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Psicologia Clínica
versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438
Psicol. clin. vol.31 no.2 Rio de Janeiro maio/ago. 2019
https://doi.org/10.33208/PC1980-5438V0031N02A05
SEÇÃO TEMÁTICA - O FAZER CLÍNICO EM PSICOLOGIA
TEAComplex: plataforma digital tátil para sujeitos com transtorno autístico, baseada na perspectiva da complexidade
TEAComplex: a tactile digital platform for people with autistic disorder, based on the perspective of complexity
TEAComplex: plataforma digital táctil para sujetos con trastorno autístico, basada en la perspectiva de la complexidad
Lia Raquel OliveiraI; Nize Maria Campos PellandaII; Rosa Maria FontesIII; Jorge CollusIV; Luiz Ernesto Cabral PellandaV
IProfessora Auxiliar com Agregação da Universidade do Minho, Instituto de Educação, Braga, Portugal. lia@ie.uminho.pt
IIProfessora Adjunta da Universidade de Santa Cruz do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. nizepe@gmail.com
IIIDoutoranda pela Universidade de Vigo, Vigo, España. rosaguifontes@hotmail.com
IVDoutorando pela Universidade do Minho, Instituto de Educação, Braga, Portugal. jorgecollus@gmail.com
VMédico e psicanalista da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil. pellanda@portoweb.com.br
RESUMO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma realidade para a qual a sociedade atual está cada vez mais desperta. Apesar da multiplicidade de abordagens existentes, o objetivo pretendido de integração social destes sujeitos ainda se mostra muito longe de ser alcançado. Pretendemos criar uma plataforma digital para crianças do transtorno do espectro autista baseada nas teorias da Complexidade, Biologia da Cognição e Segunda Cibernética. Esta plataforma tem como intuito ajudar estas crianças a construir e desenvolver sua autoconsciência, indispensável a seu processo de autoconstrução e consequente envolvimento social. Pretendemos promover uma abordagem inovadora distante das atuais, focadas no cognitivismo e construtivismo. Esta nova abordagem considera as mais recentes descobertas neurocientíficas, habilidades autopoiéticas e de neuroplasticidade. Acreditamos que uma abordagem centrada nestes pressupostos ajudará a ultrapassar a grande barreira social comumente presente no autismo, que é a da comunicação. A metodologia a ser usada parte de uma análise do histórico de atendimento aos sujeitos da pesquisa em vídeos, gravações e diários dos pesquisadores para identificar as principais demandas dessas crianças e proceder então à construção das funcionalidades da plataforma usando os pressupostos da complexidade. A partir daí desenvolveremos o protótipo da plataforma.
Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Teoria da Complexidade; autoconsciência; plataforma digital; autopoiesis.
ABSTRACT
Autism Spectrum Disorder (ASD) is a reality which current society is ever more aware of. Despite the assortment of existing approaches, the intended goal of social integration is still far from being reached. We plan to create a digital platform for children who suffer from Autism Spectrum Disorder based on the theories of Complexity, Cognitive Biology, and Second Cybernetics. This platform is meant to help these children in building and developing their self-conciousness, essential to their process of self-building and consequent social involvement. We intend to promote an innovative approach distinct from current ones, which are focused on cognitivism and constructivism. This new approach takes into consideration the most recent neuro-scientific discoveries, autopoietic skills and neuroplasticity. We believe that such an approach will help in overcoming the great social barrier commonly present in autism, which is communication. The methodology to be used starts from an analysis of the history of caring for the subjects of research in videos, sound recordings and researchers' logbooks to identify the main demands of these children and then proceed to build the platform capabilities, using the assumptions of complexity. From there, a platform prototype will be developed.
Keywords: Autism Spectrum Disorder; Theory of Complexity; self-consciousness; digital platform; autopoiesis.
RESUMEN
El Trastorno del Espectro Autista (TEA) es una realidad para la cual la sociedad actual está cada vez mais despierta. Pese a la multiplicidad de abordajes existentes, el objetivo pretendido de integración social de estos sujetos aún se revela muy lejos de alcanzar. Pretendemos crear una plataforma digital para niños del Trastorno del Espectro Autista basada en las teorías de la Complexidad, Biología de la Cognición y Segunda Cibernética. Esta plataforma tiene como intuito ayudar estos niños a construir y desarollar su autoconciencia, indispensable a su proceso de autoconstrucción y consequente envolvimiento social. Pretendemos promover un abordaje innovador distante de las actuales, enfocadas en el cognitivismo y el constructivismo. Este nuevo abordaje considera las más recientes descubiertas neurocientíficas, habilidades autopoiéticas y de neuroplasticidad. Creemos que un abordaje centrado en estos presupuestos ayudará a sobrepasar la gran barrera social comúnmente presente en el autismo, que es la comunicación. La metodología a ser usada parte de un análisis del historial de atención a los sujetos de la investigación en videos, grabaciones y diarios de los investigadores para identificar las principales demandas de esos niños y proceder entonces a la construcción de las funcionalidades de la plataforma usando los presupuestos de la complejidad. A partir de ahí desarrollaremos el prototipo de la plataforma.
