Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.17 no.2 Ribeirão Preto 2009
ARTIGOS
Práticas de socialização e desenvolvimento na educação infantil: contribuições da psicologia sociocultural
Socialization practices in early childhood education from a sociocultural perspective
Raquel Gomes PintoI; Angela Uchoa BrancoII
IUniversidade de Brasília - DF - Brasil
IIUniversidade de Brasília - DF - Brasil
RESUMO
A educação infantil (EI) é considerada como importante corresponsável pelo início da promoção de padrões específicos de interação social, como interações afiliativas, pró-sociais e de caráter cooperativo envolvendo crianças, professores, membros da família e adultos em geral. Assim, o professor destas crianças está intrinsecamente envolvido no seu desenvolvimento e socialização, podendo canalizar determinadas formas de interação social em detrimento de outras, como a violência, por exemplo. As interações sociais construtivas e cooperativas têm o potencial de promover a aprendizagem eficiente de habilidades e conteúdos, assim como a empatia e o respeito mútuo, fundamentais ao desenvolvimento moral. O presente estudo teve como objetivo analisar as concepções e orientações para crenças e valores de professores da EI sobre a temática das relações entre socialização, desenvolvimento e educação infantil. Para isso, foram entrevistadas dezesseis professoras da EI da rede pública de ensino de Brasília. Os resultados das entrevistas individuais indicaram a grande dificuldade da maioria das professoras em definir conceitos fundamentais à socialização e ao desenvolvimento da criança no contexto da EI. Por fim, considera-se a importância de um trabalho cooperativo entre psicologia e educação voltado para a motivação e formação de competências dos professores, com foco na coconstrução diária de um ambiente escolar permeado de interações sociais construtivas.
Palavras-chave: Educação infantil, Psicologia cultural, Socialização, Cooperação entre crianças.
ABSTRACT
Early childhood education is co-responsible for promoting specific patterns of social interactions among children in their relations to other children, teachers, family members and other adults, such as affiliation, pro-sociability, and cooperation. Teachers plays a central role in children socialization and development, being in a position that can canalize children's interactions in directions other than violence, for instance. Constructive and cooperative interactions have a potential to promote the effective learning of academic abilities and competences, as well as of empathy and mutual respect, both cornerstones of moral development. The present study aimed at analyzing ideas, values and belief orientations of early childhood teachers about the relationships between topics such as socialization, children development, and early childhood education. Sixteen teachers working with young children at public schools in the city of Brasilia were intensively interviewed. Results indicate their surprising inability to define or conceptualize basic concepts related to children socialization and developmental processes within the educational context. We claim for the importance of a collaborative work between psychologists and education professionals to encourage teachers' motivation and competence to promote social objectives within school contexts characterized by constructive, positive social interactions among participants.
Keywords: Early education, Cultural psychology, Socialization, Children cooperation.
O presente trabalho tem por objetivo abordar os processos de socialização no contexto da educação infantil (EI) a partir de uma perspectiva da psicologia cultural, ou sociocultural (Bruner, 1997; Cole & Cole, 2004; Rogoff, 2005; Valsiner & Rosa, 2007; Valsiner, 2007), aqui denominada sociocultural construtivista (Branco, 2006; Madureira & Branco, 2005). Busca enfatizar o valor fundamental das interações cooperativas entre crianças e a responsabilidade da educação infantil para a promoção de interações afiliativas, pró-sociais e de caráter cooperativo nas interações sociais que se dão no ambiente da educação infantil, envolvendo crianças, professores, funcionários e família. Inicialmente, apresenta-se uma síntese dos principais conceitos e elaborações teóricas da psicologia cultural, particularmente em sua vertente sociocultural construtivista (Branco, 2006), seguida de questões relativas à socialização e ao desenvolvimento da criança, em particular no contexto da educação infantil. Finalmente, relatam-se e analisam-se as principais características e resultados encontrados em pesquisa empírica sobre o tema, realizada com professoras em Brasília, Distrito Federal. Segue-se uma discussão que aponta para as contribuições específicas de uma perspectiva sociocultural para o estudo do desenvolvimento e da educação infantil, procurando resumir e destacar novas possibilidades e desafios a serem enfrentados no sentido de promover a cooperação infantil no contexto institucional. Destaca-se aqui, portanto, o papel relevante da educação infantil na promoção de valores e práticas sociais capazes de contribuir para a construção de uma sociedade mais democrática e feliz.
Psicologia cultural e desenvolvimento infantil
O referencial teórico-metodológico sociocultural construtivista inspirado na psicologia cultural compreende o desenvolvimento humano como um processo complexo e dinâmico, caracterizado por mudanças de ordem qualitativa. Estas mudanças ocorrem ao longo do tempo ontogenético mediante as interações contínuas que se estabelecem entre o indivíduo e o seu contexto sociocultural. Neste processo, indivíduo e contexto social são participantes ativos que coconstroem crenças, valores, padrões interativos e práticas específicas, nos níveis cultural e subjetivo (Branco, 2003, 2006; Valsiner, 1989, 2007). A compreensão da novidade e da multilinearidade envolvidas no processo de desenvolvimento, assim como a noção da irreversibilidade do tempo e da causalidade sistêmica, são pressupostos teóricos essenciais para a compreensão do desenvolvimento humano nesta abordagem (Valsiner, 1989, 1994, 2007). Além disso, como afirmam Madureira e Branco (2001),
(...) é importante considerar que o desenvolvimento do indivíduo é constituído não só por sua história microgenética (no aqui-e-agora), mas também por sua história ontogenética, antropogenética (dimensão histórico-cultural), filogenética e mesmo sua história física. (p. 67)
Na sequência de eventos interativos, ao longo do tempo, há uma tentativa de integração de todas essas histórias e, durante este complexo processo, novos eventos diferem dos anteriores em forma e contexto, havendo uma produção contínua de novidades. Assim, não há como prever de forma determinista qual será o resultado do processo de desenvolvimento de uma determinada pessoa, uma vez que há uma multiplicidade de fatores que se relacionam de forma sistêmica, influenciando e sendo influenciados pelo sujeito, assim como uma multiplicidade de caminhos ou trajetórias a serem percorridos e muitas vezes escolhidos ao longo do processo de desenvolvimento.
