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Temas em Psicologia
versão impressa ISSN 1413-389X
Temas psicol. vol.17 no.2 Ribeirão Preto 2009
ARTIGOS
Avaliação de Grupos Terapêuticos Comportamentais como estratégia de tratamento para pacientes depressivos
Assessment of a Behavioral Therapeutic Group as a strategy to treat depressive patients
Aline Alberti Veronez da CostaI,*; Luciana Nogueira FioroniII
IUniversidade Federal de São Carlos - SP - Brasil
IIUniversidade Federal de São Carlos - SP - Brasil
RESUMO
O trabalho apresentado investigou se determinados procedimentos/técnicas comportamentais aplicados em um Grupo Terapêutico proporcionam alterações nos escores do inventário de depressão de Beck (BDI), além de oferecer uma explicação da etiologia da depressão de uma perspectiva da análise do comportamento, proposta por Dougher e Hackbert (1994). Para tanto, o inventário BDI foi aplicado a quatro pacientes depressivas cadastradas em uma Unidade de Saúde da Família da cidade de São Carlos antes e após sua participação em oito sessões de grupoterapia. Como resultado, foi observada uma diminuição nos escores obtidos por todas as participantes na aplicação do inventário após a realização das sessões terapêuticas, em relação à primeira aplicação. Além disso, dados relatados pelas participantes sobre seus históricos de vida e contingências atuais confirmaram os achados de Dougher e Hackbert a respeito das causas e consequências do comportamento depressivo.
Palavras-chave: Grupo comportamental, Depressão, Saúde da família.
ABSTRACT
The purpose of this study was to investigate whether specific behavioral procedures/techniques applied to a therapeutic group have an effect on the scores of Beck Depression Inventory (BDI) and to offer an explanation for the etiology of depression from a behavioral perspective, as proposed by Dougher and Hackbert (1994). The BDI was applied to four depressive female patients enrolled in a Family Health Unit before and after eight sessions of group therapy. We observed lower scores for all four patients after the sessions when compared to the first administration of the inventory. Self-reported information on patients' own life histories and current contingencies also confirmed the findings of Dougher and Hackbert on the causes and consequences of depressive behavior.
Keywords: Behavioral Group, Depression, Family Health.
A depressão é um transtorno de humor tão comum que vem sendo chamada de "resfriado da psiquiatria" (Seligman, 1977). Dados epidemiológicos mostram que em, qualquer ponto determinado do tempo, de 15 a 20% dos adultos sofrem níveis significativos de sintomatologia depressiva. Destes, pelo menos 12% experimentam depressão grave, o suficiente para pedirem tratamento em algum período de suas vidas. Além disso, estima-se que a depressão responda a 75% das internações psiquiátricas (Fennell, 1997).
É necessário ressaltar que a depressão clínica difere consideravelmente do declínio passageiro do humor, experimentado pela maioria das pessoas como uma reação normal à perda, e perturba muitos aspectos do funcionamento dos indivíduos afetados por ela. Pessoas clinicamente deprimidas são acometidas de culpas, sentem-se tristes e se tornam chorosas. Também se mostram mais irritáveis, ansiosas, preocupadas e tensas do que o normal. Quando a depressão está em seu ponto crítico, podem perder a capacidade de reagir emocionalmente. Torna-se mais difícil aproveitar e se interessar pelas atividades que antes traziam prazer, tudo parece exigir mais esforço. O sono e o apetite apresentam-se aumentados ou diminuídos e o desejo sexual tende a desaparecer. Um forte sentimento de desesperança pode levar o participante depressivo a um desejo de morrer e a pensamentos suicidas (Fontana, 2005).
Na maioria dos casos, a depressão ocorre por um tempo limitado, resolvendo-se num prazo de 3 a 6 meses. Porém, a recaída é corriqueira e aproximadamente de 15 a 20% das pessoas seguem uma evolução crônica (Fennell, 1997).
Os dados acima oferecem uma dimensão da importância em aprofundar os estudos e intervenções acerca da depressão, porém não oferecem explicações conclusivas sobre a etiologia da depressão, nem discutem possibilidades de tratamento.
O presente trabalho oferece uma explicação da depressão de uma perspectiva da análise do comportamento proposto por Dougher e Hackbert em 1994, explicando seus sintomas em termos dos princípios comportamentais empiricamente estabelecidos. É importante ressaltar que o modelo apresentado permite apenas uma discussão geral sobre a depressão, pois tentativas de se explicar o comportamento depressivo de um indivíduo especificamente requerem análises funcionais dos comportamentos daquele indivíduo nos contextos específicos nos quais eles ocorrem.
O Modelo da depressão para a Análise do Comportamento
O modelo de depressão proposto por Dougher e Hackbert (1994) considera:
1) Funções das consequências: são chamadas de consequências quaisquer eventos produzidos pela resposta de um organismo.
1.1) Baixa densidade de reforço: já apontada por Ferster (1973), a mais óbvia característica da pessoa deprimida é a redução significativa de certos tipos de atividades, que foi por ele atribuída a uma relativa escassez de reforçadores, os quais são consequências que fortalecem as respostas de um indivíduo. Outros teóricos como Hersen, Eisler, Alford e Agras (1973) discutem a falta de reforçadores sociais no início e manutenção da depressão. Para Dougher e Hackbert (1994), uma causa óbvia para um baixo nível de reforços sociais é um repertório social. Neste sentido, pessoas deprimidas não só não se comportam de modo que torne mais provável a obtenção e manutenção de interações sociais, mas também seu comportamento é visto como aversivo e produzindo esquiva ativa por parte dos outros.
