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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.3 no.1 Ribeirão Preto abr. 1995
A porcentagem no contexto escolar: estratégias utilizadas pelos alunos(1)
José Aires de Castro Filho2
Universidade Federal do Ceará
O presente estudo objetivou a investigação das estratégias utilizadas na resolução de problemas de porcentagem em contexto escolar, em alunos de 7ª série e 1º científico. A porcentagem é introduzida em nosso currículo escolar no final da 6ª série, como um dos tópicos finais de razão e proporção ou de números proporcionais. O ensino de porcentagem é concentrado na utilização dos livros didáticos, com pouco ligação com atividades que os alunos possam realizar fora da escola. 0 método de resolução dos problemas mais comumente ensinado é o uso da regra de três.
As altas taxas de inflação apresentadas pelo Brasil nos últimos tempos, trazem a necessidade de constantemente se calcularem aumentos e descontos baseados em porcentagens. Observa-se, portanto, a importância deste conceito, dada a sua grande utilização no dia-a-dia.
Apesar de ser um conceito muito importante, a grande maioria dos alunos apresenta dificuldades na sua utilização. Por exemplo, resultados do segundo NAEP - National Assessment of Educational Progress, (Carpenter, Corbitt, Kepner-Jr, Lindquist e Reys, 1980), em um teste realizado para verificar o desempenho dos alunos americanos em diversos conteúdos da matemática, constatou-se que somente 35% dos alunos com 13 anos e 58% dos alunos com 17 anos podiam encontrar que porcentagem 30 é de 60. Números extremamente baixos para um problema aparentemente tão simples. Qual a causa destas dificuldades? Quais estratégias os alunos utilizam ao resolverem problemas de porcentagem? De que forma estas estratégias estão relacionadas com o conhecimento que estes alunos possuem sobre o conceito?
Uma das hipóteses mais comumente levantadas para explicar estas dificuldades é de que a porcentagem envolve os conceitos de razão e proporção, os quais são pouco compreendidos pelos alunos pelo fato destes não se encontrarem no nível das operações formais (e.g. Schmalz, 1977; Wiebe, 1986; Inhelder e Piaget, 1975).
Tais argumentos de Wiebe, Inhelder e Piaget não têm encontrado evidências em vários estudos. Alguns estudos têm encontrado evidências de raciocínio proporcional em crianças bem pequenas (e.g. Spinillo e Bryant(3), 1989). Outros estudos têm mostrado que profissionais com baixa escolarização e freqüentemente classificados como sujeitos no nível das operações concretas, tais como mestresde-obra, pescadores e cozinheiras, resolvem com relativo sucesso problemas de proporção, embora não dominem algoritmos sofisticados como os ensinados na escola, utilizando, ao invés destes algoritmos, procedimentos diretamente ligados ao contexto do problema (e.g. Carrher, 1986; Schliemann e Magalhães, 1990). Por último, há estudos onde não foram encontradas relações entre o desempenho nas tarefas piagetianas para verificação do esquema de proporcionalidade e tarefas escolares que utilizam estes mesmos conceitos (e.g. Carraher, Schliemann e Carraher, 1986a e b; e Carraher, Schliemann, Carraher e Ruiz, 1986). Podemos concluir, portanto, que as dificuldades dos alunos não poderiam ser explicadas pela ausência do esquema de proporcionalidade.
A questão da razão das dificuldades dos alunos com porcentagem continua sem uma resposta definitiva. Davis (1988) afirma que o fato de não haver um consenso entre matemáticos a respeito do conceito de porcentagem deve refletir-se na ausência de sucesso ao tentar ensinar porcentagem para os alunos. A este argumento pode-se acrescentar o fato de que geralmente estes conceitos são ensinados na escola de uma forma desvinculada da realidade do aluno, sem mostrar para que eles são utilizados e também sem aproveitar os conhecimentos que estes mesmos alunos apresentam.
Assim, é possível argumentar que o fraco desempenho dos alunos em problemas que envolvem porcentagem esteja relacionado ao ensino puramente formal que é dado pela escola. É necessário, portanto, conhecer melhor como os alunos lidam com problemas de porcentagens.
