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Psicologia Escolar e Educacional

versão impressa ISSN 1413-8557

Psicol. esc. educ. v.7 n.1 Campinas jun. 2003

 

ARTIGOS

 

Professor-estresse: análise de produção científica

 

Teacher-stress: analysis of scientific production

 

 

Geraldina Porto Witter1

Universidade de Mogi das Cruzes

PUC-Campinas

 


RESUMO

A associação professor-estresse é examinada no contexto educacional. O estresse do professor está relacionado a variáveis do meio acadêmico, de fora da escola e do professor. O impacto desta associação influi na saúde do professor, no seu desempenho e na qualidade do processo ensino-aprendizagem. Com o objetivo de apresentar uma perspectiva de como a matéria está sendo considerada na literatura internacional, foi analisada a produção arrolada na base bibliográfica PsycArticle, de 1987 a 2002. Somente 28 artigos consideraram a relação professor-estresse. Eles foram analisados quanto aos indicadores de progresso científico: autoria, tipo de trabalho e área específica de conteúdo. Há poucas pesquisas na área, elas são descritivas e produzidas por grupos de pesquisadores.

Palavras-chave: Qualidade de vida, Educação, Grupo de pesquisa.


ABSTRACT

In the educational context it is examined the teacher-stress association. The teacher’s stress is related with variables of academic environment, of out of the school and of the teacher. The impact of that association can be see in the teacher’s health, in his achievement and in the quality of the teaching-learning process. With the objective to present one view of how issue is being considered in international literature it is focused the production presented in the bibliographic base PsycArticle, from 1987 until 2002. Only 28 papers considered the relation teacher-stress. They were analyzed in relation to the progress indicators: authorship, kind of work and specific content area. There are few research in the area, they are descriptives and produced by scientists’ groups.

Keywords: Life quality, Education, Group of research.


 

 

INTRODUÇÃO

Enfoca-se neste trabalho a questão do estresse no que concerne ao professor, com destaque para a produção científica. Não se pretendeu fazer uma revisão exaustiva em várias bases de dados, nem sequer verificar esta produção em um país específico (Brasil, por exemplo). Análises essas que poderiam ser objeto de dissertações e teses. Considerando a relevância do tema para a educação e para os que nela atuam, especialmente o professor, o objetivo foi explorar uma base de dados e ver como a produção arrolada se situava em termos de volume, temática específica e de indicadores científicos.

Como é freqüente no Brasil o uso de stress, aqui se fará uma breve explicação da razão pela qual se optou pelo uso do vocábulo estresse. Stress é vocábulo inglês, surgido para nomear aspecto específico da Resistência de Materiais, que corresponde em português à pressão ou tensão. Por razões ainda pouco claras, referindo-se a Portugal, como diz Pereira (1999), mas que não está alheio ao “novo pretencionismo nacional de usar vocábulos ingleses, que sucedeu ao de usar vocábulos franceses – são épocas, são modos! O termo nunca foi traduzido, nem por médicos, nem mais tarde por psicólogos” (p. 245).

As condições sociolingüísticas no Brasil são similares às de Portugal quanto à inclusão de termos estrangeiros na língua sem o cuidado de exame etimológico e sem verificar se já não existe o vocábulo com o conteúdo semântico pretendido. Possivelmente é até maior pela evolução da história nacional incluir um longo período colonial. Todavia, o fenômeno de inclusão do inglês e do espanhol no Brasil, até mesmo descaracterizando a língua e com ela a nacionalidade é, possivelmente, mais intenso aqui. Entretanto, há um esforço imenso de estudiosos de lexicografia, da lingüística geral, da sociolingüística e dos dicionaristas para corrigir esta submissão e distorção lingüístico-cultural.

Pressão e tensão foram muito usadas, estando dicionarizadas há muito tempo. Com o crescimento do uso de stress, os estudiosos do léxico e os dicionaristas brasileiros acabaram por incluir estresse entre os vocábulos que constituem a língua portuguesa falada no Brasil. Isto já ocorre há algumas décadas e pode-se verificar esta aceitação nos manuais de redação até mesmo de grandes jornais como O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo. Todavia, é superior em questão de vocábulos e respeito à língua, especialmente como um dos símbolos nacionais, a inclusão do vocábulo nos grandes dicionários e sua aprovação pela Academia Brasileira de Letras como pré-requisito para seu uso.

Por exemplo, em Houaiss, Villar e Franco (2001) o leitor é informado que, desde 1975 o termo estresse já estava oficialmente incluso no léxico, que sua origem é médica, indicando um estado de “percepção de estímulos que provocam excitação emocional e, ao perturbarem a homeostasia, levam o organismo a disparar um processo de adaptação da secreção de adrenalina, com várias conseqüências sistêmicas” (p. 1264).

A ênfase é na descrição biológica dada à área de origem do termo. Lembra que o termo inglês é bem mais antigo aos atuais estudos. Surgiu depois do século XIV, visto como tensão e passa a ser considerado como distúrbio tanto fisiológico como psicológico causado por circunstâncias adversas, por volta de 1942. Na medicina foi incorporado pelos trabalhos do fisiologista norteamericano Walter Cannon (1871-1945) e do fisiologista canadense Hans Selye (1907-1982), o qual despontou nos anos 30, sendo mais divulgado no Brasil. Como variação ou sinônimo pode ser usado o termo estricção e o verbo vinculado é estressar.

Dentre as conseqüências negativas do estresse aparecem: fadiga, adinamia, agitação, inadaptação. Quando o estresse é mantido dentro de um bom nível de controle as conseqüências podem ser positivas. Desde que haja possibilidade de correção, as pessoas manifestam prazer e produtividade. Em qualquer organização, inclusive nas escolas, é necessário gerenciar o estresse quando se pretende ter produtividade e satisfação. O clima organizacional deve ser favorável para que o nível de tensão, as exigências contínuas e outros estressores não ultrapassem o ponto ideal.

Estresse e docência

No cenário educacional muitos são os que assumem papéis e funções em níveis diversos. Todavia, mesmo não ocupando altos cargos e não participando do processo principal de decisões, certamente é o professor uma das duas figuras mais importantes. A outra, sem dúvida, é o aluno. Embora se possa dizer que no processo interativo entre professor e aluno, um exerce influência sobre o outro, cabe ao professor influir mais no processo de formação e desenvolvimento dos alunos que lhe são confiados, sejam eles crianças do maternal ou mesmo universitários.

