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Interamerican Journal of Psychology
versão impressa ISSN 0034-9690
Interam. j. psychol. vol.43 no.2 Porto Alegre ago. 2009
Julgamento de lances futebolísticos: comparação entre árbitros de futebol e torcedores
The judgment of plays in a match: a comparative study between football (soccer) referees and fans
Santana Moura; Bruno Campello de Souza; Antonio Roazzi1
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, Brasil
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar um estudo comparativo entre árbitros de futebol e torcedores quanto à adoção de critérios, no julgamento de lances futebolísticos. De acordo com as teorias de Jean Piaget e Lawrence Kohlberg, considerou-se que este tema está relacionado ao julgamento moral. A amostra foi composta por 61 árbitros e 30 torcedores, residentes em dois estados do Nordeste brasileiro, com média de idade de 34 anos, todos do sexo masculino. Os participantes responderam, por escrito, a oito situações hipotéticas futebolísticas e não futebolísticas. Embora, historicamente, esses grupos tenham sempre estado em lados opostos nos campos de futebol, na presente investigação científica, de um modo geral, os resultados não expressaram significativo distanciamento entre as posições dos dois. Nas situações futebolísticas, contudo, os árbitros se mostraram mais deontológicos e os torcedores mais sociais. Na maioria das vezes, ambos apresentaram objeção às injustiças contidas nas situações propostas e se mostraram coerentes com esta posição em seus julgamentos. O estudo agregou conhecimentos ao campo de estudo do julgamento moral e serviu de base para se conhecer melhor os critérios de julgamento utilizados por árbitros, frente a lances futebolísticos, abrindo possibilidades para a realização de novas pesquisas na interface entre a Psicologia e o futebol.
Palavras-chave: Julgamento moral; Lances futebolísticos; Árbitro de futebol; Torcedores.
ABSTRACT
The goal of the present article is to present a comparative study between football (soccer) referees and fans as to the adoption of criteria for the judgment of plays in a match. In accordance to the theories of Jean Piaget and Lawrence Kohlberg, this theme was considered to be related to moral judgement. The sample used was composed of 61 referees and 30 fans, resident in two states of the Brazilian Northeast, with an average age of 34 years, all male. The participants answered, in writing, to eight hypothetical situations involving or not the game of football. Though, historically speaking, these two groups have always stood in opposite sides of the football field, in the current scientific investigation, their results, as a whole, did not express substantial differences between their respective positions. In the footballrelated situations, however, the referees showed themselves to be more deontologic while the fans proved to be more social. Most of the time, both groups objected to the injustices present in the situations proposed and were shown to be coherent with such a stance in their judgements. The study brought light to the field of research in moral judgement and served as a starting point for one to better know the judgement criteria used by referees when faced with football plays, providing possibilities for future research and for new investigations regarding the interface between football and psychology.
Keywords: Moral judgment; Football plays; Football referees; Football fans.
É um desafio encontrar estudos psicossociais brasileiros que façam a interface entre a Psicologia e o julgamento de lances futebolísticos da parte de árbitros de futebol. Embora trate-se do esporte da preferência nacional e o árbitro quase sempre tenha estado na roda de comentários proferidos por cronistas esportivos, ex-árbitros comentaristas e desportistas em geral, tudo indica que o assunto não tem sido abordado por psicólogos em seus trabalhos científicos. O presente artigo procura preencher parte desta lacuna, ao se debruçar sobre uma questão que é motivo de muitas controvérsias entre participantes da cena futebolística. Os erros neste âmbito são numerosos e provocam sentimentos de revolta entre jogadores e, principalmente, torcedores. Afinal, o juiz faz o julgamento de lances futebolísticos baseados em que? O que o leva a cometer erros em sua tarefa de julgar? Deficiência técnica, interpretação equivocada das regras, ou má fé?
Revolta e protestos ocorrem dentro de campo e fora dele quando há erro de arbitragem. Seu principal discordante é o torcedor que faz coro ao inconformismo do jogador e do time que se considera prejudicado. Todavia, apupos e vaias não seriam, por si sós, suficientes para ratificar diferenças na perspectiva de julgamento entre torcedores e profissionais da arbitragem. O pensamento dos dois grupos, então, foi contrastado através de um estudo exploratório, com a pretensão de se verificar se haveria semelhanças ou diferenças entre eles, considerando o contexto das situações apresentadas (futebol e fora do futebol), e a natureza das problemáticas suscitadas (dilemáticas e não dilemáticas).
Partiu-se da presunção de que o julgamento moral teria participação na interação que se estabelece entre o juiz e as regras do jogo, internalizadas ou não, uma vez que num embate futebolístico enfatizam-se decisões não apenas sobre o que é visível tal como uma pancada, uma bola lateral, um pênalti claro (responsabilidade objetiva que diz respeito aos prejuízos físicos ou materiais), ao árbitro cabe também interpretar a intenção do atleta cometer ou não uma transgressão às regras (responsabilidade subjetiva).
