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Journal of Human Growth and Development
versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598
Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.17 n.2 São Paulo ago. 2007
PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ORIGINAL
Sexualidade e procriação na ótica de jovens de periferias sociais e urbanas
Sexuality and procreation according to youths from social and urban peripheries
Alberto Olavo Advincula ReisI; Nancy Ramacciotti de Oliveira-MonteiroII
IDepartamento Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - USP. e-mail: albereis@usp.br
IIUniversidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Baixada Santista. e-mail: nancy.ramaccciotti@unifesp.br
RESUMO
Trata-se de uma investigação com jovens de 14 a 19 anos, moradores de favela, participantes de um projeto de iniciação artística na região de Santo André, São Paulo. Relatos de não ocorrência de casos de gravidez entre os participantes do projeto constituíram um evento a ser investigado. Foi proposto um levantamento, por meio de questionários, dos aspectos da vida sexual e reprodutiva dessa população. Foram aplicados, sob condição controlada, 100 questionários. As respostas foram organizadas de acordo com alguns indicadores: fontes de informação sobre sexualidade, idade de iniciação de relações sexuais, utilização de contraceptivos, motivos para engravidar, idade ideal para a primeira maternidade. Dentre os resultados, destaca-se que para a totalidade dos jovens a melhor idade para se ter um filho não é durante a adolescência, sendo as carências um dos principais motivos para uma jovem engravidar. Fenômenos associados ao tráfico e uso de drogas, à violência, ao aumento de procriação de adolescentes acontecem, sobretudo, em contextos de pobreza aliados às expectativas da sociedade não pobre. Assim, tais fenômenos, particularmente, a maternidade na adolescência podem ser compreendidos como alternativas possíveis encontradas por essa juventude. Tais alternativas estariam relacionadas a auto-percepções fracassadas diante de modelos colocados fora de alcance. Assim, a não ocorrência de gravidez nos jovens inseridos no projeto cultural investigado explicar-se-ia pelo fato de se alocar nesse espaço cultural condições que atenderiam muitas das expectativas dos jovens em termos de diversão, construção de projetos, trocas interpessoais, elaboração de valores, sentido de pertinência pessoal e social, possibilidade de trabalho.
Palavras-chave: Gravidez na adolescência. Exclusão social. Construção de valores. Sexualidade na adolescência. Perspectiva de vida.
ABSTRACT
This study was conducted with youngsters (14 to 19 years of age) who lived in a slum area of the city of Santo André (São Paulo, Brazil). They were participating in a project of artistic initiation, and the absence of pregnancies among the enrolled students constituted an event to be investigated. Data were obtained by means of a questionnaire (N=100), applied in a controlled situation, aiming to learn about some aspects of the subjects sexual and reproductive lives. The answers were classified into indicators: sources of information about sexuality, age of first sexual intercourse, use of contraceptives, reasons for getting pregnant, ideal age to have the first child. Results showed that, for all the subjects, the best age to have a child is not during adolescence. When this happens, it is mainly due to poverty and lack of opportunity. Therefore, events such as drug use and traffic, violence and higher frequencies of pregnancy in adolescence seem to be related to contexts of poverty and to expectations of privileged social groups. Particularly, adolescent maternity can be understood as an alternative to deal with models that cannot be reached and, implicitly, as a result of negative self-perception. In this sense, the absence of adolescent pregnancy among the youths participating in the artistic initiation project can be explained by the fact that it was a cultural setting that offered favorable conditions in terms of leisure, project construction, interpersonal exchange, and elaboration of values. It also provided a sense of personal and social pertinence, as well as the idea that work possibilities were being opened.
Keywords: Pregnancy in adolescence. Social exclusion. Youths sexuality. Value construction. Life perspectives.
INTRODUÇÃO
Desde as últimas décadas do século XX, grandes centros urbanos brasileiros vêm apresentando o crescimento do fenômeno de uma criminalidade especificamente ligada ao tráfico de entorpecentes, em nível de crime organizado. Trata-se de uma forma de contravenção que movimenta muitas forças de corrupção, de poder e de capital. Há nos bairros de periferia das grandes cidades, principalmente nas regiões de favelas, territórios com normas e fronteiras próprias ditadas por lideranças desse tráfico. É nesses territórios que habita grande parte da pobreza urbana. Ali, no cotidiano, a juventude é cercada pela dimensão do mundo das drogas e tem riscos de envolvimento com ele, seja no trabalho com o tráfico, o uso abusivo ou a vitimização.