Nessas circunstâncias, não é de estranhar a constante preocupação de administradores e de pesquisadores de diversas áreas em conhecer o professor. Entre os pesquisadores está o psicólogo que tem se ocupado em conhecer diretamente o professor, trabalhar com seus problemas, suas relações interpessoais, sua eficácia e eficiência enquanto profissional do ensino. Também não é de se surpreender que universalmente seja constatada a preocupação em aprimorar cada vez mais a formação do professor, quer gerando legislação específica, quer pesquisando intensamente a formação do referido profissional.

Entre a problemática vivenciada e pesquisada no que concerne ao docente está a questão do estresse. Estresse (Witter, 2002b) é um problema mundial de saúde biopsicossocial que tem sido objeto de pesquisas descritivas e funcionais, que buscam as causas e as soluções, que se refletem nas programações de prevenção e de intervenção. Embora o estresse apareça como um dos problemas de saúde do trabalhador, este não tem sido objeto suficiente de pesquisas específicas. Há muito que pesquisar já que o estresse tem sido indicado como presente no quadro de problemas de saúde das várias profissões. Um destes profissionais é o professor.

O contexto educacional pode gerar estresse em todos os que o partilham, resultante do próprio ambiente, das relações interpessoais, das tarefas etc. (Witter, 1997). Como isso ocorre em relação ao professor é o cerne do tema aqui enfocado, mas não se pode esquecer que se trata, na maioria das vezes, de pacotes de variáveis interligadas, podendo ocorrer de uma potencializar a outra. Certamente não é um quadro fácil de pesquisar ou mesmo de intervir.

Programas (tanto de prevenção como de intervenção) para redução dos níveis de estresse procuram manipular as variáveis geradoras do problema para controlar o efeito das mesmas. Daí a relevância da pesquisa para detectá-las e, posteriormente, das pesquisas de avaliação dos referidos programas. No caso do professor, atue ele nos primeiros níveis de ensino ou mesmo no ensino superior, há variáveis similares que podem ter formas e intensidades diferentes, mas que estão presentes em todos os níveis. Algumas estão presentes em qualquer profissão, como é o caso do sistema administrativo ou organizacional.

O modelo de administração adotado na escola propicia a ocorrência de estresse na mesma, principalmente no caso do professor. Considere-se, por exemplo, uma organização de sistema aberto. Na entrada desse sistema estão as pessoas (inclusive o professor), a informação, os materiais e a energia. As pessoas precisam estar formadas e terem treino freqüente para atualização de modo a convergirem suas ações para os objetivos da instituição escolar. A informação fornece uma rede de apoio social para a liderança e para a atualização profissional. Os materiais são elementos de base para a atuação. A energia é despendida pela equipe profissional para que metas e objetivos específicos sejam alcançados. No centro da organização é preciso considerar variáveis que levam ao envolvimento das pessoas (variáveis físicas, biológicas, psicológicas, laboriais, culturais) e o que ocorre em outras organizações similares. Na saída do sistema tem-se: trabalho e produção, estresse e satisfação/insatisfação. Na escola, o trabalho mais diretamente vinculado à produção é o realizado pelo professor, daí a maior pressão do sistema incidir sobre ele. O resultado da produção é constituído pelo que se constata no aluno em termos do desenvolvimento de competências e de habilidades estabelecidas e interligadas nos objetivos da escola. Esta situação pode gerar muito estresse no professor.

O sistema produz satisfação e insatisfação nas pessoas, se a insatisfação for preponderante os níveis de estresse tenderão a subir e as conseqüências terão reflexo em todo o sistema (Pereira, 1999). Cabe ao administrador escolar criar parte das condições que garantam a cultura organizacional. É importante que as variáveis organizacionais sejam controladas para reduzir o estresse. Outras variáveis escapam ao controle do administrador direto (diretor, coordenador). Estão na esfera do governo ou decorrem de variáveis pessoais do professor (sua formação, sua personalidade, seu controle de estresse, fase de desenvolvimento pessoal em que está, seus objetivos pessoais, sua vida familiar etc.).

Como lembra Pereira (1999) é indispensável que as organizações entendam o ajustamento das pessoas na organização, a sua interdependência, a produção, a satisfação, as tensões. A ideologia da gestão deve cuidar de um “contrato psicológico” pelo qual se ajustam as expectativas das pessoas envolvidas, se estabelece a motivação das mesmas e são criados esquemas reforçadores.

Hoje, é ilusório manter o velho adágio de que “o cliente tem sempre razão”. Há muito mais a se considerar e o trabalhador é fundamental no confronto das relações organização-clientela. Na escola também é preciso ter este cuidado, mesmo quando se trata de escola pública, talvez até mais aí, no caso brasileiro, dadas as condições atuais da escola pública nacional.

Garantir condições motivadoras assegura a manutenção do estresse em nível adequado ao bom desempenho do docente. É necessário assegurar, por exemplo, condições para auto-atualização (implica, pela ordem, em garantir o atendimento de necessidades universais: fisiológicas, de segurança, social e pessoal, de amor/paternal – estar com os outros, de estima, de saber e conhecer) (Maslow, 1954, 1962).

A organização que viabiliza a auto-realização de seus docentes contará com professores com melhor percepção da realidade envolvente, melhores relações com esta realidade, mais independentes, mais criativos, mais envolvidos com a solução dos problemas da organização e do ensinoaprendizagem do que voltados para seus interesses pessoais. Dessa forma, tendem a não apresentar estresse acadêmico- institucional elevado e terão melhor desempenho.

Quando a escola é motivo de constante frustração para o docente as conseqüências tendem a ser negativas. Ocorrendo a frustração, a impossibilidade de atingir metas ou objetivos pessoais, gera-se o estresse e outros comportamentos negativos como a agressão, a fuga, a esquiva (faltas, absenteísmo, doença), persistência em respostas inoperantes, desvio de atenção e de compromisso, negação do fato, mudanças constantes de plano de ação e de estratégia, falta de adesão ao projeto pedagógico, crítica pela crítica, oposição descabida etc.

O gestor acadêmico pode contribuir para melhoria do desempenho dos docentes reduzindo o impacto de variáveis que geram estresse ou cuidando de potencializar as que garantem um nível adequado do mesmo.

Como lembra Pereira (1999), há condições para recorrer a aspectos característicos pré-existentes na cultura nacional, na comunidade ou mesmo na classe ou grupo a que a empresa está vinculada. Segundo o referido autor, podem ser considerados aspectos como os a seguir enfocados, feita a adaptação para o meio escolar pela autora do presente artigo.

Identidade Pessoal e Profissional dos docentes e como elas se relacionam em geral com a organização escolar e, em particular, com a escola em que atua. Isso pede que o diretor conheça o docente com que trabalha de forma técnica-científica. Para tanto, precisa contar com o apoio de um Psicólogo Escolar competente que também o assessore no planejamento do clima organizacional otimizando o uso das características pessoais.