Alguns estudos sobre este assunto já foram realizados. Schliemann, Vieira e Monteiro(4) (1989), e um estudo exploratório, entrevistaram 40 crianças de escolas particulares, sendo 20 da 6ª e 20 da 7ª série do primeiro grau, em seis problemas envolvendo o conceito de porcentagem. Destes seis problemas, dois eram retirados de livros didáticos e quatro envolviam situações de compra mais vantajosa e ganho de capital. Com relação às estratégias utilizadas para resolver os problemas, Schliemann et al (1989) encontraram que 77,5% dos alunos da 6a série utilizaram a regra de três para resolver os problemas, enquanto nenhum aluno da 7ª série tentou utiliza-la. Nesta série (7ª), as estratégias mais utilizadas foram: 1. a estratégia denominada de "regra de três informal", que consistia na multiplicação das duas quantidades e na eliminação de casas à direita do resultado (15,8% de alunos); 2. e a estratégia de calcular 10% ou 100% compondo, a partir daí, o valor do pedido (22,5% de alunos)(5).
Hershkowitz e Halevi (1989) realizaram entrevistas utilizando dois tipos de problemas de porcentagem: 1. encontrar uma quantidade (A) que é p% de uma quantidade dada (B) e 2. encontrar que porcentagem (p) uma quantidade é de outra quantidade (A).
Na maioria das tarefas, as autoras pediam que o aluno realizasse uma estimativa e não um cálculo preciso do resultado. A fim de garantir tal estimativa, Hershkowitz e Halevi usaram itens sem quantificação numérica, itens com números "confusos" (6) e itens com limite de tempo.
Três grupos de estratégias utilizadas pelos alunos para resolver os problemas foram identificados
1. Estratégias sem nenhuma evidência de entendimento do conceito. Foram classificadas aqui estratégias aditivas e de divisão utilizadas sem qualquer relação com o conceito de porcentagem;
2. Estratégias que refletem algum entendimento. Os alunos utilizam estratégias aditiva e de divisão para resolver tarefas, mas relacionam dados obtidos com um "sistema diferente", o qual se supõe que transforme o resultado em porcentagens. Por exemplo, os alunos podem subtrair as duas quantidades dadas, tomar o resultado e diminuí-lo de 100, como forma de obter porcentagem;
3. Estratégias que levam a uma resposta razoável. As autoras classificaram neste grupo o uso de estimativas, a divisão ou a multiplicação por 2 e por 4 e o uso de estratégias proporcionais (uso da regra de três).
Hershkowitz e Halevi (1989) observaram também que estas estratégias mudavam constantemente durante a entrevista. Não houve, contudo, uma tentativa de estabelecer relações entre os tipos de estratégias e os tipos de problemas.
Observamos, também, que embora os dois estudos façam uma descrição das estratégias, esta descrição não é detalhada, nem parece cobrir todas as facetas do conceito de porcentagem. Será que as estratégias utilizadas podem expressar o conceito de porcentagem, ou são apenas regras aprendidas na escola? Uma análise mais detalhada dos tipos de estratégias utilizadas pelos alunos, onde os tipos de estratégias pudessem ser confrontados com o uso de números abstratos versus quantidades físicas, ajudaria a esclarecer esta questão. Será que o comportamento dos alunos mudaria com a utilização de quantidades físicas ou de números abstratos? Será que este comportamento mudaria também se fossem utilizados valores que dificultassem estratégias do tipo tira 10 ou tira 100, por exemplo, o cálculo de porcentagens como 37% ou 156%, ou as estratégias das crianças seriam mais genéricas, havendo maiores dificuldades apenas com o uso das operações aritméticas? O estudo a seguir descrito tentará esclarecer algumas destas questões.
MÉTODO
Sujeitos
Participaram do estudo 101 sujeitos da 7a série do primeiro grau (média de idade: 13 anos e 11 meses) e 95 sujeitos da 1ª série do segundo grau (1º científico - média de idade: 15 anos e 3 meses), totalizando 196 sujeitos (média geral de idade: 14 anos e 6 meses). Os alunos escolhidos pertenciam a escolas particulares da cidade do Recife.
