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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.3 no.1 Ribeirão Preto abr. 1995
A mediação do conhecimento psicológico na produção de um texto para o professor
Maria Helena Fávero
Universidade de Brasília. Departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília I.C.C. Sul, Campus Universitário 70910-000-Brasília, D.F. Tel.: (061) 348-2624
Estabelecer uma relação entre o conhecimento psicológico e a prática em sala de aula não é tarefa simples, nem do ponto de vista da análise teórica, nem do ponto de vista da intervenção.
A complexidade está justamente no fato de que a análise desta relação trás, necessariamente, certas questões polêmicas à tona. A questão do desempenho dos alunos e a questão da competência dos professores são apenas duas delas, uma espécie de iceberg, em cuja base se encontram questões maiores como a articulação entre o desenvolvimento psicológico humano e o desenvolvimento do conhecimento que, por sua vez, implica uma questão mais ampla: aquela que diz respeito à interação entre conhecimento, indivíduo e sociedade.
Se, de um lado, a análise teórica da prática em sala de aula exige um refinamento pontual a respeito das variáveis que caracterizam as interações no meio escolar, por outro lado esta mesma análise, no nosso entender, será parcial, se ignorar as questões referidas acima, e que estão implícitas nestas interações.
Como diz Gil (1994), "na sala de aula, cabe ao professor criar situações favoráveis à aprendizagem dos alunos, não só em diferentes áreas do saber mas também na construção de modos de relacionamento com o próprio professor, com os colegas e com o conhecimento mesmo" (pp. 68-69).
Isto é o mesmo que explicitar os parâmetros segundo os quais a capacidade de um professor pode ser definida. Como podemos concluir, para Gil (1994) estes parâmetros ultrapassam a própria situação de sala de aula, assim como não se restringem a uma formação acadêmica particular. Na verdade, dizem respeito ao desenvolvimento psicológico do sujeito adulto que é o professor.
Podemos dizer, então, que os modos de interação dentro da sala de aula, se dão dentro da
(...) relação entre o funcionamento do espaço semiótico ou mundo intelectual no qual a humanidade e a sociedade humana estão inseridos, e que está em constante interação com o mundo intelectual individual dos serem humanos. Neste espaço semiótico, ou cultura, são gerados diferentes meios mediacionais para a comunicação no interior das interações humanas, de modo que a interação entre a forma de cada tipo de meio mediacional e o conteúdo mediado constitui um texto dentro de um texto. (Fávero, 1994, p.58).
Seguindo este raciocínio, podemos concluir que intervir psicologicamente na prática de ensino é o mesmo que intervir na mediação de conteúdos que articula os dois espaços: o espaço da sala de aula e o espaço sócio-cultural. Isto implica retomar as questões relativas ao desenvolvimento humano e ao conhecimento, às quais temos nos referido desde o início.
O processo subjacente à produção de um livro-texto visando o professor é, ao nosso ver, um bom "pre-texto" para retomá-las.
Vamos considerar, então, a produção do livro-texto Psicologia do Conhecimento (Fávero, 1993). Este livro insere-se no projeto O professor em construção (UnB/PADCT, CAPES), que visa uma intervenção na prática de ensino de professores de matemática e de ciências do primeiro grau da Fundação Educacional do D.F. através de dois cursos de especialização à distância: Educação Matemática no Primeiro Grau e Educação Ambiental e Científico-Tecnológico no Currículo de Ciências. Trata-se, assim, de dois cursos de pós-graduação Lato Sensu, da Universidade de Brasília, nos quais a psicologia do conhecimento constitui a disciplina inicial do currículo de ambos os cursos. Nossa discussão aqui vai tratar, portanto, da produção de um texto, que se constitui, ao mesmo tempo, em um livro de em uma disciplina curricular, uma vez que se trata, como já dissemos, de um projeto de intervenção proposto a partir de um curso de especialização, que se insere na categoria de Educação à distância.
Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que tudo o que já foi exposto até agora tem a ver com uma determinada concepção de desenvolvimento psicológico do sujeito humano, seja ele o aluno, o professor ou o psicólogo envolvido no processo de intervenção.
Ora, seja qual for esta concepção, ela não se dissocia das concepções teóricas sobre conhecimento, sobre a relação homem-conhecimento e, portanto, da filosofia e história da ciência. Da mesma forma, ela não se dissocia da interação desta filosofia, desta história e destas concepções, com o corpo teórico da Psicologia.
Portanto, é da questão do conhecimento e da relação homem-conhecimento que trataremos de início, o que, em conseqüência, nos levará à questão do conhecimento científico e à interação destas questões com as questões institucionais do meio escolar.
Como analisa Habermas (1987), o positivismo, colocando a primazia no método, decepa as tradições mais antigas da teoria do conhecimento. Segundo ele
O positivismo assinala o fim da teoria do conhecimento. Em seu lugar instala-se uma teoria das ciências. A questão lógicotranscedental acerca das condições do conhecimento possível visava, simultaneamente, à explicação do sentido inerente ao conhecimento enquanto tal. ...Conhecimento defini-se, implicitamente, pelas realizações da ciência, (p.89).
Portanto, com o positivismo, perdeu-se o sujeito cognoscente como sistema de referência. Ou seja:
A teoria da ciência desiste de colocar a pergunta pelo sujeito que conhece; ela volta-se diretamente às ciências disponíveis como sistema de proposições e modos de proceder -podemos dizer -como um complexo de regras com base nas quais as teorias são construídas e controladas. Os sujeitos que atuam de acordo com tais regras perdem seu sentido para uma teoria do conhecimento limitada à metodologia: os feitos e os destinos fazem parte, quando muito, da psicologia de sujeitos reduzidos a pessoas empíricas -para a elucidação imanente do processo cognitivo eles são irrelevantes. (Habermas, 1987, p.90).
O longo caminho que se percorreu no questionamento sobre a teoria do conhecimento e a filosofia e história da ciência, desde o que Khun, nos anos 50, chamava de "estrutura das revoluções científicas" (Khun, 1992), até mais recentemente, com Stengers e Prigogine (ver Pessis-Pasternak, 1993), referindo-se a uma "metamorfose das ciências", desembocou em uma tese segundo a qual
(...) as características da epistemologia, o conceito e a técnica - e as estruturas cognitivas da ciência - são sociais em essência. A ciência e a tecnologia não são nem neutras nem independentes do normativo mas, como todo outro método de ordenar fatos e de compreender dados, elas nascem no seio de contextos sociais e históricos, comportando seus próprios sistemas de aspirações e valores.(Mendelsohn, 1981, p.24).
As implicações desta nova postura são claramente expostas por Cohen (1981):
(...) o pensamento é igualmente uma forma de ação, e a ciência e a tecnologia constituem etapas históricas da praxis humana. Em conseqüência, a redecognitiva que permite entrever a ciência e a tecnologia como novas vias deconhecimento e de prática seria evidentemente incompleta se nos permitisse compreender apenas o próprio resultado cognitivo com as ligações empíricas que o ligam às experiências e aos testes; da mesma forma, seria incompleta se nãofôssemos capazes de compreender a história social, a economia política e apsicologia cultural das ciências e das tecnologias à exclusão de seus conteúdos técnicos, (pp. 10-11).
De início,
(...) contentava-se em reivindicar a neutralidade do saber e da técnica e de colocar a discussão no sentido do bom ou mal uso que delas se podia fazer; mas o raciocínio parecia um pouco restrito. Do meio para o fim dos anos 60, passa-se a analisar a própria natureza do saber e das técnicas. (Mendelsohn, 1981, p.22).