1.2) Extinção: segundo os propositores deste modelo, pacientes depressivos costumam descrever histórias de vida caracterizadas por ambientes sociais geralmente não responsivos. Também é frequente que haja a busca de tratamento após perdas muito significativas, como a morte de um ente querido, fim de um relacionamento amoroso importante, aposentadoria, ou a partida dos filhos adultos de casa. Os problemas mais crônicos, neste sentido, ocorrem quando a fonte de reforços perdida mantinha uma proporção relativamente grande do repertório comportamental do indivíduo, existindo poucas fontes alternativas de reforçadores. Por exemplo, a aposentadoria pode ser devastadora para aqueles que falham em desenvolver um conjunto de atividades reforçadoras fora do ambiente de trabalho. Cultivar uma variedade de fontes de reforços e de atividades reforçadoras gera uma boa proteção contra depressões mais sérias.
1.3) Punição: os autores do modelo descrevem como são comuns histórias de punições prolongadas e inescapáveis trazidas por pacientes com depressão crônica. Particularmente devastador é quando o comportamento de defesa da punição também é punido. Trabalhos sobre desamparo aprendido (Maier & Seligman, 1976) mostraram de forma clara que repetidas estimulações aversivas inescapáveis resultam de uma redução generalizada do comportamento e interfere com os efeitos subsequentes das contingências de reforço.
1.4) Reforço de comportamentos de pesar ou aflitivo: é comum que pacientes depressivos apresentem uma taxa alta de comportamentos de pesar ou aflitivos, que incluem reclamar, chorar e demonstrar irritabilidade. Biglan (1991) descreveu vários estudos que mostraram que os comportamentos de pesar têm a função de reduzir a probabilidade de estimulação aversiva por parte dos outros. Os autores deste modelo também acreditam que o comportamento de pesar pode ser reforçado socialmente pelo aumento da atenção e da simpatia. Contudo, apesar de aumentar a simpatia dos outros por um curto período de tempo, percebe-se que estes comportamentos podem se tornar aversivos para outras pessoas, levando-a a fugir e se esquivar dos mesmos. Esta esquiva acaba removendo uma fonte de reforços da pessoa deprimida, o que agrava a depressão.
2) Estímulos discriminativos: Dougher e Hackbert (1994) apontam para a existência de funções de controle de estímulos envolvidos na manutenção do comportamento de depressão. Eventos correlacionados com a extinção ou com a punição podem evocar comportamentos de esquiva, que são mantidos com reforço negativo. Como em muitos paradigmas de esquiva, o comportamento continua sobre o controle de estímulos discriminativos relevantes, mesmo quando as contingências mudam. Como resultado, os pacientes depressivos podem perder potenciais fontes de reforços e a taxa de reforços positivos permanece baixa.
3) Funções respondentes: embora o analista do comportamento esteja principalmente preocupado com a baixa taxa de respostas emitidas pelos depressivos e pelos eventos ambientais que a produz, os estados afetivos associados com a depressão são sintomas primários para o diagnóstico e uma das principais razões para os pacientes buscarem tratamento. Daí a importância em explicar estes sentimentos e reações emocionais. Além dos efeitos sobre a taxa de resposta, reforços insuficientes, extinção e punição exercem outras funções, entre elas a eliciação de respondentes denominadas como tristeza, frustração e raiva.
4) Funções estabelecedoras: do ponto de vista da análise do comportamento, a perda de efetividade de reforçadores e mudanças na motivação sugerem que operações estabelecedoras ou a revogação estão envolvidas (Michael, 1993). Operações estabelecedoras, segundo Michael, podem: a) aumentar os efeitos reforçadores de certas consequências, b) aumentar a probabilidade de respostas que tenham produzido reforço no passado e c) aumentar a efetividade evocativa dos estímulos discriminativos associados com os reforços estabelecidos. As operações de revogação fazem exatamente o oposto. O argumento apresentado por Dougher e Hackbert (1994) é que eventos ou condições que produzem taxas baixas de respostas e os estados afetivos que são característicos da depressão também servem como operações estabelecedoras ou revogadoras. Em particular, esses eventos potencializam certas contingências e tornam outras menos potentes.
5) Comportamento verbal: uma classe de resposta que é evocada por operações estabelecedoras de punição e por reforço insuficiente é o comportamento verbal. O tipo de comportamento verbal evocado na forma de reclamações, autocríticas, insultos autodirigidos são comuns entre depressivos. Algumas destas expressões autodirigidas são agressivas, tendo como objetivo infligir dor ou injúria, uma vez que são evocadas por estimulação aversiva; quase sempre são bastante efetivas. O problema, então, é que, como elas são dirigidas ao próprio sujeito, somente aumentam a estimulação aversiva e exacerbam a depressão.
6) Influências culturais: segundo os autores deste modelo, existem, naturalmente, muitas influências culturais que podem contribuir para a depressão. Eles enfatizam em seu modelo, as suposições culturais sobre o comportamento humano. Duas dessas suposições são particularmente relevantes para esta discussão. A primeira tem a ver com as causas do comportamento e a segunda refere-se às características da saúde psicológica. Considerando a primeira suposição, é difícil crescer na cultura ocidental e não adotar a suposição de que eventos internos são as causas do comportamento.