Material
O material utilizado consistiu de testes escritos com problemas de porcentagem, aplicados coletivamente a todos os sujeitos, e entrevistas clínico-piagetianas utilizando 24 dos sujeitos que realizaram os testes.
Existiam quatro formas de testes. A formai, envolvendo valores de porcentagens múltiplos de 10 ou de 5 em problemas com quantidades (dinheiro); a forma B envolvendo valores de porcentagens não-múltiplos de 10 ou de 5 em problemas com números; a forma C envolvendo valores de porcentagens não multiplos de 10 nem de 5 em problemas com quantidades e a forma D envolvendo valores de porcentagens não-múltiplos de 10 nem de 5 em problemas com números. Cada forma possuía nove problemas.
Procedimento
O procedimento para a aplicação do teste escrito aconteceu em duas sessões, realizadas durante o horário das aulas. Na primeira sessão, o experimentador explicava aos alunos que se tratava de uma pesquisa objetivando investigar como eles resolviam problemas envolvendo porcentagens. Era pedido que eles resolvessem o maior número de problemas possível e que fizessem o maior número possível de anotações. Em seguida, o experimentador distribuía aleatoriamente os quatro tipos de testes entre os alunos, de forma a ter aproximadamente a mesma quantidade de sujeitos para cada tipo de teste. Após uma semana, o experimentador voltava à sala de aula e realizava a segunda sessão, aplicando outro tipo de teste com os sujeitos. Quem havia resolvido a Forma A, resolveria a forma B e viceversa. Quem havia resolvido a forma C, resolveria a D e vice-versa. Dos 196 sujeitos que foram submetidos aos testes, 90 realizaram as formas A e B, enquanto 106 resolveram as formas C e D.
Após a aplicação dos testes, uma amostra de 24 sujeitos foi selecionada para ser entrevistada. Estas entrevistas objetivaram esclarecer questões a respeito das respostas dadas e das estratégias utilizadas pelos sujeitos. As entrevistas foram individuais e seguiram uma abordagem clínico-piagetiana. Era pedido aos alunos que explicassem como haviam resolvido determinados problemas. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, sendo a análise feita sobre esta transcrição. Devido ao pequeno número de entrevistas (24), nossas observações têm mais um caráter qualitativo, não sendo feita nenhuma análise experimental sobre seus resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As respostas apresentadas pelos sujeitos foram classificadas de duas maneiras. Inicialmente, foram classificadas como certas e erradas. Posteriormente, foram também classificadas segundo as estratégias utilizadas pelos suieitos(7).
Tipo de estratégia
Nas estratégias para se resolverem os problemas, foram encontrados os seguintes tipos: composição, valor unitário, regra de três, multiplicação seguida de divisão por cem, multiplicação por número racional (porcentagem como um operador racional) e "outras estratégias". A seguir é dada a descrição de cada estratégia, seguida de um exemplo retirado das entrevistas feitas com os sujeitos.
Composição: O sujeito encontra valores equivalentes a 10%, 5%, 2%, etc. e realiza cálculos (soma, multiplicação, etc.), envolvendo estes valores. Exemplo:
CS (Ia série, teste com quantidades, valores de porcentagens, múltiplos de 10% ou de 5%).
Ex - Me explique como você resolveu o sétimo problema da forma A: O preço de uma geladeira na Mesbla é Cr$ 70.000,00(8) à vista e Cr$ 91.000,00 no cartão. Quantos porcento ela está cobrando de juros?
CS - Tirei 10% de 70.000. Aí a diferença entre 91.000 e 70.000 é 21.000. Aí eu dividi 21.000 por 7.000 e ficou 3, aí dá 30%.
Valor Unitário: O sujeito encontra o valor equivalente a 1% da quantidade ou número e, em seguida, realiza cálculos (soma, multiplicação, etc), envolvendo este valor. Exemplo:
LR (13 série, teste com números, valores de porcentagens não-múltiplos de 10% ou de 5%).
Ex - E este problema, como você resolveu? Uma diminuição do número 2.300 para o número 1.863 é de quantos porcento?