A análise de Herbert Marcuse é um exemplo, na medida em que explora as relações do saber e da ação:
A racionalidade técnica e científica e a exploração do homem estão ligadas uma à outra, sob novas formas de controle social. Podemos nos consolar supondo que esta conseqüência pouco científica é provocada por uma aplicação especificamente social da ciência? Penso que o sentido geral segundo o qual ela foi aplicada estava já pré-figurado na ciência pura, no próprio momento em que ela não tinha nenhum objetivo prático; penso que podemos determinar em que momento a razão teórica se transforma em prática social, (citado por Mendelsohn, 1981, p.23).
Ou seja: na ótica de Marcuse, existia um conflito entre o próprio fundamento da ciência e as necessidades e aspirações da sociedade.
Assim, o que a passagem dos anos 70 para os anos 80 trás para esta análise pode ser resumido através de um parágrafo de Cohen:
Se nós queremos, de uma parte, saber qual o impacto das disciplinas científicas e técnicas sobre a vida dos homens em nossa época e por que ele é tão poderoso epesado de problemas e, de outra parte, identificar o conjunto de fatores pessoais e sociais surgidos no curso das diversas etapas da revolução científica e tecnológica que marcaram os cinco últimos anos, épreciso, em primeiro lugar compreender o material cognitivo destas disciplinas e, em segundo lugar,apreender as condições sociais de seu aparecimento e de suas vicissitudes. (1981,p. 11).
Entre as décadas de 70 e 90, não se podendo mais ignorar toda esta discussão, e compatível com uma análise semiológica da cultura, conforme já se delineava na antropologia e na lingüística, instala-se, particularmente na psicologia do desenvolvimento humano, um grande desafio: assumir a natureza simbólica da linguagem e, portanto, o partilhamento e negociação de significados, tentando recuperar o conceito de "interacionismo simbólico" e, por implicação, definir a natureza da atividade humana como sócio-cognitiva (ver análise de Farr, 1981; de Moscovici, 1986; ver ainda as propostas teóricas de Wertsch, 1985; de Cole, 1983; de Doise e Palmonari, 1984, e de Brunner, 1990, por exemplo). Ao mesmo tempo, e conseqüentemente, a psicologia passa a admitir a interação entre as crenças e concepções sócio-culturais e o próprio conhecimento psicológico (Kessen, 1979; Bazelon, 1982; Fox, 1985; Howard, 1985; Pallak e Kilburg, 1986; Sarason, 1986; Bronfenbrenner, Kessel, Kessen e White, 1986; Prilleltensky, 1989, e outros, são alguns exemplos).
Levando estas questões em consideração, a elaboração de um texto voltado para a psicologia do conhecimento e inserido num projeto que se definia e se define como um procedimento de intervenção junto ao professor de matemática e de ciências, implicava um duplo desafio. De um lado, tratava-se de levar em consideração a filosofia, a história da ciência e a epistemologia para fundamentar uma concepção psicológica que evidenciasse a natureza ativa do sujeito que conhece e o processo sócio-cultural da construção do conhecimento. De outro lado, tratava-se de estabelecer as articulações e implicações de tal concepção para a prática do ensino de ciências e do ensino de matemática. E isto em dois sentidos: tanto no que diz respeito à interação do professor-leitor com o texto, quanto no que diz respeito à relação conteúdo e forma deste mesmo texto.
Ora, discutir o desenvolvimento psicológico humano e o desenvolvimento da ciência como processos articulados (e não paralelos) é o mesmo que discutir a própria psicologia do conhecimento. Portanto, a hipótese é de que, uma vez que se conceba o conhecimento como resultado de um processo psicológico ativo - independente da área particular do conhecimento - então, a articulação desta concepção com a prática de ensino em sala de aula torna-se necessariamente evidenciada.
Esta hipótese baseia-se, é claro, em determinadas concepções teóricoconceituais a respeito do desenvolvimento psicológico humano e, portanto, do próprio professor, concepções estas que, em última análise, são as mesmas defendidas no livro-texto.
