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Boletim de Psicologia
versão impressa ISSN 0006-5943
Bol. psicol vol.66 no.145 São Paulo jul. 2016
ARTIGOS ORIGINAIS
A eficácia adaptativa em pessoas com Diabetes Mellitus tipo 2
Adaptive efficacy in patients with type 2 Diabetes Mellitus
Nathália Brandolim Becker; Maria Geralda Viana Heleno*
Universidade Metodista de São Paulo - SP - Brasil
RESUMO
Diabetes é uma doença crônica que influi na rotina de vida das pessoas e que necessitam de cuidados diários. Isso gera angustia e dificuldades para a aceitação da doença e manutenção de um bom controle glicêmico. O presente trabalho teve como objetivos avaliar (1) a qualidade da eficácia adaptativa e (2) descrever dados sociodemográficos de pessoas com Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2). Os resultados mostraram que a qualidade da adaptação dos participantes era Ineficaz Moderada (91,0%) com tendência à Adaptação Ineficaz Severa. A análise dos dados sociodemográficos mostrou que os participantes tinham mais de seis anos de diagnóstico (54,4%), uma dieta pobre (71,4%) e não realizavam nenhum tipo de atividade física (64,8%). Considerando os dados reportados, o prognóstico para tais pacientes é consideravelmente ruim. Esta pesquisa leva-nos a refletir sobre a importância de investimentos em programas de educação e prevenção em diabetes que poderá ajudar os pacientes a manter um bom controle glicêmico, que evitará ou atenuará complicações agudas e crônicas.
Palavras-chave: Adaptação psicológica; Diabetes Mellitus tipo 2; Psicologia da Saúde.
ABSTRACT
Diabetes is a chronic disease that affects people's daily life because they need regular care, which causes distress and difficulty to accept the disease and preserve good glycemic control. Therefore, this research aimed to (1) evaluate the quality of the adaptive efficacy in Diabetes Mellitus type 2 (DM2) and (2) to describe the socio-demographic characteristics of people with this disease. The results showed that the quality of the adaptation of the participants was Moderate Ineffective Adaptation (91.0%) tending to Severe Adaptation Inefficacy. The analysis of socio-demographic data reported that the participants had more than six years of being diagnosed (54.4%), poor diet (71.4%) and did not practice any physical activity (64.8%). Considering the data reported, the prognosis for such patients is considerably bad. This research leads us to consider the relevance of investments in education and diabetes prevention programs and control in order to avoid acute and chronic complications.
Keywords: Psychological Adaptation; Diabetes Mellitus Type 2; Health Psychology.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a ocorrência de Diabetes Mellitus Tipo 2 (DM2) tem aumentado e, por isso, tornou-se um dos distúrbios metabólicos mais comuns em todo o mundo, principalmente nos adultos (Shaw, Sicree & Zimmet, 2010; Whiting, Guariguata, Weil & Shaw, 2011). Em países em desenvolvimento, o estilo de vida foi alterado, a população tornou-se mais longeva, obesa e sedentária e sem condições adequadas de saúde, principalmente por condições econômicas desfavoráveis, que são fatores de risco para várias doenças, como é o caso do DM2. Em estudo mundial de prevalência de diabetes, em pessoas com idade entre 20-79 anos, foi estimado que no ano de 2013 havia 381,8 milhões de adultos, considerando 219 países; para 2035 foi projetado um total de 591,9 milhões. No Brasil, especificamente, em 2013 eram aproximadamente 12 milhões de pessoas e para 2035 esse número deve se aproximar dos 20 milhões (Guariguata et al., 2014). Desde o ano de 2000, a Federação Internacional de Diabetes (IDF) tem reportado estimativa de aumento da prevalência de diabetes, com variação regional significativa (International Diabetes Federation, 2000; 2003; 2006; 2009; 2013).
Por ser uma doença crônica, a DM2 influi na rotina de vida das pessoas, pois elas precisam de cuidados diários, fato que pode gerar angústia e dificuldades para a aceitação da doença (Heleno, 2001). O tratamento ideal inclui: medicação, dieta, atividade física e exames laboratoriais, que devem ser realizados pelo paciente. Portanto, o acompanhamento com diversos profissionais da saúde se torna indispensável para que o tratamento possa ser realizado integralmente. Em função das dificuldades de aceitação da doença e dos aspectos psicológicos envolvidos, a presença do psicólogo neste contexto é essencial para contribuir na consolidação do tratamento em âmbito geral (Santos, 2014).
