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Psicologia Clínica
versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438
Psicol. clin. vol.31 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2019
https://doi.org/10.33208/PC1980-5438v0031n01Edt
EDITORIAL
O número 31.1 da revista Psicologia Clínica compreende duas seções, uma temática e outra livre. A seção temática contém artigos que abordam o tema "Parentalidade e cuidados primários hoje", título deste número. Nela se reúnem quatro artigos.
O primeiro, Demand for family therapy and contemporary parenting, das autoras Terezinha Féres-Carneiro, Rebeca Nonato Machado, Renata Mello e Andrea Seixas Magalhães (todas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), investiga a demanda por psicoterapia de família e sua relação com o exercício da parentalidade. Após uma pesquisa clínica qualitativa com 16 famílias atendidas no Serviço de Psicologia Aplicada de uma universidade privada, os relatórios das entrevistas preliminares foram utilizados para a obtenção de dados, posteriormente analisados à luz das postulações da psicoterapia de família, constatando-se uma fragilidade no exercício da parentalidade nos dias atuais e portanto uma estreita relação entre a demanda por psicoterapia familiar e o exercício das funções parentais nas famílias contemporâneas.
O artigo seguinte, De quem é a 'preocupação primária'? A teoria winnicottiana e o cuidado parental na contemporaneidade, de Nathalia Teixeira Caldas Campana, Carine Valéria Mendes dos Santos e Isabel Cristina Gomes (todas da Universidade de São Paulo), busca compreender a parentalidade contemporânea a partir de uma revisão do conceito winnicottiano de "preocupação materna primária". Apresentando um estudo qualitativo, o material oriundo de entrevistas semidirigidas realizadas com dois casais heterossexuais de classe média brasileira, com filhos de até três anos de idade, é discutido no tocante à participação masculina em termos de tempo dedicado aos cuidados com as crianças em contraposição à participação feminina. Os resultados indicam que a preocupação primária pode ser desenvolvida também por homens, o que leva à proposição de desvincular este conceito de determinismos biológicos e adotar a denominação "preocupação parental primária".
Em Os processos de constituição psíquica do sujeito na perspectiva da psicanálise de família e casal, as autoras Suziani de Cássia Almeida Lemos (do Instituto Luterano de Ensino Superior) e Anamaria Silva Neves (da Universidade Federal de Uberlândia) buscam analisar os processos de constituição psíquica na perspectiva da psicanálise de família e casal, bem como as dinâmicas relacionais que oferecerão ao bebê um terreno propício ou interditado à sua constituição psíquica. À repetição patológica de lugares preestabelecidos de forma passiva opõe-se a possibilidade de atribuir ativamente significados a essa herança, sendo fundamental entender como o sujeito se constitui nessa trama entre vínculos e heranças, da qual pode resultar um processo de subjetivação e diferenciação.
O último artigo da sessão temática, Da psicose infantil ao TEA: referenciais evolutivos e fundamentos socioculturais, das autoras Mirka Mesquita (Universidade Paris 13) e Tereza Pinto (Universidade Paris 7), traz um estudo com foco no campo da saúde mental na infância, apresentando uma evolução histórica na compreensão nosológica e nas problematizações que ocorreram com a transição da compreensão do autismo como uma patologia do grupo das psicoses infantis para o grupo dos transtornos do espectro autista ao longo dos últimos anos. O artigo levanta também a importância do tema da parentalidade, ao mostrar como a relação que se fez entre o autismo e uma certa posição parental "distante" causou forte reação nos pais de crianças autistas, conduzindo-os a aderir às correntes mais organicistas como modo de entendimento da doença.
A seção livre se inicia com o artigo Treinamento de Habilidades Sociais para universitários em situações consideradas difíceis no contexto acadêmico, dos autores Cláudio de Almeida Lima, Adriana Benevides Soares e Marisangela Siqueira de Souza (todos da Universidade Salgado de Oliveira), um estudo cujo objetivo foi realizar e avaliar a eficácia de um Treinamento de Habilidades Sociais (THS) com universitários em seu período inicial na instituição, verificando a relação das capacidades sociais com as vivências e os comportamentos sociais acadêmicos, do qual participaram 11 universitários de instituições públicas e privadas de ensino superior, entre 18 e 25 anos, cursando o primeiro ou o segundo período da graduação. Foram abordados pela pesquisa temas como falar em público, lidar com autoridade e com críticas, fazer elogios e outros. Os resultados apontaram ganhos para todos os participantes e revelaram existir uma relação associativa positiva entre habilidades sociais e vivências e comportamentos sociais acadêmicos.