Palabras clave: Trastorno del Espectro Autista; Teoria de la Complexidad; autoconsciencia; plataforma digital; autopoiesis.
Problematização
Partimos do Paradigma da Complexidade para elaborar um projeto de pesquisa que contemple alguns pressupostos teóricos fundamentais, emergentes de algumas ciências complexas, a serem aplicados na abordagem com crianças diagnosticadas com TEA (Transtornos do Espectro Autista). Nosso grupo de pesquisa não se conforma com o tipo de abordagem à qual estão submetidos esses seres humanos, desrespeitados na sua dignidade de seres sensíveis, aprendentes, muitas vezes apresentando altas habilidades específicas e dotados da condição biológica de auto-organização e de neuroplasticidade. Estão condenados aos tratamentos hegemônicos, a repetições, reforços e outros comportamentalismos mecânicos que não consideram os seres humanos autistas como seres inteiros constituídos de muitas dimensões vitais que funcionam de forma integrada e integradora.
Verificamos que a grande maioria das abordagens do autismo estão assentes nas teorias cognitivista e construtivista e que, com raras exceções, ainda hoje ignoram descobertas importantíssimas advindas das neurociências, biologia, cibernética, epistemologia e outras, adotando ainda práticas behavioristas e comportamentalistas já superadas pelo desenvolvimento de uma ciência complexa.
No fundo desse conjunto hegemônico subjaz uma concepção darwinista de aprendizagem como adaptação mecânica que não leva em consideração a experiência transformadora (estrutural) de cada um em sua autoprodução.
Segundo o paradigma da Complexidade, é essa experiência transformadora estrutural no percurso individual de autoprodução que chamamos de aprendizagem. Segundo Edgar Morin (1991, p. 13) "Complexus é o que é tecido junto". Para esse autor, a realidade é complexa e deve ser compreendida como tal, isto é, cada situação é um conjunto de variáveis ou fatores interrelacionados e indissociáveis. (Silva & Pellanda, 2016).
A abordagem dos Transtornos do Espectro Autista, apesar de toda a complexidade da síndrome e do impulso que teve a ciência com o advento do paradigma da complexidade, ainda é predominantemente cartesiana, separando as várias dimensões da realidade humana e desconhecendo os detalhes desta síndrome. Há uma marcada tendência para adotar procedimentos rígidos com atitudes mecânicas e repetitivas que aprofundam ainda mais as dificuldades dessas pessoas. Se aprender está relacionado com experiência, com construção de autonomia, e é inseparável das emoções, então o que se faz com os seres humanos com TEA constitui um grande desrespeito à sua dignidade de seres que têm a necessidade biológica de aprender e serem felizes. Além disso, sob o ponto de vista neurofisiológico, não admitem que o sistema neuronal se mobilize e reconfigure. Nesse sentido, Varela nos mostra com muita clareza que conhecer não se refere à representação de um mundo externo e preexistente com o qual nos relacionamos em termos de solução de problemas. Cognição é o conjunto de experiências concretas no presente com as suas problemáticas e breakdowns, ou seja, as quebras no fluxo cognitivo (Varela, 1996). Os breakdowns correspondem àquilo que na nossa processualidade chamamos de perturbações. A abordagem aos TEA mais usada preocupa-se exatamente com uma situação oposta às perturbações e breakdowns, dirigindo as atividades dos sujeitos para a ordem, em primeiro lugar, e retirando-lhes a oportunidade de organizar o caos interno num trabalho autopoiético e autoconstituinte.
Conhecer como aprendizagem do viver leva à capacidade de ser feliz. Aqui começa nosso afastamento do comportamentalismo. Essas expressões vêm carregadas de sentido epistêmico e ontológico. Para Maturana e Varela (1980), aprender é um processo vital que se desenvolve o tempo todo em um ser vivo. Para esses dois biólogos complexos, a aprendizagem envolve o próprio processo de viver, com todas as experiências inerentes: corporais, mentais e emocionais.
No caso dos sujeitos com autismo, as dificuldades de aprendizagem são maiores no fluxo do viver, mas isso não quer dizer que eles não aprendam ou que não tenham condições de aprender. Essas crianças apresentam condições de ser, de se autosubjetivar. Essas pessoas apresentam um funcionamento cognitivo e afetivo singular devido às suas alterações neurofisiológicas. No entanto, não se pode retirar-lhes a condição de seres humanos autopoiéticos, ou seja, são seres que se autoproduzem ao viver e os seus cérebros continuam dotados de condições de neuroplasticidade. Em outras palavras, um contexto rico em breakdowns e poiesis oferece aos autistas um conjunto de ambientes e situações desafiadoras que pode levar essas crianças a encontrar outros caminhos no cérebro, construindo outras formas de conhecer, ser e estar do mundo.