Todavia, o que é a interpretação senão um processo afeto-cognitivo extremamente particular atravessado por inúmeros fatores relacionados à subjetividade e à cultura (interação com pessoas, signos, sinais, informações, entre outros) onde se insere. Além de ser uma das competências especificamente humana, ela é também uma convenção sugerida nas próprias regras do jogo, editadas pela Federation International Football Association (2005), quando enuncia expressões do tipo: “caso julgue necessário”; “se na opinião do árbitro . . .”; “. . . se decidir que cometeu falta ou não” (grifo nosso).
A forma como essa interpretação se procede pode induzir o árbitro ao erro, intencional ou não. Por exemplo, ele pode deixar de marcar uma falta porque interpretou que o jogador não teve a intenção de cometê-la. Mas, quem garante se o jogador teve ou não intenção? Somente o próprio jogador. Então, para situar o problema, no corpo deste estudo, considerou-se que o ato de julgar, neste caso, significava discernir entre o certo e o errado na contenda, apontar o que estava de acordo ou desacordo com as regras, preservar a disciplina e o jogo limpo, avaliar o tipo de sanção a ser aplicada aos infratores e garantir imparcialidade nos julgamentos em relação aos competidores.
Essa posição, fundamentada em Merleau-Ponty (1999, p. 63), leva a se presumir que “. . . julgar não é perceber”, tão somente. Trata-se de um fenômeno subjetivo, e, neste contexto, “a subjetividade (entendida como o nível simbólico das representações coletivas, das significações associadas aos comportamentos ou aos objetos) passa a ser parte de qualquer esforço científico voltado para a reconstrução e predição das atividades humanas” (Maluf, 2005, grifo da autora).
Mesmo sendo a interpretação influenciada pela subjetividade, ela pode ser acessada a partir da ação praticada (ou sugerida) acompanhada, em seguida, pelo julgamento moral que dela se faz. De acordo com a corrente cognitivista, julgamento moral é o elemento cognitivo do desenvolvimento moral, a partir do qual a pessoa consegue analisar se uma ação particular é errada ou não, se prejudica uma ou mais pessoas ou não, se alguém é culpado ou inocente, por exemplo. O raciocínio moral dá indicadores sobre o processo do julgamento moral. Porém, como seria possível atestar se um julgamento é legítimo?
Segundo Andrade (2002, p. 58), “Kant afirma que a base da legitimidade é o consenso, mas o consenso é entendido como suposto teórico necessário. Com isso a atitude de interpretação do fenômeno numa situação concreta qualquer é infinita”, o que lhe confere alto nível de complexidade. Desta forma, julgamento legítimo no futebol seria aquele que fundamentado nas regras, fosse acatado pelas partes envolvidas, inclusive a torcida.
Para aprofundar o entendimento do tema foram considerados os referenciais teóricos de Jean Piaget (1932/ 1994) e Lawrence Kohlberg (1984), no tocante ao desenvolvimento moral, visto que suas teorias são suficientemente robustas, bastante difundidas e amplamente testadas no mundo inteiro. Ambas abordam esta questão defendendo a evolução da moralidade ao modo do desenvolvimento cognitivo, ou seja, por estágios que vão do menos sofisticado ao mais sofisticado. Preconizam, ainda, que eles alcançam seu ponto máximo de desenvolvimento quando o indivíduo atinge a idade adulta.
Piaget (1932/1994) averiguou o desenvolvimento do juízo moral oferecendo às crianças pesquisadas situações semelhantes àquelas que poderiam ocorrer na vida real, para que elas opinassem sobre o que era justo ou injusto. Isto porque, na sua concepção, o juízo moral se encontraria intimamente atrelado ao conceito de justiça. Usou o método clínico submetendo-as ao conflito cognitivo e verificou que a construção do mesmo passava por estágios os quais denominou de heteronomia e autonomia.
Na heteronomia a ênfase se dá na responsabilidade objetiva (danos visíveis, quantificáveis) e na autonomia o enfoque está na responsabilidade subjetiva (intenção). As investigações indicavam, ainda, que crianças mais jovens transitando no período onde prevalecia o egocentrismo, em seus julgamentos, emitiam respostas que estavam em defasagem com seu posicionamento na vida real, ou seja, denotavam diferença de opinião no momento em que eram introduzidas como sujeitos de situações hipotéticas.
Então, verificava-se o seguinte: quando se tratava do julgamento de faltas ou transgressões de uma personagem as crianças argüidas sugeriam punições severas, porém, mudavam de opinião quando elas próprias eram colocadas como protagonistas da ação; a punição sugerida nestas circunstâncias às vezes era branda, admitindo até a ausência da mesma. Descrevendo o processo de desenvolvimento do juízo moral da heteronomia à autonomia, observe-se o que o próprio Piaget (1932/ 1994, p. 236-237) dizia a respeito:
O primeiro período é caracterizado pela indiferenciação das noções do justo e do injusto ou as noções de dever e desobediência: é justo o que está de acordo com as ordens impostas pela autoridade adulta . . . o segundo período surge, no plano da reflexão e do juízo moral, somente por volta dos sete ou oito anos. Mas é claro que aí há um pequeno atraso em relação à prática. Podemos definir este período pelo desenvolvimento progressivo da autonomia e pela primazia da igualdade sobre a autoridade . . . Por volta dos onze-doze anos, vemos esboçar-se uma nova atitude, que podemos caracterizar pelo sentimento de eqüidade, e que é apenas um desenvolvimento do igualitarismo no sentido da relatividade: em lugar de procurar a igualdade na identidade, a criança não concebe mais os direitos iguais dos indivíduos, senão relativamente à situação particular de cada um.