As maiores preocupações sociais referentes à juventude pobre e urbana brasileira vêm se referindo a esses riscos, que se relacionam com os perigos da exclusão, da desqualificação social, da criminalidade e da morte.
Da mesma forma que os índices de mortalidade dos jovens do sexo masculino são maiores nessas populações pobres e periféricas, as taxas de nascimento de filhos de mães adolescentes pobres são também mais expressivas. Políticas ou discursos sociais voltados a adolescentes homens acabam se concentrando nas temáticas da violência, enquanto que para as adolescentes mulheres, vêm focalizando o fenômeno da expansão da gravidez, tida como precoce.
Neste artigo procuramos refletir sobre algumas dessas temáticas próprias de adolescentes pobres de grandes centros urbanos, a partir dos resultados de uma investigação com jovens moradores de favelas que enfatizou questões relacionadas à procriação e sexualidade. Esses jovens participavam de um projeto de iniciação artística em percussão, dança e canto, numa região de favelas de Santo André, município do estado de São Paulo. Segundo a coordenação do projeto onde foi realizada a pesquisa, desde sua criação até 2002, época do levantamento do campo do estudo que aqui referimos, não havia casos de gravidez entre mais de 130 jovens participantes, em quase dois anos de atividade. Este fato despertou nosso interesse de investigação, já que aqueles eram jovens pertencentes a estratos sociais onde a gravidez na adolescência é um fenômeno freqüente - os extratos das periferias sociais e urbanas de cidades de grande porte. Em nossos estudos anteriores1- 4 surgiram indicadores de que adolescentes pobres grávidas e mães, inseridas nas condições de periferia social e urbana, têm grandes dificuldades de inserção institucional, seja em escolas, creches, espaços culturais ou comunitários, resolvemos indagar então se a inserção num projeto cultural com aquelas características poderia ter relação com aspectos de disposição ou disponibilidade para engravidar - mesmo que possuíssemos um pressuposto de que adolescentes grávidas ou mães pobres não participassem de propostas culturais como era aquela.
Sobre a região e o projeto
A região do Jardim Santo André, situado no município de Santo André (SP), a 20 km do centro da cidade de São Paulo (capital) era constituída por seis núcleos de favelas: Dominicanos, Lamartine, Cruzado, Campineiros, Toledanos e Missionários, habitados por cerca de seis mil famílias, segundo levantamento realizado pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo - CDHU, em 1998. A região era tida como uma das mais violentas do município. No final da década de 1990, estimava-se que existia um contingente de 35 mil pessoas morando na área, das quais aproximadamente 10 mil eram crianças e adolescentes que se encontravam em situação de vulnerabilidade e de riscos pessoais e sociais graves, em decorrência das precárias condições de moradia, saúde, educação, difícil acesso à cultura, esporte, lazer e exposição às mais diversas formas de violência. Os serviços públicos disponíveis eram considerados insuficientes para atender à demanda da região.
Em cada um dos seis núcleos de favela do Jardim Santo André, havia uma associação comunitária constituída por lideranças locais. Mantido por uma dessas associações, por um sindicato, uma ONG, e parcerias da iniciativa pública e privada, o projeto cultural foi implantado na região do Jardim Santo André, em julho de 2000. Tratava-se de um projeto de atividades artísticas, culturais e profissionalizantes destinado a crianças, adolescentes e jovens moradores dos núcleos de favela daquela região e que se encontram em condições de vida especialmente difíceis. Eles estavam expostos às diversas formas de violência, especialmente ao uso abusivo e tráfico de drogas, à exploração do trabalho e prostituição infanto-juvenil, à vivência de rua, e à gravidez "precoce". Inicialmente, o projeto voltava-se para atendimento de uma faixa etária de sete a 18 anos. Em 2002, a partir da grande procura, já havia uma ampliação de atendimento para a faixa de cinco a 25 anos de idade.