Já em O Grupo de Escuta como um dispositivo clínico em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II), dos autores Antônio Carlos Nunes de Carvalho Júnior, Deise Matos do Amparo e Raiane Nunes Nogueira (todos da Universidade de Brasília), a discussão gira em torno do cuidado em um Centro de Atenção Psicossocial por um processo de mediação simbólica proporcionado pelo dispositivo do grupo de escuta em relação à apropriação subjetiva de experiências excessivas no contexto da fala, construída coletivamente no grupo. Por meio de uma pesquisa participante, os membros das reuniões do grupo de escuta forneceram dados, registrados em diário de campo posteriormente às reuniões. Ficou evidenciada a importância de tal dispositivo clínico para o acolhimento, reconhecimento e elaboração de experiências subjetivamente excessivas e traumáticas, concluindo-se que grupo é fundamental como espaço de escuta e fala no âmbito do CAPS, bem como a necessidade de tal atividade ser melhor enquadrada e integrada enquanto dispositivo terapêutico nesta modalidade institucional.
Em Psicoterapia cognitivo comportamental para mulheres em situação de violência doméstica: revisão sistemática, as autoras Mariana Gomes Ferreira Petersen, Júlia Carvalho Zamora, Ilana Luiz Fermann, Pâmela Letícia Crestani e Luísa Fernanda Habigzang (todas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) têm como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura sobre protocolos de terapia cognitivo-comportamental (TCC) para tratamento psicológico de mulheres em situações de violência doméstica. Foram selecionados 11 dentre 1.329 artigos, dos quais nove relataram estudos clínicos randomizados focados nos sintomas de trauma, ansiedade e depressão. Identificou-se a necessidade de estudos com maior detalhamento do processo psicoterapêutico, sobretudo no contexto brasileiro, visando à qualificação das redes de atendimento com práticas baseadas em evidências.
O penúltimo artigo desta seção, Iluminismo e Romantismo na formação psicanalítica, de Pedro Cattapan (da Universidade Federal Fluminense), versa sobre a adoção por parte da International Psychoanalytical Association (IPA) dos modelos de formação disponíveis quando foi imperioso formar um grande número de psicanalistas. Para demonstrar os efeitos e os problemas desses legados no modelo adotado pela IPA, o trabalho examina a constituição da escola moderna e suas alternativas idealizadas pelo Iluminismo, além de investigar como o pensamento estético de Burke e Goethe orientou as linhas de uma formação romântica. Por fim, é apresentado e problematizado o famoso tripé resultante dessa herança híbrida: cursos teóricos (continuação da escola moderna), análise pessoal (segundo a formação "de dentro para fora" romântica) e atendimentos supervisionados (coexistência de ambas, indicando qual prevalece em determinada instituição).
O último artigo, Repetição e contingência na clínica da psicanálise e na arte da performance, dos autores Camila Ferreira Sales e Guilherme Massara Rocha (ambos da Universidade Federal de Minas Gerais), aborda uma herança peculiar de Freud e Lacan quanto à interface entre psicanálise e arte, com a utilização do material estético para pensar a clínica psicanalítica, na qual os processos de subjetivação implicam o atravessamento da repetição significante pela pulsão. Analogamente à psicanálise, observa-se que na arte, especialmente a contemporânea, há um modo de apresentação de temas que não se atêm à categoria de "sentido", mas que se abrem para o universo dos afetos e pulsões. O objeto estético, nesse sentido, pode ser pensado como objeto pulsional. O artigo ilustra essa proposta com a obra de Marina Abramovic, artista sérvia recentemente descrita como a avó da arte da performance.
Isabel Fortes
Esther Arantes