Com respeito à saúde mental ou bem-estar, os autores comentam que ela é definida, entre outras coisas, em nossa cultura pela mídia das massas populares. A boa vida é caracterizada pela disponibilidade de recursos econômicos suficientes, relações humanas prazerosas e sem complicações, e a ausência de pensamentos e sentimentos problemáticos. Este ideal é uma criação da propaganda e pode ser inalcançável. Apesar disso, muitos pacientes procuram tratamento, angustiados pela comparação entre suas vidas com os ideais culturais. O problema é agravado pela visão cultural dos problemas psicológicos. Em grande medida, eles são definidos pela presença de sintomas, que se apresentam como sentimentos ou pensamentos. Em geral, a simples presença desses sentimentos ou pensamentos, em algum grau, é indicativo de uma desordem. Como resultado, quando estes pensamentos ou sentimentos ocorrem, sua presença pode ser extremamente perturbadora. A ocorrência do afeto deprimido, por exemplo, pode ser alarmante precisamente porque ele é indicativo de transtorno psicológico.
Grupo Terapêutico Comportamental: uma alternativa de tratamento
As alternativas de tratamento mais comuns para a depressão são as medicações antidepressivas e os tratamentos psicoterapêuticos individuais. Neste trabalho, porém, optou-se pela terapia de grupo comportamental, uma tentativa de modificar o comportamento de duas ou mais pessoas reunidas, por meio da aplicação sistemática de procedimentos validados empiricamente, permitindo a coleta de dados importantes para a avaliação do impacto desses procedimentos sobre os membros do grupo como indivíduos e sobre o grupo como um todo (Wessler, 1996).
No grupo terapêutico implantado nesta pesquisa foram aplicados princípios e técnicas da terapia comportamental, sendo alguns sugeridos no modelo de depressão apresentado anteriormente. Como exemplo, podem ser citados o reforço positivo de formas adequadas de interação e o treinamento em habilidades sociais.
A escolha da Terapia de Grupo Comportamental foi feita em virtude das diversas vantagens apontadas pela literatura, tais como:
1. Os grupos têm uma melhor relação custo/eficácia; o terapeuta pode trabalhar com vários pacientes ao mesmo tempo.
2. Os membros do grupo podem aprender que não são os únicos que têm um determinado problema.
3. O grupo pode funcionar de maneira preventiva: um membro do grupo pode ouvir os outros discutirem problemas com os quais ele ainda não se deparou.
4. Os membros podem aprender a ajudar-se mutuamente; um princípio educativo bem estabelecido é que um bom modo de se aprender uma habilidade é ensinando-a a outra pessoa.
5. Algumas experiências, atividades e exercícios só podem ser feitos em grupo.
6. Alguns exercícios de grupo são eficazes para produzir certas experiências emocionais, que logo podem ser tratadas in vivo no grupo.
7. Certos problemas, por exemplo, déficits interpessoais ou carências de habilidades sociais podem ser tratados de forma mais eficaz em um formato grupal; o paciente pode praticar novos comportamentos sociais e novas maneiras de relacionar-se com as pessoas.
8. Um grupo permite aos pacientes receber uma grande quantidade de feedback sobre seu comportamento, que pode ser mais persuasivo do que um pesquisadora individual, para produzir a mudança.
9. Quando o objetivo da terapia é a solução de problemas práticos, o grupo pode oferecer mais informações sobre o problema e mais sugestões para sua solução do que o terapeuta sozinho pode imaginar (Wessler, 1996).
Tendo em vista os dados preocupantes trazidos a respeito da depressão e o elevado número de pacientes pré-diagnosticados como depressivos numa Unidade Saúde da Família da cidade de São Carlos, tornou-se imprescindível intervir nestes casos. O trabalho realizado justifica-se, portanto, pela necessidade de avaliar resultados desta intervenção que se deu por meio da implantação do Grupo Terapêutico Comportamental no tratamento desta população específica.
Tem com objetivos verificar se determinados procedimentos/técnicas comportamentais aplicados em contexto de grupo proporcionam alterações nos escores de um inventário de depressão, além de oferecer uma explicação da depressão de uma perspectiva da análise do comportamento, considerando seus sintomas em termos dos princípios comportamentais empiricamente estabelecidos.
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa quatro moradoras adultas do bairro Jóquei Clube, com idades entre 30 e 60 anos, que procuraram o serviço de psicologia com queixa de depressão. Elas se submeteram à aplicação do Inventário de Depressão de Beck, BDI (Gorenstein & Andrade, 1998) e obtiveram escores superiores a 12, que caracteriza depressão leve. A Tabela 1 mostra a caracterização destas participantes. Os nomes das mesmas foram substituídos por nomes fictícios para resguardo de suas identidades.
Por se tratar de uma pesquisa feita com seres humanos, o projeto referente a este trabalho foi submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, sendo aprovado pelo parecer no. 175/2008. Anteriormente ao início do estudo, as participantes foram solicitadas a ler e assinar um termo de consentimento livre e esclarecido.
Local/ Material
Foi utilizada uma sala da Unidade de Saúde da Família da cidade de São Carlos que favorecia o sigilo e a privacidade das participantes. Para acomodação das mesmas, foram utilizadas cadeiras e colchonetes. Foram utilizados papel e caneta/lápis para anotação da pesquisadora, um aparelho micro sistem e cds com músicas para relaxamento.