Autonomia Pessoal é necessária, deve ser estimulada e oferecidas oportunidades para que os docentes atuem com autonomia, responsabilidade, criatividade e criticidade, porém, de acordo com o projeto pedagógico da escola em cuja elaboração devem ter participado. No sistema educacional brasileiro muitas são as barreiras formais e informais encontradas neste aspecto. Até mesmo os gestores usufruem de poucas oportunidades reais neste sentido, sendo sufocados pelos procedimentos burocráticos e geradores de índices elevados de estresse tanto para os diretores como para os docentes. A centralização, a determinação de usos de modelos teóricos e procedimentos específicos reduzem a autonomia em detrimento da qualidade.

Estrutura organizacional é um aspecto que deve ser flexível, aberta, dispor de práticas diversificadas e rede de comunicação eficiente. Em escolas particulares, em tese, é mais fácil dispor de modelos administrativos menos burocráticos, modernos e mais facilmente renováveis do que ocorre na escola estatal. No Brasil a estrutura organizacional, com a municipalização do ensino fundamental, poderia alcançar esta condição mais facilmente se tivesse ela própria mais autonomia da estadual.

Rede de Apoio Social é uma característica que se espera existir no âmbito escolar propiciando ao docente a expectativa de ser apoiado nas circunstâncias em que vivencie dificuldades pessoais ou profissionais. Esta rede deve ser estimulada pela equipe técnica, especialmente no que concerne às habilidades e competências relevantes para o êxito do processo ensino-aprendizagem. Face ao rápido e mutável avanço nas tecnologias educacionais, as condições de formação e de atualização dos docentes precisam ser cuidadas para não gerar estresse negativo alto que vai se evidenciar no contexto da sala de aula. Mas os problemas pessoais, inclusive os de vida privada, precisam também do apoio aqui referido. Psicólogos escolares, grupos de trabalho e outras possibilidades podem servir neste contexto.

Estilo de liderança é entendido como forma pela qual a chefia direciona ou comanda a escola, inclusa está a liderança natural. O estilo de liderança espera-se que não gere uma cultura de pressão, punitiva, com exagero de demanda, de regras e de normas. Novamente, o psicólogo escolar com base na psicologia organizacional ou o psicólogo organizacional atuando em projeto escolar específico podem ser de grande valia para os diretores.

Sistema de recompensa é um aspecto que deve existir em toda organização para garantir o desenvolvimento pessoal e profissional, a adesão, a organização e o clima adequado. Usualmente, em especial no que concerne ao professor, em todos os níveis, não há realmente, no Brasil, um sistema de recompensas ou reforços. Só o salário é ineficiente para se falar em sistema. No Estado e nas instituições particulares, encontram-se alguns incentivos, mas como tendem a não ocorrer concomitantemente ao desempenho perdem poder como reforçadores potenciais; além disso, tendem a estar associados apenas ao lado financeiro. Como exemplo podem ser lembradas as vantagens de qüinqüênios, as mudanças salariais decorrentes de obtenção de título (mestre, doutor etc), raramente contingentes. Escapam ao gestor as possibilidades de melhorar estes aspectos e usualmente fazer que sejam reforçados em contiguidade com a resposta. Implanta-se a ineficiência. Todavia, o gestor pode cuidar para que outros reforçadores formem um sistema provendo reconhecimento e outros reforços positivos para os docentes, para o que precisa conhecer o que é realmente reforçador para os professores. O Psicólogo Escolar pode ajudar aplicando instrumentos específicos para detectar os reforçadores potenciais aplicáveis com êxito provável em cada caso. Isto pode ser de grande valia no planejamento das contingências administrativas e do estabelecimento do sistema de recompensas.

Sistema de Gestão de Conflito é outro aspecto que também deve ser preocupação dos gestores acadêmicos já que, em situação de conflito, sempre se tem altos níveis de estresse com sérios efeitos no clima da escola, no trabalho com e dos alunos (quanto mais alta a escolaridade, pior o resultado), na liderança etc. É preciso que os conflitos sejam resolvidos com prontidão, justiça (transparente e com regras explícitas) e eficiência.

Valorização do Risco é um cuidado que se precisa ter para assegurar a renovação metodológica, tecnológica, conceitual e outras. Professores que se envolvem em novas propostas, que se renovam, precisam de apoio, de reforço para se manterem inovadores, por terem assumido o risco do progresso. Ao mesmo tempo é preciso cuidar de reforçar sua responsabilidade, criatividade e cuidado ao assumir risco, tendo por lastro o conhecimento científico, e experimentar as inovações dentro dos parâmetros da metodologia científica. Nem sempre estes cuidados são tomados e valorizados. Surgem resultados negativos cuja origem é desconhecida, emerge o estresse e o quadro se complica.

Símbolos são itens a serem valorizados como forma de dar maior coesão ao grupo. Isto implica em desenvolver e manter ritos, cerimônias, metáforas, festas informais e a própria história da instituição, de cada escola em particular.

Valores da sociedade, da comunidade e da própria escola precisam ser cuidados de modo a não se constituirem em controles repressivos. É importante que os valores contribuam para integrar as pessoas e para aumentar a eficiência do grupo. Estratégias de comportamento devem ser usadas para que ocorram afirmação pessoal e ativismo em favor dos objetivos da escola.

Diversidade Cultural - não se pode ignorar que muitas escolas convivem hoje com grande diversidade cultural, o que pode gerar conflitos, inadequações metodológicas, valores divergentes. Isto pede a gestão da diversidade cultural e a formação do docente para lidar com ela, conhecendo tecnologias de ensino compatíveis. Caso contrário, poderá ficar alienado e prejudicar sensivelmente o aluno diferente, ou ficar muito estressado face a sua incompetência para responder adequadamente à situação. Isto conduz a outra base importante do estresse do docente - o contexto da sala de aula.

Na sala de aula o professor se depara com alunos com várias características pessoais distintivas e oriundos de famílias cujo ambiente é muito variado em leiturabilidade, valores, clima, estrutura, relações interpessoais etc. Não estando adequadamente preparado para tanto acaba enfrentando uma situação de alta pressão. O estresse atinge níveis que tornam seu comportamento ainda mais inadequado à situação. Não tendo aprendido a controlar o estresse, o problema evolui para um quadro ainda mais negativo. Forma-se um círculo vicioso e se impõe a necessidade de apoio ao docente. Um Psicólogo Escolar competente torna-se de grande valia, por um lado, ensinando o professor a lidar com situações estressantes e ajudando-o a controlar os efeitos negativos do estresse. Por outro lado, informando-o e capacitando- o no uso de procedimentos e tecnologias de ensino mais compatíveis com a diversidade cultural que encontra na sala de aula (Elliot & Dupuis, 2002).