Heleno (1992) aponta a possibilidade de que no diagnóstico ou no curso da doença ocorra uma crise. Simon (1989) define a crise como uma situação que faz parte do desenvolvimento do indivíduo. São períodos de transição nos quais ocorrem tensões cognitivas e afetivas. Mas, também podem ocorrer crises acidentais, que se caracterizam como períodos de tensão desencadeados por acontecimentos vitais, que envolvem perdas. "O essencial na geração de crise é o fato do sujeito se ver frente a uma situação nova e vitalmente transformadora" (Simon, p. 58). A crise se deve ao aumento ou à redução de aspectos significativos, como pode ser o caso do DM2.
Após o diagnóstico, o paciente com diabetes precisa mudar sua rotina, que inclui dieta, medicamentos, exames laboratoriais constantes, visitas médicas e atividade física. Essas mudanças podem não ser aceitas e desencadear no paciente uma situação de crise pela perda. A impossibilidade de resolver tal situação ocorre, quando as emoções são de natureza extrema e poderosa e o paciente não é capaz de utilizar defesas eficazes contra a intensa ansiedade para estabelecer dentro de si um objeto bom e completo capaz de suportar a perda. Heleno (1992) em pesquisa com pacientes com DM2 concluiu que um grupo de pessoas são capazes de lidar com as situações impostas pelo DM2 e elaborar o luto, enquanto outras não conseguem ter uma atitude saudável em relação ao diabetes, o que gera situações de sofrimento, não só pela perda da saúde, mas pelas complicações decorrentes do DM2 não controlado. Cabe apontar que a capacidade para elaborar o luto a partir da situação de crise tem efeito positivo sobre a adesão ao tratamento (Heleno, 2001).
As situações de crise fazem parte da teoria da adaptação, que se define pelo conjunto de respostas do indivíduo nas diversas situações, o que leva a mudanças, que permitem a manutenção de sua organização. Portanto, para manter a adaptação existe a necessidade de que cada pessoa seja capaz de encontrar soluções frente aos problemas que a vida apresenta. O conceito de adaptação é dinâmico e depende sempre de fatores internos e externos, positivos ou negativos. Os positivos tendem a melhorar a eficácia adaptativa e os negativos a diminuí-las (Simon, 2005).
A eficácia adaptativa, por sua vez, é definida por Simon (1989), como a maneira pela qual o indivíduo maneja as exigências internas e externas na resolução de conflitos. Ela pode resultar em respostas mais ou menos eficazes de acordo com a capacidade de cada indivíduo.
A investigação da qualidade da adaptação dos indivíduos é importante, principalmente, quando há a necessidade de elaborar novas propostas de intervenção. Conhecer a eficácia adaptativa dos pacientes, a partir dos domínios que a compõem se torna importante, pois as intervenções poderão atingir com maior eficiência os domínios em que o indivíduo tem dificuldade. Os domínios são definidos por Simon (2011) como: Afetivo-Relacional - AR (conjunto de sentimentos, ações e atitudes do indivíduo em relação a si e aos outros); Produtividade - Pr (compreende as ações, atitudes e sentimentos frente ao trabalho, de qualquer natureza); Orgânico - Or (funcionamento físico e estado anatômico do organismo, que são ações, atitudes e sentimentos relativos ao próprio corpo) e sócio-cultural - S-C (compreende as ações, atitudes e sentimentos diante dos recursos comunitários, organização social, costumes e valores culturais do funcionamento do indivíduo).
Assim, o estudo da adaptação em pacientes com DM2 poderá trazer resultados que mostram as suas respostas adaptativas e em quais setores são verificadas as dificuldades adaptativas. Cabe ainda considerar a eficiência na prevenção das complicações nas doenças como o diabetes, que levam em consideração questões não apenas orgânicas, mas também, aquelas relacionadas às relações interpessoais, socioculturais e de produtividade.
O presente trabalho teve como objetivos avaliar (1) a qualidade da eficácia adaptativa e (2) descrever dados sócio demográficos de pessoas com Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2).