A proposta fundamental do projeto era atrair crianças, adolescentes e jovens, oferecendo-lhes a oportunidade de participarem de atividades artísticas e culturais nos horários alternativos aos da escola, buscando um incentivo à descoberta de seus potenciais criativos. O recurso pedagógico utilizado foi uma metodologia que reproduzia o estilo musical do Grupo Cultural Olodum, da Bahia, nascido de raízes musicais africanas. A atividade tinha potencial para iniciar crianças no mundo da musicalidade, podendo também preparar profissionalmente adolescentes e jovens que demonstrassem maiores habilidades nas modalidades artísticas de percussão, dança e canto para se tornarem educadores/multiplicadores da tecnologia musical e estilo próprio criado pelo Grupo Olodum. Além disso, o projeto pretendia ser um incentivo à permanência e ao sucesso escolar, uma vez que a freqüência escolar seria acompanhada e monitorada pelos educadores.
Da Bahia, foram trazidos dois artistas do Olodum, com formação específica nessa área e com experiência de vida semelhante à dos meninos e meninas atendidos pelo projeto. Esperava-se que esse fosse um elemento facilitador na formação de vínculos entre educadores e educandos e na concepção de "modelos" possíveis de serem seguidos por eles, através de um processo de identificação e proximidade afetiva.
As modalidades de ações profissionalizantes do projeto eram apresentadas primeiramente como um espaço de incentivo ao despertar da criatividade e da capacidade de produção artística, que posteriormente poderiam se transformar em atividades de educação e formação profissional.
Um relatório de dezembro de 2001 sobre o projeto, confeccionado principalmente a partir das fichas de inscrição, mostrava que a grande maioria dos participantes encontrava-se na faixa etária entre 12 e 18 anos de idade. No ingresso, cerca de 90% deles estavam fora da escola formal. Aproximadamente 50% eram oriundos de famílias que se encontram em situação de risco social, principalmente pelos motivos de: desemprego, violência doméstica, dependência química, fome e condições precárias de habitação. Grande parte deles tinha ingressado precocemente no mundo do trabalho (abandonando a escola), como recurso para a complementação de renda familiar. Alguns haviam se tornado moradores de rua, e alguns haviam cometido infrações, leves ou graves.
Após um ano de meio da implantação, com mais de 130 participantes, o projeto cultural possuía três bandas: uma feminina, uma masculina, ambas para iniciação, e uma banda-show que era mista e profissionalizante. Para participar da banda show do projeto, a criança, o adolescente ou o jovem deveria obrigatoriamente estar freqüentando a escola; no entanto, para entrada no projeto, essa condição não era exigida. O acompanhamento desse quesito era rigoroso.
Segundo a coordenação do projeto, nas reuniões realizadas mensalmente com as mães, pais e familiares, ocorriam relatos referentes às mudanças de comportamento de alguns meninos e meninas com relação aos cuidados com a aparência, a diminuição do grau de agressividade (de alguns) nas relações familiares, o compromisso com a assiduidade no projeto e principalmente no surgimento do sonho de se tornarem artistas. Por exemplo, em julho de 2002, com dois anos de existência, o projeto tinha como madrinha a artista Carla Perez, na época dançarina famosa.
No começo de 2002, o projeto cultural atendia cerca de 150 meninos, meninas, adolescentes e jovens. O projeto já realizara mais de 30 apresentações em eventos culturais, artísticos e beneficentes nas cidades de Santo André, São Bernardo, Santos e São Paulo. Nesses eventos, comumente, cobrava-se como ingresso um alimento não perecível que era revertido em cestas básicas para as famílias das crianças e dos jovens participantes.
Sobre os questionários
O relato da pouca ou não ocorrência de casos de gravidez na adolescência em participantes do projeto cultural, pareceu-nos um evento - ou uma hipótese de evento - a ser pesquisado. Para isso, foi proposto um levantamento, através de questionários, sobre dados acerca de aspectos de vida sexual, com ênfase em temas relacionados à procriação.
A formulação de várias perguntas do questionário, em especial as mais diretamente relacionadas à procriação, foi baseada em elementos de conteúdo e linguagem do próprio universo de percepções e narrativas de adolescentes pesquisadas em nossos estudos anteriores sobre gravidez e maternidade de adolescentes pobres.
Entre julho e agosto de 2002, foram aplicados 100 questionários com participantes do projeto cultural, maiores de 12 anos e menores de 20 anos, que já freqüentavam o projeto há pelo menos um mês. O encontro dos adolescentes e jovens nessas condições da pesquisa foi intermediado e articulado pela coordenadora do projeto e por um dos educadores das bandas. A aplicação ocorreu de forma individual, realizada pela pesquisadora, pela coordenadora e por um educador (após treinamento).
