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Psicologia Escolar e Educacional
versão impressa ISSN 1413-8557
Psicol. esc. educ. v.9 n.2 Campinas dez. 2005
ARTIGOS
Observação do educador infantil pela escala de empenho do adulto1
The observation of early childhood educator through the adult
Eulália Henriques Maimone2; Débora Nogueira Tomás3
Universidade de Uberaba
RESUMO
A presente pesquisa considera que uma das dimensões da qualidade na Educação Infantil é o empenho do professor. Assim, os objetivos da pesquisa foram observar e avaliar o empenho da educadora junto à criança, com o intuito de fazer um diagnóstico sobre a qualidade da mediação de aprendizagens de educadoras infantis. Participaram do estudo seis educadoras de crianças de três a cinco anos, de uma creche municipal do interior mineiro. Os procedimentos utilizados foram entrevistas semi-estruturadas e vídeo-gravações. A partir das filmagens, foi feita a classificação do empenho das educadoras, por uma escala de empenho do adulto, que utiliza a sensibilidade, estimulação e autonomia como critérios de avaliação Os resultados indicaram a necessidade de uma melhor formação da educadora, quanto aos critérios propostos, principalmente no que diz respeito à autonomia da criança.
Palavras-chave: Aprendizagem, Desenvolvimento infantil, Desenvolvimento infantil.
ABSTRACT
This research considerates that one of the quality criteria in Early Childhood Education is the teacher’s engagement. Thus, this research aimed to observe and to evaluate the engagement of the early childhood educator to do a diagnosis about the quality of the mediation of learning. Six teachers from children aging three to five years in an Early Childhood Care and Education Institution in Minas Gerais took place in the study, which procedures were semi-structured interviews and video-recordings. Based on the video-recordings, the educator engagement classification was made using the Adult Engagement Scale. The results indicated the need of a better teacher formation, mainly to develop children’s autonomy.
Keywords: Learning, Childhood development, Preschool educators.
INTRODUÇÃO
Desde que as instituições de educação infantil passaram a se responsabilizar pelas funções tradicionalmente desempenhadas pelos pais, de cuidar e de educar, as atenções da psicologia voltaram-se para o como se dá o desenvolvimento infantil nesse contexto. Contudo, somente nos anos 1990 é que a discussão sobre a qualidade dos serviços prestados à infância começou a gerar efetivamente estudos (Vectore, Gomide, Maimoni & Costa, 2002). Isso parece ter coincidido com a entrada no mercado de trabalho de um maior número de mães de classe média, que tinham de deixar seus filhos em instituições infantis, tal como o faziam até então quase que apenas as mães de nível sócio-econômico mais baixo. Para elas bastava conseguir uma vaga em creche para seus filhos, não exigindo muito em termos de qualidade da educação, mas tão somente cuidados de higiene e alimentação.
Um dos mais importantes trabalhos, visando a promoção da qualidade na educação infantil, foi realizado na Inglaterra, por Laevers ( 1996 ) e Pascal e Bertram (1999) os quais propuseram que duas das dimensões da qualidade da educação proporcionada à criança pequena são o envolvimento da criança e o empenho do adulto. Em pesquisa anterior (Maimoni, 2003), realizada em creche brasileira, verificou-se que, a criança não se envolve em uma atividade, talvez seja porque essa não esteja atendendo à sua necessidade de brincar. Ao lado disso, as formas de mediação do professor também podem favorecer o envolvimento da criança ou não envolvimento, na tarefa proposta. Deve ser considerado como um indicador de que a atividade de ensino necessita ser analisada e transformada.
Dessa forma, uma educação infantil de qualidade deveria considerar, tanto o contexto da criança para aprender, como o do educador para ensinar. A presente pesquisa refere-se ao empenho do adulto, buscando verificar o seu estilo mediacional, e utilizando uma escala de observação construída para esse fim.
Empenho é aqui definido, com base em Bertram (1996) e Laevers (1996), como a capacidade de o professor ser sensível a momentos em que deve mediar aprendizagens de seus educandos, ser estimulador, ao propor situações de aprendizagem e saber promover a autonomia da criança. Pascal e Bertram (1999) ofereceram, como fruto de suas pesquisas, um instrumental que possibilita, não só fazer um diagnóstico acerca do processo mediacional, mas também orientar o processo de intervenção para a mudança e de avaliação dos impactos dessa intervenção.