MÉTODO
Participantes
Este estudo foi realizado com 100 pessoas com DM2 que realizavam acompanhamento em uma Unidade Básica de Saúde - UBS, em uma cidade do Estado de São Paulo, Brasil, sendo 53 do sexo feminino, na faixa etária entre 26 e mais de 70 anos, cujas características são descritas na Tabela 1. O atendimento aos pacientes foi realizado por uma enfermeira e um médico generalista. A amostra foi escolhida por conveniência, isto é, neste tipo de amostra não-probabilística, o pesquisador seleciona os membros mais acessíveis da população (Gil, 1991).
Pela análise das variáveis sociodemográficas verificou-se que a amostra está dividida quase que igualmente entre o sexo feminino (53%) e o masculino (47%), a faixa etária com maior freqüência (71%) é a de 50 a 69 anos, com predomínio do estado civil casado (67%). A renda familiar mais freqüente está principalmente entre 1 e 2 salários mínimos (80%), e a fonte dessa renda é aposentadoria/pensão (58%). Quanto a escolaridade verifica-se que a maior parte da amostra possui o ensino fundamental incompleto (73%).
Material
Foram utilizados na coleta de dados três questionários, um sobre os dados sociodemográficos, outro sobre a doença, que foram elaborados especialmente para esta pesquisa, e o Questionário Diagnóstico Adaptativo Operacionalizado (QDAO). O primeiro, sociodemográfico, foi utilizado para identificar: sexo, faixa etária, estado civil, renda familiar, fonte de renda e escolaridade. O segundo investigou o tempo de diagnóstico, tipo de dieta, atividade física, outras doenças e tipo de tratamento.
Os tipos de dietas foram categorizados em: Boa: aderência cuidadosa à dieta, respeito às medidas dos alimentos dos grupos alimentares adequados e quase nunca com indiscriminações dietéticas; Favorável: aderência esporádica à dieta, respeito eventual às medidas dos alimentos dos grupos alimentares adequados e com indiscriminações dietéticas; e Pobre: não aderência à dieta, nenhum respeito às medidas dos grupos alimentares adequados e indiscriminações dietéticas. A prática de atividade física foi classificada em: Não realiza; Realiza irregularmente (até duas vezes por semana) e Realiza regularmente (mais de três vezes por semana). Quanto ao tipo de tratamento as categorias foram: Dieta; Hipoglicemiante oral ou Insulina.
O Questionário Diagnóstico Adaptativo Operacionalizado (QDAO) foi validado por Gandini (1996) e é composto por 204 itens em uma escala likert de cinco pontos. Nos itens 1 a 193 as respostas são classificadas segundo o seguinte critério: 1) discordo totalmente, 2) discordo, 3) não concordo, nem discordo, 4) concordo e 5) concordo totalmente. Nos itens 194 a 204, as respostas são classificadas por outro critério: 1) nunca; 2) raramente; 3) às vezes; 4) frequentemente e 5) sempre. O Questionário tem o objetivo de avaliar a qualidade da adaptação dos indivíduos em quatro em setores: 1. Afetivo-relacional (AR); 2. Produtividade (Pr); 3. Sócio-cultural (S-C) e 4. Orgânico (Or). (Simon, 2005).
A qualidade da adaptação é avaliada a partir das respostas dadas pelo indivíduo, em cada setor, para solucionar as necessidades do mundo interno ou externo. As respostas são classificadas em três tipos: adequada, pouco adequada e pouquíssimo adequada. A opção adequada é aquela que resolve o problema, traz satisfação e não gera conflito. A resposta do tipo pouco adequada é aquela que atende a apenas dois critérios, ou seja, resolve o problema e traz satisfação, mas gera conflito ou não traz satisfação e não gera conflito. Por último, a escolha de pouquíssimo adequada, significa que a pessoa soluciona o problema, mas não traz satisfação e gera conflito (Simon, 2005).
Assim, a eficácia adaptativa pode ser medida a partir dos tipos de respostas. Quanto maior o número de respostas adequadas, mais eficaz é a adaptação e quanto maior o número de respostas pouquíssimo adequadas, menos adequada é a adaptação (Simon, 1989).