Resultados dos questionários
O grupo pesquisado
Foram aplicados questionários com 100 participantes do projeto cultural. O grupo pesquisado tinha idades entre 12 e 19 anos de idade, cada faixa etária correspondendo praticamente a 13% da população total dos participantes, com exceção das faixas etárias de 14 e 19 anos representando respectivamente 16% e 6%. No que diz respeito à distribuição por sexo, tinha-se que 65 de seus integrantes eram do sexo feminino e 35 do masculino.
As principais referências de fontes de informação acerca de sexualidade
A pergunta do questionário que sondava sobre as principais fontes de informação sobre a temática sexual incluía itens de sondagem sobre: fontes familiares, de adultos (pais, tios, avós) ou de crianças e jovens (irmãos, primos), colegas, fontes da mídia (televisão, revistas) e escola. Os entrevistados podiam escolher quantas alternativas quisessem para essa resposta, de forma que todas as fontes podiam ser assinaladas. Assim, os percentuais acerca das escolhas referem-se ao total dos itens escolhidos, e não ao total de entrevistados.
A Tabela 1 indica as principais fontes de informação referidas quanto à temática sexual.
A iniciação sexual e o uso de preservativos (contraceptivo)
No que se refere à "iniciação sexual" do conjunto das adolescentes pesquisadas, 62% referiram já ter tido relação sexual contra 38% que não o fizeram. Contudo, como se era de esperar, dentre as jovens de 12 a 15 anos, apenas 42% disseram ter já tido relações sexuais contra 58%. Há de se indicar que 82% das jovens que declararam ter tido relação sexual a tiveram antes dos 14 anos de idade.
No sub-grupo das adolescentes de 16 a 19 anos, 89% afirmaram já terem iniciado a vida sexual.
No grupo dos adolescentes masculinos 60% declararam ter tido relação sexual contra 40% que disseram não terem ainda iniciado sua vida sexual relacional. Não havendo, consequentemente, diferença entre o grupo de jovens do sexo feminino e o de adolescentes homens. Contudo, o que é bastante diferenciado é a idade em que se dá a iniciação sexual, uma vez que 72% dos adolescentes masculinos de 12 a 15 anos disseram já terem tido relações sexuais, mostrando uma precocidade maior entre os jovens de sexo masculino. No sub-grupo de adolescentes homens de 16 a 19 anos 94% afirmaram já terem iniciado sua vida sexual.
No que tange à utilização de método contraceptivo com uso de preservativo chama atenção o fato de que, para a população de jovens investigada, 86% dos homens declararam ter feito uso de preservativo na primeira relação sexual ao passo que entre as mulheres apenas 57% utilizaram tal método (uso de camisinha por parte do parceiro).
Os motivos referidos para uma adolescente engravidar
As tabelas 2 e 3 mostram os indicadores acerca dos motivos referidos, nos sub-grupos masculino e feminino, sobre o que levaria uma adolescente a engravidar. A pergunta 7 do questionário propunha uma múltipla escolha, com possibilidade de múltiplas respostas para o (s) motivo (s) que o entrevistado considerasse importante (s).
A tabela 4 mostra os indicadores acerca dos motivos referidos como principais, nos sub-grupos masculino e feminino, com relação ao que levaria uma adolescente a engravidar.
A idade referida como melhor para se ter um primeiro filho
A totalidade dos adolescentes investigados, sem distinção de sexo e faixas subgrupos definidos por idade, considerou que a melhor idade para se ter um primeiro filho era acima dos 20 anos, com 68% das respostas, sendo que 23% responderam que era entre 19 e 20 anos. Apenas uma diminuta proporção, 2%, referiu ser 18 anos a idade ideal e 7% não souberam responder a melhor referiu no geral do grupo e nos sub-grupos feminino e masculino. No sub-grupo feminino, 73 % referiram ser acima de 20 anos o melhor período para se ter um primeiro filho sendo 20% disseram ser entre 19 e 20 anos e 5% não souberam responder. As respostas do sub-grupo masculino, com pequena variação, seguem a mesma tendência observada no feminino, uma vez que 68% dos seus componentes responderam ser acima dos 20 anos o melhor período para se ter um filho e 23% afirmaram ser entre os 19 e 20 anos e7% não souberam responder. Em ambos os sub-grupos apenas 2% afirmaram ser aos 18 anos.