As questões arroladas aqui sobre auto-organização e neuroplasticidade são questões de fluxo vital numa outra concepção de ciência que trata a realidade em forma de devir sempre em produção pelos seres vivos que vivem no tempo, o que é muito diferente da ciência da estabilidade e das separações do modelo newtoniano-cartesiano. Varela (1990) caracteriza muito bem esse novo espírito científico:
Começou uma radical virada paradigmática ou epistêmica. O núcleo desta visão emergente é a convicção de que as verdadeiras unidades do conhecimento são de natureza eminentemente concreta, incorporada, encarnada, vivida; que o conhecimento se refere a uma situacionalidade que o caracteriza, com sua historicidade e seu contexto. (Varela, 1990, p. 14)
Como pano de fundo desse quadro teórico para contemplar a forma como colocamos as questões, buscamos os estudos originários da Segunda Cibernética, de Von Foerster (2003), que são os pressupostos de segunda ordem, decorrentes da Primeira Cibernética e seus desdobramentos na Biologia da Cognição de Humberto Maturana e Francisco Varela (1980) e da Complexificação pelo Ruído de Henri Atlan (1992). Heinz von Foerster (2003) chamou a atenção do mundo científico para a necessidade de passarmos dos sistemas observados para sistemas observantes, nos quais o observador é parte do sistema e tem que dar conta de suas próprias operações. Isso leva-nos à questão crucial da necessidade de cada sujeito cognitivo apropriar-se dos seus próprios processos com a consciência de seu caminho percorrido. O eixo desses estudos aponta para um conceito de cognição como experiência vivida e inseparável do processo de viver, o que entra em conflito com o conceito de cognição baseado na representação de que o sujeito que conhece não faz parte do processo cognitivo.
O conceito-chave e organizador da Biologia da Cognição é o conceito de Autopoiesis, palavra formada de dois vocábulos gregos: auto (por si) e poiesis (criação). Foi desenvolvido para expressar a natureza autoprodutiva dos seres vivos com clausura operacional, ou seja, os sistemas vivos são fechados para a informação e abertos para a troca de energia: o que vem de fora não determina o que acontece internamente, mas faz disparar processos auto-organizativos que configuram a vida de cada ser vivo a partir de mecanismos internos. Se pensarmos nessa perspectiva, os seres humanos inventam-se a si mesmos no processo de viver, e é justamente por isso que o papel da experiência, mais especificamente da autoexperiência, é fundamental. E é por esse motivo também que criticamos tão radicalmente o conceito de representação que diz respeito a estímulos externos e captação de elementos já dados, procedentes do exterior, e não à ação autónoma de cada sujeito se autoconstruindo no ato de viver.
Esses pressupostos conduzem-nos a um conceito de aprendizagem que não é adaptação, como alertávamos na introdução. O que predomina no tratamento com crianças com TEA é a ideia de adaptação a um mundo preexistente, com foco em aumentar a capacidade comunicativa dessas crianças. Acontece, porém, que não existem mundos preexistentes, como também não é assim que funciona a aprendizagem. Isso é uma ilusão, porque aprender implica em criação de mundos no momento da ação no qual está em movimento um processo de subjetivação.
O que adotamos, portanto, é uma conceção de aprendizagem como parte de um processo dinâmico no qual os seres vivos em sua autopoiesis (autogeração) se acoplam com o meio (acoplamento estrutural) de tal maneira que modificam o meio e a si próprios permanentemente. Os seres vivos em seu funcionamento mudam continuamente sua estrutura, que é plástica, e conservam sua organização, que é autopoiética, enquanto criadora de si mesma (Maturana & Varela, 1980). Nessa perspetiva, não há um mundo pré-dado, a realidade de cada um de nós vai-se configurando na perceção singular que leva a uma ação, constituindo um mundo em ato no momento presente. Nessa visão complexa, não há separação entre sujeito cognitivo, ontogénese, cognição e mundo. Esse é o conceito de cognição com o qual trabalhamos. Os seres humanos, portanto, são auto-organizados e esse trabalho auto-organizativo enfrenta perturbações do ambiente durante sua realização. Esse é o eixo teórico desta pesquisa, que procede da teoria da "Biologia da Cognição", desenvolvida pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela, e que será complementado por outros estudos complexos em consonância com ela. Ao longo do texto explicamos a génese dessa teoria, remetendo-a ao movimento cibernético dos anos 1940 e 1950.
As palavras acima caracterizam o contexto teórico que suporta nosso projeto de pesquisa. A partir dele, como também das reflexões sobre o material empírico do trabalho de investigação com sujeitos autistas em interação com tecnologias touch (Pellanda & Demoly, 2014), resolvemos desenvolver uma plataforma digital que contemplasse necessidades básicas inferidas nesse processo investigativo. O que segue neste texto é uma construção lógica da justificativa epistemo-ontológica da referida plataforma.
TEA (Transtorno do Espectro Autista)
O TEA (Transtorno do Espectro Autista) é atualmente descrito e diagnosticado com base em características observáveis no comportamento das crianças. No entanto, muitos estudos já foram realizados com o intuito de explorar e entender se há e quais seriam as origens neuronais por trás dos comportamentos observáveis.