Procedimento
No presente estudo, foram convidadas a participar pessoas com DM2, que estavam em atendimento em uma Unidade Básica de Saúde. Aqueles que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob número 464818-11 e foram encaminhados para uma sala de atendimento médico. Nesta sala foi solicitado que respondessem individualmente e na seguinte ordem: o Questionário sociodemográfico e o Questionário sobre a doença e, em seguida, o Questionário Diagnóstico Adaptativo Operacionalizado - QDAO. A aplicação dos instrumentos ocorreu com o acompanhamento da aplicadora. Todos os participantes apresentaram dificuldades para responder o questionário em função da baixa escolaridade e dificuldades visuais, logo, foi necessário o auxílio da pesquisadora. Assim, a aplicação do questionário foi oral e com esclarecimentos e auxílio, quando necessário/solicitado, pelo participante. A análise dos dados foi realizada por meio do Statistical Package for the Social Sciences - SPSS, versão 21.0 para Windows. O QDAO foi analisado de acordo com a orientação proposta por Gandini (1996).
RESULTADOS
A Tabela 2 mostra a distribuição de freqüência dos participantes em função do Diabetes e tipo de tratamento.
Quanto ao tempo de diagnóstico observou-se que 46% dos participantes possuem mais de 10 anos de diagnóstico. No que se refere à dieta, 73% tem uma dieta pobre e 64% não realiza atividade física. Quanto ao tipo de tratamento, 59% faz uso de hipoglicemiante oral e 39% de insulina. Os resultados mostraram que apenas 18% não apresentam outra doença, 55% são hipertensos, 27% hipertensos e outras doenças (Artrose, A.V.C., Bursite, Câncer, Hérnia, Osteoporose, Cardiopatia, Bronquite, Enxaqueca, Trombose, Gastrite, Reumatismo, Renal e Lúpus, distúrbios na tireóide, problemas visuais e renais).
A qualidade da adaptação dos participantes foi avaliada por meio da análise das respostas dadas a cada setor, indicada na Tabela 3. As respostas se concentram na faixa de respostas pouco adequadas em todos os setores. Isso levou às frequências das classificações diagnósticas mostradas na Tabela 4.
A classificação diagnóstica dos participantes foi predominantemente Adaptação Ineficaz Moderada, que significa: "alguns sintomas neuróticos, inibição moderada, alguns traços caracterológicos" (Simon, 2005, p.27). As pessoas assim classificadas podem tender tanto para a classificação Adaptação Ineficaz Leve, quanto para a classificação Adaptação Ineficaz Severa, dependendo dos fatores internos e externos e se forem positivos ou negativos (Simon, 2005). Para avaliar essa tendência adaptativa foram utilizadas as variáveis tempo de diagnóstico, tipo de dieta e atividade física em uma análise descritiva. O tempo de diagnóstico, tipo de dieta e atividade física são variáveis relacionadas na literatura como propriedades que dizem respeito ao agravamento, ou não, da doença. Ao associar essas variáveis com a Adaptação Ineficaz Moderada, da Classificação Diagnóstica (Tabela 5) foi possível verificar a tendência adaptativa dos participantes desse grupo.
O paciente com DM2 que apresenta adaptação eficaz tenderá a obter resultados positivos em relação ao seu acompanhamento diário, principalmente no setor orgânico. Da mesma forma, quando os resultados sobre a doença são negativos o paciente tenderá a ter uma pior classificação adaptativa (Simon, 2005). Os resultados da associação entre Tempo de Diagnóstico, Tipo de Dieta, Atividade Física e classificação adaptativa Ineficaz Moderada mostrou que esses participantes tenderão a piorar sua eficácia adaptativa. Eles não têm boa dieta, não fazem atividade física regularmente e o tempo da doença está acima de 5 anos, com predomínio de mais de 10 anos. A dificuldade para adesão ao tratamento influi negativamente no prognóstico.
DISCUSSÃO
Os participantes deste estudo foram pacientes com DM2 em atendimento em uma UBS de um Município de São Paulo, portanto os resultados mostram qual é a situação desta parte da população, restrita a uma cidade, em relação ao progresso ou não da doença.
Pela análise das características sociodemográficas e de tratamento de diabetes, pode-se observar que a maioria pertence à faixa etária entre 50 e 69 anos (71%), independentemente do gênero. Na literatura têm sido reportados resultados similares ao encontrados no presente estudo (Malerbi & Franco, 1992). Por outro lado, Grillo e Gorini (2007) relataram um aumento desse percentual na mesma faixa etária (34,4%), com maior incidência para o sexo feminino. A International Diabetes Federation (IDF) (2000; 2003; 2006; 2009; 2011; 2013) tem confirmado, que o número de pessoas com DM-2 tem aumentado ao longo dos anos.
