelucena@gmail.com

Júlio Rique
julio.rique@hotmail.com

Submetido em: 05/06/2018
Revisto em: 09/11/2018
Aceito em: 24/11/2018

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