Ao nível do que se pode observar, o TEA é sobretudo caracterizado por alterações em três áreas específicas: comunicação, socialização e comportamento. Essa tríade foi originalmente sugerida por Lorna Wing, em 1981, baseada nos escritos de Hans Asperger da década de 1940. Inicialmente, a autora utilizava o termo imaginação em vez de comportamento, mas entretanto foi comumente aceite que comportamento era um termo mais adequado.
Comunicação
A comunicação no TEA é muito peculiar, diferente dos padrões convencionais (Asperger, 1944). Apesar de existirem alguns sujeitos com TEA que não verbalizam, a maioria apresenta algum tipo de comunicação (Gillberg, 2005). Segundo esse autor, parecem identificar-se quatro sintomas na falha de comunicação: contacto ocular parco, dificuldade em fazer amizades dentro de sua faixa etária, fraco reconhecimento e interpretação emocional e falta de vontade de partilhar experiências de vida, sejam elas positivas ou negativas.
A ausência ou escassez de comunicação no autismo não é de foro físico, isto é, os autistas não apresentam disfasia. O problema não está na produção da linguagem mas sim na sua utilização. Ao utilizarem algum tipo de linguagem, mostram que a conseguem utilizar; no entanto, ela não está desenvolvida. Logo, sendo um problema do desenvolvimento da linguagem, depreende-se que os autistas não veem utilidade na sua utilização. Mesmo assim, muitos entendem o que lhes é dito e muitos apresentam boas capacidades linguísticas (Guillberg, 2005).
O que se observa é que boas capacidades linguísticas não são sinónimo de boa interacção social.
Socialização
As crianças com TEA apresentam curiosidade pelo meio circundante, e tentam interagir com outras crianças. No entanto, a maior parte das vezes não sabem como lidar e socializar com o grupo de pares, são parcos na percepção da comunicação não verbal, uma vez que lhes é difícil interpretar expressões faciais, nomeadamente as emoções (Fontes, 2009). Quando solicitadas a participar num jogo com os colegas de escola, podem entrar em pânico. Participando, demonstram tendência a impor suas próprias regras (Szatmari, Archer, Fisman, Streiner & Wilson, 1989). Não têm consciência das regras de comportamento social. As pessoas com TEA são capazes de dizer ou fazer coisas que podem ofender os outros; podem parar a meio de uma conversa para dizer que "os dentes de uma pessoa estão tortos" (Martins, Fernandes & Palha, 2000). No entanto, a criança com TEA, quando interioriza os códigos de conduta social, cumpre-os na totalidade, por vezes de forma exagerada. Quando muito pequenos, esses indivíduos parecem não se incomodar com a falta de interação social; à medida que crescem vão se adaptando ao meio circundante e, paulatinamente, apercebem-se que são postos de parte, o que lhes causa um grande sofrimento (Williams, 1995).
Comportamento
A organização mental desses sujeitos parece demonstrar uma definição de pergunta muito própria. Aparentemente, fazem perguntas para as quais já definiram uma resposta; apenas perguntam como que a tentar validar ou confirmar a resposta que encontraram, logo não demonstram entender o principal objectivo de fazer perguntas, que é o de obter novas informações (Gillberg, 2005). Fazer perguntas é fundamental para o processo cognitivo.
Apresentam um conjunto de tópicos de interesse sobre os quais podem falar exaustivamente sem se cansar, o que para o interlocutor é extremamente cansativo. O que não estiver incluído nesse conjunto de tópicos, ou não for considerado relacionado ou relevante para o desenvolvimento deles, é considerado informação desnecessária; logo, não há interesse em falar sobre isso, critério esse completamente independente do contexto social de cada situação específica (Attwood, 1998). O próprio contexto social é considerado irrelevante em sua organização mental de socialização.
Seu comportamento também é geralmente muito peculiar, normalmente apelidado de "bizarro", exatamente por não ser convencional. A existência das estereotipias associadas à não relevância das convenções sociais levam a que esse comportamento seja mal visto e mal interpretado, considerado inapropriado e muitas vezes julgado como falta de educação.
Apresentam uma rigidez notável na organização de rotinas diárias, tentando a todo custo mantê-las, e uma reacção negativa exagerada quando elas são alteradas, podendo mesmo muitas vezes provocar episódios disruptivos quando elas acontecem sem aviso prévio (Guillberg, 2005). A ideia que a generalidade das pessoas tem sobre o comportamento "naturalmente" considerado adequado, que supostamente toda a gente tem como dado adquirido e que leva a uma não aceitação, compreensão ou justificação de tais atitudes, em nada altera a realidade de que essas rotinas são uma necessidade e não uma opção pessoal. Tentar "impor" um comportamento social adequado apenas porque já se devia saber, uma vez que toda a gente faz assim, só propicia desconforto, desequilíbrio e sofrimento. O estabelecimento de rotinas parece ser imposto pelos próprios sujeitos, de modo a terem uma vida mais previsível, ordenada, evitando novidades e incertezas, diminuindo, assim, a ansiedade daí resultante (Fontes, 2009).