A análise da variável fonte de renda mostrou que cerca de 58% dos participantes são aposentados e/ou pensionistas e 50% têm um salário mínimo como fonte de renda familiar. Com base nesses resultados fica evidente que esses participantes dependem do sistema de saúde pública, que parece não ter uma forma eficaz para imprimir um tratamento adequado, que melhore a adesão desses pacientes, principalmente em relação à dieta e à atividade física. Leite et al. (2001) e Teixeira e Zanetti, (2006) observaram a importância do acesso a uma equipe multiprofissional necessária para o atendimento dessa doença.
Quanto ao grau de escolaridade foi constatado que 73% cursaram apenas o ensino fundamental incompleto. Grillo e Gorini (2007) mostraram a importância de analisar o grau de educação, pois essa condição pode dificultar o acesso à informação. Dessa forma, as oportunidades de aprendizagem são menores em relação aos cuidados de saúde.
O tempo de diagnóstico de diabetes para a maioria dos participantes (46%) foi acima de 10 anos e, por conseguinte, esses dados indicaram que a população tem um elevado risco de complicações e problemas de saúde (Tavares, Rodrigues, Silva & Miranzi, 2007). Em concordância com esse resultado apenas 5% dos participantes têm acesso diariamente a uma boa alimentação, em oposição a 73% deles que têm um tipo de dieta pobre, e apenas 15,4 % praticam atividade física regularmente. É possível levantar a hipótese de que a incidência de complicações do DM-2 neste último grupo deve ser crescente em função dessa combinação. Molena-Fernandes, Nardo Junior, Tasca, Pelloso e Cuman (2005) relataram que as práticas regulares de exercício físico, acompanhado por uma dieta adequada, contribuem para o tratamento do DM-2 e, consequentemente, promovem uma boa qualidade de vida.
O rigoroso controle glicêmico pode reduzir o risco de complicações micro e macrovasculares, que são características do DM-2 (United Kingdon Prospective Diabetes Study Group, 1998; Gagliardino, De La Hera & Siri, 2001). Dessa forma pode-se hipotetizar que existe alto risco de complicações nos participantes da presente pesquisa, tendo em vista que eles não seguem as recomendações que auxiliam no controle da doença.
De acordo com Grillo e Gorini (2007), que investigaram a incidência de complicações micro e macrovasculares decorrentes da doença, tais como complicações oculares, cardiovascular, renal e distúrbios neurológicos, afirmaram que o DM é um importante fator de risco para doenças cardiovasculares. Entre as complicações mais comuns estão o infarto agudo do miocárdio, o acidente vascular, a insuficiência renal crônica, as amputações de pés e pernas e a cegueira total.
No que se refere aos resultados obtidos por meio do QDAO, foi possível verificar que em todos os setores avaliados (afetivo-relacional, produtividade, sociocultural e orgânico), a maioria das respostas foi "pouco adequada". Esse resultado mostrou que as respostas dos participantes estão inseridas em dois critérios: a) soluciona o problema, traz satisfação, mas gera conflito, ou b) soluciona o problema, não traz satisfação e não gera conflitos. Esse tipo de resposta associada à negligência do tratamento indica uma tendência para a piora na eficiência da adaptação, pois há uma predominância de fatores negativos (Simon, 2005).
A análise do setor orgânico apresentou um valor mais elevado em relação a outros setores, quando se considerou a resposta "adequada". Assim, podemos conjecturar que há uma associação entre a qualidade da adaptação e melhores indicadores no setor orgânico, no caso dos pacientes desta pesquisa, portadores de DM2. Resultados semelhantes foram encontrados por Heleno (2000), que observou forte correlação entre a eficácia adaptativa e a qualidade do controle glicêmico.