Muitos outros estudiosos deram sua contribuição para melhorar a qualidade da educação infantil, como Bhering e Sganderla (2002) e Zabalza (1998) mostrando a importância do educar, ao lado do cuidar, na tentativa de mudar o modelo assistencial existente. No entanto, no Brasil, essa educação não estava assegurada pela legislação, o que dificultava sua expansão com qualidade.
A nova Carta Constitucional reconhece o dever do estado de oferecer creches e pré- escolas para todas as crianças de 0 a 6 anos. É fundamental que se amplie a oferta de educação para essas crianças, de modo a garantir, a todas, o direito de acesso e permanência. Em Uberaba, segundo dados fornecidos, ao início desta pesquisa, pela Secretaria do Trabalho e da Ação Social (SETAS) com base em levantamento feito em 2001, a Secretaria Municipal de Educação atendia 2.270 crianças, em 4 escolas de educação infantil, e a Secretaria de Ação Social dava atendimento a 2020 crianças em creches municipais, enquanto 2.280 crianças eram atendidas em creches comunitárias, chegando a um total de 29 creches em toda a cidade. Havia ainda o atendimento dado pelo governo estadual a 620 crianças da educação infantil e pela rede particular a 6.150 crianças, além de um abrigo provisório para 80 crianças. Uberaba contava também, com a educação infantil rural, que atendia, na época, a 350 crianças. A SETAS informou ainda existir uma demanda reprimida que correspondia a 580 crianças e mais 300 que não procuraram atendimento. Evidentemente que o trabalho realizado no interior dessas instituições de educação infantil deve ter a qualidade necessária para que possa, com efetividade, beneficiar as crianças.
A educação de crianças de 0 a 6 anos, segundo Figueiredo (2002), desempenha um importante papel social, desde que mães necessitaram trabalhar fora de casa. Entretanto, a creche não pode ser considerada como substituta materna, o que acarretaria uma confusão de papéis acerca da função da educação infantil. Por um lado, isso provoca, conforme a autora, uma desvalorização dos profissionais que atuam nesse nível de ensino, ao considerar que esses educadores não precisam de uma sólida formação teórico-prática, bastando que saibam cuidar adequadamente do bemestar físico das crianças, evitando sujeira, doença ou bagunça. Por outro, Figueiredo (2002) lembra que existe também a concepção de que essa faixa de ensino é uma ‘extensão para baixo’ da escola fundamental, onde as crianças devem ser treinadas para o acesso à primeira série. Os educadores, por esse raciocínio são considerados menos qualificados que os de outros níveis e devem ser mais sóbrios na relação com as crianças, para facilitar a adaptação desta ao ensino fundamental.
Entende-se, tal como considera Kramer (1999), que a organização do trabalho pedagógico na educação infantil deve visar, antes de tudo, ao desenvolvimento da autonomia da criança. Obviamente, essa construção não se esgota no período dos 0 a 6 anos de idades, devido às próprias características do desenvolvimento infantil. Mas tal construção necessita de ser iniciada na educação infantil.
Segundo Vygotsky (1987), o desenvolvimento mental da criança é um processo contínuo de aquisição de controle ativo sobre funções inicialmente passivas, sendo que, desde os primeiros dias de vida, as atividades da criança adquirem um significado próprio no sistema de comportamento social, quando é dirigido a objetivos definidos e retratados pelo ambiente da criança. Confere, assim, ao outro indivíduo, pai, mãe, irmão, professora, colegas, presentes na situação, uma importância na determinação do desenvolvimento infantil.
Além do mais, em uma perspectiva vigotskiana, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e os processos psicológicos específicos do homem, são mediados pelos instrumentos culturais, tal como a linguagem, os sinais e os símbolos, criados pelo homem para se comunicar. O adulto é visto como um duplo mediador nesse processo, porque, no decurso de uma atividade partilhada, ensina estes instrumentos à criança e é, assim, mediador da aquisição de instrumentos culturais, que por sua vez, medeiam o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. No momento em que a aprendizagem ocorre, com a mediação do outro, a criança se torna autônoma naquele aprendizado.
De acordo com Oliveira e cols (1992), o educador precisa ter sensibilidade para perceber o estilo e o ritmo de aprender de cada criança; como as mesmas ocupam o espaço físico, como são estimuladas a examinar, explorar e construir significações.