Piaget (1932/1994), também salientava que o juízo moral nas crianças dependia do conjunto de relações interindividuais nas quais elas se encontrassem engajadas; desta forma, ratificava que as relações sociais tinham um papel fundamental no desenvolvimento da moralidade, especialmente as que acontecem entre as próprias crianças.
Diante do exposto considerou-se que esse construto teórico poderia ser considerado no julgamento de lances de futebol, uma vez que a noção do justo ou injusto acompanha a ação de atletas e juizes durante o desenrolar das partidas, nas concordâncias e nas controvérsias.
Por outro lado, a teoria de Kohlberg (1984), apresenta uma visão ampliada dos estágios de desenvolvimento moral preconizados por Piaget, incluindo o estágio convencional que pareceu de início, mais apropriado para explicar o raciocínio do árbitro, quando julga sob a égide das regras do futebol. Nesta perspectiva o desenvolvimento moral é um aspecto do desenvolvimento cognitivo que implica o estabelecimento da consciência moral, da ética e da justiça. Por este ângulo o raciocínio moral, no qual se funda o juízo moral, denota três níveis.
O nível 1 do raciocínio moral, ou pré-convencional, se caracteriza pelos julgamentos baseados em fontes de autoridade próximas à pessoa, onde o certo e o errado são externos e determinados pelas conseqüências das ações. O nível 2, também chamado de convencional, caracteriza-se pela mudança dos julgamentos fundamentados em conseqüências externas ou vantagens pessoais. Assumem a cena os julgamentos que são baseados em regras, normas e regulamentos do grupo social a que pertence. No nível 3 leva-se em conta a autoridade pessoal e os julgamentos são feitos com base em princípios escolhidos pela própria pessoa.
Biaggio (1975), ao discorrer sobre a teoria de Kohlberg, relata que o mesmo admitia que os estágios fossem modais, ou seja, uma pessoa raramente daria todas as respostas a dilemas ou conceitos num mesmo nível. No entanto, elas apresentariam uma inclinação maior para determinado estágio.
Desta forma, admitiu-se que estas duas teorias eram pertinentes para se entender o julgamento de lances futebolísticos, por parte do árbitro, tendo em vista que esta prerrogativa envolve o julgamento de transgressões às regras do futebol e do respeito pelos direitos individuais e coletivos, ou seja, foca o juízo moral. Não são os acertos dos mediadores que ficam em evidência; são os erros que originam o sentimento de injustiça em outrem.
Assim, a pergunta proposta neste trabalho foi colocada nos seguintes termos: que critérios são utilizados por árbitros de futebol e torcedores ao julgarem lances futebolísticos?
Ressalte-se que, dentre tantas modalidades esportivas disponíveis, o futebol foi escolhido como ambiente da pesquisa tanto pela sua relevância e popularidade, quanto pela identificação que o povo brasileiro tem com esta prática, a qual, de certa forma, é símbolo do país interna e externamente, ou seja, seus resultados despertariam interesses em grande número de pessoas, inclusive fora do mundo acadêmico. Nos ditos folclóricos chega-se a afirmar que cada brasileiro é um técnico de futebol, tal o conhecimento que milhões de aficionados acreditam possuir sobre o mesmo.
As rádios comerciais e FMs, bem como TVs abertas e fechadas, difundem com ênfase eventos que mobilizam milhões de ouvintes e telespectadores, facilitando a ampla divulgação e debates sobre suas regras. Então, presentes, física ou virtualmente, os torcedores acompanham todos os lances desenvolvidos pelos jogadores, o que provoca muitas emoções, inclusive, as proporcionadas pela má atuação dos árbitros. Portanto, fenômenos como estes interessam e podem fazer parte do foco investigativo de psicólogos das áreas de esporte e cognitiva, além de outros cientistas afins.
O sociólogo Helal (1997) refere que, apesar de seu prestígio e popularidade, o futebol é um fenômeno pouco estudado no país, do ponto de vista sociológico. Também não o é sob o enfoque da Psicologia, como se verificou através das buscas. Um dos poucos artigos encontrados sobre o assunto foi o de Brygton (1982), no qual o autor argumenta que este esporte promove a identificação dos espectadores com o drama que se desenrola nas quatro linhas. Talvez por conta disso seja tão difícil assimilar a derrota da equipe predileta, reforçando, a tendência de culpar o árbitro pelo insucesso do time do “coração”, o que aumenta a responsabilidade deste em relação ao acerto em seus julgamentos e a conseqüente aplicação da justiça. Nestas circunstâncias, o juiz torna- se figura central, tendo em vista sua responsabilidade pela guarda das regras e do jogo limpo.
O desafio, portanto, era desvelar o que permeia o julgamento desse árbitro, no contexto do futebol, sob a égide dos critérios adotados para este fim. Todavia, seu pensamento somente seria claramente demarcado se comparado com um grupo igualmente envolvido com este esporte – os torcedores – visto que, historicamente, em muitas situações, sempre estiveram em campos opostos. O que moveria tal discordância? Paixão pelo clube; poderia argumentar o árbitro. Tendenciosidade nas punições poderiam presumir os torcedores.
