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Boletim de Psicologia
versão impressa ISSN 0006-5943
Bol. psicol vol.63 no.138 São Paulo jun. 2013
IN MEMORIAM
Samuel Pfromm Netto1
Samuel Pfromm Netto
José Fernando Bitencourt Lomônaco*
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - SP - Brasil. Membro Titular da Academia Paulista de Psicologia
Vítima de longa e cruel enfermidade faleceu no dia 17 de novembro de 2012, o Prof. Samuel Pfromm Netto, de quem tive a honra de ter sido aluno, colega de trabalho e amigo de longa data. Meu primeiro contato com o Prof. Samuel ocorreu no curso de graduação onde dele recebi meus primeiros ensinamentos nas áreas da Psicologia da Aprendizagem e da Psicologia da Adolescência, esta última uma de suas paixões. Penso que todos que o conheceram hão de concordar comigo quanto ao enorme entusiasmo demonstrado por ele em suas aulas. Transparecia em suas palavras e em seu tom de voz uma firme convicção de estar transmitindo aos seus alunos importantes conhecimentos oriundos da ciência psicológica. E aí residia uma faceta peculiar de sua personalidade: uma grande intolerância com o bla-blá-blá sem fundamento, com as meras opiniões pessoais não fundamentadas na pesquisa empírica e, principalmente, uma grande aversão à contaminação dos conhecimentos psicológicos oriundos de trabalhos de pesquisas sérios com as ideologias de plantão, com a mistura nefasta, no seu entender, de predisposições ideológicas que conduziam o pensamento em uma direção determinada e cegavam o aluno e/ou o estudioso para as descobertas e conclusões dos trabalhos empíricos de campo ou oriundos de laboratórios psicológicos.
Outro aspecto bastante característico do Prof. Samuel residia em uma surpreendente atualização a respeito dos assuntos de seu interesse. Impressionava-nos como alunos o grau do conhecimento sobre as publicações mais recentes, geralmente textos norte-americanos, que o professor parecia haver lido e comentava conosco além de, é claro, recomendar-nos enfaticamente a sua leitura. Ficávamos imaginando o tamanho de sua biblioteca e o tempo despendido pelo professor em suas múltiplas leituras. Não se pense, todavia, que apenas os textos mais atuais constituíam objetos de suas leituras. Ao lado destes e, penso eu, com igual interesse e muito afinco, Samuel Pfromm Netto garimpava - e o termo garimpar parece-me refletir bem a tarefa a que ele se propunha - trabalhos dos pioneiros da Psicologia brasileira e, sentíamos nele, uma profunda consideração pela obra desses autores, no mais das vezes um tanto simplórias quando comparadas aos trabalhos mais recentes, mas que o pesquisador tratava com muito carinho, se assim se pode dizer, e muito respeito. Quem lê um de seus livros mais conhecidos - Psicologia da Adolescência - pode aquilatar o quanto dos trabalhos desses pioneiros o Prof. Samuel levantou e considerou nesta obra. E aí temos outra característica marcante de sua personalidade acadêmica: a de historiador da Psicologia brasileira. Não sem razão, fazia parte do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
Mas, vamos conhecer um pouco mais de Samuel Pfromm Netto. Nasceu em Piracicaba, em 3 de março de 1932. Seus ascendentes maternos eram católicos luso-brasileiros e os paternos luteranos alemães. Formou-se professor primário pela antiga Escola Normal de Piracicaba, em 1949 e, ainda muito jovem, trabalhou como radialista e como jornalista no antigo "Jornal de Piracicaba", na função de revisor. Cursou Pedagogia na USP onde se formou em 1959; no ano seguinte foi convidado pelo Dr. Arrigo Leonardo Angelini para trabalhar na antiga Cadeira de Psicologia Educacional. Doutorou-se na própria USP e fez estudos pós-graduados nos EUA, Europa e Japão. Escreveu e publicou aproximadamente quatro dezenas de livros e um número também muito extenso de estudos ao longo dos últimos 50 anos. Dentre suas obras podemos destacar: "Psicologia da Adolescência", livro que teve sete edições e, por muito tempo, foi o único (ou, pelo menos, um dos únicos) livros sobre o assunto no nosso meio, "Comunicação de Massa" (1972), "Tecnologia da Educação e Comunicação de Massa" (1977), "Psicologia da Aprendizagem e do Ensino" (1987), "Psicologia: Introdução e Guia de Estudo" (1990) com 23 edições, "Telas que Ensinam" (1998), etc. Fez parte como associado e, frequentemente, como integrante da diretoria de várias associações culturais tais como a Associação de Psicologia de São Paulo (antiga Sociedade de Psicologia de São Paulo), a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), na qual se fez sempre presente com suas colaborações, a Academia Cristã de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Foi membro fundador da Academia Paulista de Psicologia onde ocupava a cadeira no. 5, cujo patrono é José Rodrigo de Arruda, por sinal, seu antigo professor na Escola Normal de Piracicaba, autor, segundo Samuel, de um notável compêndio de Psicologia editado pela Saraiva e pioneiro em nosso meio de estudos sobre a aprendizagem de idiomas estrangeiros.
