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Psicologia Clínica

versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.30 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2018

https://doi.org/10.33208/PC1980-5438v0030n03A07 

SEÇÃO O LIVRE

 

Compreensão emocional em crianças e crenças maternas sobre competência emocional

 

Emotional understanding in children and maternal beliefs about emotional competence

 

Comprensión emocional en los niños y las creencias maternas sobre la competencia emocional

 

 

Ana Beatriz de Mota e SouzaI; Deise Maria Leal Fernandes MendesII

IDoutoranda em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, Brasil. anabeatrizmota@oi.com.br
IIProfessora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, Brasil

 

 


RESUMO

Em muitos nichos culturais, pais preocupam-se, sobremaneira, com as competências cognitivas dos filhos, e é relevante sensibilizá-los para a importância da competência emocional no desenvolvimento. Crenças e metas parentais relacionadas ao papel das emoções na vida dos filhos forjam os processos de socialização da emoção. Este estudo examinou a compreensão emocional em crianças e sua relação com crenças maternas sobre competência emocional. Participaram deste estudo 25 crianças e suas mães. Foi realizada uma entrevista com as mães e aplicadas duas tarefas às crianças. As crianças obtiveram um melhor desempenho nas tarefas de reconhecimento de expressões faciais de emoções. Nas entrevistas, a categoria de capacidades relacionadas ao convívio social foi a de maior frequência de evocações (23%) como habilidades desejadas de serem adquiridas pelos filhos, seguida das capacidades da competência emocional (21%). A autonomia surgiu também como uma capacidade almejada (17%), revelando que as mães também valorizam aspectos mais voltados para a autonomia. Espera-se que este estudo contribua para a ampliação da discussão acerca das crenças parentais e da importância das emoções para o desenvolvimento infantil.

Palavras-chave: competência emocional; crenças parentais; emoção.


ABSTRACT

In many cultural niches, parents are especially concerned with the cognitive skills of their children and it is relevant to sensitize them to the importance of emotional competence in development. Parental beliefs and goals related to the role of emotions in the lives of children forge the processes of socialization of emotion. This study examined emotional understanding in children and their relation to maternal beliefs about emotional competence. Twenty-five children and their mothers took part in this study. An interview was conducted with the mothers and two tasks were applied to the children. The children performed better on the tasks of recognizing facial expressions of emotions. In the interviews, the category of capacities related to social interaction was the one most often evoked (23%) as desired abilities to be acquired by the children, followed by the capacities of emotional competence (21%). Autonomy also emerged as a desired capacity (17%), revealing that mothers also value aspects more focused on autonomy. It is expected that this study will contribute to broaden the discussion about parental beliefs and the importance of emotions for child development.

Keywords: emotional competence; parental beliefs; emotion.


RESUMEN

En muchos nichos culturales, los padres se preocupan con las competencias cognitivas de los hijos y es relevante sensibilizarlos sobre la importancia de la competencia emocional en el desarrollo. Creencias y metas parentales relacionadas con el papel de las emociones en la vida de los hijos forjan los procesos de socialización de la emoción. Este estudio examinó la comprensión emocional en los niños y su relación con las creencias maternas sobre la competencia emocional. Participaron de este estudio 25 niños y sus madres. Se realizó una entrevista con las madres y se aplicaron dos tareas a los niños. Los niños obtuvieron un mejor desempeño en las tareas de reconocimiento de expresiones faciales de emociones. En las entrevistas, la categoría de capacidades relacionadas con la convivencia social fue la de mayor frecuencia de evocaciones (23%) como habilidades deseadas de ser adquiridas por los hijos, seguida de las capacidades de la competencia emocional (21%). La autonomía surgió como una capacidad anhelada (17%), revelando que las madres valoran también aspectos orientados hacia la autonomía. Se espera que este estudio contribuya a la ampliación de la discusión sobre las creencias parentales y la importancia de las emociones para el desarrollo infantil.

Palabras clave: competencia emocional; creencias parentales; emoción.


 

 

Introdução

A ideia que a espécie humana é uma espécie social por natureza é compartilhada por pesquisadores e teóricos de diversas disciplinas científicas, assim como pelo senso comum. Uma das hipóteses levantadas para o longo período de infância da espécie humana, quando comparado ao de outras espécies, é, justamente, a necessidade dos humanos de desenvolverem inúmeras habilidades psicológicas que os capacitam a enfrentar os relacionamentos sociais (Flinn & Ward, 2005). Tais capacidades são da maior relevância, tendo-se em conta a diversidade e a complexidade dos grupos sociais humanos (Bjorklund & Ellis, 2005). Ocorre que o desenvolvimento dessas habilidades não se dá de modo isolado, mas integrado ao das emoções. Embora em muitos nichos culturais as capacidades cognitivas figurem como protagonistas no desenvolvimento humano, algumas abordagens em psicologia, especialmente a psicologia evolucionista e as neurociências, têm resgatado o papel central das emoções na vida humana e discutido sua influência nos processos cognitivos, na motivação e na ação (Oliva et al., 2006; Damásio, 2012). Dentro desse contexto, a competência emocional surge como uma capacidade fundamental a ser desenvolvida em todas as etapas do ciclo vital (Denham, 1998; Saarni, 1999).