Nesse embate as teorias de Piaget e Kohlberg estariam abalizadas a explicarem possíveis diferenças, ou haveria também semelhanças? Na tentativa de encontrar respostas para estas indagações, no plano de pesquisa dois grupos de participantes foram dispostos: árbitros de futebol em atividade e torcedores. Eles responderam por escrito a oito questões que se reportavam ao assunto, em dois tipos de situações: futebolísticas (quatro) e não futebolísticas (quatro). Em cada um dos tipos duas eram dilemáticas de acordo com o modelo de Kohlberg e duas não dilemáticas, ao modo de Piaget, ou seja, estabeleciam um conflito cognitivo ao argüir se o respondente concordava ou não com a decisão da personagem.
Neste caso, para mais informações ao leitor, necessário se faz oferecer uma explanação mais ampla sobre as atribuições do mediador e de seu papel na condução de um embate futebolístico. Assim, árbitro é o homem ou mulher que se identificou com a dialética do esporte, e, como explicam Caron e Schwinte (1976) é alguém para o qual o prazer de viver está vinculado ao prazer esportivo e, apesar dos riscos busca prolongar este prazer procurando permanecer jovem, seja pelos esforços físicos que terá de desenvolver, seja pelo contato com os jovens com os quais interage nas partidas em que apita.
São dois os aspectos de sua atuação em campo: manter a disciplina entre os atletas e aplicar corretamente as regras do jogo, tarefa que aciona o campo do julgamento moral, pela prerrogativa que lhe faculta a punição do infrator de acordo com a transgressão às regras. A atividade é complexa, em virtude da presença de fatores intervenientes externos tais como: pressões de atletas, torcida, técnicos, dirigentes, cronistas esportivos e chefes de comissão de arbitragem, bem como o tamanho do campo de jogo e ausência de clareza em muitas jogadas.
Tudo isso remete o árbitro à necessidade não apenas de conferir os lances, mas, de interpretá-los. Todavia, nem sempre sua interpretação é aceita pelos outros envolvidos na situação. No julgamento que ele faz, segundo Brygton (1982, p. 28), “a decisão ética é extraordinariamente criativa e vivenciada profundamente porque ela emerge junto com os lances mais emocionais do jogo, e fatores internos também não podem ser relegados na dinâmica desta atividade”. Predisposições perceptuais sobre situações e pessoas, emoções, sentimentos, expectativas, aspectos culturais internalizados, são alguns dos fatores internos que fazem parte desta intrincada rede de elementos que está imbricada nas ações e decisões do juiz.
Não obstante a perfeição que se exige deste profissional ele comete equívocos em seus julgamentos que podem fomentar o surgimento de reações agressivas e até violentas por parte de jogadores no ambiente do jogo e de torcedores nas arquibancadas sendo, desta forma, um trabalho de grande repercussão social. Os calorosos debates entre cronistas esportivos, analistas e dirigentes do futebol raramente atentam para o que acontece com o mesmo na hora em que precisa interpretar, julgar e se decidir pela aplicação ou não de sanções, em determinadas circunstâncias. Nesses momentos ele está só com o seu conhecimento e sua consciência, embora, cercado por grandes platéias, ninguém pode decidir em seu lugar.
Evidências práticas, bem como o estudo (não-publicado) de Moura (2004) sugerem que o julgamento do árbitro, no âmbito esportivo, pode se sustentar em diversos critérios, todos, possivelmente, atravessados por aspectos culturais; contudo, para os fins desta pesquisa eles foram alocados em quatro categorias: (a) Critério Perceptivo – Envolve aspectos ligados à evidência do ocorrido, ou seja, a percepção visual, auditiva, espacial, sinestésica entre outras. Refere-se ao que o árbitro vê ou escuta em relação às atitudes dos atletas, dentro do campo, e que é levado em conta no momento em que julga um lance, marca uma falta ou impede o prosseguimento de uma jogada ilícita; (b) Critério Deontológico – Relaciona-se ao cumprimento das 17 regras do futebol, tendo em vista também o respeito às orientações (normas) da Fédération Internationale de Football Association (FIFA), quanto à especificidade de suas atribuições e seu procedimento em campo, assim como a legislação esportiva e regulamentos das competições nas quais exerce sua atividade profissional; (c) Critério Moral – Diz respeito à tomada de decisão (reflexão sobre a ação – julgamento moral) que induz a fazer o que é correto, evitar ou diminuir danos, tendo em vista, também, o respeito às pessoas e aos direitos, bem como aos méritos e merecimentos; (d) Critério Social – Leva em consideração a interação entre pessoas envolvidas no ocorrido, ou fora dele, pressões sociais e elementos da cultura tais como comunicação, interferência de rádio, televisão e jornais, entre outros. O árbitro pode marcar uma determinada falta, mesmo contra sua decisão interna, em virtude dos muitos expectadores que testemunham seus atos, inclusive as câmeras de televisão. É passível de levar em conta a opinião dos amigos e parentes sobre sua honestidade – mesmo que “nunca” admita isto. Em síntese, o foco fica nas pessoas, em suas demandas e expectativas, bem como em outros elementos culturais que influenciam sua atuação, principalmente a mídia.