Dos 100 portadores de DM-2, que responderam ao questionário, apenas 2% foram classificados como Adaptação Eficaz (personalidade "normal" e com raros sintomas neuróticos e caracterológicos). Portanto, é possível inferir que os participantes deste grupo possuem maturidade emocional, força de caráter, capacidade de lidar com emoções conflitantes, equilíbrio entre vida interna e adaptação à realidade e uma fusão bem-sucedida das diferentes partes da personalidade em um todo (Simon, 1989). Foram classificados em Adaptação Ineficaz Leve apenas 3% dos participantes, os quais, segundo Simon (2005), são caracterizados como pessoas com sintomas neuróticos brandos, ligeiros traços caracterológicos e algumas inibições.
A maioria, 91% dos participantes, foi classificada em Adaptação Ineficaz Moderada e, segundo Simon (2005), as pessoas classificadas neste grupo podem apresentar alguns sintomas neuróticos, inibição moderada e alguns traços caracterológicos. Entretanto, uma análise mais detalhada mostrou que existe uma tendência para diminuição da eficácia adaptativa deste grupo, pois os resultados estão mais próximos do grupo com Adaptação Ineficaz Severa do que para o aumento da eficácia, o que levaria ao grupo com Adaptação Ineficaz Leve. Por outro lado, um resultado negativo foi a frequência de 4% dos participantes classificados com Adaptação Ineficaz Severa, o que, segundo Simon, caracteriza os indivíduos com sintomas neuróticos mais limitadores, inibições restritivas e rigidez de traços caracterológicos
Uma avaliação dos resultados obtidos, tanto a partir dos questionários sociodemográficos, quanto do QDAO, leva a hipotetizar um prognóstico desfavorável, pois em todos os setores a maioria dos participantes foi classificada em pouco adequada. Além disso, considerando-se que 73% dos participantes possuem baixa escolaridade, há uma possível dificuldade de acesso às informações necessárias à realização de cuidados de saúde. Observou-se, ainda, a dificuldade de adesão ao tratamento, que compreende dieta, atividade física, medicamentos, exames laboratoriais, entre outros. Ou seja, o processo de autocuidado está seriamente comprometido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos resultados apresentados nesse estudo, os pacientes com diabetes precisam desenvolver métodos adequados para manutenção de bons níveis glicêmicos, o que implica na adesão ao tratamento. Nesse sentido, as políticas públicas são muito importantes para a educação em relação ao diabetes tanto para pessoas com níveis baixos de educação e, em sua maioria, com menos acesso a informações específicas sobre a doença, como para pessoas consideradas em grupo de risco e os próprios recém-diagnosticados. Realizar uma prevenção secundária, rápida e eficaz pode garantir a qualidade de vida das pessoas com diabetes e diminuir as despesas com complicações de saúde no futuro.
Observou-se que muitos pacientes que não possuem acompanhamento de nutricionistas e educadores físicos na UBS, outro fator relevante para os cuidados em diabetes mellitus. No presente trabalho, 73% dos participantes apresentam dieta pobre e 64% não realizam nenhum tipo de atividade física, o que, combinado com o tempo de diagnóstico da doença, permite inferir um prognóstico extremamente desfavorável. Mais uma vez, deve ser enfatizada a importância da elaboração de políticas de intervenção associadas às práticas multidisciplinares para reduzir as complicações decorrentes do mau controle glicêmico.
Ao se considerar todos os dados obtidos no presente estudo, conclui-se que é fundamental que as políticas públicas aplicadas ao controle do DM2 sejam mais eficazes do que as utilizadas atualmente. Os programas de atendimento ao paciente com diabetes devem ter a participação de equipes multiprofissionais que podem contribuir para melhorar a adesão ao tratamento. Essas equipes apresentam orientações e estratégias para levar o paciente à compreensão da sua própria doença que gera a possibilidade de automonitoramento. Finalmente, devem ser melhoradas as políticas de prevenção primária e de promoção da educação sobre diabetes, para minimizar os efeitos devastadores da doença, bem como de sua prevalência que tende a subir constantemente. Essa pesquisa gera a reflexão sobre a importância de investimentos em programas de educação e prevenção em diabetes que poderá evitar novos casos e ajudar os pacientes a manter um bom controle glicêmico, que evitarão ou atenuarão complicações agudas e crônicas.
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Recebido em 15/12/15
Revisto em 10/01/17
Aceito em 12/01/17
* Endereço para correspondência: Maria Geralda: Av. Gilda, 173, Vila Gilda, Santo André - SP. CEP: 09190-510. Telefone: 4426- 3153. E-mail: geraldavianaheleno@gmail.com