LR -1.860 é o número menos 7%. Então o número é 100%, menos 7 é 93. Divido 1.860 por 93 para encontrar 1%, dá 20. Aí multiplico por 100, para encontrar 100%, dá 2.000.
Portanto, o sujeito primeiramente encontrava 1% da porcentagem (no caso 20 seria 1% do valor que ele estava procurando). Em seguida, multiplicava este valor por 100 (dando 2.000 no protocolo-exemplo).
Regra de Três: Sujeito faz uma igualdade entre duas razões. Exemplo:
MD (7ª série, teste com quantidades, valores de porcentagens múltiplos de 10% ou de 5%).
Ex - O sexto da forma A ? Em uma livraria de Recife, um livro de matemática custa normalmente Cr$ 2.400,00. Na semana do livro paga-se apenas Cr$ 1.920,00 pelo mesmo livro. Qual o desconto, em porcentagem, que está sendo dado pela loja?
MD - 2.400 é 100%, o preço do livro todo. Ele quer saber quanto é o desconto? Aí faz 2.400 é 100 e 1.920 é X, 2.400 vezes X é 192.000. Então 24X é 1920, fiz por tentativa, a divisão, e achei 80% de desconto.
Multiplicação seguida de divisão por cem: O sujeito multiplica o valor do problema (quantidade ou número) pela porcentagem dada e, em seguida, divide o resultado por cem. Exemplo:
MM (7ª série, teste com números, valores de porcentagens não-múltiplos de 10% ou de 5%).
Ex - Como você resolveu este problema: Quanto é 13% do nwnero 70.000?
MM - Tenho que encontrar 13% de setenta mil. Aí no caso eu fiz 70.000 vezes 13%. Acho que eu errei.
Ex - Tu acha que errou, como é que seria?
MM - Não, é que eu só encontrei o número que tinha que somar a mais. Foi 9.100.
Ex - E como é que tu fez?
MM - Eu multipliquei 70.000 por 13 e dividi por 100.
Multiplicação por número racional (porcentagem como um operador racional): Sujeito transforma a porcentagem em uma fração decimal, fração não-decimal ou número decimal, e a usa para operar sobre o valor da questão.
CL (1ª série, teste com números, valores de porcentagens múltiplos de 10% ou de 5%).
Ex - O sétimo da forma B? Se você reduzir o número 1.350 em 40%) qual será o resultado?
CL - Eu sei que 40% é 0,40. Aí eu peguei 1.350 e multipliquei por 0,40, aí deu 540. Aí eu peguei 1.350 e subtraí 540, deu 810, pronto, é o resultado.
Outras estratégias: Foram agrupadas neste tipo todas as outras estratégias que não puderam ser classificadas no item anterior, como: somente colocar a resposta, somas e subtrair os números envolvidos no problema, tentativa de erro, armar uma equação algébrica diferente de uma regra de três. Em geral, estas estratégias refletiam pouca ou nenhuma compreensão das relações envolvidas nos problemas. Exemplo:
BP (7ª série, teste com números, valores de porcentagens múltiplos de 10% ou de 5%).
Ex - O quinto da forma B? Uma diminuição do número 2.400 para o número 1.920 é de quantos porcento?
BP - X menos 2.400 é igual a 1.920 (X -2.400 = 1.920). Aí X é igual a esse número (2.400) menos esse (1.920). Dá 480.
A tabela 1 mostra as freqüências dos tipos de estratégias em relação à série. O valor de X2 igual a 49.11 foi significativo, indicando que as estratégias de valor unitário e regra de três foram mais utilizadas pelos alunos do 1º científico do que pelos alunos da 7ª série. Para a estratégia de multiplicação seguida de divisão por cem ocorreu justamente o inverso. Nas demais estratégias, não houve diferenças em relação à série. Isto demonstra uma certa influência da escolarização sobre o tipo de estratégia.