O desenvolvimento psíquico dá-se mediante as atividades semióticas partilhadas nas práticas da sociedade e da cultura. É pela troca cultural em interações sociais que as mediações afetam a organização, o funcionamento e a consequente constituição das funções psicológicas mais sofisticadas (Rogoff, 2005).
Outra característica do desenvolvimento humano é a intrínseca interrelação entre as dimensões da ordem do emocional, social, cognitivo, motor e da personalidade. Assim, o desenvolvimento é um processo complexo que, ao longo da vida do indivíduo, é influenciado e influencia diversos fatores do seu contexto sociocultural. Por exemplo, ao corrigir bruscamente uma criança em uma tarefa, a professora não está interferindo somente em seu processo de desenvolvimento cognitivo, mas também nas emoções, representações sociais e, em especial, nas disposições motivacionais e subjetivas da criança, como as "concepções de si" (Branco & Freire, no prelo; Freire, 2008). A singularidade do sujeito precisa ser considerada: nenhuma pessoa vivencia uma experiência de forma idêntica à outra, mesmo que o contexto sociocultural seja semelhante, ou que algumas características individuais sejam compartilhadas. Assim, o indivíduo ativamente (co)constrói seu desenvolvimento por meio de tentativas de adaptação ao seu meio (Piaget, 1987), podendo ocorrer mudanças a qualquer momento devido a vários fatores, inclusive a escolha de novos caminhos, que podem reverter processos em um mundo que também é múltiplo, dinâmico e complexo (Góes, 2000). Em suma, o indivíduo interage com uma multiplicidade de contextos e pessoas e, nessas interações, ativamente (apesar de nem sempre intencionalmente) seleciona e elabora e eventualmente internaliza (Lawrence & Valsiner, 1993) as mensagens culturais a ele transmitidas, construindo o seu desenvolvimento de forma particular.
As estratégias e situações do cotidiano organizadas pelos adultos que afetam o desenvolvimento infantil são diversas e variam de cultura para cultura (Rogoff, 2005). Há sociedades, por exemplo, onde o adulto explica à criança como agir em determinada situação; em outras, ele familiariza a criança à sua cultura por meio de histórias e lendas do folclore. Já em outras, o uso de encenações e de brincadeiras com a criança é o momento onde crenças e valores são negociados e aprendidos, por meio de perguntas e respostas (Briggs, 1992).
O processo de desenvolvimento da criança envolve, portanto, uma contínua negociação de significados entre os atores em interação, onde as mensagens culturais são interpretadas e reinterpretadas de forma ativa pelos indivíduos. Ao mesmo tempo, tais mensagens culturais, de alguma forma transformadas, são constantemente internalizadas e externalizadas no contexto da sociocultura. O desenvolvimento infantil é, em síntese, um processo bidirecional de coconstrução de significados, onde os pólos da "cultura pessoal" e da "cultura coletiva" constituem um processo interativo no contexto da dinâmica de um sistema aberto (Martins & Branco, 2001; Branco & Valsiner, 1997; Valsiner, 2007). Nesse processo interativo, é marcante o papel mediador da linguagem.
Em função da mediação cultural exercida pelo grupo social e seus membros, o universo semiótico do qual a criança faz parte desde que nasce constitui-se meio rico em produções simbólicas. Assim, as formas culturalmente construídas de organizar, estruturar e dar sentido ao real geram significações próprias, particulares e diferenciadas que permitem às crianças interagir e atuar com intencionalidade, tendo em vista o controle e a regulação de si e dos outros a seu redor, mediante processos de negociação.
A abordagem sociocultural, ao chamar atenção para o papel fundamental da mediação das/nas práticas culturais em que ocorrem as interações e relações sociais, evidencia a importância da dimensão simbólica entre os processos preponderantes na formação da consciência que cada um tem de si e do mundo.
Contextos da educação e desenvolvimento infantil
Segundo Valsiner (2007), pais, professores, colegas mais velhos, mídia etc. estão intrinsecamente envolvidos na canalização cultural do desenvolvimento das crianças (ou das pessoas em geral). De forma intencional ou não, os mais experientes organizam atividades no cotidiano e criam estratégias de ensino com a finalidade básica de coordenar a relação entre as crianças e o mundo físico, as interações das crianças entre si e também com as demais pessoas (Cole, 1992; Rogoff, 2005).
O conceito de canalização cultural é proposto por Valsiner (1989) como um processo caracterizado por uma intencionalidade (metas, objetivos) que, de forma dinâmica, faz com que o contexto se organize e se estruture a partir de objetivos específicos que são negociados nas interações sociais. Os contextos são culturalmente estruturados em função de um objetivo (canalizador), que é coconstruído continuamente através de negociações e renegociações dos limites (constraints) decorrentes desta coconstrução. Dialeticamente, então, sugestões sociais diretas ou indiretas contribuem para a estruturação do contexto, e os limites estabelecidos pelas estruturas do contexto (constraints internos e/ou externos) irão promover a canalização cultural.
Um exemplo seria a organização de uma atividade competitiva entre crianças. Na pesquisa de Palmieri (2003), a professora foi solicitada a organizar uma atividade que promovesse a cooperação, no entanto, ela planejou e desenvolveu uma atividade caracteristicamente competitiva. Ao estabelecer a meta (ganhar), ao organizar e instruir as crianças, ela culturalmente canalizou as ações e interações dos alunos no sentido da competição entre eles. Entretanto, a própria professora não se deu conta disto (Palmieri, 2003).
Em outras palavras, é fundamental diferenciar entre a ação de educar formalmente e a de ensinar informalmente. Neste último caso, a aprendizagem ocorre mesmo que não haja, por parte do educador, uma intenção explícita de promover a aprendizagem. Por orientação implícita, entendem-se as variadas formas de manifestação do currículo oculto (Branco & Mettel, 1995) associado à metacomunicação (Branco & Valsiner, 2004; Branco & Madureira, no prelo). O currículo oculto se expressa pela canalização, muitas vezes sutil, das crenças, valores e ações dos alunos em certa direção, e pode ocorrer, por exemplo, por meio de elogios a um modelo a ser seguido, pela estruturação individual e/ou competitiva das tarefas escolares, ou pela atribuição/retirada de pontos em determinadas situações.