Discussão dos resultados dos questionários
Para facilitar nossa expressão nas discussões dos resultados, denominaremos de meninas, as participantes do sexo feminino do grupo pesquisado, e de meninos, os do sexo masculino.
As principais referências de fontes de informação acerca da temática sexual indicaram menor influência do mundo adulto como fonte de informação ou de educação sexual. As fontes advindas dos colegas, primos e irmãos somaram 54% de todas as escolhas, enquanto as fontes de agentes familiares adultos somente perfizeram um total de 16% de todas as escolhas. Apenas 10% das respostas foram referentes às fontes da escola, para informações sobre sexualidade. Esse dado pode apontar que a escola não vem cumprindo papel pedagógico importante acerca das questões de sexualidade. Não se pode desprezar, no entanto, a condição de prejuízo escolar do grupo pesquisado, em se tratando de adolescentes e jovens pertencentes às periferias sociais e urbanas brasileiras.
Mais da metade do grupo, tanto de meninas (62%) quanto de meninos (60%), já haviam se iniciado sexualmente. Antes dos 16 anos, 42% das meninas e 28% dos meninos já haviam tido relação sexual, dados indicativos que as meninas iniciaram-se na vida sexual anteriormente aos meninos.
Todos os já iniciados, haviam tido sua primeira relação sexual antes dos 17 anos, com maior ocorrência nas idades de 13 e 14 anos, nas meninas, e de 14 anos, nos meninos.
O preservativo masculino (camisinha) foi o único método referido como utilizado na primeira relação sexual. Grande parte dos meninos (76%), como também mais da metade das meninas (57%), referiu ter feito uso desse método nessa primeira relação. Essa diferença pode indicar que foram mais os meninos do que as meninas que decidiram pelo uso da camisinha.
A não utilização de método na primeira relação sexual, contraceptivo e/ou para sexo seguro, teve indicadores de 24% nos meninos, e 43% nas meninas. Apesar de que quase metade delas não fez referência de uso de métodos contraceptivos, nenhuma das meninas pesquisadas referiu já ter engravidado, e também nenhum dos meninos referiu conhecimento de já ter engravidado alguma moça.
A respeito dos motivos referidos sobre o que levaria uma adolescente a engravidar, houve diferenças interessantes nos sub-grupos das meninas e dos meninos. Elas indicaram mais motivos como: vontade de ter a própria família, gostar de crianças, sentir-se só, e brigas e tristezas com a família. Já os meninos escolheram mais freqüentemente como indicação de motivos para a gravidez de uma adolescente: falta de opções de vida, falta de lazer e falta de oportunidades para estudar e trabalhar. Lembramos que o elenco de motivos propostos no questionário foi baseado nos resultados de pesquisas anteriores com adolescentes grávidas e mães. Dessa forma, além dos freqüentes motivos associados à gravidez de adolescentes (falta de informação ou oportunidade de acesso ao uso correto de contraceptivos), motivos do próprio referencial dessas adolescentes foram incluídos nos itens do questionário.
Quando interrogadas sobre os motivos de uma adolescente engravidar, algumas das meninas que afirmavam o motivo "brigas e tristezas com a família" referiram problemas de abuso sexual, especialmente com padrastos. Foram cerca de 15 referências desse tipo (quase 25% das meninas) colhidas na aplicação do questionário. Esse dado não pode ser sistematizado, já que não constava especificado na relação de motivos para uma adolescente engravidar, mas constituiu-se um indicador importante, que merece posterior investigação. Poder-se-ia se indagar: o abuso (ocorrência, ameaça ou sua fantasia) estaria associado à busca de uma gravidez com outro parceiro, figura fora da relação incestuosa?
A escolha do motivo principal sobre o que levaria uma adolescente a engravidar, para os meninos foi, primeiramente, a "falta de opções de vida" (25%), seguida de "brigas e tristezas com a família" (15%) e "vontade de ter a própria família" (15%).