Pode-se observar, ainda, que em ambas as séries a estratégia mais utilizada foi a regra de três. Uma possível explicação para esta porcentagem de uso da regra de três (48%) é que o contexto em que os sujeitos realizaram os testes (dentro de sala de aula, de forma coletiva e escrita) pode ter significado que eles deveriam resolver os problemas sob a forma que aprenderam na escola, i.e. a regra de três. Observa-se, também, que as estratégias informais (valor unitário, composição, multiplicação por número racional e multiplicação seguida de divisão) são as menos utilizadas, o que reforça o contexto de formalismo do teste. Um outro dado que reforça esta hipótese é que não foram encontradas diferenças entre os testes envolvendo quantidade e os testes envolvendo número, nem com relação ao número de respostas corretas, nem quanto ao tipo de estratégia utilizada para resolver os problemas. Pode-se concluir, então, que mesmo ao resolverem os testes com quantidades, os alunos os estavam entendendo como um teste escolar e não como uma medida de um conhecimento que também pudessem possuir fora da escola.
A fim de verificarmos uma relação entre as várias estratégias e as diferentes condições utilizadas, uma série de análises foram realizadas. Com relação à comparação "tipo de estratégia versus tipo de valor da porcentagem", encontrouse que a estratégia de valor unitário foi mais freqüentemente utilizada para os valores da porcentagem não-múltiplos de 10% e de 5% que para valores de porcentagem múltiplos de 10% ou de 5%. (X2= 69,23, p>0,001). No caso da estratégia de composição, ocorreu justamente o inverso, ou seja, ela foi mais freqüentemente utilizada para valores da porcentagem múltiplos de 10% ou de 5% que para valores não-múltiplos de 10% ou de 5%. Nas demais estratégias não houve diferença com relação ao tipo de valor. Com isto, podemos perceber que os valores utilizados nos problemas influenciam o tipo de estratégia escolhida pelos alunos. Esta diferença pode ser ilustrada nos dois protocolos a seguir:
LR (1º científico, teste com quantidades, valores de porcentagens não múltiplos de 10% ou de 5%).
Ex - Como você resolveu este problema: Sua caderneta de poupança rendeu 76% este mês. Com isso você ficou com Cr$ 52.800,00. Quanto era que você tinha depositado no mês passado?
LR -52.800 era 100% mais 76% de acréscimo. Aí eu dividi 52.800 por 176 e encontrei 1% do anterior e multipliquei por 100. Deu 30.000.
AF (7ª série, teste com quantidades, valores de porcentagens múltiplos de 10% ou de 5%).
Ex - Me explique como você resolveu a seguinte questão: Sua caderneta de poupançarendeu 70%) este mês. Com isso você ficou com Cr$ 34.000,00. Quanto era que você tinha depositado no mês passado?
AF - 34.000 é igual a 170%. Aí 34.000 dividido por 17 vai dar 10%. Aí da 2.000. 2.000 vezes 7 vai dar 70% que é 14.000. 34.000 menos 14.000 vai ser 170% menos 70% que é 100%. 20.000 é 100%.
Observa-se que, embora os tipos de problemas sejam iguais, diferindo apenas nos valores de porcentagens, houve uma diferença na escolha da estratégia. Enquanto LR preferiu a estratégia de valor unitário, AF preferiu uma composição, encontrando quanto era 10% e trabalhando sempre sobre este valor. A escolha entre estas duas estratégias não parece refletir uma diferença na capacidade de realizar operações, uma vez que ambas utilizam as operações de divisão e multiplicação, sucessivamente. A opção, então, talvez tenha sido, realmente, em função dos valores envolvidos. Talvez por terem dificuldade em decompor os valores não-múltiplos em valores múltiplos, os sujeitos preferissem calcular quanto era 1% do valor dado e trabalhar sobre este 1%.
Greer(9) (1990) apresenta uma revisão de uma série de estudos em que sujeitos empregam diferentes soluções para problemas envolvendo a multiplicação e divisão de números decimais, onde o que mudava era somente o tipo de número empregado. Assim, para resolver um mesmo problema, podiam aplicar as operações de multiplicação quando os números eram inteiros ou decimais maior que 1 e divisão quando os números eram um decimal menor que 1. Greer concluiu, ao final, que embora saibam empregar as operações de multiplicação e divisão, os estudantes ainda não conseguem modelar as situações de maneira generalizada, de forma a empregar uma única solução para todos os problemas.