A educação formal é praticada nas instituições educacionais de forma sistematicamente organizada por meio de objetivos educativos específicos, e suas funções e estruturas são definidas para o alcance de tais objetivos. Quase sempre, objetivos cognitivos e disciplinares são efetivamente traduzidos de forma clara e concreta, enquanto objetivos sociais, afetivos e de ordem moral permanecem no nível da obscuridade e não explicitação. Entretanto, o desenvolvimento destas dimensões menos privilegiadas pelo contexto educacional acontecem, de uma forma ou de outra, mediante vivências e experiências concretas de comunicação e metacomunicação, ao longo das rotinas diárias e da ocorrência de eventos rituais ou eventuais (ensino informal, que se dá mediante a atuação de um currículo oculto). Nestes contextos, crenças e valores, mesmo que não explicitados verbalmente, sempre orientam a conduta de professores e administradores da instituição. Lima (1990) afirma que
a escolarização foi considerada para Vygotsky como uma possibilidade única de desenvolvimento para o ser humano, uma vez que as aprendizagens que nela acontecem teriam pouca ou nenhuma possibilidade de ocorrer na vida cotidiana. (p. 30)
Portanto, é necessário envidar esforços - daí a noção de desafio - para explicitar, analisar e promover objetivos educacionais que incluam a promoção do desenvolvimento afetivo, social, moral e pessoal de cada criança. É exatamente a carência de preocupação, sistematização e disposição para tal que frequentemente compromete a qualidade do ensino, pois tais dimensões estão na base da motivação, sem a qual qualquer tipo desenvolvimento fica prejudicado.
A criança pequena apresenta, desde o nascimento, potencialidades que são desenvolvidas em contextos de interação social que propiciam a aprendizagem. À medida que as atividades da criança se tornam mais complexas, os indícios da suas demandas passam a ser significados pelo outro social, e ressignificados pela própria criança, tanto no contexto das interações com os adultos, quanto nas interações com seus colegas. Desde o início, portanto, se estabelece entre a criança e aqueles que com ela convivem e interagem, um circuito de comunicação e metacomunicação (Branco & Valsiner, 2004; Branco & Madureira, no prelo) que se caracteriza por contínua criação e negociação de significados que vão introduzindo a criança no universo cultural de seu grupo social. Relegar para um segundo plano as interações criança-criança para que estas apenas ocorram de forma espontânea reflete uma grande ingenuidade por parte dos educadores, posto que além da espontaneidade existe uma necessidade concreta e objetiva de promover objetivos educativos de natureza sociomoral e afetiva, dentre os quais ressaltamos a necessidade da promoção da cooperação entre as crianças.
Góes (2000) ressalta a importância das interações sociais ao afirmar que "as funções psicológicas emergem no plano das relações sociais, e o indivíduo se constrói a partir delas" (p. 121). As crianças, ao interagirem ativamente com seu meio sociocultural, negociam regras, desempenham papéis, testam limites, criam culturas particulares e, constantemente, elaboram conhecimentos sobre si mesmas ("concepções de si", Branco & Freire, no prelo; Freire, 2008), conhecimentos sobre os outros e sobre o mundo. Além disso, na percepção de si como separada das outras pessoas e, ao mesmo tempo, relacionada a elas, a criança vive sua coconstrução como indivíduo, o que qualifica o desenvolvimento da pessoa como intrinsecamente social (Valsiner, 1989, 2007).
As interações sociais são o meio propício para a emergência da individualidade e condição necessária para o desenvolvimento global do ser humano, estando na base do desenvolvimento das funções mentais superiores, da afetividade e da personalidade (Valsiner 1989, 1994, 2001, 2007). As relações sociais promovem, portanto, o desenvolvimento infantil, guiando este desenvolvimento em determinadas direções. No processo de socialização, há empenho dos adultos em fazer das crianças seres de sua cultura. Os esforços adultos, porém, são geralmente orientados para uma socialização muito mais entendida como cooperação com o adulto (obediência, boa vontade), e são poucos os que se preocupam em incentivar a colaboração e a empatia entre os pares, ou seja, entre as próprias crianças (Palmieri & Branco, 2007; Eisenberg & Mussen, 1989).
Educação Infantil, Sociogênese da Cooperação e Mediação do Professor
Sem a vivência concreta de atividades efetivamente estruturadas para promover a cooperação, dificilmente haverá, por parte das crianças, a internalização de valores e o aprendizado da cooperação. Os processos de sociogênese e internalização relacionam-se com a qualidade da comunicação e, especialmente, da metacomunicação (Branco, Pessina, Flores, & Salomão, 2004), onde o afeto e a emoção assumem papel fundamental na coconstrução dos significados sobre o mundo, as pessoas e sobre si mesmo. Neste sentido, vale destacar o papel da metacomunicação.
Segundo Branco (2005), o termo metacomunicação é polissêmico e, necessariamente, se remete a comunicação sobre comunicação. A metacomunicação relacional é aquela de maior interesse para a psicologia, entendida como "a comunicação sobre qualquer aspecto relacionado à qualidade das interações ou relações pessoais" (Branco, 2005, p. 417).
Uma vez que as pessoas coconstroem seu desenvolvimento por meio de interações afetivas e sociocognitivas, a metacomunicação tem papel de destaque nesse processo, trazendo nuances ao complexo processo comunicativo. Por exemplo, a frase "Menino, estou muito feliz com seu comportamento", pode ter diferentes impactos no comportamento e desenvolvimento da criança, dependendo da forma como ela é dita (com raiva, ironia, de forma séria, com uma piscada de olhos etc), das prévias interações da professora com a criança e, ainda, de como a frase é interpretada naquele momento pelo menino.
Quando as interações sociais criança-criança ocorrem nos ambientes educativos sempre envolvem processos comunicativos e metacomunicativos de grande complexidade, mediados pela articulação de elementos verbais e não verbais. Tais processos acabam por gerar um clima (ou frame, Fogel, 1993) afetivo interpretativo caracterizado por interações construtivas ou negativas (no sentido de sugerirem uma disposição antissocial, Branco & Mettel, 1995; Staub, 2003). Interações sociais construtivas são aquelas onde há estímulo ao desenvolvimento de sentimentos e atitudes positivos em relação a si mesmo e ao outro (típicos da cooperação). Nas interações sociais negativas, entretanto, a ênfase recai sobre o interesse individual, sem que haja preocupação com os sentimentos ou necessidades dos outros. Tais interações vêm, geralmente, associadas a diferentes graus de hostilidade e/ou competição com o colega.