Assim, o estresse do professor tem muita relação com a sua formação acadêmica, que deve capacitá-lo muito bem em Psicologia em tópicos diversos como: tecnologia do ensino, capacidade de planejar e garantir sua educação continuada, conhecimento científico das variáveis que influem em docentes e alunos, e mesmo em conhecimento de metodologia científica para que possa trabalhar com mais segurança, assumir os riscos nas inovações, testando-as adequadamente etc. A sala de aula é um laboratório e o docente deve ser um pesquisador capaz de contribuir para que se conheça cada vez mais sobre o que nela ocorre, seus personagens, o ensino-aprendizagem, as relações interpessoais, os materiais, a organização, a ergonomia etc. O professor deve estar preparado para trabalhar com todos estes aspectos, estes pacotes de variáveis, usando estratégias comportamentais que evitem os efeitos negativos dos estressores que estão associados a esta variedade de situações. Precisa ter competência para pesquisar a realidade em que atua e avaliar cientificamente o impacto de sua ação.

No Brasil, a preocupação com a pesquisa sobre estresse vem crescendo e apresentando resultados muito úteis e interessantes (Lipp, 1996) e a preocupação em levar conhecimentos específicos aos professores gerou O stress do professor (Lipp, 2002) em que aspectos gerais e específicos do estresse são tratados, tendo por foco desde o docente alfabetizador ao professor da pósgraduação.

Sendo tão complexa a relação estresse-professor e tão importante a resolução dos problemas decorrentes, é natural que se espere uma produção científica que ofereça base para a atuação. Alguns aspectos desta produção são enfocados a seguir.

Estresse/ Professor: produção no PsycArticle

Seria de se esperar que a produção científica focalizasse a promoção da saúde do professor, a prevenção de problemas como o estresse, sua satisfação com o trabalho, a remediação ou solução de seus problemas biopsicológicos em programas de intervenção, bem como a avaliação, tanto dos programas de prevenção como de remediação. Além disso, espera-se que sejam trabalhadas as conseqüências do estresse do professor para ele próprio, para o aluno, para o processo ensino-aprendizagem para a escola como um todo (Witter, 2002a). Alguns destes aspectos são destacados nos trabalhos teóricos organizados por Lipp (2002).

A fim de dispor de um quadro de referência sobre a produção científica envolvendo o professor e o estresse foi feita uma pesquisa no PsycArticle, base de dados gerenciada pela American Psychological Association, que cobre a publicação efetivada via 47 periódicos de maior relevância na Psicologia. A solicitação foi feita tendo por quesito a relação professor-estresse, cobrindo o período de 1987 até 2002 (janeiro/fevereiro). Foram localizados apenas 30 documentos indicando que, a despeito de se reconhecer a importância da matéria, ela tem sido pouco pesquisada. O quadro revelou-se ainda mais negativo quando se constatou que dois textos não diziam respeito à temática em estudo neste trabalho conforme é explicitado a seguir.

Embora muito interessante, o trabalho de Townsend, Hicks, Thompson, Wilton, Tuck e Moore (1993) tem quase nada em comum com o tema aqui enfocado. Refere- se à ênfase dada pelos professores na introdução e conclusão de textos informativos e argumentativos, cujas estruturas retóricas influem na compreensão do texto. Verificaram a qualidade das conclusões. Possivelmente a recuperação na base de dados incluiu o trabalho de Townsed e cols. (1993) porque no resumo aparece: “Teachers... stress the importance of...” Pelo exposto, excluiu-se da análise o trabalho aqui referido.

Também foi excluído da análise um trabalho sem autor que apresenta síntese dos currículos dos homenageados de 1993 pela APA, ou seja, Meehl e Spielberger, sem relação com o aqui estudado. A inclusão deveu-se à ênfase (stress) do evento nas realizações dos homenageados. Essas exclusões atestam problemas ainda não solucionados pelos cientistas da informação e bibliotecários na alimentação das bases de dados. Servem também de alerta aos pesquisadores que recorrem freqüentemente às bases bibliográficas quanto a possíveis distorções no processo de inclusão de textos nas bases. Dessa maneira ficou-se com 28 trabalhos para serem analisados. Os mesmos compreendem o período de 1988 até 2001, já que em 1987 nenhum trabalho foi incluído na base pesquisada.

Considerando que, em metaciência, a autoria é um bom indicativo de desenvolvimento, que a autoria múltipla é forte indício de grupos de pesquisa, com maior potencial de avanço que o trabalho isolado, foi feita a análise deste aspecto. Também enfocou-se o gênero dos autores. Posto que a docência é uma profissão predominantemente feminina, pareceu de interesse verificar se a mulher também prevalece no campo da pesquisa sobre o professor.

Os resultados aparecem na Tabela 1. Apenas sete trabalhos eram de autoria única sendo os demais de autoria múltipla, portanto é significativa a concentração nos trabalhos realizados em equipe (χ²o= 40,96, n.g.l.=1, χ²c=3,84). Este resultado é positivo e na direção esperada em termos de desenvolvimento científico. Não houve necessidade de cálculo quanto ao gênero já que foi igual no total, ou seja, 28 homens e 28 mulheres produzindo na área, além de 10 autores para os quais não foi viável identificar o sexo.

 

 

Foi feita também uma análise da temática enfocada nos referidos artigos, começando pelos participantes estudados. Em 15 trabalhos, além do professor, os alunos também mereceram a atenção dos pesquisadores, por vezes sendo o alvo principal; em cinco os pais também participaram, além de outros personagens menos freqüentes. O professor propriamente dito foi objeto de atenção direta ou indireta nos 28 estudos, justificandose assim a inserção do trabalho na base.

A quase totalidade dos trabalhos constituiu-se de estudos descritivos da relação de estresse aqui focalizada, apenas dois enfocaram o efeito da atuação do docente e em várias pesquisas os professores serviram como juízes avaliando o estresse ou o resultado de condições estressoras ou remediativas deste problema nos alunos. Face ao número limitado de trabalhos, foi possível fazer uma síntese dos mesmos para melhor explicitação da temática para os leitores. No primeiro bloco aparecem os textos em que o docente assume o papel de avaliador, no segundo os trabalhos que enfocam mais diretamente o estresse do professor.

Professor-avaliador

O professor-avaliador é integrante dos estudos a seguir descritos. Alguns deles enfocam o estresse póstraumático, sendo que o docente também pode aparecer como membro da equipe de intervenção.