Instrumentos
Foi utilizado para seleção das participantes o Inventário de Depressão de Beck, o BDI, que explora um conjunto vasto de comportamentos que podem ser associados à depressão. Ele auxilia o terapeuta em uma rápida avaliação da severidade do caso e elucidação de certos aspectos como desejos suicidas, que necessitam de urgência na intervenção (Shinohara, 2001). Este inventário é provavelmente a medida de autoavaliação de depressão mais amplamente usada tanto em pesquisa, como em clínica, tendo sido traduzido para vários idiomas e validado em diferentes países. A escala original consiste de 21 itens, incluindo sintomas e atitudes, cuja intensidade varia de 0 a 3. Os itens referem-se à tristeza, pessimismo, sensação de fracasso, falta de satisfação, sensação de culpa, sensação de punição, autodepreciação, autoacusações, ideias suicidas, crises de choro, irritabilidade, retração social, indecisão, distorção da imagem corporal, inibição para o trabalho, distúrbio do sono, fadiga, perda de apetite, perda de peso, preocupação somática, diminuição de libido (Gorenstein & Andrade, 1998).
Também foi utilizado um roteiro de entrevista para a coleta de dados pessoais, dados sobre as relações familiares e sociais, situação de trabalho e expectativa de vida.
Procedimento
Antes do início das sessões terapêuticas, foi realizada uma sessão individual para cada participante do grupo, para aplicação do BDI e coleta de dados para sua caracterização socioeconômica e cultural. Posteriormente, foram realizadas oito sessões terapêuticas semanais, com uma hora e trinta minutos de duração, encerradas com um lanche com sucos e biscoitos organizados pela pesquisadora.
Em todas as sessões, nos momentos de diálogo, foram aplicadas técnicas de terapia e modificação de comportamento, tais como: modelagem e reforçamento positivo de comportamentos desejáveis, modelação, instrução, técnicas de autocontrole dos problemas pessoais e extinção de comportamentos indesejáveis (Pear, 1996), conforme necessidades apresentadas pelas participantes ou pelas situações vivenciadas. Também foi aplicada a técnica sugerida por Caballo (1996) de treino em habilidades sociais e a técnica de relaxamento progressivo proposta por Vera e Vila (1996). Além disso, foram discutidos, em linguagem acessível às participantes, processos integrantes do treinamento em solução de problemas, como a orientação para o problema, definição e formulação do problema, levantamento de alternativas, tomada de decisões e prática da solução e verificação (Nezu e Nezu, 1996).
Após a última sessão terapêutica, foi feita outra sessão individual com cada participante, para a segunda aplicação do inventário BDI.
Para cada sessão foram elaboradas atividades específicas que podem ser vistas na Tabela 2.
Resultados
Comparação dos escores obtidos pelas participantes antes e depois da participação no Grupo Terapêutico Comportamental
A Tabela 3 mostra os resultados das duas administrações do inventário BDI. A primeira foi realizada antes da intervenção em grupo e a segunda foi feita depois, ambas em sessões individuais. As administrações foram feitas de maneira oral para todas as participantes, segundo preferência das mesmas. Cada aplicação teve a duração estimada de 15 minutos.
Pode ser observado que a participante Imaculada apresentou um escore inicial de 26, caracterizando uma depressão moderada. O segundo escore obtido por ela foi de 11, caracterizando um nível mínimo de sintomas depressivos. A participante Isabel obteve um escore inicial de 21 pontos, característico de um nível moderado de sintomas; na segunda aplicação, o escore foi de 7, indicando um nível mínimo dos mesmos. A participante Neide, por sua vez, também apresentou escore característico de depressão moderada na primeira administração, totalizando 26 pontos. Na aplicação após a intervenção, obteve um escore igual a 13, apresentando um nível leve de sintomas depressivos. Por fim, na administração inicial do instrumento feita à participante Rita, foi encontrado um escore inicial de 15, indicando nível leve de sintomas. Na administração final foi obtido um escore igual a 7, característico de um nível mínimo de depressão.
Dados referentes ao desenvolvimento do Grupo Terapêutico
A seguir podem ser vistos sucintamente dados de destaque referentes ao funcionamento do grupo e integração entre as participantes.
Na primeira sessão, as participantes, de forma geral, demonstraram atitudes de acolhimento, umas em relação às queixas das outras. Foi observada tentativa de desenvolvimento de vínculo para além deste grupo, num convite para a participação de um grupo de atividade física da USF, feito pela participante Rita às demais.
Na segunda sessão, a atividade referente à coleta de informações sobre as rotinas das participantes evidenciou que as mesmas, com exceção de Imaculada, realizam com pouca frequência atividades sociais ou de autocuidados. A participante Neide chorou e referiu se sentir envergonhada por revelar uma rotina marcada por desânimo e apatia, como despertar tardio em relação às demais e esquiva de qualquer tarefa doméstica ou relacionada aos seus cuidados ou de seus familiares. Pode-se dizer que atividade mobilizou afetivamente as participantes e houve uma tentativa do grupo em acolher Neide em sua queixa.
Em relação ao terceiro encontro, na discussão sobre o tema depressão, as participantes forneceram dados a respeito de seus históricos de vida que se relacionavam aos princípios e conceitos comportamentais que iam sendo explicitados pela pesquisadora como causas e consequências dos sintomas depressivos. Notou-se que estes relatos despertaram empatia entre as participantes, que perceberam terem vivido situações semelhantes.