Assim sendo, a identificação e análise da estrutura de cada atividade pedagógica é fundamental quando se pretende estimular ou promover o desenvolvimento de padrões de interação criança-criança específicos (Branco & Mettel, 1995). Uma atividade em grupo cooperativa tende a promover cooperação, e a competitiva, competição. Porém, a qualidade das interações professor-alunos e alunos-alunos depende muito das crenças e orientações efetivas da professora: por exemplo, desenhar pode ser uma atividade cooperativa, individualista ou negativa, dependendo de como a professora comunica e metacomunica suas expectativas: ela pode estimular a cooperação ou a competição, ou pode solicitar que cada um faça o seu, sem maiores comentários.
Ao ser discutido o desenvolvimento infantil, a socialização é um dos temas especialmente relevantes. A socialização é compreendida como a promoção de interações sociais entre as pessoas, sendo essencial promover interações construtivas entre as crianças nesse processo. Essas interações, que vão do conflito construtivo à solidariedade, são condição essencial para o desenvolvimento global da criança, o qual inclui múltiplos domínios como a psicomotricidade, a personalidade, o domínio socioemocional e cognitivo (Devries & Zan, 1998).
As oportunidades de socialização no desenvolvimento infantil podem ser potencializadas ou minimizadas em contextos estruturados como o espaço formal da escola e, mais especificamente, da sala de aula, permeados por crenças, valores culturais e objetivos educacionais a alcançar. Daí a importância das práticas educativas e dos significados culturais que permeiam a educação formal de crianças na educação infantil. Compreendida a educação infantil como um conjunto de práticas intencionalmente planejadas para propiciar o desenvolvimento da criança até seis anos, é importante ressaltar o papel indispensável do mediador desse processo de aprendizagem - o professor.
As mediações do professor devem ser significativas e planejadas de modo intencional, uma vez que este deve potencializar, em seus alunos, desenvolvimentos psicológicos cada vez mais sofisticados e complexos, por meio da aprendizagem do conhecimento formal, culturalmente valorizado, assim como da promoção de objetivos socioafetivos, morais e relativos ao desenvolvimento pessoal de cada criança. Como anteriormente referido, todo contexto de sala de aula é permeado por crenças, valores e objetivos nem sempre explícitos nos planejamentos e na proposta pedagógica da escola. Assim, as atitudes de um professor, em sala de aula, são frequentemente carregadas de ambiguidades. As ações do professor são orientadas pelos seus conhecimentos culturais e por sua visão de mundo, por suas crenças, valores e orientações pessoais. As culturas coletiva (da sociedade mais ampla) e pessoal (aquela internalizada ao longo do processo de desenvolvimento) do professor acabam por canalizar as suas práticas educativas e, assim, de diversas maneiras, influenciam fortemente o desenvolvimento das crianças. Consequentemente, algumas dessas práticas facilitam o desenvolvimento infantil, enquanto outras podem prejudicar a criança, criando dificuldades e mesmo barreiras para o seu desenvolvimento ("A tia tá certa, eu sou mesmo burro prá matemática..."). Estar alerta para o papel da cultura sobre seu próprio comportamento, portanto, é essencial à atuação do professor. Além disso, ele precisa estar sensível às diferenças culturais entre o grupo de sala de aula, especialmente diferenças de ordem comunicativa (linguagem) e cognitiva (ver estudos sobre o ensino da matemática, Carraher & Schliemann, 1983, por exemplo) de seus alunos.
No caso da educação infantil, para que ocorram mudanças, é preciso repensar as crenças, os valores e as concepções que permeiam a escola e a prática de seus profissionais. As concepções de desenvolvimento humano, por exemplo, organizam a prática profissional de professores, pedagogos e psicólogos, definem os objetivos e metodologias de pesquisa e de atuação na escola, assim como os conteúdos e estratégias de cursos de formação de professores da educação infantil.
A pesquisa por nós efetuada sobre socialização, cooperação e desenvolvimento na educação infantil nas palavras de professoras, nos permitiu verificar o tamanho do desafio a ser enfrentado nesta direção.
A voz de professoras da educação infantil: contribuições de um estudo empírico
Sujeitos
Foram entrevistadas 16 professoras de educação infantil de duas escolas da rede pública de ensino em Brasília foram investigados pela primeira autora (Gomes Pinto, 2007), sob a orientação da segunda. Os dois centros de educação infantil que se dispuseram a participar da pesquisa estão localizados em escolas na Asa Sul, bairro de classe média do DF.
Procedimentos
Utilizando metodologia qualitativa, foram realizadas entrevistas individuais e sessões de grupo focal. As 16 entrevistas duraram, em média, 50 minutos e foram orientadas por um roteiro semiestruturado. Após as entrevistas individuais, as professoras foram convidadas para participar de quatro encontros de grupo focal, onde foram realizadas atividades voltadas para os temas em investigação na pesquisa, sendo a proposta aceita por quatro das professoras entrevistadas de uma das instituições.
O método de análise de entrevistas e dos grupos focais foi o hermenêutico-interpretativo (Gaskins, Miller & Corsaro, 1992), o qual buscou identificar o posicionamento pessoal de cada professora sobre desenvolvimento e os objetivos da educação infantil. Após a análise minuciosa das falas, foi realizada uma comparação entre a definição de desenvolvimento infantil e de objetivos da educação propostas pelas entrevistadas. Ou seja, foram investigadas as coerências e incoerências entre aquilo que as professoras definem como o esperado para a criança e o que elas visam alcançar por meio do seu trabalho.
Resultados e Discussão
O Quadro 1 representa a síntese das entrevistas individuais sobre a definição de desenvolvimento infantil e os objetivos apontados pelas professoras como norteadores do seu trabalho com as crianças e aspectos da análise. Os nomes que constam no quadro são fictícios.