Neurofisiologia TEA
O estudo da estrutura cerebral do autismo tem revelado resultados muito interessantes, que podem claramente estar associados às características particulares verificadas no TEA.
Estudos indicam uma superprodução de sinapses durante o desenvolvimento e uma possível incapacidade de interromper sinapses não funcionais. O desenvolvimento normal de todos os cérebros envolve uma fase de superprodução de sinapses que, por volta dos 18 meses, passam por um processo de apoptose, no qual as sinapses não funcionais são eliminadas. No entanto, parece que, nas crianças com autismo, tal processo não se verifica. (Bayley et al., 1998; Gillberg & Souza, 2002).
Já estão identificadas diversas áreas do cérebro que apresentam alterações visíveis no TEA: o tronco cerebral - uma em cada duas pessoas do TEA apresenta alterações importantes no tronco cerebral -; o cerebelo; a amígdala, o giro fusiforme e as áreas frontotemporais. Importantes estudos realizados mediante a utilização de neuroimagem post-mortem mostram que a amígdala e o giro fusiforme, áreas frontotemporais, podem muito possivelmente ser relevantes para a compreensão do funcionamento TEA (Gillberg & Coleman, 2000; Coleman, 2005; Bauman, 1994).
Essas informações são indispensáveis para que as pessoas compreendam o que está por trás do autismo, especialmente aquelas que estão diretamente relacionadas e que têm de lidar com ele. Essas características cerebrais afetam a capacidade de metacompreensão, o que faz com que essas pessoas tenham muito mais dificuldades nas relações e interações sociais. Por exemplo, as alterações no giro fusiforme ajudam a entender a escassez de contacto ocular, que pode não ser intencional, isto é, esses sujeitos "evitam" olhar nos olhos das pessoas não porque o desejam mas sim porque a autoprogramação do seu cérebro faz com que seu foco esteja numa direção diferente daquela considerada "normal" ou adequada. A visão está focada na zona entre o nariz e a boca. Outra questão importante é a da interpretação de expressões faciais. Uma vez que esses cérebros estão organizados para processar perceções de uma forma diferente, a interpretação e reconhecimento das expressões faciais que ocorrem normalmente por meio do olhar não se dão da mesma forma. Assim, as pessoas com TEA enfrentam muitas dificuldades nessas situações (Gillberg, 2005).
A existência já comprovada de neurónios em espelho pode estar relacionada com falhas ao nível do pensamento associado ao processo de socialização (Williams, Whiten, Suddendorf & Perrett, 2001).
Outra característica identificada no TEA é o percurso do particular para o geral (Guillberg, 2005), isto é, o raciocínio indutivo. Isso acontece devido à afetação da capacidade de coerência central. Esses sujeitos tendem a focar-se em pequenos detalhes das situações que enfrentam e fazem suas construções mentais a partir dessa informação. Uma das grandes vantagens que pode advir dessa construção mental é o facto que, a partir do momento em que essas informações forem corretamente associadas e fizerem sentido, isso permitirá um conhecimento e interpretação da situação muito mais detalhada, complexa e possivelmente mais eficaz (Guilberg, 2005).
Num nível mais profundo, poderíamos pensar em uma complexificação abdutiva para esses sujeitos, ou seja, de ligar elementos aparentemente diferentes da realidade, como captar o sentido de uma metáfora, por exemplo. Ao apostar na faculdade de neuroplasticidade, vamos propor atividades poéticas que mobilizem esses sujeitos no sentido de fazer relações lógicas, provocando um trabalho neuronal e cognitivo.
Neste momento, graças aos estudos realizados, podemos definir algumas variantes biológicas do TEA, que pode estar relacionado com alterações precoces no tronco cerebral e no cerebelo, com alterações significativas no desenvolvimento do lobo temporal bilateral durante a gestação ou com danos cerebrais múltiplos e simultâneos (Gillberg, 2005).
Auto-organização e Neuroplasticidade
Uma das principais e mais benéficas características reconhecidas e estudadas no cérebro humano é a plasticidade cerebral, que dá ao cérebro uma grande flexibilidade de organização, assim como permite ao ser humano desenvolver sua cognição. Essa é uma capacidade que, apesar de naturalmente progredir inversamente à idade, não desparece totalmente em nenhuma fase da vida, pelo que qualquer pessoa é capaz de aprender e desenvolver-se em qualquer altura da sua vida.
Maturana e Varela (2001) afirmam que qualquer ser que possua um sistema nervoso possui também a capacidade da plasticidade e que não se conhece nenhum organismo possuidor de sistema nervoso que não apresente plasticidade.