Talvez aprender a empregar uma única solução não seja a situação ideal pois, a variabilidade pode mostrar que a resolução de problemas é um processo dinâmico e que os sujeitos são sensíveis ao tipo de problema, tentando escolher a forma de solução que pareça mais adequada para cada tipo de problema. O que seria desejado é que os sujeitos pudessem utilizar várias soluções mas mantivessem o significado das operações realizadas em cada solução. A escola deveria trabalhar com estas diferentes soluções e não evitá-las. O uso de diferentes valores poderia contribuir para que estas diferentes soluções surgissem e fossem discutidas.
Qual a diferença das estratégias decomposição e valor unitário para as de multiplicação seguida de divisão por cem e multiplicação por número racional? Todas podem ser consideradas informais, por não serem ensinadas na escola? A principal diferença é que as operações matemáticas envolvidas nestas duas últimas estratégias são geralmente desprovidas de significado. Assim, por exemplo, ao multiplicarmos o número 90.000 por 20 e dividirmos por 100 não há nada nesta operação que nos informe que o valor encontrado é 20% do valor anterior. Já quando se utiliza uma estratégia como a de valor unitário, ao encontrarmos 1% do valor, dividindo 90.000 por 100 e multiplicando-o por 20 fica mais fácil entender que o resultado será 20% de 90.000.
A escola deveria perceber que os valores envolvidos nos problemas afeta a forma como os indivíduos resolvem estes problemas. Isto deveria ser utilizado pelos professores e discutido com os alunos para levá-los a perceber as diferenças e semelhanças entre as diferentes soluções.
Com o intuito de verificar quais estratégias seriam mais eficientes, analisou-se o tipo de estratégia versus o acerto. A tabela 2 mostra a porcentagem de respostas corretas para cada estratégia, em função da série. A análise estatística revelou associações significativas entre série e cada um dos três tipos de estratégias: regra de três (X2 = 65.10, gl=1 e p<0.001); multiplicação seguida de divisão por 100 (X2 = 5.14, gl=1 e p<0.05) e outras estratégias (X2 = 19.50, gl=1 e p<0.001). Este resultado indica que as estratégias do tipo regra de três e outras estratégias tiveram uma freqüência maior de acertos para o 1Q científico que para a 7ª. No caso da multiplicação seguida da divisão, ocorreu o inverso: houve maior freqüência de respostas corretas na 7ª série que no primeiro científico.
O qui-quadrado obtido para a freqüência total (independentemente da série) foi de 329.04, significativo a p<0.001. Com isto, pode-se concluir que : 1. as estratégias de valor unitário e de composição (muito pouco utilizadas, como visto anteriormente) são as que produzem a maior freqüência de respostas certas; 2. a estratégia mais utilizada (regra de três) possui um bom índice de acertos (67,1%), inferior contudo às estratégias de valor unitário e de composição; 3. as estratégias de multiplicação seguida de divisão por 100 e multiplicação por número racional apresentaram aproximadamente a mesma freqüência de respostas erradas e corretas, e 4. as estratégias classificadas em outros tipos apresentaram maior freqüência de respostas incorretas.
Estes resultado sugerem a necessidade de se estudar melhor o uso da regra de três, principalmente em contexto escolar. Em nosso estudo, dois aspectos merecem destaque a respeito desta estratégia: o primeiro foi a alta freqüência de utilização; o outro aspecto foi que neste estudo, a regra de três esteve mais associada a respostas corretas do que em outros estudos anteriores.
Será que o uso da regra de três é "...fracamente entendida pelos alunos..."e "...freqüentemente usada pelos sujeitos para evitar um raciocínio proporcional mas do que para facilitá-lo." (Lesh, Post e Behr, 1988, p. 93), ou será que a compreensão da regra de três é maior do que o que temos encontrado até hoje?
Embora respostas não possam ser dadas, podemos levantar algumas suposições a partir de estudos nesta área. Carraher, Schliemann e Carraher(10) (1984) pediram a alunos de 6ª, 7ª e 8ª séries que resolvessem problemas de física envolvendo o conceito de proporção. Seus resultados mostraram que, embora soubessem utilizar a regra de três, os alunos não a utilizavam para resolver estes problemas, argumentando que ainda não haviam estudado aqueles conteúdos em física. Este mesmo resultado era observado ainda que na formulação dos problemas fosse explicitado que as variáveis do problema eram direta ou indiretamente proporcionais. Portanto, a regra de três pode ser uma estratégia válida, desde que acompanhada da compreensão do que ela representa.