A primeira delas é a de que o sujeito humano encontra-se em desenvolvimento, segundo uma dialética de assimilação e da acomodação, entendendo-se por isto não uma troca entre dois modos distintos, mas, como salientou Gréco (1984), "entre uma acomodação que supõe a assimilação e reciprocamente", (p. 27).
A segunda é a de que a natureza dialética da relação entre acomodação e assimilação supõe a construção ativa do desenvolvimento particular de cada sujeito humano.
A terceira é a de que tal construção se dá na interação entre o funcionamento do espaço semiótico ou mundo intelectual no qual a humanidade e a sociedade humana estão imersos e o mundo intelectual individual dos seres humanos. Ora, há que se admitir, então, que qualquer objeto, de natureza concreta ou não, carrega um valor sócio-cultural e que, portanto, a atividade humana é mediada sócio-culturalmente. A seqüência deste raciocínio engendra algumas conclusões básicas.
A primeira, segundo a qual não apenas a ação humana é de natureza sócio-cognitiva, como também que a forma desta ação e o seu conteúdo são indissociáveis, uma vez que se admite tratar-se de atividades mediadas semioticamente num contexto sócio-cultural.
A segunda, que diz respeito à existência de meios mediacionais, que se prestam à mediação de significados, e de veículos mediadores que, longe de serem aleatórios, são compatíveis com o contexto sócio-cultural para se prestarem à operacionalização desta mediação (Fávero, 1994). A terceira diz respeito à questão particular sobre a interação entre o sujeito humano e a linguagem escrita e, compatível com as concepções teóricas já expostas, substitui a fórmula "o leitor decifra o texto", para "o leitor comunica-se com o texto", o que implica admitir a função sócio-comunicativa do texto não apenas no sentido de veicular informação, mas também no sentido de transformá-la e criar outras. Neste sentido, o processo de interação entre o leitor e o texto é entendido como atos de comunicação semiótica de uma pessoa com outra perso nalidade autônoma, como defendia Lotman (1988).
Seguindo este raciocínio, esperar que um texto funcione como meio de intervenção em relação à prática do professor-leitor, significa esperar que este deixe de ser meramente um mediador no ato da comunicação para tornar-se um interlocutor no processo de comunicação e elaboração de novas informações. Assumir esta premissa implica assumir que este processo de comunicação e elaboração de novas informações baseia-se num processo de partilhamento e negociação de significados.
Portanto, estabelecer um diálogo com o leitor-professor a respeito da prática de ensino, através de um texto que articule esta prática e a psicologia do conhecimento pressupõe o conhecimento das concepções particulares que permeiam as interações no meio escolar.
Estamos, assim, diante da questão que articula conhecimento, ciência e escola.
Retomando o que já foi dito no início deste trabalho, em referência à posição de Gil (1994), a sala de aula faz parte de uma instituição social inserida num contexto sócio-cultural e, como tal, mantém um contrato entre as pessoas que dela fazem parte, definindo um sistema de significados, assim como um modo particular de partilhamento e negociação destes. Assim, entender como se dá a relação ensino-aprendizagem envolve a análise do significado implícito do desempenho explícito de alunos e professores, isto é, envolve a questão do como e quais são os valores sociais que permeiam as informações, os procedimentos e as próprias atividades (ver Fávero, 1988, 1990,1993, 1994; Fávero, Tunes e Marchi, 1991; Fávero e Hugo Silva, 1992, por exemplo).
O que os dados têm nos mostrado (conforme as referências citadas no parágrafo anterior) é que a escola tem se mantido "impermeável" às transformações pelas quais a concepção de ciência tem passado. Em outras palavras, a escola tem veiculado uma concepção clássica de ciência, isto é, um empreendimento neutro sócio-culturalmente. Disto resulta a manutenção da idéia de que conhecimento e verdade só podem se dar no âmbito da ciência e que a humanidade depende de maneira essencial da chamada "clarificação científica".
Assim, conhecimento é igualado a conhecimento científico e conhecimento científico é definido como pronto, inquestionável e acabado.