O conceito de competência emocional inclui componentes relacionados à expressão, compreensão e regulação das emoções, que se constituem e se apresentam de acordo com a idade e de modo adequado à situação social envolvida, além do reconhecimento desses processos em si e nos outros (Denham, 1998). Estudos empíricos (Garner & Waajid, 2012; Izard et al., 2001; Machado et al., 2008; Salmon et al., 2013) têm demonstrado que tais habilidades desempenham uma função relevante nas trajetórias de desenvolvimento, com vistas à saúde mental, bem como ao sucesso acadêmico e à competência social, dando suporte ao desenvolvimento cognitivo, à prontidão e ao ajustamento escolar.

Todos os componentes da competência emocional são relevantes e estão inter-relacionados, mas a compreensão das emoções, que inclui a identificação e a nomeação de emoções, pode ser considerada o âmago da competência emocional (Denham, 2007). A habilidade da criança em reconhecer e nomear emoções permite a ela atender a diversos requisitos das experiências sociais, auxiliando-a a lidar com suas experiências emocionais e a comunicá-las.

As crianças desenvolvem na primeira infância, gradualmente, a competência de identificar emoções, pelo reconhecimento do significado de determinadas expressões faciais, padrões vocais e até mesmo comportamentos, que podem ser associados a uma variedade de emoções (Chronaki et al., 2015). Além de expressar e experienciar as emoções básicas (Izard, 2009), as crianças aprendem a reconhecer os padrões de expressão dessas emoções, tanto nelas mesmas quanto nos outros (Izard et al., 1995; Gil et al., 2014; Widen & Russel, 2010).

É importante ressaltar que a competência emocional não se desenvolve em um vácuo social (Denham, 1998). A cultura, especialmente por meio dos mecanismos de socialização, imprime sua marca nesse processo. Harkness e Super (1996) formularam o conceito de nicho de desenvolvimento, no qual fica evidenciada a influência da cultura nos processos de socialização. Um dos subsistemas do nicho de desenvolvimento, a psicologia dos cuidadores, traduz, especialmente mediante as práticas de cuidado infantil, as crenças e valores que os pais acreditam ser relevantes para o desenvolvimento saudável de seus filhos e que são compartilhadas pela comunidade cultural em que vivem (Harkness et al., 2010).

Os pais, enquanto agentes primários de socialização dos filhos, ensinam-lhes, ainda que não necessariamente de modo direto, como expressar as suas emoções e a reconhecê-las nas outras pessoas (Mendes & Pessôa, 2013). As crenças e metas parentais relacionadas ao papel das emoções na vida dos filhos forjam os processos de socialização da emoção, evidenciando, dentre outros aspectos, o que os pais pensam ser o melhor caminho para o desenvolvimento saudável de seus filhos (Mendes & Cavalcante, 2014). O modo como os pais pensam e agem sobre as emoções impacta diretamente o desenvolvimento da criança. Seja pela maneira como os pais lidam com suas próprias emoções, seja pelo modo como recebem e reagem às manifestações emocionais dos filhos, uma tessitura de implicações mútuas se define.

Eisenberg, Cumberland e Spinrad (1998) observam que a socialização das emoções é um processo complexo e multifacetado, influenciado por fatores diversos, tais como as características das crianças (idade, sexo, temperamento, dentre outras), dos pais (idade, competência emocional parental, por exemplo) e da cultura (os valores culturais acerca da expressão das emoções e as práticas de cuidado parentais). As estratégias parentais de socialização das emoções são reflexos de crenças de pais e mães sobre emoções e desenvolvimento emocional, e suscetíveis de afetar o funcionamento da criança em diversos aspectos. Isso se reflete na forma de a criança expressar emoções em dado contexto, na sua regulação emocional (Cole et al., 2008), assim como na sua compreensão de emoções (Karstad et al., 2015) e na formação de esquemas sobre o self, os relacionamentos e o mundo social. Inúmeros estudos ratificam as evidências de que as crenças e as práticas, embora nem sempre coincidentes, são constructos fortemente relacionados (Castro et al., 2015; Lozada et al., 2016).