A escola deveria valorizar mais e trabalhar mais com as estratégias informais (composição e valor unitário) como forma de aumentar a compreensão das relações envolvidas no problema. A regra de três poderia ser trabalhada numa etapa posterior de maior formalização dos problemas e não ser o ponto de partida para o ensino de porcentagem, bem como de outros conteúdos ligados à razão e proporção.
Uma questão a ser investigada é se o uso da regra de três está associado não só a acertos mas também a uma maior compreensão das relações existentes nos problemas. Em nosso estudo, não foi possível determinar se esta associação existe. Outras estratégias como a composição e valor unitário, embora menos utilizadas, parecem estar mais ligadas à compreensão das relações entre magnitude e porcentagens.
Em outras situações fora do contexto escolar, o conceito de porcentagem deve surgir e se manifestar de uma maneira diferente. Estudos posteriores devem ter a preocupação de investigar se estes mesmos resultados também seriam encontrados em contextos mais naturais como situações de compra e venda simulada (com descontos e juros) e leituras de dados de pesquisas (eleitorais ou não), utilizando-se sujeitos que possuam experiência em lidar com estes relações como, por exemplo, vendedores, economistas e pesquisadores. Será importante, ainda, observar o que aconteceria se, no lugar de testes escritos, tivéssemos entrevistas, o que poderia facilitar o uso de estratégias orais. Quais estratégias surgiriam? Será que ainda encontraríamos um grande uso da regra de três? Que resultados obteríamos para as comparações realizadas entre as diferentes condições? Esperamos que estas questões possam ser esclarecidas em futuros estudos.
Referências Bibliográficas
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(1) O estudo é parte da dissertação de mestrado do autor (Castro-Filho, 1992). O estudo foi possível graças a bolsa de mestrado do CNPq e FACEPE
(2) Endereço para correspondência: Universidade Federado Ceará Rua Waldery Uchôa, 1 - bl. 123 altos. 60040-100 - Fortaleza, CE. Tels.: (085) 227-5815 (res.) - 283-3926 (UFC) Fax: (085) 243-6253 E-mail: AIRES@LIA.UFC.BR
(3) Spinillo, AG. e Bryant, RE. (1989) Children's proportional judgment: the importance of half. Trabalho apresentado no III Congresso Europeu de Psicologia do Desenvolvimento
(4) Schliemann, A.D.; Vieira, A.C. e Monteiro, C.E.F. (1989) Porcentagens: aprende-se na escola? Trabalho apresentado na 41ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Fortaleza, CE, julho de 1989
(5) Embora não seja descrita detalhadamente esta estratégia no artigo, ela deve significar uma composição aditiva utilizando porcentagens conhecidas. Por exemplo: Para calcular 32% de 5.000, faz-se a seguinte composição: 10% de 5.000 = 5.000/10 = 500 e 1% de 5.000 = 5.000/100 = 50 => 32% de 5.000 = (3 x 500) + (2 x 50) = 1.500 + 100 = 1.600 3 x 10% 2 x 1%
(6) As autoras não esclarecem o que significa estes números "confusos", mas pela descrição de alguns problemas, acredita-se que sejam números poucos utilizados, como números decimais ou frações
(7) Foi feita ainda uma classificação segundo o tipo de erro apresentado. Tal análise nã será, entretanto, descrita aqui
(8) A moeda brasileira, na época do estudo, era o Cruzeiro
(9) O Greer, B. (1990) Learning to apply multiplication and division of decimal in solving problems. Artigo apresentado no 22nd International Gongress of Applied Psychology, Kyoto, Japan, July, 1990
(10) Carraher, T.N.; Schliemann, A.D. e Carraher, D.W. (1984) Can mathematics teachers teach proportions? Trabalho apresentado no Fifth International Congresson Mathematics Education. Adelaide, Austrália