Considerando que desastres naturais são eventos que geram estresse pós-traumático com conseqüências psicológicas, Olson (2000) lembra que, a partir do começo da década de oitenta, do século passado, surgiram serviços especializados na área (Disaster Mental Health Services – DMHS) sendo hoje, nos USA, a 5ª maior divisão entre as várias organizações de voluntários, sendo treinados pela Cruz Vermelha Americana. Em 1982, a American Psychological Association recrutou psicólogos para atuar nos grupos de DMHS e, em 1991, em conexão com o APA’S Disaster Response Network, criou em 50 estados grupos treinados para atuar nos DMHS. Esses grupos reúnem e treinam outras pessoas. O autor relata rapidamente a atuação de um desses grupos envolvendo alunos e professores que atuaram em um grande desastre. Não há qualquer informação mais relevante do que o fato de docentes terem se envolvido, após o treinamento, na avaliação e no atendimento ao público estressado.

O estresse pós traumático em 92 crianças (da 4ª série do 1º grau) que vivenciaram o Furacão Andrew foi estudado por La Greca, Silverman e Wassertein (1998). Dispunham de medidas anteriores ao evento indicando ansiedade (auto-relato), avaliação de problemas comportamentais (ansiedade, desatenção, comportamento) feita por colegas e professores. Decorridos 3 e 7 meses após o desastre repetiram as medidas. Os sintomas de estresse pós-traumático pela exposição ao desastre natural ainda estavam presentes e afetando as habilidades acadêmicas. Aqui o professor aparece apenas como um avaliador do estresse na criança.

A mesma posição como participante-juíz ocupam os professores que participaram do trabalho de Hahn e DiPietro (2001), que avaliaram às cegas o comportamento de mães de crianças resultantes de fertilização artificial (N=54) e mães de crianças concebidas normalmente (N=54). Os alunos tinham entre três e sete anos de idade. Os professores consideraram as mães do primeiro grupo mais amorosas, mas não superprotetoras ou impositivas. Elas avaliaram seus filhos como tendo menos problemas do que as crianças do grupo de controle.

Cresce a concordância de que, no atendimento (clínico ou não) de uma criança ou de um jovem, é necessário contar com informações de várias fontes, estabelecer a validade das mesmas para superar obstáculos técnico-científicos e profissionais. Há muita controvérsia sobre a validade das diversas fontes de informação. Youngstrom, Loeber e Stouthamer-Loeber (2000) lembram que clínicos e pesquisadores tendem a perceber o autorelato feito por jovens como a fonte de menor relevância para avaliar hiperatividade, desatenção, oposição. Neste caso os professores parecem oferecer dados mais seguros. Todavia, quando se trata de conhecer os problemas internos, os próprios jovens e os empregados que cuidam deles são melhores que os professores. Na opinião dos autores houve falhas na avaliação. Isto levou os autores a estudarem os padrões de concordância entre pais, professor e aluno adolescente no externalizar/internalizar seus problemas. Examinaram 394 tríades de jovens masculinos, seus cuidadores e professores quanto à concordância no uso de uma escala que avalia problemas de jovens. Os professores relataram poucos problemas de internalização e exteriorização, menos do que fizeram os jovens e os seus cuidadores. Os professores avaliaram de forma diferente em função do grupo étnico do aluno. Parece haver um crescente acordo entre os pesquisados quanto à ocorrência de depressão e estresse no que concerne ao nível dos problemas, mas não aos padrões específicos dos sintomas. Os professores no presente estudo atuaram novamente como juizes e o foco foi sua competência como avaliador.

Gillmore e Guenwald (1999) discutem o possível viés de avaliação feita pelo próprio aluno, já que professores e pesquisadores freqüentemente consideram que os alunos não fazem boa auto-avaliação, nem avaliam corretamente as condições de ensino. Revendo a literatura científica sobre a matéria, mostram que tal conclusão é pelo menos apressada, em certos casos, pois não há dados consistentes. Lembram que a avaliação pelos alunos pode ser útil para o professor melhorar seu ensino, por exemplo, evitando indicar procedimentos estressores, exagero de leitura, pouco tempo para análise de matéria mais difícil. Trata-se de trabalho teórico em que o papel de avaliador assumido pelo professor e pelo pesquisador é o foco principal.

Webster-Stratton (1988) estudou 120 mães, 80 pais e 107 professores. Seu objetivo era comparar como percebem problemas de comportamento da criança e ajustamento do casal. Encontrou correlações entre como professores e pais avaliam as crianças, mas não com o como as mães o fazem. Mães estressadas ou deprimidas devido a problemas conjugais tenderam a perceber mais comportamentos desviantes entre seus filhos e tenderam a interagir com eles de forma mais autoritária e crítica. Os pais apresentaram um comportamento diferente, perceberam os filhos e tenderam a se comportar em relação a eles de maneira pouco afetada pelo seu próprio ajustamento pessoal, ou seja, são menos afetados pelas suas variáveis pessoais, nos seus julgamentos e nas suas relações com os filhos. Foram menos subjetivos. Possivelmente, isto os aproximou mais das avaliações do docentes.

McKinnon-Lewis (1994) examinou a extensão em que comportamentos hostis e coercitivos das mães e filhos estão associados aos índices de agressão, aceitação e competência social. Recorreu à avaliação pelo professor. Selecionou 104 mães de crianças entre 7 e 9 anos que tinham apresentado agressão em sala de aula. Os meninos, que vivenciaram vários eventos estressantes e eram coercitivos com suas mães, foram avaliados pelos professores como sendo mais agressivos e menos competentes do que seus colegas. A agressão parece ser uma resposta mediadora entre o estresse vivenciado pelo aluno e seu comportamento em relação aos colegas. Novamente, é o papel de docente-avaliador o assumido pelo professor em busca de conhecer o estresse do aluno.

Comportamentos antissociais no ambiente de trabalho estão cada vez mais freqüentes incluindo-se aqui as escolas. Sinclair, Martin e Croll (2002) examinaram os estímulos antecedentes e os conseqüentes a comportamentos antissociais apresentados em uma escola pública urbana e compararam professores vs não professores, escola média vs superior vs fundamental quanto à perspectiva de perigo face ao referido tipo de comportamento. Verificaram que a avaliação de possibilidade de perigo, da relação presença de comportamento antissocial e satisfação no trabalho, influem indiretamente na intenção e mudança de trabalho, havendo consistência em todos os níveis de escolaridade. Recomendam que os professores sejam ouvidos e sejam tomadas medidas administrativas que garantam a segurança, uma vez que os docentes se mostraram avaliadores muito competentes.