O que se passa na “cabeça” do árbitro, naquele minús- culo espaço de tempo (cerca de três segundos) que antecedem a decisão é uma incógnita, cujo desvelamento é desafiador. Levando em conta estas considerações situou-se a seguinte pergunta teórico-prática a ser esclarecida, a partir das respostas: seria possível identificar tipos de critérios que estariam implicados no julgamento de lances futebolísticos, por parte do árbitro, a partir da expressão escrita de suas respostas a situações hipotéticas? Esta indagação remetia a uma questão metodológica que permitisse enveredar na investigação com certo grau de segurança – a coleta de dados.
A técnica da entrevista individual mostrava-se inexeqüível neste estudo, dentre outros motivos pela dificuldade de contatar os respondentes no pequeno espaço de tempo destinado às averiguações. Tornou-se necessário utilizar um outro instrumento de investigação para verificação dos critérios adotados que possibilitasse o levantamento de dados em menos tempo. Desta forma, optou-se pela utilização de um questionário escrito, contendo oito histórias hipotéticas que relatavam situações no âmbito do futebol e fora dele (controle). As respostas também foram dadas por escrito e a partir delas foi possível verificar a incidências dos referidos critérios no ato de julgar.
O objetivo do estudo foi comparar critérios de julgamento de lances futebolísticos adotados por árbitros e torcedores. Neste sentido procuramos não somente verificar se o julgamento de lances futebolísticos está situado campo do julgamento moral, como também estabelecer o ranking dos critérios implicados no julgamento de lances futebolísticos, por parte de árbitros e torcedores.
Os árbitros foram convidados, por carta, a participarem da pesquisa, através das Federações (duas) às quais eram filiados e, de um universo de aproximadamente 180 componentes, 76 aceitaram o convite. Os torcedores foram convidados também por carta, entregue em mãos nas portas de estádios de futebol e, dentre estes os mais de 120 convidados, 40 aceitaram participar da pesquisa. Cada grupo foi avisado sobre o dia, hora e local para aplicação da pesquisa.
Método
Participantes
Dentre as pessoas convidadas, 106 participaram da aplicação da pesquisa sendo 78 árbitros e 40 torcedores. Do todo, 91 foram habilitadas para compor a amostra, e o critério utilizado para a definição da mesma foi responder integralmente as oito situações propostas. Destas foram formados dois grupos: árbitros de futebol profissional (N = 61) e torcedores (N = 30); a faixa etária dos participantes estava compreendida entre 21 a 56 anos, sendo 34 anos a idade média; a escolaridade variou do ensino médio ao superior e a renda média ficou em torno de R$ 1.167,81 (um mil cento e sessenta e sete reais, e oitenta e um centavos). Todos do sexo masculino, radicados em dois estados do Nordeste brasileiro.
Procedimento
Foram disponibilizados aos árbitros: termo de consentimento livre e esclarecido; formulário de dados pessoais; caderno para registro das respostas; uma tira de papel denominada de “orelha”, para colocação do nome e o número do protocolo de pesquisa, e, finalmente, uma folha (controle interno) com os números a serem escolhidos e assinalados pelos mesmos, para serem colocados em seus protocolos. O intuito era oferecer o máximo de garantia quanto ao sigilo das respostas.
Os torcedores receberam o mesmo material exceto a “orelha”. Eles não denotaram qualquer preocupação quanto ao sigilo das respostas. Na primeira folha do protocolo foi colocada a letra “a” ou “b” para identificar a Federação de onde o participante era proveniente e a letra “c” para identificar os torcedores. Para levantar os dados pretendidos foram utilizadas histórias hipotéticas, inspiradas nos estudos de Piaget (1932/1994) e Kohlberg (1984), e também por serem sabidamente utilizadas por outros pesquisadores do desenvolvimento moral tais como: Dias, Roazzi, O’ Brien e Braine (2002), Pires (1983), Roazzi e Dias (2000), Siqueira (2005), Trindade e Camino (1996), Turiel (1965), como forma de acessar o raciocínio moral dos respondentes. A diferença estava na apresentação das histórias e na forma de resposta (ambas escritas).
Um motivo para se requisitar esse tipo de linguagem dizia respeito à economia no tempo de coleta dos dados, que se estenderia muito, caso fosse utilizada linguagem oral, fomentando, ainda, a possibilidade de ocorrer comunicação informal entre os árbitros, já que faziam parte de um grupo que se conhecia. Comentários entre eles, sobre perguntas e respostas, inadvertidamente, poderiam invalidar os resultados da pesquisa. Outro motivo dizia respeito à necessidade de evitar interferências que a interação face a face, a entonação da voz, ou a ênfase em determinados trechos das instruções, caso fossem personalizadas, pudessem causar nas respostas dos participantes. A aplicação coletiva garantiu isto não ocorresse.
As oito situações criadas, sob inspiração de situações do futebol e da vida cotidiana semelhantes ao futebol, subdividiram-se em dois grupos de quatro. No primeiro grupo (A, B, C, D) elas foram denominadas de “não dilemáticas”, por denotarem apenas informações descritivas de fatos ocorridos, sem maiores detalhes sobre as circunstâncias que os envolveram. Solicitavam uma posição concordante ou discordante (sim ou não) em relação a uma decisão tomada por uma personagem, bem como uma justificativa para a resposta.