Conhecer os processos de socialização das emoções é peça fundamental para se entender o desenvolvimento da competência emocional da criança. Embora, irmãos, pares e professores também figurem como participantes relevantes na socialização da criança, são os pais os primeiros agentes nessa jornada. Por esse motivo, é essencial que esses tenham uma boa noção do papel que desempenham na vida emocional de seus filhos e de como podem favorecer o desenvolvimento de suas competências emocionais. Com isso, argumenta-se a necessidade de estudos que contemplem o que pensam mães e pais sobre as competências infantis relacionadas às emoções.

Nessa direção, este estudo teve como objetivo investigar a compreensão de emoções em crianças na faixa etária de quatro a cinco anos de idade e sua relação com crenças maternas sobre a importância da competência emocional em crianças nessa idade, em residentes da cidade do Rio de Janeiro e entorno. Acredita-se que este trabalho pode contribuir para um melhor entendimento de tais questões, procurando cobrir parte da lacuna na literatura científica sobre o tema; não foram encontrados estudos, especialmente brasileiros, com objetivos equivalentes na literatura revista.

 

Método

Participantes

Participaram deste estudo 25 crianças, de ambos os sexos, de quatro a cinco anos de idade e suas mães, residentes na cidade do Rio de Janeiro ou na região metropolitana. Não estavam elegíveis para compor o grupo de participantes deste estudo crianças com diagnóstico médico de transtornos neurológicos e psiquiátricos ou indicação da escola de haver acentuada dificuldade de aprendizagem no âmbito da linguagem.

A média de idade das mães participantes foi de 38 anos (M=38,36; DP=5,02), com idade mínima de 25 anos e máxima de 48 anos. No que concerne ao nível de escolaridade, todas as mães possuíam ensino superior completo, com a maioria (56%) tendo pós-graduação. No que se refere à idade das crianças, a média foi de aproximadamente 59 meses (M=59,32; DP=5,67), com idade mínima de 51 meses e máxima de 69 meses. A distribuição por sexo foi de 17 meninos (68%) e oito meninas (32%).

Participaram deste estudo quatro instituições da rede privada de ensino, duas localizadas na cidade do Rio de Janeiro e duas situadas na cidade de Niterói.

Instrumentos

Para a realização da pesquisa, foram utilizados os seguintes instrumentos: formulário de identificação e formulário de dados sociodemográficos. No formulário de identificação, foram informados: nome e data de nascimento da mãe e da criança, endereço, telefone e e-mail para contato; nome, endereço e telefone da escola à qual está vinculada a criança. No formulário de dados sociodemográficos, foram coletados os seguintes dados: idade, nível educacional, estado civil, ocupação e naturalidade da mãe. No que se refere às crianças, foram coletados dados sobre sexo, idade, nome da escola em que estuda.

Entrevista

A entrevista realizada com as mães constou das perguntas abaixo, tendo sido previamente dada a seguinte orientação: "Gostaria que você respondesse, para cada pergunta, da forma o mais livre possível, às seguintes questões":

(1) Cite cinco capacidades, as primeiras que lhe vierem à mente, que mais deseja que o seu filho adquira/desenvolva até a adolescência; (2) Agora, pensando no desenvolvimento de uma criança, você acha que pode contribuir de algum modo para o desenvolvimento de seus filhos na parte emocional? De que modo?; (3) O que você pensa sobre uma criança da idade de seu filho(a) ter a capacidade de expressar suas emoções (de alegria, tristeza, medo, raiva, por exemplo)?; (4) O que você pensa sobre uma criança da idade de seu filho(a) ter a capacidade de compreender as suas próprias emoções (perceber quando está sentindo alguma emoção e saber que nome essa emoção tem) e as emoções das outras pessoas (perceber o que a outra pessoa parece estar sentindo)?; (5) O que você pensa sobre uma criança da idade de seu filho(a) saber regular ou controlar as suas emoções (por exemplo: saber qual é a melhor maneira de agir quando está com raiva ou quando está com medo, ou até mesmo quando está às gargalhadas perto de um bebezinho que dorme)?

 

Procedimentos

Coleta de dados

Para obtenção de participantes, foram realizados contatos com creches-escola da rede privada de ensino, a fim de verificar o seu interesse em participar do estudo. Às creches que concordaram em participar da pesquisa foi enviada uma carta-convite às mães pela agenda escolar das crianças, contendo as explicações gerais da pesquisa. Juntamente com essa carta, foram enviados o formulário de identificação e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foram devidamente preenchidos e assinados pelas mães que aceitaram participar da pesquisa.