Uma outra pesquisa em que o professor foi o avaliador de comportamentos de seus alunos é a realizada por Alpert-Gillis, Pedro-Carrol e Cowen (1989). Nesse trabalho, crianças filhas do divórcio foram submetidas a um programa em que aprenderam a buscar e a atuar como grupo de apoio, expressar seus sentimentos em relação ao divórcio, compreender os conceitos relacionados a esta situação, desenvolver habilidades para resolver problemas e foram fortalecidas as percepções de si mesmo e da família. As crianças treinadas foram comparadas com um grupo não treinado de filhos do divórcio e com crianças de lares completos. Os professores avaliaram o comportamento das crianças antes e após o treino. Verificou-se que no grupo experimental houve progresso em competência social alcançando nível de significância pré-estabelecido, o que não ocorreu nos dois grupos de comparação. Verificaram progresso em todos os grupos para tolerância à frustração, assertividade e habilidades sociais no contato com os pares. Todavia, só para o grupo experimental em todas as avaliações houve progresso que atingiu o nível de significância.

Saigh (1989) também recorreu aos professores para avaliarem as crianças de sua pesquisa, tomando a avaliação feita pelos mesmos como critério. Os docentes usaram a Conners Teacher Rating Scale. O pesquisador trabalhou com três grupos: 231 crianças com estresse pós-traumático, 32 com fobia simples e 35 sem problemas clínicos (grupo de controle). Encontrou diferenças de gênero e grupo, sem efeito de interação, sendo mais grave a situação dos sujeitos com estresse pós-traumático, seguido dos fóbicos que também eram mais problemáticos que os de controle, mas sem serem significantemente diferentes. Outra vez a relação professor- estresse se restringe ao papel de avaliador.

A habilidade preditiva de professores, mães e pais quanto à presença e à evolução de problemas comportamentais em pré-escolares, em decorrência das relações ou comportamentos dos pais (gênero masculino), foi testada comparando-se pais com e sem problemas. Os dois grupos de pais diferiram estatisticamente em estresse, sintomas psicológicos, atitudes parentais, envolvimento positivo e tipo de disciplina. Só não diferiram em apoio social. Os professores avaliaram corretamente a severidade do problema clínico nos alunos, um ano antes perceberam o estresse dos pais e os seus sintomas psicológicos, bem como quando tinham um envolvimento positivo com os filhos. As mães apresentaram autorelatos com melhor previsão clínica, o mesmo não ocorrendo com os pais. Os professores-avaliadores mostraram alta eficiência na avaliação do estresse infantil, sendo superiores aos pais e mães.

Caplan, Weissberg, Grober, Sivo, Grady e Jacoby (1992) recorreram a avaliações feitas por docentes para analisar o efeito de um programa de 20 sessões aplicado a alunos do 6º e 7º graus, num total de 282, viciados em álcool e outras substâncias. O programa enfocou: manejo do estresse, auto-estima, solução de problemas, informação sobre saúde e drogas, assertividade e redes sociais. As avaliações feitas pelos professores mostraram que os sujeitos progrediram na resolução de conflitos com os colegas, controle da impulsividade, avanço na popularidade pessoal. Concordam com resultados de outras pesquisas quanto à competência avaliativa do professor.

Trabalho similar realizado por Mesman e Koot (2000) comparou avaliações feitas por professores e pais para analisar a avaliação feita pelos docentes em relação aos avanços quanto a aspectos psicopatológicos. Encontraram similaridade nas avaliações de um modo geral. Na mesma direção os resultados do trabalho de Bates, Marvinney, Kelly, Dodge, Bennett e Pettit (1994) apareceram. Os autores compararam as histórias de 589 crianças relatadas pelos pais antes de entrarem na préescola com avaliações feitas por professores, colegas e observadores quanto ao afastamento social. Os professores novamente aparecem como bons avaliadores.

Outro estudo em que o professor foi apenas avaliador dos sujeitos principais (adolescentes) foi o realizado por Iram e Cole (2000). Participaram professores, colegas e os próprios adolescentes. Os adolescentes se auto-avaliaram quanto aos eventos estressores que os afetavam e como percebiam sua competência, sendo esta também avaliada pelos professores e colegas quanto a sintomas de depressão. Os eventos estressantes negativos estão relacionados com a depressão. A competência autopercebida serve de mediador, mas não de moderador desta relação. Eventos negativos permitem prever mudanças na forma como o adolescente percebe sua competência. Quando há redução na competência pode-se prever o aparecimento de depressão, que pode ser diminuída quando se controla a competência autopercebida. Os professores foram avaliadores efetivos.

Allison e Furstenberg (1989) estudaram o efeito da dissolução do casamento em 1197 crianças, variando em sexo e idade. Para tanto recorreram aos pais, professores e à própria criança para relatarem a influência da separação nos problemas comportamentais, estresse psicológico e desempenho acadêmico. De um modo geral, a dissolução do casamento teve efeitos negativos em todas as áreas, tendendo a ser pior entre as crianças mais jovens e entre as meninas. Houve concordância entre as avaliações.

Stipek, Weiner e Li (1989) recorreram a avaliações de professores para comparar com as auto-avaliações de universitários quanto às relações atribuições-emoções e para selecionar alunos mais e menos esforçados, comparando grupos de universitários norte-americanos e chineses. Os resultados referem-se exclusivamente aos dados dos alunos. A partir dos cinco estudos realizados, concluíram que os chineses destacaram o esforço como a causa da realização alcançada como resultado, mas os dados não são conclusivos quanto à teoria da atribuição. Este é mais um trabalho em que o professor aparece como eficiente juiz avaliador de emoções de seus alunos e não como portador de estresse.

Em resumo, os trabalhos descritos mostram que o professor é um avaliador competente no que concerne a aspectos relacionados com as emoções e o estresse em seus alunos e respectivos familiares. Todavia, é necessário cautela na generalização, uma vez que são docentes de países nos quais o professor tem formação em nível superior e há exigências de pós-graduação em muitos deles.

Estresse e Professor

O segundo grupo de trabalhos é composto pelos que enfocaram mais especificamente o estresse e as condições estressoras relacionadas com o professor, como se evidencia nos trabalhos arrolados a seguir.

Ostroff (1992) investigou as relações entre satisfação do trabalhador, atitudes relacionadas ao trabalho (comedimento, ajustamento, estresse psicológico e desempenho organizacional). Os dados foram colhidos em 298 escolas secundárias e os instrumentos aplicados em 13.808 professores que nelas trabalhavam. A análise correlacional mostrou significância nas relações de estresse com as outras variáveis estudadas. Isto tem implicações para o gerenciamento das condições de ensino. É necessário garantir condições de adaptação que atendam à variedade interna e externa, assegurando melhores condições de eficiência aos professores no seu trabalho.