Está estudado e comprovado que a actividade cerebral é diretamente afetada não só pelas experiências de vida de cada um (Rotta, Ohlweiler & Riesgo, 2006) como, também, pelas emoções sentidas na vivência dessas experiências. Indiretamente, a reconhecida e infindável insatisfação inerente ao ser humano e sua permanente necessidade de buscar mais e melhor na procura da felicidade comprovam também a plasticidade cerebral, pois só ela permite a capacidade de que todas as pessoas necessitam de se conseguir permanentemente adaptar a novas circunstâncias e mudanças da vida, sejam elas superficiais e simples, sejam profundas ou complexas. Tal capacidade de adaptação implica em ser capaz de aprender com as experiências de vida. Damásio (2004) evidencia o papel fundamental da plasticidade cerebral nesse processo de aprendizagem e, consequentemente, de adaptação.
Damásio (2001) reforça também o papel das emoções nesse processo, pois elas intensificam as experiências, aumentando sua importância e reforçando toda a aprendizagem que dela decorre.
O cérebro no TEA, como qualquer outro, dispõe desta plasticidade, que acreditamos ter um papel fundamental no processo de adaptação e desenvolvimento social. Este é único, individual e cada um o faz da sua maneira, é pessoal e irreplicável.
A maioria das abordagens sobre o autismo estão muito centradas na procura da cura do autismo como "doença" e pouco focadas na compreensão, desenvolvimento e autoconstrução (autopoiesis) das pessoas com TEA, desconsiderando sua essência e subjetividade individual e irrepetível. Destratam a capacidade humana de construção pessoal que as pessoas com TEA têm como qualquer outro ser humano.
O que acabamos de expressar foi mais focado na auto-organização, que é um processo dependente da neuroplasticidade, pois os processos de autoprodução dos seres humanos são sempre transformadores. Passamos agora a refletir sobre a neuroplasticidade.
A neuroplasticidade foi detetada no século XIX pelo médico espanhol Santiago Ramon y Cajal, como também por Sigmund Freud, na mesma época. Ramon y Cajal foi um pioneiro num contexto científico positivista marcado pela estabilidade. Suas intuições de que o cérebro se reconfigura constantemente e que os neurónios cresciam em tamanho e número de dendritos e conexões a partir das experiências dos usuários revolucionaram a neurologia. Essas intuições foram constituindo o corpus teórico da neuroplasticidade.
Freud, por sua vez, também teve intuições geniais em neurologia, de maneira complexa porque articulada com a Psicanálise. No "Projeto para uma psicologia científica" (Freud, 1950), ele tomou anotações de próprio punho de 1895 numa tentativa de entender o funcionamento do cérebro a partir de seus elementos constituintes, os neurónios e sua relação com a experiência e o inconsciente.
Nesse momento de seu percurso pessoal, Freud tentava compreender o fluxo de energia que intuía fluir no cérebro, "como estados quantitativamente determinados de partículas materiais especificáveis, tornando assim esses processos claros e livres de contradição" (Freud, 1950, p. 1), chamando "Q" aquilo que distingue repouso de atividade e tomando neurônios como partículas materiais.
Atualmente, os estudos sobre neuroplasticidade atingiram um estado de grande consistência. Depois de examinar vários casos de pesquisa, Nicolelis afirma: "A conclusão era inescapável: o cérebro dos mamíferos havia nascido para ser plástico" (Nicolelis, 2011, p. 113).
Com essa atitude em relação à capacidade transformadora do cérebro estamos, portanto, situados num novo paradigma do devir e não da estabilidade. Pensar na potencialidade de um cérebro que se transforma o tempo todo era impensável para a ciência moderna. Norman Doigde escreve sobre o cérebro plástico: "Por quatrocentos anos este empreendimento foi considerado inconcebível, porque a medicina e a ciência dominantes acreditavam que a anatomia do cérebro era imutável." (Doigde, 2011, p. 11)
Foi pensando nessas potencialidades cerebrais - "um cérebro danificado pode se reorganizar" (Doigde, 2011, p. 13) - que nos lançamos com muita energia neste projeto.
Por que uma plataforma Complexa?
Construção do eu social
Tendo em vista o pressuposto ontoepistêmico seminal da complexidade de que conhecer é aprender a viver, colocando como inseparáveis cognição e ontogênese, consideramos inadequadas as abordagens que separam essas dimensões da realidade humana. Tais abordagens dificultam a construção social de qualquer ser humano. Cada um de nós vive num universo singular e vai-se acoplando com o contexto circundante no fluir da vida, criando realidade. A cultura ocidental acredita na adaptação a um mundo pronto. Isso é uma ilusão que vai contra a condição humana da auto-organização. Numa sociedade onde impera a hipocrisia social, viver em sociedade requer representar um personagem respeitador das regras e normas socais preestabelecidas e impostas, o que implica muitas vezes as pessoas serem o que não são.
Segundo Wing (1981), os indivíduos com autismo vivem em nosso mundo mas à sua maneira, apresentando uma forma de comunicação e linguagem sui generis, pois apresentam dificuldade nos relacionamentos sociais, na compreensão das convenções sociais e da expressão afetiva das outras pessoas. Parecem falhar no entendimento das relações humanas e regras de convívio social; são ingénuos e eminentemente carentes de senso comum (Klin, 2006). No caso de sujeitos diagnosticados com TEA (Transtornos do Espectro Autista), uma abordagem fragmentada é ainda mais dramática pois sua incapacidade de representar causa angústia e sofrimento.