Essas situações apresentavam algum tipo de injustiça cometido, em que alguém havia sido prejudicado por conta disso. Solicitava-se aos participantes que julgassem as ações das personagens e depois opinassem como fariam se fossem eles que tivessem de realizá-las (ação recomendada). Estabelecia-se, assim, um conflito cognitivo que o respondente precisava resolver. Ainda em relação às situações não dilemáticas buscava-se averiguar se haveria coerência entre o julgamento da ação de outrem e a ação recomendada pelos próprios participantes, como fazia Piaget em suas investigações.
Foi considerada coerente a resposta que apresentava explicações semelhantes àquela anunciada pelo respondente em sua justificativa, quanto à concordância ou discordância com a ação praticada. No segundo grupo, as situações E, F, G, e H, denominadas “dilemáticas”, continham informações circunstanciais mais detalhadas e argüiam sobre a decisão que deveria ser tomada pela personagem da história. Qualquer que fosse a decisão estaria, de certa maneira, proporcionando injustiça ou prejudicando alguém, o que caracterizava o dilema.
Portanto, as quatro situações não dilemáticas foram propostas à semelhança da abordagem empregada por Piaget e as dilemáticas foram à semelhança da técnica de investigação adotada por Kohlberg. A opção por adotar a solicitação de justificativas nos dois tipos de situação, teve a ver com o fato de não se conhecer previamente o tipo de raciocínio moral utilizado pelo árbitro, para julgar situações de jogo e fora de jogo, bem como pela possibilidade desse tipo de pergunta permitir adentrar um pouco mais nas peculiaridades deste raciocínio, o que traria certamente, por meio da análise qualitativa, mais subsídios para estudos futuros.
Como se observa na Tabela 1 as situações propostas, à semelhança do que ocorre nas jogadas polêmicas do futebol, tratavam basicamente do posicionamento de uma personagem frente a questões que indicavam algum tipo de injustiça, nas quais alguém era prejudicado por conta da não observância das regras ou transgressão às mesmas. Buscava-se, desta forma, averiguar como árbitros e torcedores julgariam estas situações, pressupondose também que ao julgar a decisão de outrem, ou recomendar uma ação eles poderiam de modo direto ou indireto, estar emitindo seus próprios julgamentos sobre a problemática suscitada.
As respostas em duas etapas propiciavam, por um lado, oportunidade do posicionamento livre sobre as mesmas e, por outro, a solicitação de uma justificativa para este posicionamento (ação e julgamento, respectivamente). As instruções sugeriam que os participantes evitassem responder as perguntas com palavras soltas, estimulando a expressão mediante texto corrido. Assim, poder-se-ia diminuir o risco de que suas colocações não fossem compreendidas por quem as lesse.
O tempo de reposta era livre, mas conforme o observado durava aproximadamente uma hora e vinte minutos. A apresentação das situações (A, B, C, D, E, F, G, H) foi randomizada para evitar que a ordem da apresentação pudesse influenciar nos resultados. As respostas referentes aos porquês foram categorizadas quanto aos critérios utilizados nos julgamentos: Perceptivo, Deontológico, Moral e Social, originando uma hierarquização destes pela proporção de incidência em cada uma das situações.
Vale salientar que os critérios variaram quanto à ocorrência. Em cada situação era passível aparecerem um, dois, três ou até quatro combinados. A categorização dos mesmos foi feita por dois juizes, com conhecimento e experiência neste tipo de conteúdo, tendo sido baixo o índice de discordância entre eles. Nos casos de impasse um terceiro juiz dirimia a questão.
Resultados e Discussão
As respostas de árbitros e torcedores foram quantificadas percentualmente, hierarquizadas quanto à incidência nas situações e comparadas em relação aos quatro critérios de julgamento identificados nas mesmas. Foram atribuídos os seguintes pesos aos critérios: Perceptivo (1), Social (2), Deontológico (3) e Moral (4). O Teste Canônico da Diferença apontou os resultados da comparação entre os dois grupos nas oito situações, conforme o disposto nas Tabelas 2, 3, 4 e 5.
A incidência do critério Perceptivo (Tabela 2) foi muito baixa até nas situações futebolísticas, nas quais os relatos suscitavam o imbricamento de elementos de percepção no desenrolar dos fatos e não houve diferença significativa entre os dois grupos. Estes são fortes indícios que levam a pressupor que a percepção não pode ser considerada como critério de julgamento, mas, provavelmente, como parte da própria técnica de arbitragem que requer o uso da percepção visual, auditiva e sinestésica como base para a identificação da ação e não para a tomada de decisão quanto ao julgamento.
O critério Deontológico, como está demonstrado na tabela 3, ocorreu com bastante freqüência no julgamento de árbitros e torcedores, sem diferenças significativas entre eles na maioria das histórias; as exceções ficaram por conta da situação “C” (49% versus 27%), com p = 0,04, e da “E” (52% versus 23%), onde p = 0,01. Nestas (ambas futebolísticas) os árbitros foram mais deontológicos que os torcedores, possivelmente, porque detém a condição de guardiões das regras do jogo e, desta forma, sua opção pelo seu resguardo, mesmo que isto não corresponda à expectativa de justiça dos envolvidos. De um modo geral, este critério ocupou o segundo lugar no ranking, na maioria absoluta das situações, nos dois grupos, presumindo-se a importância deste critério para ambos, em seus julgamentos, no entanto, os árbitros foram mais deontológicos que os torcedores.