No quarto encontro, por sua vez, no relato sobre a semana anterior, as participantes Rita e Imaculada referiram terem feito alterações em sua rotina: Rita incluiu passeios com o marido e pretende aumentar a realização de encontros familiares em sua casa; Imaculada começou a trabalhar em uma lanchonete no seu período ocioso da tarde. Ambas receberam elogio da pesquisadora, como forma de reforço positivo. No momento de discussão sobre metas, Rita ressaltou sua necessidade de melhorar a comunicação com o filho, sendo priorizado o treinamento assertivo; Imaculada destacou a educação da filha e foi feita uma análise funcional dos comportamentos de birra da criança, como forma de melhorar a compreensão da participante sobre o problema.
Na quinta sessão, no momento de relato sobre a semana anterior, a participante Neide relatou tristeza e angústia relacionadas a privações que vem sofrendo pela dificuldade financeira. As demais participantes atuaram como modelo, na medida em que relataram casos de superação de problemas econômicos que já enfrentaram com seus companheiros. Na discussão sobre metas, Neide pretende dar ênfase a seu autocuidado pra se fortalecer e voltar a trabalhar; Isabel deseja a busca de qualidade de vida para si e para a neta, para se fortalecer e lidar com os problemas do filho, os quais ela sabe que não dependem apenas dela para serem resolvidos.
Na sexta sessão, houve mútuos elogios entre as participantes aos relatos de melhora apresentados pelas mesmas na discussão sobre o treinamento em solução de problemas, as participantes Isabel e Imaculada se ofereceram para utilizarem suas queixas para serem analisadas como exemplos; Imaculada trouxe uma situação de conflito vivida com a nora e a família da mesma; Isabel, os conflitos diários vividos com o filho em virtude do alcoolismo. Na discussão sobre habilidades sociais, foi enfatizado o treinamento assertivo e a participante Rita se ofereceu para colocar sua situação com o filho como exemplo.
Na sétima sessão, Imaculada referiu ter se beneficiado da discussão a respeito de assertividade, feita com a exemplificação dos problemas de Rita com o filho. A participante disse ter lembrado dos aspectos discutidos num momento de discussão com a mãe de sua nora. Referiu estar aprendendo muito com a pesquisadora e com as colegas de grupo. Na discussão sobre atividade física, as participantes demonstraram interesse em iniciar uma participação no grupo de caminhada da Unidade; durante a caminhada, houve relatos de bem-estar e de satisfação em estar no local escolhido para a atividade (clube de uma empresa do bairro).
Por fim, na oitava sessão, na avaliação individual sobre as metas particulares, as participantes presentes consideraram ter atingido ou avançado muito no sentido de atingir os objetivos propostos por elas mesmas. Superaram questões como desânimo, desvalia, timidez, sentimentos de culpa, impaciência, entre outras. Em relação ao grupo, pode-se dizer que todos os relatos ressaltaram apenas aspectos positivos do mesmo. A participante Imaculada destacou como uma importante função do grupo o fato de unir e tornar próximas quatro pessoas de um bairro que ainda não se conheciam e hoje se consideram amigas. Foi acordada entre as participantes e a pesquisadora a continuidade das sessões terapêuticas, que passaram a ocorrer quinzenalmente.
Histórico de vida e contingências atuais vividas pelas participantes
Segue abaixo uma breve apresentação dos principais dados obtidos nas sessões terapêuticas individuais e em grupo sobre a história de vida e as contingências atuais das participantes.
Imaculada: 38 anos, casada há 21 anos com Pedro, tem dois filhos: Renan, 20 anos, casado, e Ana Maria, 8 anos, estudante. Vive com o marido e a filha, e seu filho mora nos fundos de sua casa, com a esposa e o filho recém-nascido. Ocupa-se das tarefas domésticas, do cuidado com a filha e, no período da tarde, ficava ociosa antes da participação nas sessões terapêuticas. Depois, passou a trabalhar como ajudante, na lanchonete de sua irmã.
A participante relata ter tido infância e adolescência difíceis, ocasionada pelo trabalho rural e pelo alcoolismo e comportamento agressivo do pai para com a mãe. Presenciou inúmeras ocasiões em que o pai agrediu a mãe. Nessas ocasiões, ela e os irmãos se calavam, por serem também agredidos quando tentavam ajudar a mãe. No início da vida de casada, enfrentou dificuldades financeiras e de alcoolismo do marido. Refere ter conseguido afastá-lo do vício com a ajuda da igreja e com muita perseverança. A participante apresenta muitas dificuldades com a filha mais nova, desde o parto, que foi prematuro e gerou muito sofrimento para a família. Há relato de uma depressão pós-parto e pensamentos suicidas.
A participante relaciona os comportamentos difíceis da menina ao mimo excessivo com que foi tratada principalmente por ela, que sempre quis compensar os problemas de saúde da criança. A maior queixa inicial foi relacionada a este problema. Imaculada queixou-se, antes de iniciar o grupo, de não ter vontade para nada, só pensar em morte e sofrimento. Já pensou em tirar a própria vida e chegou a planejar, mas não o faria por seus valores religiosos.
No decorrer das sessões, a participante transferiu sua queixa para dificuldades encontradas no relacionamento com sua nora. Após o nascimento do neto, a mesma passou a se sentir invadida em sua privacidade e a recusar os pedidos da participante para ficar com o neto. Após alguns conflitos, Imaculada mudou sua conduta, oferecendo-se menos para ajudar e solicitando menos ficar com o neto, como forma de respeitar a privacidade da nora.