Autoconsciência e Autorreflexividade
A autoconsciência, apesar de muito importante no processo de autoconstrução humana, foi durante muito tempo abordada apenas pela filosofia e pelas neurociências.
As referências ainda hoje utilizadas estão profundamente arraigadas às teorias cognitivista e construtivista, de Descartes (1637) e Wittgenstein (1958) respetivamente.
O cognitivismo define autoconsciência como uma capacidade inata de obter um conhecimento singular, indubitável, inalterável e apenas acessível ao próprio do seu "eu" interior, sobre o qual são feitas descrições acerca dos estados psicológicos internos.
Já para o construtivismo, a autoconsciência é definida como um conjunto de declarações sobre o conhecimento do "eu" interior, diferindo da definição cognitivista na medida em que essas declarações são alteradas mediante a aprendizagem social que decorre ao longo da vida de cada indivíduo.
Do construto cognitivista surgiu a Teoria da mente (Frith & Happé, 1999), que, ao considerar um défice cognitivo e uma incapacidade autorreflexiva nos sujeitos com TEA, entende que eles não possuem a capacidade de autoconsciência. Segundo Dahlgren e Trillingsgaard (1996), o modelo da Teoria da Mente tem suas limitações para explicar o autismo. Segundo esses autores, dependendo do grau de autismo, certas crianças do espectro apresentam jogo simbólico, o que implica autoconsciência.
Por seu lado, Hobson, Chidambi, Lee e Meyer (2006), seguindo o construtivismo, defendem que as dificuldades existentes no desenvolvimento da autoconsciência advêm dos prejuízos do autismo verificados no relacionamento social.
Uma pessoa com autismo tem muita dificuldade em narrar-se a si própria, em dizer "eu" a si mesma, há uma restrição importante na construção de uma autoconsciência reflexiva. A cultura dicotómica de separar mundo interno de mundo externo aprofunda ainda mais essa dificuldade. As abordagens referidas prestam pouca atenção às questões de subjetividade dos sujeitos autistas. Essa nova abordagem, por seu lado, valida e reforça a capacidade autocriadora de self inerente a cada ser humano, incluindo os do TEA, e a permanente relação e interação sujeito/sociedade, em que cada um, subjetivamente, se autoconstrói pessoal e socialmente, num processo complexo, único, rico e irreplicável.
Sublinhamos, as práticas de repetições e reforços só aprofundam as dificuldades dessas pessoas, como estereotipias e ecolalias, o que faz com que a capacidade neuroplástica fique bloqueada. Tais práticas focam-se nas dificuldades, deixando em segundo plano as capacidades desses sujeitos, ignorando descobertas seminais das neurociências em termos de auto-organização e neuroplasticidade.
Uma plataforma digital
A constituição dos seres vivos, segundo a Biologia da Cognição, vai-se dando no acoplamento com o meio, no qual sujeito e meio se modificam em reconfigurações constantes a cada desafio (perturbações). Daí nossa insistência em atitudes desafiadoras. Maturana e Varela (1980) chamaram isso de "acoplamento estrutural". Quando esse acoplamento é realizado por meio de um objeto técnico, existe a possibilidade de que o processo de aprendizagem seja potenciado. Entra aí a questão da neuroplasticidade. Alguns pesquisadores começam a pensar nessa direção e preocupam-se com o desenho de ferramentas informáticas que incorporem os princípios de recursividade da Segunda Cibernética e que contemplem nesse desenho uma dimensão ôntica, como é o caso das pesquisas de F. Flores e T. Winograd (1989). Dizem eles: "A criação de um novo dispositivo ou domínio sistemático pode ter uma significação de grande alcance; pode criar novas maneiras de ser que não existiam previamente e um fundo para ações que anteriormente não faziam sentido." (Flores & Winograd, 1989, p. 235)
Quanto ao sistema háptico envolvido, as operações cognitivas causadas pelo toque da ponta dos dedos podem levar a configurações neurofisiológicas, ativando regiões do cérebro até então menos ativas. Para o neurocientista António Damásio, o tato discriminativo é uma forma de elaborar o conhecimento do mundo exterior:
Seus sinais refletem as alterações sofridas na pele por sensores especializados, quando temos contato com outro objeto e investigamos sua textura, sua forma, seu peso, sua temperatura, etc. Enquanto a divisão do meio interno e das vísceras se ocupa em grande medida da descrição dos estados internos, a divisão do tato discriminativo se dedica sobretudo à descrição de objetos externos com base nos sinais gerados na superfície do corpo. (Damásio, 2000, p. 200).
Os gestos de uma criança diante do computador envolvem o teclar e, aqui, temos um teclado como intermediário entre o dedo e o objeto. Já quando está diante do iPad, temos o toque direto na tela, o que poderá trazer implicações neurofisiológicas. No caso das crianças autistas, conforme tem sido amplamente divulgado na literatura especializada, essas têm, paradoxalmente, dificuldade em serem tocadas por outros humanos, e uma grande necessidade de toque (Ryan, 1992).