As "brigas e tristezas com a família" foram um item também muito escolhido pelas meninas, como motivo principal atribuído como causa da gravidez de uma adolescente (a segunda opção mais escolhida, com índice de 23%). A opção mais escolhida das meninas, como motivo principal para a gravidez, no entanto, foi o "sentir-se só" (24%), item que não recebeu nenhuma escolha dentro do grupo dos meninos (0%) como motivo principal para uma adolescente engravidar.
Esse último indicador leva a associações entre o sentimento de solidão e a gravidez de adolescentes, associação também presente em resultados de nossos estudos anteriores sobre gravidez e maternidade na adolescência. Para as meninas, o sentimento de solidão pode ser um grande motivo para a busca da gravidez, o que não pareceu presente na percepção dos meninos. A pergunta do questionário referia-se a opinião acerca do motivo principal de uma adolescente engravidar, e não sobre o motivo da ocorrência da gravidez na adolescência (que incluiria uma opção também de adolescentes homens). Entretanto, pode ter acontecido, por identificação, certa confusão na expressão dessa escolha, podendo sugerir que uma criança, ou um filho, não fosse uma companhia para eles, no sentido de aplacar a solidão, ou ainda que um filho fosse uma companhia para as mulheres. O fato de "gostar de crianças" foi escolhido por 10% das meninas e também 10% dos meninos, como motivo principal para uma adolescente engravidar. Já a opção "vontade de ter a própria família" foi mais escolhida pelos meninos do que pelas meninas (a terceira opção mais escolhida para eles, com 15% de escolhas, e apenas 5% das delas), como motivo principal para a gravidez de uma adolescente.
Os indicadores relacionados às condições de "carências sociais" foram escolhidos tanto pelos meninos como pelas meninas como motivos principais para uma adolescente engravidar. A "falta de opções de vida" (25% para eles, e 13% para elas) e a "falta de oportunidade para estudar ou trabalhar" (10% deles, e 7% delas) foram consideradas como motivos principais para o evento. Entretanto, a "falta de lazer" recebeu poucas escolhas como motivo principal para a gravidez (3% dos meninos e também das meninas).
O "desconhecimento sobre métodos anticoncepcionais" teve escolhas de 5% das meninas e 3% dos meninos para referência de motivos principais para a gravidez (o que representa apenas uma escolha masculina), e "dificuldades para comprar anticoncepcionais" não foram referidas por nenhum dos entrevistados como um motivo principal para essa ocorrência.
O motivo "livrar-se de problemas com drogas" também não recebeu nenhuma escolha como motivo principal para a gravidez, apesar de escolhido como um dos motivos para que uma adolescente engravidasse (2% tanto entre as escolhas das meninas como dos meninos).
A "recusa do parceiro em usar algum tipo de contraceptivo" só foi referida pelas meninas, como motivo principal (3% delas). "Satisfazer a vontade do companheiro" foi um motivo escolhido pelas meninas para a gravidez de uma adolescente, mas não foi considerado um motivo principal por nenhuma delas. Um dos meninos escolheu esse item como motivo como principal.
A "irresponsabilidade" foi referida como motivo principal para a gravidez de uma adolescente, por 7% das meninas e 7% dos meninos. Esse motivo não era constante na relação proposta para respostas à interrogação dos motivos que levavam uma adolescente a engravidar. No entanto, havia no item uma possibilidade de resposta aberta, quando indicava a resposta "outros" (motivos) e sondava qual (is) seria (m).
Com respeito à "melhor idade para se ter um primeiro filho", a maioria do grupo (68%) fez escolhas de idades acima de 20 anos. Especialmente as meninas escolheram essas idades mais velhas (73% para acima de 20 anos, e 20% entre 19 e 20 anos); os meninos deram indicadores de idades um pouco mais novas (57% das escolhas para acima de 20 anos, e 29%, entre 19 e 20 anos). Nenhum dos 100 entrevistados escolheu faixa etária abaixo de 18 anos como melhor idade para se ter um primeiro filho.
Análise dos resultados
O inventário sobre aspectos de vida sexual, com ênfase nas interrogações acerca da temática da gravidez na adolescência, trouxe dados referenRev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2007;17(2):54-Alberto Olavo Advincula Reis, et al. 63 61 tes a apenas 100 jovens das chamadas periferias sociais e urbanas, no caso, de um grande centro paulista. Apesar desse número reduzido de pesquisados, os resultados podem oferecer indicadores sobre questões de sexualidade desse tipo de população jovem contemporânea - pobre e inserida numa sociedade globalizada.