Em relação à educação da filha, a participante relatou várias ocasiões em que conseguiu manter o controle e colocar em extinção os comportamentos de birra da menina e houve manifestações reforçadoras positivas do grupo, como elogios. Relatou se beneficiar das falas das participantes mais velhas e das instruções dadas pela pesquisadora, as quais serviram como um exemplo a ser seguido nos momentos de educação da filha e de solução dos conflitos vividos com a nora.
A participante teve uma participação assídua no grupo, não faltando a nenhuma sessão.
Isabel: 59 anos, viúva há 32 anos, tem dois filhos: Eder, 41 anos, e Edenilson, 39. Vive com Eder, que está separado há 1 ano e com a filha do mesmo, Luana, de 11 anos. Além de cuidar das tarefas domésticas, trabalha com costura em sua própria casa, desde quando levanta, até a hora de dormir.
Teve infância e a adolescência marcadas por trabalhos pesados e por uma difícil relação com a mãe, a qual é descrita como muito rígida e exigente, incapaz de qualquer demonstração de carinho. Por causa da necessidade de trabalhar, a participante não pôde estudar, tendo concluído apenas a primeira série do ensino fundamental. Refere só ter encontrado um pouco de cuidado na figura do pai, o qual era fraco e dominado pela mãe, segundo seu relato.
Casou-se aos 17 anos, por imposição da mãe, com o segundo namorado, de quem não gostava o suficiente para o casamento, mas não fez oposição. Ficou viúva aos 27 anos e sofreu neste período, o primeiro episódio de depressão, o qual durou dois anos. Nesta fase, chegou a pensar em suicídio e na morte dos filhos.
A queixa atual trazida pela participante se refere à relação com o filho mais velho que mora com ela. Ele é usuário de álcool e drogas. Separou-se há um ano e a culpa pelo fracasso do casamento, acusando-a de envolver-se na vida do casal. Segundo ela, perdeu um bom emprego em virtude de maus comportamentos na empresa. Quando chega em casa alcoolizado e drogado, briga também com a filha e usa a menina para se aproximar da ex-esposa, com quem fez várias tentativas frustradas de reatar.
A participante chegava às sessões muito emotiva e chorando muito, sempre trazendo um novo conflito vivido com Eder. As demais participantes sempre se mostraram muito acolhedoras a estas queixas. Para atingir as metas propostas pela própria participante, foi dado ênfase pela pesquisadora no treinamento em solução de problemas. Sua expectativa de "encontrar a cura para o vício de Eder" foi dando espaço à necessidade de buscar qualidade de vida, cuidando de si e da neta, apesar dos problemas do filho.
Neide: 30 anos, vive um relacionamento estável há oito anos com Josué desde que engravidou da filha Dayana, de oito anos. Trabalhou bastante tempo como empregada doméstica, até ser afastada por problemas de saúde. Na última perícia, perdeu a licença, mas continua sem trabalho, por se sentir incapaz e muito desanimada.
Refere ter tido muitos problemas de saúde desde a infância, o que levou a família a sempre poupá-la de trabalhar e também estudar. Saiu da escola na quarta série do ensino fundamental. Apresentava e ainda apresenta crises de convulsões, as quais fizeram com que fosse vista pela família como doente e anormal. Suas colocações sempre foram postas em descrédito pelas pessoas com quem tinha contato mais próximo.
Relata ter sido abusada pelo pai dos sete aos 13 anos. Quando contava para a mãe, a mesma a chamava de doente e retardada, punindo-a com castigos e surras. Até hoje diz queixar-se ao pai do abuso, mas o mesmo nega o fato e diz que ela é louca. Diz amar o pai, apesar destes acontecimentos, e tê-lo perdoado, mas sente medo que ele venha a fazer o mesmo com sua filha. Essa revelação foi feita em sessão individual, o sigilo foi solicitado pela participante e assegurado pela pesquisadora.
Apresentou como queixas a dificuldade financeira após perder o direito de afastamento, o desânimo para fazer qualquer atividade doméstica, a insegurança em voltar ao trabalho e o relacionamento com o marido, que trabalha como caminhoneiro e passa poucos dias em casa; o mesmo também faz uso de álcool com grande frequência e quantidade, na opinião da participante. Comparecia às sessões com muito desânimo e apatia, razão pela qual recebia bastante atenção das colegas de terapia. Esta atenção foi sendo progressivamente substituída por reforçamento positivo quando a participante referia estar se sentindo bem e animada, além de ter cumprido com vontade, algumas tarefas diversas. Parece ter se beneficiado do relato das demais participantes para conforto e solução de seus conflitos pessoais. Era assídua e pontual.
Nas últimas sessões, aumentou consideravelmente o número de relatos sobre disposição e ânimo para realizar as tarefas do lar, além de estar à procura de um posto de trabalho.
Rita: 59 anos, é casada há 44 com José e tem quatro filhos: Edson, 42 anos; Marta, 39 anos; Rose, 37 anos e Edvaldo, 32 anos; tem seis netos. Trabalhou muito tempo como empregada doméstica e na colheita de laranja, mas atualmente apenas cuida das atividades domésticas, às vezes com muito custo. Vive com o esposo e o filho Edvaldo, divorciado há dois anos.
A participante refere não ter tido infância, pois desde muito pequena era levada pela família para trabalhar na colheita de laranja. Nunca pôde ir à escola e é analfabeta, o que lhe causa muita vergonha e sentimento de desvalia. Já tentou inserir-se na escola para adultos, mas não conseguiu acompanhar, dizendo que "a cabeça não dá mais".