Questões, objetivos e pressupostos
Partindo desses elementos básicos, perguntamos: como desenvolver uma plataforma digital baseada nos pressupostos complexos, concebida de tal forma que os usuários se sintam autores do que aprendem e de si mesmos, pelos seus processos metacognitivos, de autoreconhecimento e autovalidação?
Esta é nossa questão e nossa tarefa central no trabalho a que nos propusemos. Isso implica um processo de construção com uma arquitetura teórica e uma operacionalidade muito bem engendradas, permeadas por um conceito complexo de cognição no qual o sujeito cognitivo não está separado daquilo que conhece, de tal forma que tal plataforma possa dar conta dos seguintes objetivos complexos (O), partindo dos pressupostos (P):
(O1) juntar as dimensões separadas da realidade que são comuns no processo educativo em geral;
(O2) construir um ambiente de autoria, de constituição de subjetividades autónomas no qual os sujeitos se sintam muito bem, proporcionando uma escuta de si mesmos;
(O3) constituir um espaço de autonarrativas que pode ser não somente verbal mas corporal ou mediada por um objeto técnico;
(O4) proporcionar uma interação sujeito/máquina que leve à mobilização cognitiva/ontogênica;
(O5) criar um ambiente holístico no qual o sujeito se sinta parte do universo ao trazer os elementos terra, ar, fogo e água;
(O6) contemplar a demanda de auto-organização de cada pessoa ao colocar situações de perturbação, de tal forma que esses sujeitos aprendam a viver no fluxo vital transitando do caos à ordem;
(O7) trabalhar com uma concepção de cognição como inseparável do viver e com uma concepção de aprendizagem sem representação ou adaptativa, mas de acoplamento;
(O8) criar um aplicativo (app) de relaxamento (yoga, meditação, música, respiração, mandalas) como formas de integração consigo mesmo a partir da consciência corporal.
Estes objetivos têm por base os pressupostos que se enunciam em seguida.
(P1) Os seres humanos diagnosticados com TEA são dotados de um cérebro complexo com condições de auto-organização e neuroplasticidade. Portanto, podem achar outros caminhos neuronais, ao se acoplarem com a tecnologia, afastando-se dos impedimentos causados por problemas genéticos.
(P2) Esses seres humanos são autopoiéticos, ou seja, têm a condição biológica de se construir a si mesmos como seres autores de sua própria vida, desde que lhes seja oferecido ambiente propício.
(P3) A tecnologia permite construir esse ambiente provocador da construção de cognição/subjetivação, porque ela potencializa as capacidades humanas.
(P4) Um ambiente digital rico em funcionalidades pode ser um instrumento cognitivo-ontogênico poderoso.
(P5) Um jogo que envolva autossuperação, uma selfie no telemóvel (celular) ou um vídeo onde narre sua própria vida são instrumentos cognitivo-ontogênicos potentes.
Consideramos que esta plataforma, em sua construção complexa, permitirá uma nova via de comunicação com os sujeitos com TEA e que os frutos dessa comunicação poderão ser muito úteis para a compreensão dos seus mundos, pois, como em qualquer situação, só compreendendo se pode efetivamente ajudar e construir.
Perspetivas finais
O estudo realizado com tecnologia touch (iPad) e crianças com TEA (Pellanda & Demoly, 2014) revelou-se muito positivo, pois pudemos observar momentos únicos com demonstrações emocionais claras e concretas (como abraços), o desenvolvimento da comunicação verbal, demonstrações claras de interesse e envolvimento social. Parecia que essa ferramenta fora feita à sua medida, apesar das limitações do software utilizado.
Temos a firme convicção que, com esta nova plataforma digital, poderemos dar um forte contributo aos sujeitos com TEA no desenvolvimento de suas capacidades de autopoiesis, autoconstrução pessoal e social, respeitando sempre seus ritmos, sua liberdade autocriadora e auto-organizadora, sem necessidade de recorrer às restrições impostas por abordagens rígidas.
Considerando o estado presente das abordagens utilizadas com as pessoas com TEA, os problemas que elas ainda não conseguem solucionar, sua desatualização face ao desenvolvimento das perspetivas sociais e novas descobertas no campo das neurociências, nomeadamente no que respeita ao TEA, pensamos que esta nova abordagem complexa abrirá novos caminhos rumo ao objetivo último, que é o de compreender e ajudar os sujeitos com TEA a partilhar e superar suas dificuldades, que tanto sofrimento causam, não só a eles mas a todos aqueles que com eles interagem e com eles se preocupam.
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Recebido em 10 de fevereiro de 2018
Aceito para publicação em 11 de junho de 2018
No Brasil, esta pesquisa é abrigada no GAIA/UNISC e apoiada pelo CNPq e pela FAPERGS.
Em Portugal, este trabalho é financiado pelo CIEd (Centro de Investigação em Educação), projeto UID/CED/01661/2019, do Instituto de Educação da Universidade do Minho, por meio de fundos nacionais da FCT/MCTES-PT.