Como pode ser verificado, mais da metade dos participantes do projeto cultural investigado, todos menores de 20 anos, já tinham tido relações sexuais, mas nenhum deles afirmou ocorrência de gravidez. Esses dados reiteram indicadores anteriores com respeito à não inclusão de adolescentes grávidas e mães em instituições ou projetos culturais.
Também podemos pensar se a inserção num projeto cultural do tipo investigado pode diminuir a possibilidade de ocorrência da gravidez. Segundo os participantes investigados, os motivos para a gravidez foram considerados especialmente no âmbito das carências (faltas de: opções de vida, de oportunidades para estudar ou trabalhar, e de lazer), e de problemáticas psicológicas comuns nas transições da adolescência, em nossa cultura, como a solidão e os problemas com as famílias. Participar de um projeto desse tipo poderia trazer certa diminuição de sentimentos de fracasso e de impotência, pelo contato com conteúdos do sucesso (referências de valores vislumbradas no mundo externo), que talvez representasse uma possibilidade ou esperança de transformação de vida. O projeto pressupunha que os fatores que determinavam as relações de inclusão/ exclusão social não diziam respeito unicamente a privações e carências de natureza material, econômica e financeira, propondo acesso ao mundo da arte e da cultura, mas especialmente, no mundo da mídia (trabalhar e ser célebre).
A gravidez, como alternativa de escape das condições presentes num mundo sem opções, poderia ser, ao contrário, considerada como não funcional perante essas novas perspectivas de sucesso, ou inserção nos ideais da cultura contemporânea. Nesse sentido, as idades escolhidas pelos participantes investigados, como melhores para se ter um primeiro filho, nunca estariam dentro do período da adolescência. Esse dado, mesmo que reproduzindo um julgamento negativo da sociedade acerca da gravidez na adolescência, deve ser relacionado aos motivos que o grupo considerou como principais para uma adolescente engravidar, as brigas e tristezas com a família e a falta de opções de vida.
Embora a condição de pobreza do grupo fizesse supor que as dificuldades para comprar contraceptivos fossem fortes motivos para uma adolescente engravidar, esse motivo não foi considerado o mais importante por nenhum dos 100 investigados. Também as dificuldades de uso correto de métodos contraceptivos não pareceram importantes, do ponto de vista daqueles jovens, para a ocorrência da gravidez. Deve-se contrapor a isso, que as intervenções em saúde pública5 voltadas para questão de gravidez na adolescência na época eram basicamente direcionadas para o esclarecimento e distribuição de métodos contraceptivos para as intervenções de prevenção. Os resultados dos questionários mostraram também que, pelo menos naquele grupo, a escola não tinha (ou pouco tinha) uma função educativa com respeito a informações acerca da sexualidade.
Resultados de nossos trabalhos anteriores indicavam que a gravidez e maternidade de adolescentes pobres ficavam associadas a escapes de problemas relacionados às drogas. Entretanto, nenhum dos investigados indicou que a gravidez de uma adolescente tivesse como motivo principal o livrar-se de problemas com drogas. Da mesma forma, a carência de lazer também anteriormente relacionada com o evento da gravidez de adolescentes pobres, não foi indicada neste grupo pesquisado como um motivo principal para que ele acontecesse. No entanto, aqueles jovens estavam inseridos em situações muito próximas ao lazer/prazer, já que envolvidos com música, shows, e sucesso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As situações psicossociais de jovens das periferias sociais de grandes cidades são próprias de uma inserção na pobreza, e até no desamparo social, que é mesclada com componentes de referências de riqueza, fragmentos e símbolos da Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2007;17(2):54-Alberto Olavo Advincula Reis, et al. 63 62 sociedade globalizada. Esses jovens têm conexão direta, pelos meios de comunicação de massa, e em especial pela televisão, com estímulos de uma forma de vida na qual determinadas necessidades são tidas como fundamentais, que podem e devem ser abastecidas. No entanto, esse abastecimento só é possível nos segmentos sociais fora da condição ou dos territórios da pobreza.