No tocante ao seu trabalho profissional, atuou a maior parte de sua vida como professor no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, nos cursos de graduação e pós-graduação. Depois de aposentado pela USP exerceu o magistério no programa de pós-graduação em Psicologia Escolar da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Em ambas as instituições orientou grande número de dissertações de mestrado e teses de doutorado. Por ocasião de sua morte dirigia a PNA - Pfromm Netto & Associados, com sede na capital paulista.
Outro aspecto de sua contribuição para a Psicologia brasileira, que merece ser ressalvada para conhecimento e reconhecimento das novas gerações de psicólogos, foi sua efetiva atuação, juntamente com outras figuras históricas da nossa Psicologia, tais como Arrigo Leonardo Angelini, Odete Lourenção van Kolck, Oswaldo de Barros Santos e tantos outros, no sentido não só da criação do primeiro curso de Psicologia do Brasil - o Curso de Psicologia da USP - , mas também do reconhecimento legal da profissão de psicólogo por meio da aprovação da Lei 4.119, de 1962. Samuel, ao lado dessas e de muitos outros pioneiros também se empenhou ativamente pela criação do Conselho Federal de Psicologia do qual, aliás, foi conselheiro por muitos anos.
Interessou-se pela informática educativa nos anos 70 e 80 e colaborou com a Secretaria Especial de Informática do Governo Federal no planejamento e na criação dos primeiros centros de informática educativa no país. Sua experiência neste período é bem retratada no livro "Telas que Ensinam", publicado em 1998.
Muito embora os interesses e os conhecimentos do Prof. Samuel fossem muito amplos e diversificados, é possível identificar claramente uma área do conhecimento psicológico no qual investiu o melhor de seus esforços, qual seja, a área da Psicologia Educacional e, por extensão, Escolar. Numa entrevista concedida à Dra. Geraldina Porto Witter, sua amiga e colega, publicada na Revista de Psicologia Escolar e Educacional da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), justifica o interesse por esta área como natural, pois decorrente de sua formação como professor normalista e, posteriormente, como pedagogo. Quando instado pela entrevistadora a apontar as características da Psicologia Escolar no Brasil de hoje, assim se manifesta o entrevistado:
Vejo aspectos positivos e negativos na Psicologia Escolar brasileira de nossos dias. Primeiro os positivos. Graças principalmente à ABRAPEE ... temos hoje uma produção e uma publicação de pesquisas das mais expressivas, em comparação com a que tínhamos nas décadas passadas. Boa parte dessa produção obedece aos melhores padrões da literatura internacional e se debruça ... sobre a realidade de professores e alunos brasileiros em escolas brasileiras. Noto também um aumento expressivo de contribuições, muito raras no passado, da pesquisa empírica sobre distúrbios e problemas de aprendizagem com embasamento científico sério, ao contrário de uma certa linha de superficialidade ... e desconhecimento brutal do complexo de fatores, condições e componentes não só psicológicos e sociais, como bioquímicos, genéticos, neurais e traumáticos e de relacionamento interpessoal, que nos fornecem um quadro de referência muito mais seguro para fins de prevenção, intervenção e atuação junto a escolares e professores. Temos hoje muito mais consciência do alerta feito por Bronfenbrenner (desde a década de 70) ... sobre a progressiva deterioração na sociedade das condições indicadas pelas pesquisas como críticas, tanto para um desenvolvimento saudável na infância como para a manutenção da saúde física e mental e das competências humanas ao longo da vida (p. 294).
Em contrapartida, há os aspectos negativos. Apesar dos múltiplos esforços no sentido de por um psicólogo escolar em cada escola ... Ressentimo-nos ainda de uma certa timidez, de um certo pudor despropositado quanto à necessidade de fazermos nosso próprio marketing, de organizar lobbies, de mobilizar pessoas e sociedades para dotar nossas escolas de bons serviços e profissionais competentes no âmbito da Psicologia Escolar. Por falar em profissionais competentes, é bem sabido que deixa a desejar, em numerosos cursos, a preparação desses profissionais, que é mínima ou nula, ou que se desloca do aprendizado de conhecimentos e habilidades (sem dúvida mais trabalhoso) para o caminho fácil da contestação barata, das arengas político-doutrinárias e da maledicência mal disfarçada que perdem de vista a própria Psicologia (p. 295).
E, assim, continuava o Prof. Samuel, com sua peculiar inflamação na defesa de seus pontos de vista. Assertivo, mas sempre educado, elegante e respeitoso com as pessoas. A morte privou-nos de sua presença, mas felizmente suas palavras e suas ideias continuarão ressoando em nós por meio de seus inúmeros escritos.
REFERÊNCIA
Witter, G.P. (1998). Entrevista com Samuel Pfromm Netto. Psicologia Escolar e Educacional, 2 (3), 291-296. [ Links ]
Recebido em 10/4/13
Aceito em 12/4/13
* Endereço para correspondência: Av. Prof. Mello Moraes, 1721. São Paulo - SP. CEP: 05508-030. E-mail: jfblusp@usp.br
1 Esta homenagem também está sendo publicada na Revista de Psicologia Escolar e Educacional e no Boletim da Academia Paulista de Psicologia.