Quando tinha 14 anos, foi estuprada por um de seus irmãos. Não contou a ninguém e resolveu casar com José, aos 15 anos, para sair de casa e evitar outras tentativas do irmão. Essa revelação foi feita em sessão individual, e o sigilo foi ressaltado pela pesquisadora, para tranquilidade da participante, que sente muito medo e vergonha de que alguém, principalmente o marido, venha a saber. A participante chorou muito nesta sessão.
Desde o casamento, a participante iniciou uma vida muito boa, segundo ela, ao lado do marido. Passaram por muitas dificuldades financeiras, mas superaram todas com muito amor.
Sua queixa atual está relacionada ao filho que voltou a morar com o casal. A participante não aceita seu divórcio e seu atual namoro. Na tentativa de convencê-lo a deixar a namorada e voltar para a esposa, a participante promove discussões nas quais se comporta de maneira inassertiva. O filho se sente agredido e deixa de compartilhar de ambientes comuns, causando culpa e ansiedade na participante.
Nas sessões, sempre apresentava bom humor e disposição em ajudar as colegas de grupo, bem como seus relatos muitas vezes serviram como modelos a serem seguidos pelas demais participantes. A pesquisadora enfatizou para o cumprimento de sua meta, a realização do treinamento em habilidades sociais, especialmente o treinamento assertivo. Era assídua e pontual.
Discussão
O presente trabalho procurou investigar se determinados procedimento/técnicas comportamentais aplicados em contexto de grupo proporcionam alterações nos escores do inventário BDI, além de oferecer uma explicação da depressão de uma perspectiva da análise do comportamento.
Em relação ao primeiro objetivo, pode ser observado na tabela 3 que todas as participantes apresentaram uma redução significativa em seus escores no BDI, se comparadas à primeira e à última aplicações, o que pode sugerir a eficácia da intervenção grupal realizada.
Nos dados referentes ao desenvolvimento do grupo terapêutico, pode ser encontrada uma breve descrição referente a técnicas aplicadas e à interação grupal, as quais podem ser responsáveis pelo resultado desta intervenção. Como exemplos, podem ser citadas as atitudes de acolhimento da pesquisadora e das participantes, umas em relação às queixas das outras, o que corrobora a afirmação de Wessler (1996) de que os membros de um grupo podem ajudar-se mutuamente. Além disso, é interessante ressaltar o vínculo estabelecido entre as participantes no decorrer das intervenções, que aumentou as possibilidades de interações sociais de cada uma, bem como a possibilidade de trocas reforçadoras.
A atividade referente à coleta de informações sobre as rotinas das participantes mostrou-se uma ocasião propícia para que as participantes demonstrassem seus afetos e procurassem possíveis alterações de seu modo de vida, principalmente por meio da inserção de atividades reforçadoras positivas sociais ou individuais. Essa atividade parece ter eliminado ou minimizado a condição de baixa densidade de reforços das participantes, bem como a redução significativa de certos tipos de atividades, apontada por Ferster (1973), como a mais óbvia característica da pessoa deprimida.
Em diversos momentos, nas intervenções grupais, foram observadas tentativas das participantes de oferecerem soluções para problemas práticos, mais diversas e complexas do que aquelas que pudessem ser propostas apenas pela pesquisadora, assim como sugere Wessler (1996). Foi observada ainda, a capacidade de as próprias participantes fornecerem uma série de modelos umas para as outras, ajudando, consequentemente, a dissipar a ideia de que a modelação pela pesquisadora é a única forma "correta". Em relação à administração de reforços positivos sob a forma de elogios e posturas de acolhimento e aceitação, as participantes tiveram papel fundamental no sentido de proporcionarem uma maior categoria de feedback e com maior poder persuasivo do que a administração feita somente pela pesquisadora, confirmando os apontamentos de Caballo (1996).
Além disso, pode ser constatado no próprio relato das participantes a maneira pela qual se beneficiaram ao atentarem para discussões sobre problemas e aspectos das vidas das demais participantes, o que corrobora a afirmação de Wessler (1996) de que um grupo pode funcionar de maneira preventiva, na medida em que um membro pode ouvir os outros discutirem problemas com os quais ele ainda não se deparou.
No que se refere à tentativa de se oferecer uma explicação comportamental da depressão, os dados coletados sobre os históricos de vida e contingências atuais vividas pelas participantes confirmam e exemplificam o modelo explicativo da depressão de uma perspectiva da análise do comportamento, proposto por Dougher e Hackbert (1994).
As participantes, de maneira geral, relataram suas condições de vida atuais que evidenciaram ambientes pobres em interação social e pouca oportunidade para o desenvolvimento de atividades prazerosas. Teóricos como Hersen et al. (1973) discutem que a falta de reforçadores sociais é particularmente importante para o início e manutenção da depressão.
A análise do histórico de contingências das participantes tornou evidente a vivência de situações aversivas por todas elas. A participante Imaculada referiu, além das dificuldades enfrentadas num trabalho rural, o fato de testemunhar e não poder interferir em inúmeras agressões do pai para com a mãe, em virtude do alcoolismo. Já na vida adulta, viveu momentos de angústia em decorrência dos graves problemas de saúde apresentados pela filha, após no nascimento. Trabalhos sobre desamparo aprendido mostraram, de forma muito clara, que repetidas estimulações aversivas inescapáveis resultam em uma redução generalizada do comportamento e interferem com os efeitos subsequentes das contingências de reforço, podendo ser responsáveis pelo estado depressivo (Dougher & Hackbert, 1994).