Com baixas chances de suprimento de tais necessidades, que entendemos criadas e mantidas por forças que compõem, em fragmentos, o espaço total de suas vidas, essa juventude popular urbana6 possui modelos de identificação com referências similares às das elites, ou seja, modelos de sucesso profissional, social, e de gratificações por consumo de bens.
Esses fragmentos da sociedade globalizada, que num tecido de significados pertencem à composição dos espaços totais7, têm assim alto poder simbólico - eles são valorizados e valorizantes para as identidades, enquanto apontam tais modelos. Eles trazem o poder de valores de outros territórios, e assim colocam os elementos dos territórios da pobreza urbana em posições desprivilegiadas e desvalorizantes. Poucos são os valores pertinentes e pertencentes àqueles lugares, nos crivos dos valores da cultura urbana atual.
Fenômenos da violência - no caso, os mais associados ao tráfico e uso abusivo de drogas -, e do aumento da procriação de adolescentes, acontecem sobremaneira nesses contextos de pobreza aliada e próxima a expectativas e cobranças da sociedade não pobre.
Esses fenômenos podem ser vistos como alternativas possíveis por essa juventude, na procura de algum protagonismo Nessa ótica, tais alternativas poderiam se constituir como defesas diante de auto-percepções fracassadas frente aos modelos inatingíveis, mas que se apresentam como viáveis e apenas dependentes de esforços individuais. Com essa hipótese seria compreensível o fenômeno da não ocorrência de gravidez (manifestada) nos jovens do projeto cultural investigado.
Inseridos naquele cenário cultural, eles teriam muitas expectativas atendidas, em termos de diversão, projetos, trocas interpessoais, sentido de pertinência, profissionalização, possibilidade de conseguir emprego, e em especial, fama, sendo ou podendo vir a ser estrelas de shows. Eles eram vistos, ouvidos, recebiam convites e faziam sucesso.
Dessa forma, e ainda contando com valorização de seus territórios e de suas raízes, naquele tipo de projeto cultural, os jovens supririam muitas carências próprias de seus ambientes, e poderiam viver uma experiência onde o trabalho, lazer e mídia, de algum modo, e em muitas ocasiões, coincidiriam num alcance que pode ser interpretado como um grande mito de pertinência no mundo contemporâneo - o ser célebre. A alternativa para a disposição e disponibilidade do uso do corpo para a procriação seria então menos utilizada.
Segundo os resultados da investigação com aqueles 100 jovens - representantes de territórios de periferias sociais e urbanas - as fontes de informação acerca da vida sexual, eram caracteristicamente próprias dos grupos de iguais. A escola e os familiares não foram indicados com funções educativas relativas à sexualidade. A iniciação sexual dos pesquisados ocorria próxima aos 14 anos, acontecendo um pouco mais cedo no caso das meninas.
Dentre os resultados da investigação com aqueles jovens, pode-se salientar que eles mesmos consideravam que as forças das carências seriam os principais motivos para uma adolescente engravidar. Nas óticas femininas, essas carências estariam especialmente circunscritas nos sentimentos de solidão, enquanto que nas masculinas, na falta de opções de vida e na falta de oportunidade para estudar e trabalhar. As brigas e tristezas com a família e a vontade de ter uma família (nova) também eram motivos considerados importantes para eles, relacionados à procriação, nessa etapa da vida. Lembremos que todos os 100 pesquisados achavam que a melhor idade para se ter um primeiro filho não seria durante a adolescência, mas sempre depois dos 18 anos, preferencialmente depois dos 20 anos.
Por todas essas considerações, entendemos que as dimensões psicológicas, sociológicas e ambientais que cercam o fenômeno da procriação de adolescentes, devem ser ressaltadas, especificamente nesses territórios de periferias sociais e Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2007;17(2):54-Alberto Olavo Advincula Reis, et al. 63 63 urbanas. Trata-se de um fenômeno de dimensão psicossocial, que se for encarado em âmbitos restritos de disciplinas segmentadas, perderá sua própria natureza. E mesmo com a aproximação interdisciplinar, continuará a ser um fenômeno de difícil compreensão e decorrente possibilidade de intervenção, já que investigações em territórios da pobreza urbana possuem dificuldades próprias das fronteiras desses territórios, muitas construídas pelas leis da violência.
REFERÊNCIAS
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Recebido em 08/11/2006
Modificado em 19/04/2007
Aprovado em 24/04/2007