Analisando a definição de desenvolvimento infantil e os objetivos da educação que as professoras apresentaram nas entrevistas individuais, observa-se que nem sempre existe uma articulação entre desenvolvimento, socialização e práticas educativas. Nota-se, em suas concepções, incoerências entre desenvolvimento infantil e objetivos educacionais nas séries iniciais, assim como pouca clareza conceitual na definição do desenvolvimento e/ou dos objetivos da educação infantil. Observa-se que as professoras não focam o desenvolvimento social como inerente ao desenvolvimento infantil nem incluem a socialização infantil como objetivo da educação. Conforme sintetizado no Quadro 1, as professoras enfatizam o desenvolvimento cognitivo (conteúdos escolares) e a internalização de regras sociais ("obedecer à professora") como metas da educação infantil.
As entrevistas individuais, ao serem articuladas às sessões de grupo focal, trazem considerações interessantes sobre o posicionamento das professoras acerca do objetivo da educação infantil e da definição de desenvolvimento infantil.
Quarenta e cinco por centro das professoras avaliaram a socialização como o objetivo principal da EI, porém, a maioria não soube definir o conceito de socialização, nem como promovê-la no contexto escolar. Boa parte das professoras (30%) definiu como objetivo da EI promover o desenvolvimento das etapas iniciais da criança, prevalecendo o discurso de preparar a criança para as séries posteriores à EI, cultivar nelas o gosto pela escola, pela leitura e escrita e preparar a criança para ser um adulto.
Dez por cento das professoras (10%) mencionaram a EI como uma oportunidade de compensar carências das crianças. Para essas professoras, as crianças na escola têm a oportunidade de brincar e visitar locais que nunca iriam se dependessem exclusivamente da família. Outros 10% consideraram a EI como voltada para a promoção de conteúdos, desconsiderando as questões sociais importantes para o desenvolvimento infantil.
Cinco por cento das entrevistadas (5%) mencionaram a importância do cuidar articulado ao educar. Além disso, a menção marcante a "socialização" não significa, necessariamente, que as professoras compreendem o conceito, como exposto a seguir.
Como mostra a Figura 2, mais da metade das professoras (53%) definiu socialização como interação. Porém, como apontou a análise qualitativa, a maior parte delas teve dificuldade em explicar como ou que tipo de interação estaria envolvida na socialização na EI. Apareceu ainda, como mostra a Figura 2, a definição de socialização como algo espontâneo (sem interferência de outro ou outros no processo).
As professoras entrevistadas, apesar de terem mencionado a socialização como objetivo principal e terem definido socialização como interação, ao descreverem as suas rotinas de atividade (o que mais promovem em sala de aula) citaram, em sua maioria, atividades mais orientadas para o desenvolvimento psicomotor e cognitivo do que voltadas para o desenvolvimento social das crianças. As rotinas foram definidas como o desenvolvimento de atividades como leitura, escrita e conteúdos do currículo e atividades focadas na promoção da independência e autonomia pessoal da criança, em termos de autocuidado (vestir-se, calçar-se, fazer a higiene pessoal).
A incoerência entre objetivos da educação infantil e atividades realizadas também foi discutida por Marta, coordenadora de uma das escolas. A profissional mencionou que a EI tem o objetivo de dar suporte para a criança se tornar um cidadão autônomo; porém, como os pais veem na EI um lugar privilegiado de cuidado, as professoras se envolvem muito no cuidar e deixam o educar para um segundo plano. Neste caso, a própria coordenadora relatou presenciar atividades sem sentido em sala de aula e situações onde as crianças eram deixadas sozinhas para socialização, enquanto a professora regente folheava uma revista.
Lorena (professora) definiu atividades voltadas para a socialização como rápidas e planejadas, associada às atividades livres em grupo. Mas, ao dar um exemplo de socialização, Lorena enfatizou o caráter espontâneo do processo, sem fazer referência à influência dos adultos e das atividades que estes propõem e supervisionam na socialização. No Grupo Focal, Lorena descreveu uma atividade muito interessante, porém, mais uma vez, mostrou estar desatenta para os aspectos relacionados à socialização. Assim, ela parece desperdiçar, em suas atividades rotineiras, chances de promover interações sociais positivas entre seus alunos, potencializando a mediação de valores sociais positivos em sua turma durante a socialização.
Por outro lado, apesar da professora Adriana assumir não entender exatamente o que é socialização, ela forneceu uma definição muito próxima, ao avaliar o processo como presente em todas as atividades nas quais as crianças têm a oportunidade de interagir entre elas. Além disso, a professora atrelou o conceito de socialização à promoção de interações pró-sociais.
"Socialização, eu creio que seja o momento em que o aluno já está, eu não digo pronto porque ninguém vai estar pronto assim, né? Mas que ele já consegue se inteirar de uma forma tranquila com o outro, comunicando-se, trocando alguma coisa, na brincadeira ele troca um brinquedinho, eles fazem uma historinha... Em muitos momentos, nesse momento de socialização, né? Que eu acho uma coisa maior, a socialização, né? Eu não entendo muito assim tão específico". (Adriana)
A maioria das professoras, nas entrevistas individuais, sobrepôs também os conceitos de egocentrismo e egoísmo, utilizando-os como sinônimos. Definiram a socialização como um processo que leva as crianças pequenas, egoístas e individualistas, a se tornarem boas e obedientes. Assim, tornar as crianças pacíficas superou a dimensão genuína e inerente à socialização na EI, que seria proporcionar à criança pequena - que é egocêntrica, centrada em suas próprias perspectivas de pensamento e com dificuldade de colocar-se no lugar do outro - o desenvolvimento de interações sociais empáticas, cooperativas e solidárias.
A diferenciação entre atividades em grupo e atividades que promovem a interação entre as crianças é outra questão. As professoras, em geral, não conseguiram diferenciar atividades que promovem a interação social daquelas onde a criança simplesmente senta ao lado do colega e segue instruções da professora. Esta confusão teórica e prática é problemática, principalmente porque as professoras associaram a interação à definição de socialização. Algumas professoras, como Regina e Fernanda, entretanto, perceberam esta questão de forma perspicaz:
"Porque às vezes você pode estar, em todo Jardim tem mesa de quatro lugares, em grupo, mas isso não quer dizer que porque ele está em grupo ele está interagindo, né? É distinto. Eu posso estar do seu lado sem estar interagindo com você. Você pode favorecer essa socialização na medida em que você tem atividades que promovam essa interação, que promovam esse precisar do outro". (Regina)
Pesquisadora: "E, em sua opinião, o que é socialização?"