A coleta de dados implicou a realização de uma entrevista estruturada com as mães e a realização de duas tarefas com as crianças na creche-escola. Para as mães que se dispuseram e autorizaram que o(a) filho(a) participasse, foram combinados data, hora e local para a entrevista, composta por cinco perguntas abertas, segundo roteiro previamente apresentado. Foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas, verbatim, para utilização nos procedimentos de análise de conteúdo.

Com relação às tarefas com as crianças, as creches-escola participantes disponibilizaram um espaço para sua realização, indicando dias e horários mais apropriados. As tarefas foram aplicadas às crianças individualmente, em um mesmo dia, de modo que cada criança permaneceu com a pesquisadora numa sala da escola, com boa iluminação e em ambiente reservado e tranquilo. As tarefas serão descritas a seguir:

Tarefa de identificação de emoções: Baseou-se na atividade realizada por Székeley et al. (2011). As imagens utilizadas no estudo aqui relatado fazem parte de um banco internacional, o NimStim, do qual as autoras obtiveram as imagens e o direito ao seu uso. Nesse conjunto de fotografias, as pessoas apresentaram a pose mais bem reconhecida para uma categoria particular de emoção (Tottenham et al., 2009). Foram apresentadas às crianças quatro fotos de um adulto (um dos modelos masculinos ou um dos modelos femininos) expressando alegria, tristeza, medo e raiva, e a criança deveria apontar para a fotografia que representava a emoção nomeada pelo pesquisador, que perguntava: "Quem está sentindo alegria?" e assim a mesma pergunta para as quatro emoções. Foram utilizados ao todo quatro conjuntos de fotos para cada emoção, configurando um arranjo total de 16 (dezesseis) "rodadas" para essa tarefa.

Tarefa de atribuição e nomeação de emoções a situações apresentadas: Baseou-se em um estudo de Martins (2009). Foram contadas oito histórias curtas às crianças, criadas pelas autoras deste estudo, descrevendo situações cotidianas, envolvendo as emoções de alegria, tristeza, medo e raiva. Após ouvir a história, a criança dizia qual emoção considerava que a personagem protagonista estava sentindo. Ao término de cada história, utilizando-se dois conjuntos de fotos, um de modelos masculinos e outro de femininos, extraídos do mesmo banco utilizado na primeira tarefa, era solicitado à criança que mostrasse a foto correspondente à emoção atribuída por ela na primeira parte da tarefa. Para ilustração, segue como exemplo a história nº 4: "Lucas gostava muito de desenhar e fez um desenho muito bonito para a sua mãe. Ela ficou muito contente e elogiou muito o desenho. O que você acha que Lucas sentiu, alegria, tristeza, raiva ou medo? Agora, aponte para a fotografia em que a pessoa está mostrando essa mesma emoção." As histórias foram apresentadas sempre na mesma ordem para cada criança.

Análise de dados

A análise de dados contemplou tanto análises quantitativas, por meio da estatística descritiva (médias, percentuais etc.) e de testes não paramétricos para comparação entre grupos, quanto qualitativas (análise de conteúdo). Foi calculada a média de acertos das crianças nas tarefas por elas realizadas, assim como o percentual de crianças que obtiveram escores acima da média, em cada uma das tarefas, visando a verificar em quais tarefas houve um desempenho melhor.

As respostas às perguntas feitas na entrevista com as mães foram submetidas à análise qualitativa, tendo sido empregada a técnica de análise de conteúdo temático-categorial (Oliveira, 2008), baseada na análise de conteúdo de Bardin (2009). A partir da leitura flutuante do material, foram definidas as seguintes categorias: Pergunta um: capacidades relacionadas a valores morais; interesses ligados às artes; capacidades relacionadas à competência emocional; capacidades relacionadas ao convívio social; capacidades relacionadas à autonomia; capacidades relacionadas às competências cognitivas. Pergunta dois: mediante o incentivo à autonomia; mediante o suporte/orientação emocional direto dos pais; mediante o suporte/orientação emocional indireto dos pais. Pergunta três: possível, por meio de manifestações na face; possível, por meio de manifestações orais; possível; por meio de manifestações comportamentais; possível, sem se discriminar a forma como ocorrem as manifestações da emoção; possível, com suporte do adulto; não possível. Pergunta quatro: possível a compreensão que a criança tem de estados emocionais; possível, com o apoio do adulto; não possível. Pergunta cinco: possível, com recursos utilizados pela própria criança; possível, com o suporte do adulto; não possível. Foram computadas as frequências de evocações para cada uma das categorias listadas.