Não obstante o critério moral ter sido o primeiro colocado no ranking de utilização, de acordo com o exposto na Tabela 4, percebeu-se que houve diferença significativa entre árbitros e torcedores na situação não futebolística “B” (77% versus 57%) com p = 0,05, a qual retratava atitude distinta de um professor frente a dois alunos, quanto ao recebimento de trabalho escolar fora do prazo (similaridade com a aplicação distinta da punição de faltas semelhantes perpetradas por jo-gadores que reagiram de forma diferente à referida marcação).
Árbitros mais do que os torcedores recorreram a este critério nesta história. Na situação futebolística “E” que mostrava revide de um jogador num contexto de omissão do árbitro ocorreu o inverso (59% versus 90%) com p <0,01; neste caso, foram os torcedores que o utilizaram, mais freqüentemente. Um deles sugeriu que o árbitro (personagem) expulsasse os dois atletas, “porque ele percebeu a intenção do lateral e teria de punir o centroavante pelo ato” (Torcedor, situação E, protocolo 9c).
De um modo geral, constatou-se que árbitros foram mais Morais quando interpretaram que houve desrespeito ao princípio da igualdade (situação B), e torcedores foram mais Morais quando julgaram que houve omissão do árbitro quanto à garantia do jogo limpo (situação E), ou seja, não punição das infrações cometidas anteriormente pelo atleta agredido, desrespeitando, principalmente, o princípio da eqüidade.
O critério Social ficou em 3º lugar na hierarquia da incidência, como se observa na tabela 5, apresentando diferença significativa apenas na situação “C”, com 8% (árbitros) versus 33% (torcedores), sendo p < 0,01. Embora os torcedores tenham utilizado o critério social com mais freqüência do que os árbitros (em cinco das oito situações) essa inclinação não chegou a configurar diferenças estatísticas significativas entre eles, exceto na situação “C”, na qual os torcedores apontaram mais freqüentemente aspectos ligados ao relacionamento árbitro-atleta, como justificativa para a aplicação do cartão amarelo, “porque no 1º caso houve um ato de indisciplina por parte do jogador faltoso que reclamou ao juiz. Ele não tem que reclamar nada” (Torcedor, situação C, protocolo 4c).
A síntese dos critérios de julgamento usados pelos respondentes está demonstrada na Tabelas 6 e 7 onde, de acordo com a freqüência, observa-se o Critério Moral em primeiro lugar no ranking de utilização em todas as situações, para árbitros e torcedores; em segundo o Deontológico, ficando o Social em terceiro e em quarto o Perceptivo. Esta evidência estatística denota, por um lado, que o julgamento de lances futebolísticos, tanto para torcedores como para árbitros, situa- se no campo do julgamento moral, e por outro, que de um modo geral, ambos os grupos utilizam o critério deontológico (respeito às regras) com mais freqüência do que o critério social, diferentemente do que poderia supor o senso comum, visto que nele poderiam estar imbricados fatores relacionados às influências da afetividade ou da cultura, inclusive a do futebol.
Especialmente na situação “F”, os torcedores poderiam, pelo mecanismo da “identificação” ou “projeção” (teoria psicanalítica), invocarem inúmeras lembranças de situações reais nas quais os times de seus corações já foram injustiçados de forma parecida, tomando partido em favor de decisões protecionistas o que se refletiria na escolha do critério social em suas justificativas. Porém, isto não aconteceu. Portanto, analisando os dados sob o ponto de vista qualitativo, de acordo com o presente estudo, as divergências entre torcedores e árbitros observadas nos campos de futebol, não podem ser atribuídas à utilização dos critérios Perceptivo, Moral, Deontológico ou Social, o que leva a se presumir que as diferenças possam estar nas circunstâncias em que estes critérios são aplicados, considerando que os dois grupos utilizaram mais recorrentemente o critério moral, em seus julgamentos.
Ratificando esta constatação, a freqüência de utilização dos critérios atestou que, tanto nas situações não dilemáticas quanto nas dilemáticas, os dois grupos denotaram muito mais semelhanças do que diferenças, seja nas histórias futebolísticas ou nas não futebolísticas. Os resultados indicaram, também, que árbitros foram mais Morais em seus julgamentos na situação “B” (não futebolística) e os torcedores na situação “E” (futebolística); por outro lado, aqueles foram mais deontológicos quando julgaram situações futebolísticas, o que pode ser explicado pela vinculação mais efetiva que existe entre aquele grupo e as regras, normas e regulamentos de futebol dos quais são guardiões.
Os torcedores deram ênfase à questão do relacionamento entre mediador e atleta, concordando mais com a decisão do árbitro personagem da história que deu cartão amarelo ao jogador, após reclamação do mesmo em relação à punição, enquanto que os árbitros não ressaltaram esta questão e sim a igualdade na aplicação da punição. No tocante ao julgamento das ações de personagens e seus próprios posicionamentos nas situações não dilemáticas, os participantes responderam, coerentemente, que tomariam praticamente a mesma decisão que as personagens, não tendo havido diferenças significativas entre árbitros e torcedores em qualquer das situações, conforme mostra a Tabela 8.