"Socialização? É interação. Primeiro com você mesmo, aí entra a questão da autoestima, porque pra você se manifestar bem pro outro você tem que ter essa confiança de que você tem coisas boas pra serem apresentadas. E, depois, com o outro. Isso é igual à socialização. Você interagir com o outro, aceitar, ouvir, é algo que a gente trabalha muito - esse é um objetivo importante da educação infantil -, mas é algo que é ao longo da vida". (Fernanda)
Trinta e três por cento das professoras (Figura 3) definiram desenvolvimento infantil como a sucessão de etapas ao longo da vida das crianças. Como na definição de socialização, aqui também apareceu a ideologia da espontaneidade, ou seja, que a criança se desenvolve sozinha e naturalmente.
Paula definiu desenvolvimento como constituído de etapas, mas de forma muito diferente das outras professoras, ao falar que o mesmo é variável de criança para criança e dependente do estímulo que recebem. Paula mostrou-se muito observadora das singularidades dos seus alunos:
"Como definir? (falando baixo) Eu acho que ele é um desenvolvimento assim, que ele acontece gradativo, né? Vai, varia muito, é... a questão da maturidade das crianças dentro de sala, a gente percebe, é... Quanto mais estímulos eles têm, quanto mais é de repente cobrado deles, mais eles correspondem. E tem aquela coisa assim, eu tenho crianças em sala que você percebe a diferença do meio em que eles vivem, crianças que precisam, que 'se viram', que precisam 'se virar' sozinhas mais rápido, crianças que têm tudo na mão, né? (...) Então eu acho que o desenvolvimento, ele é individual, vai de criança para criança, depende do estímulo que recebe. Tem crianças que têm fascínio pela leitura porque os pais já trabalham isso antes, né? Já tão ali em casa estimulando isso, por música, tem crianças que cantam assim, você fala (muda a voz) - De onde é que você aprendeu isso? - Porque a mãe ta trabalhando, fazendo as coisas, ta com o rádio ligado, então ele ta ouvindo, então ele recebe muito estímulo".
Algumas professoras (22%, Figura 3) mencionaram o desenvolvimento infantil como global, envolvendo aspectos afetivos, emocionais e sociais, porém, no geral, as definições foram tautológicas, como desenvolvimento é desenvolver. Algumas professoras mencionaram o desenvolvimento de uma habilidade específica (motora, por exemplo), o alcance de uma finalidade (chegar a um ideal, ser adulto) e, por fim, algumas professoras mencionaram de forma adequada os fatores que influem no desenvolvimento: família, alimentação, maturação biológica, interação social, educação e carinho. Lorena assumiu não saber definir desenvolvimento, apesar de conseguir mencionar o que está envolvido no processo:
"Ah, me vem à cabeça sempre aquelas que a gente aprende, né? Mas é... Desde a gestação, né? (...) Todas as pessoas que atuam, todos os cuidadores, né? E alimentação e tudo mais. Tem todos os fatores sócios econômicos (sic) e culturais que envolvem, né? É difícil, acho que não estou muito boa pra isso." (Lorena)
Por fim, Manuela não soube definir desenvolvimento, não expressando sequer uma ideia sobre o conceito. A ignorância por parte desta professora e a confusão conceitual, ou compreensão limitada sobre as relações entre socialização e desenvolvimento (quando discorreram sobre os objetivos principais da EI), sem dúvida comprometem a qualidade do ensino e apontam para a necessidade urgente de capacitação dos professores da EI.
"Desenvolvimento infantil (pensa)... Eu acho que é... (pensa)... Tecnicamente eu não sei estar definindo esse termo". (Manuela)
Segundo Lima (1990), o processo de escolarização ocorre como resultante da articulação entre desenvolvimento, aprendizagem, socialização e formação da personalidade. Promover essa articulação, segundo a autora, constitui-se o desafio para a educação escolarizada. Nesse sentido, não há como separar a socialização da educação cognitiva: as relações sociais não são ensinadas como conteúdo à parte das demais atividades, e devem ser trabalhadas diariamente em todos os contextos, com foco na promoção de interações sociais positivas.
Partindo-se do pressuposto de que, de forma direta ou indireta, a concepção de desenvolvimento e objetivos da educação infantil orienta as práticas educativas, verificam-se lacunas teóricas que, provavelmente, podem implicar em práticas inadequadas por parte dos professores da educação infantil (Neves Pereira, 2004; Palmieri, 2003). Conforme exposto, observa-se que os valores sociais positivos têm ficado em segundo plano nas interações e relações humanas, inclusive na educação infantil, sendo imprescindível que ciência e sociedade se unam para minimizar situações de violência, injustiça e intolerância, ampliando as ações voltadas para a paz e para a cooperação desde a infância, na família e na escola.
Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (MEC, 1998), os objetivos dos componentes curriculares desta etapa de escolarização envolvem o desenvolvimento de competências e habilidades de ordem físico-motora, afetiva, cognitiva, ética, estética, de inserção social e referentes às relações interpessoais. As estratégias educativas para promover tais competências e habilidades são diversas e devem ser elaboradas de forma intencional e reflexiva, orientadas por um referencial de desenvolvimento que contemple a complexidade sistêmica do processo, enfatizada, por exemplo, pela abordagem sociocultural construtivista.
Segundo os dados desta pesquisa, percebe-se a falta de informação e de formação das educadoras entrevistadas. Diante disso, o foco de um trabalho de formação de professores para a educação infantil deve colocar-se nas intencionalidades e concepções que permeiam todas as ações pedagógicas na própria prática com as crianças. Tanto no processo de formação, quanto na orientação destes professores, é preciso propiciar vivências e práticas educativas eficazes e orientadas para o alcance de objetivos claros e específicos, em todos os níveis.
Considerando as concepções das professoras entrevistadas, é bastante provável que estas improvisem ações sem que tenham clareza dos objetivos a que conduzem tais ações. A análise dos dados não revelou, por exemplo, um conhecimento teórico mínimo e/ou consistente acerca do próprio desenvolvimento infantil, sendo poucas as entrevistadas que pareciam compreender a natureza integrada da emoção, da cognição, da linguagem, do social e do afeto, e de como todas estas dimensões se entrelaçam ao longo do processo de ensino-aprendizagem.