Compatível com tais concepções, a aprendizagem é entendida como um processo que se dá em mão única - o professor "passa" ao aluno - cujo sucesso ou fracasso depende em primeiro lugar do próprio aluno - sua motivação, disciplina, capacidade, interesse, etc. - e, em segundo lugar, da dificuldade particular década área do conhecimento, dificuldade esta definida segundo os pré-requisitos exigidos do aluno.
O que se tem constatado é uma prática de ensino baseada na intermediação de um pacote formalizado de conceitos, onde a formalização obedece a regras preestabelecidas, independentemente do significado conceituai. Na realidade, uma prática que reproduz o modelo ou meio universitário.
Esperar que um processo de comunicação e elaboração de novas informações a respeito destes questões desenvolva-se através de um texto, significa, em última análise, e usando a expressão de Lotman (1988), "produzir um texto dentro de um texto", ou seja: produzir um meio mediacional para comunicação de significados a respeito da relação entre o desenvolvimento do conhecimento e a prática de ensino, levando em consideração os significados particulares que são partilhados no interior das interações humanas que se dão no meio escolar.
Do ponto de vista do conteúdo, isto significa que para se chegar à discussão da prática escolar, fazia-se necessário, então, colocar em questão a própria concepção de conhecimento, dentro de uma teoria do conhecimento, e não à parte dela. Para tanto, fazia-se necessário, por sua vez, tornar explícito tanto o desenvolvimento da concepção clássica da ciência, quanto o seu desenvolvimento para uma concepção sócio-histórica. Por isto, o texto foi produzido segundo duas unidades: a primeira relativa à questão epistemológica do conhecimento e, a segunda, relativa à interação entre contexto sócio-cultural, mediação semiótica e conhecimento.
O objetivo da primeira unidade era
Recuperar o caminho que se fez na psicologia, em decorrência do caminho que se fez dentro da própria filosofia da ciência, para concluir que, para estudar o desenvolvimento do conhecimento humano não bastava tomar nem o ambiente, nem o indivíduo humano isoladamente. Em outras palavras, tentamos refazer o raciocínio que nos conduziu, dentro da psicologia, ao reconhecimento de que, no processo de desenvolvimento, o ser humano não funciona como um recipiente passivo em relação às informações fornecidas pelo meio ambiente e que, portanto, o desenvolvimento é resultado da ação e interação deste ser humano com seumeio. (Fávero, 1993, pp.18-19).
Na segunda unidade, centrou-se na questão da interação complexa entre o homem e o seu meio, interação mediada sócio-culturalmente e, portanto, de natureza semiótica. Assim,
Procuramos retomar o raciocínio que nos conduziu a reconhecer as relações essenciais entre os processos mentais humanos e o meio cultural, histórico e institucional no qual ele se desenvolve... O estudo da aquisição de conceitos não poderia, portanto, ignorar todas estas questões. E por isto que, antes de abordá-lo, discutimos o valor sócio-cultural dos objetos e a natureza sócio-cultural das ações humanas. (Fávero, 1993, p. 19).
Por tratar-se da produção de um material didático para o ensino à distância, de um curso formal de especialização, a questão da relação entre forma e conteúdo tomou uma dimensão particular na medida em que a interação leitortexto é primordial.