Um estudo longitudinal foi realizado por Sehonfeld (1996). Trabalhou com 250 professores tendo por objetivo analisar a influência da afetividade negativa no autorelato de resultados psicológicos e de medidas ambientais. Os resultados mostraram que as medidas ambientais estavam moderadamente relacionadas com sintomas depressivos pós-trabalho e que a satisfação no trabalho em todas as sub-amostras relacionou-se com as medidas ambientais. A motivação mostrou-se correlacionada na sub-amostra de professoras brancas, mas não nas negras e de origem hispânica. As correlações e coeficientes de regressão foram altos. Os resultados sugerem que não houve distorção da relação estudada nos autorelatos de sintomas depressivos, de satisfação e de motivação. A afetividade negativa é variável relevante no estresse manifestado especialmente pelas professoras brancas.

A pesquisa de Parkes (1990) teve por finalidade testar a hipótese de que o enfrentamento direto pode moderar os efeitos das relações entre estresse no trabalho e saúde mental resultante. Entretanto, a supressão (forma focal de enfrentamento) pode ter um efeito geral no resultado. Sua pesquisa foi realizada com 157 professores em treinamento, cruzando-se dados de enfrentamento, demandas e apoios percebidos no trabalho e sintomas afetivos. Os resultados confirmaram as hipóteses iniciais. Foram verificadas também diferenças de gênero, com os homens usando mais supressão do que as mulheres. A afetividade negativa apareceu como uma variável que engloba o índice de reatividade nas relações estresse-resultado. O índice de reatividade atua em associação com as percepções sobre o trabalho e os sintomas afetivos. Todavia, é um moderador que não atingiu o nível de significância. Os docentes com alto índice de afetividade negativa demonstraram maior reatividade negativa às exigências ou demandas do trabalho do que o fizeram os professores com baixa afetividade negativa, predispondo os primeiros ao estresse.

O trabalho de De Mulder, Denham, Schmidt, e Mitchell (2000) enfoca as relações entre os comportamentos de segurança demonstrados na relação mãepré- escolar, as condições estressantes da família e as relações das crianças com a professora e os colegas na escola. Seus resultados mostraram que em famílias com baixo nível de estresse, os filhos apresentavam melhor relação com as mães; famílias com alto nível de estresse tinham filhos com maior incidência de medo, agressão e problemas de competência social. Meninos com melhor relação com as mães também apresentavam melhor relação com as professoras e eram mais populares com seus colegas. Neste último caso, são menos estressantes para os professores.

Especificamente em relação ao professor, os autores verificaram que a segurança junto às mães era mais importante para os meninos do que para as meninas no estabelecimento da segurança junto aos professores. Para os meninos foi encontrada uma relação linear entre relação com a mãe e relação com a professora. Essa relação não ocorreu entre as meninas. Estudaram estas relações como variáveis geradoras de estresse entre os docentes.

Taris, Peeters, Le Blanc, Schreurs e Schaufeli (2001) estudaram o esgotamento (burnout), entendido como exaustão emocional, despersonalização e falta de realização pessoal em duas amostras de professores alemães, uma com relato de estresse decorrente do trabalho e outra sem este tipo de problema. Os docentes estressados compunham três grupos distintos quanto aos estressores: alunos, colegas e escola de um modo geral. Verificou-se que os estressores não afetam igualmente todos os professores, uns são mais afetados pelos colegas, outros pelos alunos e outros pela escola de uma forma global.

O estudo teve abrangência nacional e trabalhou com a teoria de Lazarus (1966). (De Longis, Folkman & Lazarus, 1988; Lazarus, 1966, 1982). Consideram o estresse como uma forma de relação da pessoa com o ambiente em que este a pressiona além de suas possibilidades de superar, para as autoridades significa que por essa razão a pessoa apresenta um comportamento mal adaptado, respostas somáticas e psicológicas inadequadas ao estressor como resultado de vivências intensas e prolongadas que afetam suas reações, inclusive as fisiológicas. No âmbito do trabalho, as pessoas que sentem não ter ou ter poucos recursos para atender às demandas ou exigências do seu trabalho ficam estressadas. É necessário buscar a equidade entre a demanda e as possibilidades do trabalhador para manter a relação em nível adequado.

Taris e cols. (2001), em um primeiro estudo, verificaram entre 312 professores secundários da Alemanha falta de reciprocidade entre eles ou ineqüidade entre os mesmos como geradora de estresse, tendo encontrado esta situação sendo vivenciada por 271 deles.

Em um segundo estudo de caráter longitudinal acompanharam uma amostra representativa (N=1309) de docentes do ensino primário e secundário da Alemanha. Verificaram que a ausência ou ineficiência de sistemas de recompensas, a falta de investimento no professor e a falta de reciprocidade entre demanda e possibilidade de atendê-la estão altamente correlacionadas com o estresse, com conseqüente abandono do trabalho.

Westman e Etzion (1999) analisaram as condições de estresse vivenciadas por 47 diretores e 183 professores de escolas de Israel. O objetivo era verificar se a existência de estresse entre casais também aparecia no local de trabalho e os mecanismos subjacentes ao cruzamento do estresse em duplas (diretor vs professor). Verificaram significância no estresse induzido pelo trabalho, mas não em esgotamento (burnout) resultante da relação professor-diretor e vice-versa. Houve significância no cruzamento entre estresse no trabalho e na família.

Steptoe, Cropley e Joekes (2000), retomando estudos que mostram associação entre reações cardiovasculares e pressão sangüínea com testes de estresse, estudaram a questão em 102 professoras e 60 professores submetidos a tarefas de alta e baixa demanda em condições padronizadas, usando monitoramento biológico durante todo o período do trabalho. Verificaram que as medidas de estresse permaneciam baixas e constantes durante o dia inteiro incluindo interações de baixa demanda. As reações e as situações de baixa demanda se mostraram preditivas quanto à pressão sangüínea e ao ritmo cardíaco, independentemente da linha de base, idade, gênero e massa corporal. As medidas tomadas quando os participantes estavam sentados foram mais consistentes do que quando estavam em pé. As associações laboratoriais medidas sugerem que dependem da conseqüência entre situação estressante e nível da atividade em que o professor se envolve.