Ao focar prioritariamente a aprendizagem de conteúdos formais (letramento) ou o desenvolvimento de comportamentos específicos (boas maneiras), de acordo com as entrevistadas a educação infantil perde o seu objetivo maior de oportunizar às crianças pequenas um espaço propício ao seu desenvolvimento global. Além disso, quando apontam nos objetivos da educação infantil a socialização, o desenvolvimento da ética e da autonomia, sem maior clareza do significado destes conceitos poderá resultar na utilização de práticas educativas ineficazes ou, até mesmo, inadequadas (Palmieri & Branco, 2007).
De acordo com os dados da pesquisa aqui apresentada, considera-se que os professores da educação infantil devem participar de práticas culturais pedagógicas de formação continuada com ênfase no desenvolvimento de práticas sociais construtivas, voltadas para a cooperação entre as crianças. Desse forma, conclui-se que a psicologia e a pedagogia, entre outras ciências, podem e devem se articular para promoverem estratégias efetivas de promoção da paz e da cooperação em sala de aula, com foco no desenvolvimento de interações sociais humanas e solidárias. Sem dúvida, a cooperação atua como propulsora da aprendizagem das demais habilidades infantis, como os conteúdos escolares, coordenação motora e autonomia (Slavin, 1991).
Considerações finais
A partir das reflexões aqui desenvolvidas e dos resultados da pesquisa acima mencionada, evidencia-se a necessidade de uma formação continuada para os professores da educação infantil, especialmente no que concerne a temas próprios do conhecimento psicológico, a saber: interações sociais positivas, com foco na cooperação como propulsora do desenvolvimento global da criança.
Dentre as competências mais importantes em relação à formação de professores para a educação infantil, vale salientar o conhecimento intelectual e o desenvolvimento de crenças e valores impregnados de emoção e convicção de que a estrutura e, especialmente, a qualidade das interações e relações sociais têm fundamental importância para o desenvolvimento global das crianças, em todas as suas dimensões.
Como demonstrou a pesquisa mencionada (Gomes Pinto, 2007), algumas professoras de educação infantil necessitam do aporte teórico-prático da psicologia do desenvolvimento para, após uma formação assistida e continuada, terem a habilidade de definir objetivos educacionais relacionados com uma concepção de desenvolvimento infantil como a defendida pela abordagem sociocultural construtivista (Barreto, 2004).
Muitas ações pedagógicas deixam de englobar todos os aspectos do desenvolvimento infantil justamente porque as professoras não tiveram, ainda, oportunidade de relacionar teoria e prática e vivenciar os conceitos aprendidos em cursos de aperfeiçoamento. Compete, pois, aos educadores, internalizar a importância do seu papel mediador entre o aporte teórico-conceitual da psicologia, pedagogia e sociologia e as demandas diárias da organização e desenvolvimento das atividades educativas no dia a dia da instituição. Segundo Tanamachi (2000), é preciso, em especial,
(...) criar condições para a elaboração de programas compatíveis com as necessidades de formação do professor, de modo que possam adquirir conhecimentos da Psicologia necessários ao planejamento de suas ações pedagógicas em novas direções (...).( p. 95)
É exatamente nesta direção que a colaboração de uma perspectiva sociocultural construtivista é bastante oportuna. Por um lado, abre perspectivas concretas para o desenvolvimento de novas práticas culturais que sublinham o papel fundamental das interações e relações sociais no contexto do desenvolvimento e da educação. Por outro, a perspectiva salienta a importância do sujeito ativo, intencional e consciente na promoção de objetivos educacionais específicos, dentre eles os sociais, apontando para o valor de metodologias microgenéticas que auxiliam o educador a identificar e analisar aspectos centrais da estrutura e da dinâmica interacional no contexto cultural das atividades pedagógicas.
Em resumo, o contexto escolar, juntamente com a família, são espaços privilegiados para a promoção do desenvolvimento social e da cooperação entre as crianças, devendo as dinâmicas interativas e projetos educacionais serem canalizados para o desenvolvimento de interações e relacionamentos caracterizados pelo respeito e pela cooperação entre as pessoas. Sem desconsiderar a premente necessidade de projetos políticos mais amplos no sentido de promover a justiça social e a democracia, atuar junto à escola e à família consiste em alternativa importante e eficaz para a promoção da paz e de valores sociais construtivo em nossa sociedade.