O índice de coerência refletiu o paralelo estabelecido entre a discordância ou concordância com as decisões das personagens, e as ações sugeridas pelos participantes. A proporção da coerência indicou, pois, que estas ações se assemelharam com as justificativas dadas no primeiro momento em que responderam se concordavam ou não com as decisões injustas tomadas pelas personagens, nas quatro histórias.
Os resultados estão alinhados com os estudos de Piaget que indicavam o aumento da coerência entre o julgamento moral de uma situação vivida por outra pessoa em comparação à mesma situação caso o julgador fosse nela inserido; à medida que avançavam em seu desenvolvimento moral culminado na fase da adolescência/ adulto, os participantes das pesquisas de Piaget se tornavam mais coerentes em seus julgamentos. Da mesma forma Kohlberg considerava o avanço do desenvolvimento moral à maneira do desenvolvimento cognitivo com o seu auge na idade adulta, o que foi confirmado por esta investigação.
Conclusões
Comparar a adoção de critérios de julgamento de lances futebolísticos por parte de árbitros e torcedores, tendo em vista suprir uma lacuna no conhecimento do fenômeno que, historicamente, separa estes dois grupos em campos opostos, no desenrolar das partidas de futebol, foi o objetivo deste artigo.
A técnica de questionário empregada na coleta de dados do estudo se mostrou pertinente e efetiva, indicando que existem muito mais semelhanças do que diferenças, entre as partes, quanto aos critérios de julgamento adotados. O ranking desses critérios denotou a incidência maior da adoção do critério Moral, em primeiro lugar nos dois grupos, confirmando que o julgamento de lances futebolísticos está relacionado ao julgamento moral e, por conseguinte, inserido no campo do desenvolvimento moral.
O segundo lugar atribuído ao critério Deontológico demonstrou fortes indicadores de que árbitros e torcedores valorizam e respeitam regras, normas e regulamentos que permeiam este esporte, e os consideram em seus julgamentos. No entanto, com poucas diferenças significativas, os árbitros se mostraram mais deontológicos, possivelmente, porque se consideram guardiões das referidas regras.
Em terceiro lugar ficou o critério Social que pode estar derrubando uma crença popular, inclusive, difundida pela imprensa ao referir que, por conta das paixões por seus clubes, os torcedores tendem a massacrar os juizes com suas críticas. O estudo mostrou que os mesmos em algumas situações são mais sociais em seus julgamentos, por levarem mais em consideração a relação árbitro-atleta o que não implica, necessariamente, passionalidade. A baixíssima incidência do critério Perceptivo comprovada estatisticamente leva a presumir que ele não é levado em consideração no julgamento significando, provavelmente, que a percepção (ver, ouvir e acompanhar os movimentos, bem como analisar as expressões corporais) seja apenas parte da técnica de arbitragem e não critério de julgamento.
Em não sendo verificadas diferenças estatisticamente significativas entre os participantes do estudo, tanto nas situações dilemáticas, quanto nas não dilemáticas, no âmbito do futebol ou fora dele, pode-se especular que as divergências de perspectivas verificadas em campo, na vida real, podem estar nas circunstâncias em que estes critérios são aplicados, considerando que os dois grupos utilizaram mais recorrentemente o critério moral, em seus julgamentos, o que remete a outra perspectiva de análise: a questão da aplicação da justiça. Abre-se, desta forma, mais um caminho para se continuar estudando o tema.
A relevância dos resultados encontrados está na comprovação cientifica (corroborada pelas teorias de Jean Piaget e Lawrence Kohlberg) explicitada à comunidade acadêmica e aos aficionados pelo futebol, de que o tema se enquadra num dos importantes campos de estudo da sócio-cognição, especificamente relacionado ao julgamento moral, demonstrando, também, que o grupo de adultos abordado revela coerência no julgamento moral que faz de outros, em comparação a si mesmos, quando envolvidos nas mesmas situações, conforme preconizava Piaget – um dos autores cognitivistas que embasam a pesquisa.
Foi dado um primeiro passo para a realização de uma jornada que é desvelar o que subsidia o julgamento de lances futebolísticos por parte do árbitro de futebol, considerando que julgar é uma das mais complexas tarefas humanas. Cabe reconhecer que mais pesquisas precisam ser feitas em outras regiões do país, ou fora dele, buscando ampliar as descobertas evidenciadas neste estudo realizado no Nordeste brasileiro, tomando também outros referenciais teóricos como base de investigação e confrontando correntes teóricas distintas e divergentes para aprofundar as descobertas deste âmbito no “contexto” do futebol.
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Received 30/10/2008
Accepted 10/02/2009
Santana Moura. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil.
Bruno Campello de Souza. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil.
Antonio Roazzi. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil.
1 Endereço para correspondência: Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva, CFCH, 8o andar, Cidade Universitária, Rua Acadêmico Hélio Ramos, s/n, Recife, PE, CEP 50670-901. E-mail: roazzi@gmail.com