Para evitar o estresse em professoras de escola elementar (N=10) de Quebec, foi usado um procedimento de observação e análise de suas atividades enquanto lecionavam. Messing, Seifert e Escalona (1991) observaram os docentes durante 48 horas e 24 minutos buscando identificar os elementos estressores e os recursos usados pelos docentes para evitar o estresse. Verificaram que os docentes usam diversas estratégias para reduzir o impacto dos estressores, entre os quais registraram: mudanças bruscas nas seqüências de ação, fixação dos olhos por breve lapso de tempo, rápido relaxamento físico ou mental, desenvolvimento simultâneo de muitas atividades, níveis de temperatura e umidade desconfortáveis. O empenho dos professores para redução do estresse inclui o uso variado de estratégias de ensino para criar um ambiente de aprendizagem e para manter a atenção dos alunos sob condições adversas. O exame destas estratégias levaram as autoras a recomendar a melhoria das relações entre professores e supervisores para que estes os ajudem a tornar a sala de aula um lugar mais fácil de ensinar. É uma forma de reduzir o estresse do docente.

Sonnentag (2000) estudou o uso de tempo de lazer e a recuperação do trabalho tendo em vista o bem estar das pessoas. Seus sujeitos foram 100 professores alemães que fizeram um diário de suas atividades de lazer por um período de cinco dias e responderam a um questionário sobre o trabalho. A autora concluiu que seu estudo mostrou que as atividades de lazer e o nível de estresse baixo na situação de trabalho contribuem independentemente para o bem estar das pessoas.

O trabalho de Bonanno e Kaltman (1999) diz respeito a uma Perspectiva Integrativa sobre a perda (ou luto), problema com o qual eventualmente o professor se depara, quer em sua vida pessoal, quer no que diz respeito a seus alunos. Só superficialmente enfocam a questão no que concerne ao mundo escolar. Todavia, é uma proposta teórica muito rica e com grande potencial. O esforço de análise dos autores emergiu do fato de ter decorrido quase um século que os teóricos sobre a matéria tecem considerações, afirmam que a perda requer sempre um período em que se trabalhe a tristeza com o objetivo de romper os elos de ligação com o falecido. As revisões feitas dos anos oitenta do século passado para cá surpreenderam os autores pela falta de suporte empírico para esta perspectiva, ficando-se com uma base teórica insustentável. Os autores propõem uma alternativa de síntese unindo cognitivismo, teoria do apego, teoria social da emoções e teoria do trauma, criando uma estrutura de referência para pesquisas futuras mais plausível e consoante com os dados de pesquisas na área.

É uma proposta de unificação. Bonanno (2001) retoma a discussão face à contestação que teriam ignorado o processo de esquiva para se distanciar da perda. Enfatiza a falta de dados para sustentar a contestação. Destaca que a leitura feita por eles valoriza a esquiva como forma de distanciamento do processo o que não foi percebido pelos seus opositores. Na base de dados apareceram também dois textos teóricos trataram de assunto subjacente a atuação do professor que ocasionalmente pode estar estressado. Pelo exposto é evidente que embora se fale muito do estresse do professor e da necessidade de uma devida prevenção e intervenção (Lipp, 2002) os pesquisadores não estão dando a devida atenção ao problema.

De acordo com os dados constantes na base pesquisada, o estresse do professor tem sido pouco pesquisado enquanto profissional submetido a condições estressoras, predominando os estudos em que atuam como avaliadores destas condições e da presença do estresse entre alunos e familiares. Estas considerações têm apoio no resultado encontrado por Witter (2002a) no PsycLIT sobre prevenção de estresse em geral (1994- 1999), no qual foram registrados apenas 12 trabalhos sobre estresse profissional em um total de 1.639 trabalhos. Ao que tudo indica, há necessidade de maiores investimentos na pesquisa na área do que vem efetivamente ocorrendo.

 

CONCLUSÕES

Pelos dados aqui apresentados é evidente que se está diante de uma área extremamente carente de pesquisas. As pesquisas encontradas são predominantemente descritivas não havendo praticamente produção que teste a eficiência de programas de prevenção e de intervenção para cuidar do estresse do professor. As situações de trabalho responsáveis por um quadro exacerbado de estresse docente estão requerendo pesquisas cuidadosas.

Usando situações variadas, instrumentos diversos, problemas distintos, as pesquisas que recorreram ao professor como avaliador foram consistentes em mostrar que o docente é um juiz competente, um bom avaliador do estresse e do comportamento emocional. Pesquisas similares precisam ser realizadas no contexto brasileiro com objetivo de verificar se aqui o professor demonstra esta competência. A sugestão decorre das diferenças de formação do docente nos vários países.

As pesquisas do segundo grupo enfocam variáveis muito diversificadas, instrumentos distintos de avaliação, são de tipos variados, predominantemente descritivas e os resultados não são coincidentes. Parecem refletir uma falta de metas para a pesquisa, a falta de continuidade nos projetos. Embora sejam pesquisas de mérito, não permitem estruturar um quadro claro do estresse do professor e das variáveis relevantes.

São pérolas esparsas, como se pode deduzir dos resumos apresentados. Não há coesão metodológica, de objetivos ou de resultados. Possivelmente, a impossibilidade de compor um quadro consistente decorre do pouco que já foi efetivamente pesquisado.

Parkes (1990) relata que as “relações entre percepções do ambiente de trabalho e autorelato de saúde mental e física estão amplamente documentadas na literatura. Muitas das pesquisas nesta área são de correlação de partes e, consequentemente, não permitem inferência causal, mas resultados empíricos de estudos longitudinais apoiam a perspectiva de que o ambiente de trabalho exerce uma influência causal na saúde física e mental, incluindo tanto resultados a curto e a longo prazo, afetando a saúde, particularmente no que concerne às doenças cardiovasculares. Resultados destes estudos também ilustram um processo no qual as percepções do ambiente de trabalho medeiam os efeitos das características objetivas do trabalho nos resultados relacionados com a saúde. Este processo não é invariante, contudo, nos modelos teóricos e nos resultados empíricos, as diferenças ocupam papel como determinantes da natureza e magnitude das respostas ao estresse decorrente do trabalho” (p. 399).

Há que se considerar a necessidade de se conhecer melhor as variáveis das condições de trabalho que geram estresse no professor. Sem este conhecimento é inviável planejar, executar e avaliar programas de prevenção e de intervenção que realmente sejam eficientes. É provável que a carência de pesquisas com tais programas não tenham surgido nos dados aqui relatados em decorrência do nível de conhecimento disponível. O predomínio de trabalhos de autoria múltipla é um indício de que grupos de pesquisadores estão se firmando na área, com tendência para maturidade. Todavia a natureza e a temática dos trabalhos estão longe de dar conta do necessário para sua evolução em profundidade e para suprir as necessidades básicas de conhecimento na área.

 

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Recebido em: 02/05/02
Revisado em: 29/10/02
Aprovado em: 10/12/02

 

1 Universidade de Mogi das Cruzes e PUC-Campinas.