Para a pergunta um, foram calculados os percentuais de frequência das categorias, com o intuito de verificar qual foi a categoria mais evocada pelas mães. Foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney, a fim de verificar se o fato de as mães priorizarem capacidades relacionadas às emoções (uma das categorias definidas) fazia diferença nos escores obtidos pelos filhos nas tarefas. A frequência de evocações das mães relativa a esse tipo de capacidade foi recodificada, em uma outra variável, em duas categorias, "baixa frequência" e "maiores frequências", utilizadas no teste de Mann-Whitney.

Na primeira parte da pergunta dois, foi calculada a proporção de mães que considerava poder contribuir para o desenvolvimento emocional de seus filhos. Foi realizado ainda o teste não paramétrico de Kruskal Wallis, a fim de averiguar se o fato de as mães acreditarem ter um papel relevante no desenvolvimento dos filhos tinha algum efeito nos escores das tarefas realizadas por seus filhos. Para a segunda parte dessa pergunta, foram calculados os percentuais relativos às frequências de evocação para cada categoria, com o intuito de conhecer quais os pesos relativos às maneiras pelas quais as mães entendem ser possível contribuir para o desenvolvimento emocional de seus filhos.

No que tange às perguntas três, quatro e cinco, foram calculados os percentuais de mães que acreditavam ser possível a expressão, a compreensão e a regulação das emoções. Também os percentuais relativos às diferentes categorias definidas para a análise das respostas a cada uma destas perguntas foram computados.

Procedimentos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob o parecer consubstanciado nº 1.766.222.

 

Resultados e Discussão

A primeira parte das análises realizadas concentrou-se nos resultados obtidos nas tarefas realizadas com as crianças. Conforme pode ser observado na Tabela 1 (Anexo), as tarefas que envolviam o reconhecimento das quatro emoções básicas estudadas (alegria, tristeza, medo e raiva) a partir de expressões faciais, ou seja, a Tarefa de Identificação de Emoções e a segunda parte da Tarefa de Atribuição e Nomeação de Emoções, atingiram resultados indicando um desempenho melhor do que na primeira parte da Tarefa de Atribuição e Nomeação de Emoções (que envolvia a atribuição de emoções ao personagem alvo de histórias curtas apresentadas à criança), o que vai ao encontro do que relatam estudos na área. Crianças, desde bebês, começam a aprender a reconhecer os padrões de expressão dessas quatro emoções, tanto em si mesmas quanto nos outros (Izard et al., 1995; Székeley et al., 2011; Widen & Russel, 2010). Gil et al. (2014) salientam que as expressões faciais de emoções, especialmente para crianças na primeira infância, são as pistas mais significativas de informação emocional presentes nas interações cotidianas. Assim, é esperado que crianças nas idades estudadas apresentem essa capacidade bem desenvolvida.

No que tange à disparidade na parcela de crianças com escore acima da média entre as duas partes da Tarefa de Atribuição e Nomeação de emoções, pode-se pensar que, para a parte da tarefa em que era requerida da criança a atribuição de emoções ao protagonista da história, a partir de situações específicas, era necessária, para um bom desempenho, a avaliação dos tipos de emoção mais prováveis de ocorrer em situações afins. Essa habilidade, embora presente em crianças na faixa de idade deste estudo, é mais acurada quando se refere às suas próprias emoções, isto é, quando a criança se vê como quem está tendo a emoção, do que quando é outra pessoa (Denham, 2007), o que pode explicar o desempenho pior das crianças nessa parte específica da tarefa.

Os resultados obtidos a partir da entrevista realizada com as mães foram descritos e analisados com base em cada pergunta formulada e seus objetivos. A pergunta um buscava investigar que capacidades as mães almejavam que seus filhos atingissem até a adolescência, com o intuito de averiguar o lugar que caberia às competências emocionais, ou seja, o quanto seriam desejadas. As capacidades relacionadas ao convívio social foram as contempladas na categoria com maior frequência de evocações (23%) pelas mães como habilidades que desejavam que seus filhos adquirissem. Em seguida a essas, vieram as capacidades relacionadas à competência emocional (21% das evocações). Quando computado o número de mães que evocaram essas duas categorias, foi obtido um resultado análogo, no qual a maior parte das mães (n=16, 64%) mencionou ambas as categorias citadas como capacidades que desejavam que seus filhos apresentassem.

Esses resultados estão consonantes com o que os estudos na área apontam, relativamente às competências emocionais estarem entrelaçadas com as competências sociais, sendo funções interdependentes. Diversos estudos empíricos ressaltam a estreita relação entre as competências emocional e social (Garner & Waajid, 2012; Izard et al., 2001; Machado et al., 2008) enfatizando que o real desempenho das competências emocionais é evidenciado nas interações do indivíduo com outras pessoas que fazem parte de seu nicho cultural.