Vamos citar aqui um trecho da Orientação ao Estudante, na qual esta preocupação é explicitada no livro, para o próprio leitor:
Nossa expectativa éade que a escolha e a seqüência dos itens permitam o desenvolvimento de um pensar crítico a respeito desta relação complexa entre escola, conhecimento e sociedade, além da prática em sala de aula, propriamente dita. Ao longo do livro, utilizamos sempre a expressão 'puxar o fio da meada' em referência à nossa preocupação em fundamentar as questões levantadas, a partir das idéias básicas a elas subjacentes, explícita ou implicitamente. Para que tal processo fosse facilitado, apresentamos resumos esquemáticos após determinados itens discutidos, resumos estes que podem servir para o estudante, não apenas como síntese das idéias expostas, como também para uma auto-avaliação, se forem utilizados como instrumentos capazes de reaver aquelas mesmas idéias expostas. Para aprofundar a discussão de certas idéias e, em certos momentos, situar mais claramente a trajetória e a importância das contribuições dos autores abordados ao longo do texto, organizamos um conjunto de letras complementares, agrupadas segundo a natureza das questões analisadas em cada unidade. Além disto, explorando a comunicação conceituai através de outra linguagem, o livro é ilustrado, aliás, de maneira tão adequada e brilhante, que os desenhos expressam, por si só, os conceitos abordados. Finalmente, e por tratar-se de um curso, o livro propõe algumas atividades a serem desenvolvidas pelo estudante. Nossa pretensão é a de que estas atividades desempenhem no mínimo três papéis: primeiro, que avaliem nosso próprio trabalho, permitindo a construção da relação já exposta, entre a prática em sala de aula e a relação complexa entre escola, conhecimento e sociedade; segundo, que, através desta avaliação, se favoreça esta construção; terceiro, que através destes, o estudante possa avaliar e reconstruir seu próprio desenvolvimento no decorrer do processo (Fávero, 1993, pp. 15-16).
Em outros termos, a pretensão, como já dito, era a de que uma discussão que evidenciasse que as próprias concepções a respeito do conhecimento e a respeito do desenvolvimento psicológico são, como quaisquer outras, construídas sócio-culturalmente, levasse o leitor a questionar o conceito de neutralidade científica, de modo a desenvolver uma análise crítica a respeito do desenvolvimento de sua própria área de competência. Ou seja: esperava-se que uma vez evidenciado que as áreas de conhecimento, incluindo a psicologia, têm um desenvolvimento de natureza sócio-histórico-cultural, a questão do processo ensino-aprendizagem viesse à tona, na medida em que este passasse a ser visto como um processo mediador na interação entre sujeito e conhecimento.
Considerando o fato de que o progresso na ciência e na tecnologia tem se dados segundo intervalos cada vez menores, e se expandido, ao mesmo tempo, cada vez mais, podemos então concluir que o que está em jogo, por trás das questões levantadas aqui, ultrapassa, como elas, os muros da escola: é a questão do desenvolvimento do conhecimento que faculta ao homem o desenvolvimento de uma consciência crítica, ou seja, a capacidade de avaliar o discurso que é veiculado pelos diferentes meios, discurso este no qual se encadeiam de forma aparentemente lógica os fins e os meios, os meios sempre subordinados aos fins, e os fins em algum lugar etéreo, intangível.
Como em toda proposta de intervenção, resta agora a questão da avaliação. Cerca de 100 professores que atuam no ensino de matemática e ciência em escolas da rede oficial do D.F. estão matriculados nos dois cursos de especialização já referidos acima e constituem, portanto, nossa amostra experimental. Da análise da interação destes professores com o livro-texto que foi aqui nosso objeto, teremos uma avaliação do pressuposto que o fundamentou. Para tanto, vários dados foram colhidos. Imediatamente antes dos professores iniciarem o trabalho com o livro-texto em questão, eles foram submetidos ao que chamamos de uma "avaliação inicial", composta de questões a serem respondidas por escrito, baseadas em quatro eixos básicos: o conceito de conhecimento, a relação entre conhecimento e desenvolvimento humano, a relação entre conhecimento e conhecimento científico, a relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Uma "avaliação final", com questões retomando estes mesmos eixos, foi respondida também por escrito pelos mesmos professores após o término do trabalho com o livro-texto. Além disto, as atividades desenvolvidas, como propostas no decorrer do livro constituem-se, por elas mesmas, num material rico para análise. Todos estes dados estão sendo atualmente analisados e farão parte do relatório final do Projeto do qual o nosso livro-texto é apenas uma parte.
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