Referências
Barreto, A. M. R. F. (2004). Educação infantil: crenças sobre as relações entre práticas pedagógicas específicas e desenvolvimento da criança. Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília. [ Links ]
Branco, A. U. (2003). Social development in social contexts: cooperative and competitive interaction patterns in peer interactions. In J. Valsiner, & K. J. Connolly (Orgs.), Handbook of developmental psychology. Londres: Sage. [ Links ]
Branco, A. U. (2005). Peer interactions, language development and metacomunication. Culture & Psychology, 11(4), 415-429. [ Links ]
Branco, A. U. (2006). Crenças e práticas culturais: co-construção e ontogênese de valores sociais. Revista Pro-Posições (UNICAMP), 17(2), 139-155. [ Links ]
Branco, A. U., & Freire, S. F. (no prelo). Dynamic Self Conceptions: Theoretical and methodological contributions to the Dialogical Self Theory. [ Links ]
Branco, A. U., & Madureira, A. F. (no prelo). Psicologia escolar e diversidade: práticas, crenças e valores na construção de uma cultura democrática. In M. A. Dessen, & D. M. Maciel, (Orgs.), Desenvolvimento Humano: Contribuições para o Diálogo entre Psicologia e Educação. Porto Alegre: ArtMed. [ Links ]
Branco, A. U., & Mettel, T. P. L. (1995). Canalização cultural das interações criança-criança na pré-escola. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 11(1), 13-22. [ Links ]
Branco, A. U., & Valsiner, J. (2004). Communication and metacommunication in human development. Greenwich, CT: Information Age Publishing. [ Links ]
Branco, A. U., Pessina, L., Flores, A., & Salomão, S. (2004). A sociocultural constructivist approach to metacomunication in child development. In A. U. Branco, & J. Valsiner (Orgs.), Metacomunication in human development (pp. 3-32). Greenwich, CT: Information Age Publishing. [ Links ]
Branco, A., & Valsiner, J. (1997). Changing metodologies: A co-constructivist study of goal orientations in social interactions. Psychology & Developing Societies, 9(1), 35-64. [ Links ]
Briggs, J. L. (1992). Mazes on meaning: How child and a culture create each other. In W. A. Corsaro & P. J. Miller (Orgs), Interpretative approaches to children's socialization. New Directions for Child Development, (pp. 25-50). San Francisco, CA: Jossey-Bass Publishers. [ Links ]
Bruner, J. (1997). Atos de significação. Porto Alegre: ArtMed Editora. [ Links ]
Carraher, T. N., & Schliemann, A. D. (1983). Fracasso Escolar: uma questão social. Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas, 45, 3-19. [ Links ]
Cole, M. (1992) Culture in development. In M. H. Bornstein, & M. E. Lamb (Orgs). Developmental psychology: An advanced textbook (3a. ed.) (pp. 731-788). Hillsdale, N.J.: Lawrence Earlbaum Associates. [ Links ]
Cole, M., & Cole, S. R. (2004). O desenvolvimento da criança e do adolescente. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Devries, R., & Zan, B. (1998). A ética na educação infantil: o ambiente sócio moral na escola. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Eisenberg, N., & Mussen, P. H. (1989). The roots of prosocial behavior in children. New York: Cambridge University Press. [ Links ]
Fogel, A. (1993). Developing through relationships: Origins of communication, self and culture. Chicago: The University of Chicago Press. [ Links ]
Freire, S. F. (2008). Concepções dinâmicas de si em crianças em fase de escolarização: uma abordagem dialógico-desenvolvimental. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília. [ Links ]
Gaskins, S., Miller, P. J., & Corsaro, W. A. (1992). Theoretical and methodological perspectives in the interpretive study of children. In W. A. Corsaro, & P. J. Miller (Orgs.), Interpretive approaches to children's socialization: New Directions for Child Development, (pp. 5-24). San Francisco, CA: Jossey-Bass Publishers. [ Links ]
Góes, M. C. R. (2000). A formação do indivíduo nas relações sociais: contribuições teóricas de Lev Vigotski e Pierre Janet. Educação & Sociedade, 21, 116- 131. [ Links ]
Gomes Pinto, R. (2007). Educação infantil: desenvolvimento social na perspectiva de professoras. Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília. [ Links ]
Lawrence, J., & Valsiner, J. (1993). Conceptual roots of internalization: from transmission to transformation. Human Development, 36, 150-167. [ Links ]
Lima, E. C. A. S. (1990). O conhecimento psicológico e suas relações com a educação. Em aberto, 9(48), 3-24. [ Links ]
Madureira, A. F., & Branco, A. U. (2001). Pesquisa qualitativa em psicologia do desenvolvimento: questões epistemológicas e implicações metodológicas. Temas em Psicologia da SBP, 9(1), 36-75. [ Links ]
Madureira, A. F. A., & Branco, A. U. (2005). Construindo com o outro: uma perspectiva sociocultural construtivista do desenvolvimento humano. In M. A. Dessen & A. L. Costa Junior. (Orgs.), A ciência do desenvolvimento humano: tendências atuais e perspectivas futuras. Porto Alegre: Artmed Editora. [ Links ]
Martins, L. C., & Branco, A. U. (2001) Desenvolvimento moral: considerações teóricas a partir de uma abordagem sociocultural construtivista. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 17(2), 169-176. [ Links ]
Ministério da Educação - MEC (1998). Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Volume I. [ Links ]
Neves Pereira, M. S. (2004). Criatividade na educação infantil: um estudo sociocultural construtivista de concepções e práticas de educadores. Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília. [ Links ]
Palmieri, M. W. A. R. (2003) Cooperação, competição e individualismo: uma análise microgenética de contextos de desenvolvimento na pré-escola. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília. [ Links ]
Palmieri, M. W., & Branco, A. U. (2007). Educação infantil, cooperação e competição: análise microgenética sob uma perspectiva cultural. Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), 11(2), 365-378. [ Links ]
Piaget, J. (1987). O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro: LTC. [ Links ]
Rogoff, B. (2005). A natureza cultural do desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Slavin, R. (1991). Synthesis of research on cooperative learning. Educational Leadership, 1, 71-82. [ Links ]
Staub, E. (2003). The psychology of good and evil: Why children, adults, and groups help and harm each other. New York: Cambridge University Press. [ Links ]
Tanamachi, E. (2000). Mediações teórico-práticas de uma visão crítica em Psicologia Escolar. In E. Tanamachi, M. Proença, & M. Rocha (Orgs). Psicologia e educação: desafios teórico práticos. São Paulo, Casa do Psicólogo. [ Links ]
Valsiner, J. (1989). Human development and culture: The social nature of personality and its study. Lexington, MA: Lexington Books. [ Links ]
Valsiner, J. (1994). Bidirecional cultural transmission and constructive sociogenesis. In W. De Graaf, & R. Maier (Orgs). Sociogenesis reexamined (pp.47-70). New York: Springer. [ Links ]
Valsiner, J. (2001). Affective fields and their development. In J. Valsiner. Comparative study of human cultural development (pp. 159 -181). Madrid: Fundacion Infancia y Aprendizaje. [ Links ]
Valsiner, J. (2007). Culture in minds and societies: Foundations of cultural psychology. New Delhi: Sage. [ Links ]
Valsiner, J., & Rosa, A. (2007). The Cambridge handbook of sociocultural psychology. New York: Cambridge University Press. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Raquel Gomes Pinto
SQS, 107, Bl. E, apto. 305
CEP.: 70346-050, Brasília, DF, Brasil
Fones: (61) 9224-9422/ 3242-3937. Fax: (61) 3312-1598
E-mail: quelpsi@hotmail.com
Enviado em Fevereiro de 2009
Texto reformulado em Maio de 2010
Aceite em Agosto de 2010
Publicado em Outubro de 2010
Sobre as autoras:
Raquel Gomes Pinto. Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília. Angela Uchoa Branco. Doutora em Psicologia pela USP-SP, com Pós-Doutorado na University of North Carolina e na Duke University (EUA). Professora associada no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.
Apoio do CNPq à segunda autora.