A pergunta dois objetivou saber se as mães consideravam poder contribuir para o desenvolvimento emocional de seus filhos e de que maneira poderiam fazê-lo. Os resultados obtidos indicaram que a quase totalidade das mães (96%) acreditava poder contribuir para o desenvolvimento dos filhos na esfera emocional. Tal resultado revela que as mães trazem para si a responsabilidade de serem agentes principais na socialização das emoções de seus filhos. Assim é que, em suporte a esse resultado, pode-se recorrer ao conceito de nicho de desenvolvimento (Harkness & Super, 1996), em que a psicologia dos cuidadores assume particular importância, e os pais, especialmente nos primeiros anos de vida, são vistos como os mais importantes agentes de socialização da criança. Estudos empíricos (Cole et al., 2008; Karstad et al., 2015) evidenciaram a importância dos pais na socialização das emoções dos filhos e como as estratégias por eles utilizadas podem favorecer ou não aspectos da competência emocional das crianças.

A categoria que obteve a maior frequência de evocações nessa pergunta foi a relacionada ao suporte emocional direto (49%), seguida do suporte emocional indireto (31%). Esses resultados indicam que as mães acreditam que o apoio emocional dos pais, mesmo que de forma indireta, é relevante no desenvolvimento emocional dos filhos, ratificando o que foi discutido anteriormente, que as mães atribuem a si mesmas e aos pais o papel de agentes principais de socialização das emoções e têm consciência da relevância disso para um bom desenvolvimento emocional dos filhos.

Faz parte das crenças maternas quanto à contribuição que acreditam ter no desenvolvimento emocional do(a) filho(a) uma estratégia de socialização das emoções bastante evocada pelas mães, relacionada às conversas que os pais têm com os filhos acerca das emoções. No tocante a esse aspecto, muitas respostas obtidas pelas mães exemplificaram de forma clara a utilização dessa estratégia, a saber: mãe 12: "o que eu tento é o seguinte, falar realmente dos sentimentos"; mãe 15: "eu acho que posso contribuir falando das minhas emoções, assim, traduzindo o que a gente sente"; mãe 21: "a gente fala muito, lá em casa a gente fala muito, dá muito nome aos sentimentos". A utilização dessa "linguagem emocional", além de permitir que a criança comunique os seus sentimentos, torna possível aos pais mostrar diversas maneiras de lidar com as experiências emocionais. Além disso, leva, gradativamente, a criança a refletir a respeito das manifestações emocionais suas e das demais pessoas, e a construir seu acervo de conhecimento emocional.

No presente estudo, as participantes apresentaram, nas perguntas um e dois, evocações ressaltando tanto a importância dos aspectos relacionais para o desenvolvimento da criança, quanto aspectos mais voltados à autonomia. Nessa pergunta dois, com foco na contribuição da mãe para o desenvolvimento emocional dos filhos, cabe pensar no quanto é oportuno o estudo de modo articulado de trajetórias de self mais autônomas, mais relacionais ou autônomo-relacionais com aspectos emocionais do desenvolvimento, como discutem Mendes, Pessôa e Cavalcante (2016).

No que concerne aos resultados obtidos na pergunta três, as respostas foram categorizadas levando-se em conta o que as mães relataram sobre a possibilidade ou não de que a criança tivesse a capacidade de expressar suas emoções e, caso fosse possível, de que maneira a expressão era manifestada. A grande maioria das evocações (91%) revelou que as mães entenderam ser possível que a criança expresse as suas emoções por meio, especialmente, de manifestações comportamentais (22% das evocações) e orais (22% das evocações). No tocante a estas, alguns exemplos de evocações são significativos: mãe 5: "ele expressa na fala. Ele chega e fala: estou magoado, estou chateado". No que se refere às expressões comportamentais das emoções, algumas respostas obtidas traduzem bem essa categoria: mãe 7: "acho que quando ele consegue chorar, ou brigar de qualquer forma é melhor"; mãe 23: "É possível, porque ele já faz isso e eu percebo através da fala e do próprio comportamento".