Isabel, por sua vez, relatou ter vivido a infância e adolescência num ambiente caracterizado por muita exigência e pouca responsividade. Era obrigada a trabalhar, realizando atividades pesadas e complexas, porém, não era recompensada ou valorizada pela figura dominante de sua família, a mãe. A viuvez ainda na juventude também a expôs a situações de desamparo. Esses relatos confirmam dados encontrados por Dougher e Hackbert (1994). Para os autores, participantes depressivos descrevem em sua vida anterior, particularmente na infância e adolescência, histórias caracterizadas por ambientes sociais geralmente não responsivos ou punitivos.
Devido a problemas de saúde apresentados desde a infância, a participante Neide viveu num ambiente pouco responsivo e de pouca interação social. A família, particularmente a mãe, preferia manter a participante em casa e inativa como forma de proteção. O fato de ter sido abusada sexualmente pelo pai durante anos, punida e posta em descrédito pela mãe em suas tentativas de defesa, coloca a participante numa situação potencialmente geradora de depressão. Dougher e Hackbert (1994) citaram como particularmente devastador o que acontece ao indivíduo quando o comportamento de defesa, ou de retaliação da punição, também é punido.
Em relação à participante Rita, pode-se constatar que condições de privação vividas na infância, exemplificadas pelo fato de ser obrigada a trabalhar e não ter podido ir à escola, interferiam significativamente no desenvolvimento de seu repertório social. Lewinsohn (1974) ressaltou que depressivos apresentam geralmente deficiência em um conjunto variado de habilidades sociais. Nesse sentido, não somente eles não se comportam de modo que torne mais provável a obtenção e manutenção de interações sociais, mas geralmente seu comportamento é visto como aversivo e produzindo uma esquiva ativa por parte dos outros. A experiência de ter sido estuprada pelo irmão na adolescência a coloca numa situação parecida com a vivida pela participante Neide, na qual um comportamento no sentido de se defender poderia gerar mais estimulação aversiva.
Foi interessante verificar que comportamentos de pesar ou aflitivos descritos por Dougher e Hackbert (1994) foram amplamente encontrados nesta população. Dados trazidos pelas participantes evidenciaram como esses comportamentos eram funcionais no sentido de reduzir a estimulação aversiva por parte dos outros, além de serem reforçados socialmente pelo aumento da atenção e simpatia. No entanto, com o passar do tempo, tais comportamentos emitidos pelas participantes podem gerar a esquiva das pessoas. Por esta razão, tentou-se reduzir a constância deste tipo de relato, por meio do reforço positivo de verbalizações sobre disposição e melhora dos sintomas, apresentados pelas participantes no decorrer das sessões terapêuticas e na realização da avaliação das intervenções.
Dados coletados neste trabalho também evidenciaram a frequência com que as participantes apresentam comportamentos verbais na forma de autocríticas e insultos autodirigidos, mais uma potencial fonte de estimulação aversiva no sentido de exacerbar a depressão, conforme descrito por Dougher e Hackbert (1994).
Apesar de os dados, de maneira geral, terem confirmado a hipótese de que a aplicação de técnicas comportamentais num contexto de grupo proporcionaria diminuição dos escores de um questionário de depressão, não se pode garantir que apenas esse procedimento foi responsável por tal resultado, pois os dados obtidos não foram comparados a dados de um grupo de espera que não tivesse passado pela mesma intervenção.
Podem ser citadas outras limitações deste estudo, como o pequeno número de participantes e a discrepância entre as idades cronológicas das participantes. Essas limitações se devem a uma baixa aceitação e adesão da população do bairro em questão pelas intervenções em grupo. A recusa em participar deste tipo de intervenção foi justificada pela maioria dos participantes convidados pelo receio de que sua privacidade fosse exposta a pessoas de sua vizinhança. Por outro lado, a discrepância entre as idades pareceu ser um aspecto do grupo que, em termos terapêuticos, beneficiou a troca de experiência entre as participantes, de faixas etárias diversas.
Sugere-se que estudos futuros realizem intervenções em grupo baseadas nos princípios de análise do comportamento, não só para o tratamento da depressão, mas também para as demais psicopatologias. Além disso, a utilização de grupos de espera poderia contribuir para que os resultados obtidos pudessem ser atribuídos, de forma mais segura, à intervenção empregada e não a outros fatores como, por exemplo, acontecimentos relevantes na vida dos participantes. Seria importante, ainda, verificar a eficácia da intervenção a longo prazo, com medidas de follow up, bem como planejar intervenções com um maior número de sessões, afim de garantir mais oportunidades para a aprendizagem de comportamentos funcionais, assim como possibilitar interações sociais reforçadoras entre as participantes.
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Endereço para correspondência:
Aline Alberti Veronez da Costa
Rua Bárbara Heliodora, 289. Centro
Inconfidentes, MG. CEP.: 37576-000
E-mail: alinealberti_psi@yahoo.com.br
Enviado em Abril de 2009
Texto reformulado em Maio de 2010
Aceite em Agosto de 2010
Publicado em Outubro de 2010
Sobre as autoras:
Aline Alberti Veronez da Costa - Residente Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade, Universidade Federal de São Carlos, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Departamento de Medicina.
Luciana Nogueira Fioroni - Professora Doutora, Docente Adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Centro de Educação e Ciências Humanas
* A autora agradece Mariele Diniz Cortês, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFSCar, pelo apoio técnico prestado.