Outro achado interessante refere-se ao percentual de frequência de evocações para a categoria "possível com o suporte do adulto". Nesta pergunta, o menor percentual (14%), quando comparado aos percentuais, na mesma categoria, das perguntas quatro (35%) e cinco (68%), parece indicar que as mães consideram ter menos necessidade de auxiliar a criança nessa idade a expressar suas emoções, do que de compreendê-las e regulá-las. Além disso, essa pergunta obteve o menor percentual de mães (4%) que considerava não ser possível a expressão emocional em crianças na faixa de idade estudada, conforme o apresentado na Tabela 2 (Anexo). A literatura destaca que as pistas emocionais contidas na face, na voz e no comportamento, responsáveis pela expressão das emoções, são essenciais na comunicação interpessoal e para a própria sobrevivência, além de estarem presentes desde o nascimento (Chronaki et al., 2015; Izard et al., 1995). Talvez por isso, e também pelo fato de as mães observarem desde bem antes dessa idade as crianças expressando na face essas emoções (capacidade relatada na literatura, como já mencionado), as mães tenham a ideia que, desde muito cedo, as crianças já sejam capazes de expressar suas emoções.

A pergunta quatro visou a saber o que as mães pensavam sobre a capacidade de uma criança de quatro a cinco anos de idade compreender suas emoções e as emoções das outras pessoas. Os resultados, assim como na pergunta três, foram categorizados, tendo-se analisado se as mães consideraram ser possível ou não a habilidade tratada na questão e, caso possível, de que forma.

A maior parcela de frequências de evocações (88%) revelou que as mães entenderam ser possível que crianças, no momento da ontogênese tratado neste estudo, compreendam suas emoções e as de outras pessoas (com ou sem o suporte do adulto). Uma boa parte da frequência das evocações (35%) aponta para a necessidade do suporte emocional do adulto na compreensão emocional. Dentre as formas de suporte emocional mencionadas, todas as evocações feitas pelas mães destacaram as conversas sobre as emoções que têm com os filhos, o que converge para os resultados obtidos na análise da segunda parte da pergunta dois.

No que se refere à pergunta cinco, que tinha como objetivo saber o que as mães pensavam da capacidade que uma criança da idade de seus filhos de regular suas emoções e, se tal habilidade fosse possível, de que forma poderiam fazê-lo. A maior parte das evocações (68%) evidenciou que as mães entenderam ser mais necessário o apoio do adulto na regulação emocional do que nos outros dois componentes da competência emocional tratados neste estudo. Se, por outro lado, for analisado o número de mães que evocou esta categoria, o resultado se confirma, ou seja, dezesseis mães (64%) acreditaram que a regulação emocional da criança está relacionada ao suporte do adulto. Para a compreensão das emoções, esse índice foi de dez mães (40%) e para a expressão emocional, de seis mães (24%).

Esses resultados parecem indicar que as mães se deram conta da necessidade do seu suporte nas tentativas de seus filhos de manejar suas experiências emocionais, considerando mais difícil a possibilidade de que eles regulem suas emoções por recursos próprios. Esse fato vai ao encontro do que a literatura salienta acerca do desenvolvimento da regulação emocional: que, inicialmente, as crianças necessitam do suporte do adulto em suas tentativas para lidar com as suas experiências emocionais e regular-se emocionalmente (Denham, 2007). Cole et al. (2008), em um estudo com mães e crianças americanas entre três e quatro anos de idade, obteve resultados apontando para correlações positivas entre o suporte materno e as estratégias da criança para regular a raiva, destacando a importância do apoio materno na regulação emocional.

No tocante ao número de mães que consideraram não ser possível que uma criança na faixa de idade estudada possa regular as suas emoções, seis mães (24%) responderam desse modo, tendo sido o maior percentual, quando comparado às habilidades de expressão emocional (4%) e de compreensão emocional (8%). Tal resultado pode indicar que essas mães pensam que a regulação das emoções ainda é uma capacidade a ser adquirida. Esses resultados constam da Tabela 2.

Ao testar se havia diferença significativa no escore obtido na Tarefa de Identificação de Emoções em função da variável frequência recodificada de evocações da categoria relacionada às competências emocionais, não foi encontrado resultado significativo (U=19,00, p=0,48). Também não foram encontradas diferenças significativas ao testar-se possíveis diferenças entre: (a) o escore da primeira parte da Tarefa de Atribuição e Nomeação de Emoções e a variável frequência recodificada de evocações da categoria relacionada às competências emocionais (U=19,00, p=0,48), e (b) o escore da segunda parte da Tarefa de Atribuição e Nomeação de Emoções com a variável frequência recodificada de evocações da categoria relacionada às competências emocionais (U=13,00, p=1,00).

A partir desses resultados, constatou-se que uma das hipóteses deste estudo, que mães que valorizam mais a competência emocional de seus filhos têm filhos com melhor compreensão emocional, não foi confirmada pelo teste estatístico empregado. Embora as crenças parentais sejam consideradas uma importante ferramenta para a adoção de práticas de cuidado, estas nem sempre são traduzidas de forma direta em estratégias de socialização.

Pode-se argumentar que, não obstante as mães terem evocado a importância das capacidades relacionadas às competências emocionais de seus filhos, o que fez, inclusive, com que essa categoria obtivesse a segunda maior frequência de evocações, essa crença pode não ter sido traduzida, no cuidado diário, em práticas de socialização de emoções que pudessem favorecer aspectos da compreensão emocional de seus filhos. De todo modo, é um resultado que contribui levantando uma questão que merece ser melhor investigada. Outra variável que pode ter interferido nesse resultado refere-se à homogeneidade da amostra, composta na totalidade por mães com alto nível de escolaridade e residentes em áreas urbanas. Pode-se pensar que mães mais instruídas valorizem outros aspectos, além das competências emocionais, como a autonomia, por exemplo. Essa é uma especulação que também merece ser investigada.

Nos testes de diferença entre os escores dos filhos e o fato de as mães acreditarem ter um papel relevante no desenvolvimento emocional deles, não foram encontrados resultados estatisticamente significativos para nenhum dos escores referentes às tarefas (p=0,77, para a Tarefa de Identificação de Emoções; p=0,71, para a primeira parte da Tarefa de Atribuição e Nomeação de Emoções e p=0,30, para a segunda parte dela). Como mencionado, a quase totalidade das mães considerou poder contribuir para o desenvolvimento emocional de seus filhos e, conquanto isso não se tenha refletido em resultados estatisticamente significativos nos escores das tarefas realizadas pelas crianças, isso salienta o comprometimento das mães no processo de socialização das emoções de seus filhos.

 

Considerações finais

Este estudo teve como propósito investigar alguns aspectos da compreensão emocional e suas possíveis relações com crenças maternas sobre a competência emocional. Dentro dessa perspectiva, procurou-se abordar os três principais componentes da competência emocional, com maior destaque para a compreensão das emoções. Por ser esta competência uma habilidade que, como todas as outras características da espécie humana, se desenvolve em um determinado nicho cultural e sob o impacto das etnoteorias parentais, o estudo das crenças parentais sobre as emoções se revelou também um aspecto de destaque neste estudo. As crenças parentais sobre a competência emocional da criança, conforme discutido, se traduzem, mesmo que de forma não linear, em práticas ou estratégias de socialização de emoções que, por sua vez, impactarão o desenvolvimento emocional da criança.

Dessa forma, este estudo, para além da investigação de algumas propriedades da compreensão emocional, evidenciou crenças maternas sobre a expressão, compreensão e regulação das emoções. Pode-se, assim, conhecer o que pensam as mães, na amostra estudada, sobre o papel que desempenham no desenvolvimento emocional de seus filhos e perceber que, dentre os mecanismos de socialização das emoções por elas utilizados, uma grande parte converge para o que a literatura da área aponta.

Algumas dificuldades foram encontradas na realização deste estudo. Dentre elas, pode-se mencionar a obtenção de creches-escola que aderissem à pesquisa e a necessidade de manter todas as crianças atentas às tarefas realizadas durante o tempo necessário para sua conclusão. Contudo, talvez a maior delas, trazendo certa limitação a essa investigação, tenha sido a obtenção de um número maior de participantes. Em uma sociedade urbana, pós-industrializada, as mães cada vez mais estão imersas no mercado de trabalho. A ocupação de grande parte do dia com tarefas e atividades profissionais e familiares pode ter sido um dos motivos que dificultou uma maior aceitação de mães para participarem do estudo. As próprias instituições de ensino envolvidas relataram a dificuldade de realizar atividades que contassem com a presença mais sistemática das mães, embora estas, em geral, não pusessem empecilhos a atividades envolvendo apenas os seus filhos. Em função disso, parece relevante que se realize um trabalho junto às instituições de ensino, familiarizando-as, assim como aos pais, com atividades e benefícios relacionados à pesquisa.

Considera-se que este estudo dá continuidade a uma linha de investigação acerca da relevância da competência emocional para o bem-estar global do indivíduo. É importante salientar a necessidade de novos estudos sobre o tema, especialmente brasileiros, na medida em que foi observada uma significativa lacuna na literatura científica de investigações em contextos brasileiros. Seria interessante, também, conduzir estudos com amostras maiores e mais diversificadas, incluindo, por exemplo, outros estratos socioeconômicos, além do investigado neste estudo. Em uma sociedade ainda carente de justiça social e de relações interpessoais mais satisfatórias e solidárias, conscientizar pais, professores e cuidadores em geral da importância da expressão, compreensão e regulação das emoções parece imperioso e salutar.

 

 

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Recebido em 03 de outubro de 2017
Aceito para publicação em 30 de janeiro de 2018

 

 

Anexo

 

 

 

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