Torna-se, pois, relevante uma pesquisa que tenha por objetivo o estudo de como acontece esse processo mediacional na educação infantil, uma vez que os pais colocam muito cedo seus filhos em instituição tipo creche, fazendo com que o desenvolvimento infantil dependa em grande parte, nessa etapa da vida da criança pequena, de como são feitas as mediações de aprendizagens pelos adultos com quem convive. Sugere-se, ainda, que não apenas a criança, no seu processo educativo, deva se tornar autônoma, mas também o educador infantil. Esse fato ocorre pela mediação de formadores que tenham claro esse objetivo, conforme considerações de Mazzeu (1998), em sua proposta de formação de professores.
Outros estudos, como o de Bhering e Sganderla (2002), também têm-se utilizado de escalas de observação da interação adulto/criança para avaliar a ação mediadora do professor, como indicador de qualidade na educação infantil, desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento e na aprendizagem da criança considerando-se os aspectos citados. A presente pesquisa teve por objetivo, não só fazer um diagnóstico sobre essa ação mediadora, mas registrar essas informações, para subsidiar a construção coletiva de um projeto de formação de educadoras infantis.
MÉTODO
Situação
Trata-se de um estudo de caso de uma instituição de educação infantil da cidade de Uberaba – MG. A instituição possuia, quanto ao quadro dos funcionários 3 professoras, 12 educadoras, 9 funcionários de serviços gerais, 1 coordenadora e 1 educadora de apoio pedagógico. Quanto ao número de crianças, no período da investigação, a creche atendia a 150 crianças de 0 a 6 anos de idade, divididas em turmas, segundo a faixa etária. Funciona em tempo integral, sendo o período da manhã destinado a atividades dentro de sala de aula e o período da tarde, a atividades ao ar livre.
Participantes
Participaram 6 educadoras da instituição, responsáveis pelas crianças de 3 a 5 anos de idade, que concordaram em participar de um projeto de formação de educadoras de creche. O número de crianças atendidas pelas mesmas, nas turmas, varia de 23 a 25 crianças.
A idade das educadoras varia de 20 a 44 anos. A maioria delas (n=3) estava na faixa etária entre 20 e 24 anos, duas entre 35 e 39 anos e uma entre 40 e 44 anos.Quanto à escolaridade, 16,6% (n=1) tinham o ensino fundamental completo. O curso de magistério apresentou uma porcentagem de 33,3% (n=2). O ensino superior completo representou 33,3% (n=2) e apenas uma delas tinha pós-graduação (16,6%) em educação ambiental.
O tempo de trabalho das educadoras em instituições infantis varia de 4 a 17 anos. Três educadoras trabalham há mais de 4 anos, uma trabalha há 10 anos, outra trabalha há 15 anos e outra há mais de 17 anos. O vínculo funcional das educadoras varia de 3 meses a 6 anos e meio, sendo que a maior parte delas está desempenhando esta função há 3 anos.
Instrumento
Escala de Empenho do Adulto
A Escala de Empenho do Adulto, tal como descrita por Bertram e Laevers (1996) analisa as características pessoais e profissionais que definem a capacidade de interação da educadora no processo de ensino e aprendizagem (sentir, motivar, autonomizar a criança), como um fator crítico na qualidade da aprendizagem da criança. Permite focar o olhar do observador nas características da intervenção do adulto. Baseado em Oliveira – Formosino e Formosinho (2002), os autores identificaram três categorias nos comportamentos do professor, que utilizaram na Escala de Empenho do Adulto que são sensibilidade (atenção e cuidado que o adulto demonstra ter para com os sentimentos e bem estar emocional da criança, inclui também sinceridade, empatia, capacidade de resposta e afetividade; estimulação (o modo como o adulto concretiza a sua intervenção no processo de aprendizagem e o conteúdo dessa intervenção, estimulando o envolvimento da criança) e autonomia (o grau de liberdade que o adulto concede à criança para experimentar, emitir juízos, escolher atividades e expressar idéias e opiniões, engloba também o modo como o adulto lida com os conflitos, regras e problemas de comportamentos).
Trata-se de um instrumento de observação, cujo formato é de uma escala de 5 pontos, a ser utilizada para observar os educadores e outros adultos na sua interação com as crianças, possibilitando a caracterização dos estilos educativos mais comuns num determinado contexto. O ponto 5 evidencia um estilo de empenho total; ponto 4 representa um estilo predominante de empenho, mas com algumas atitudes de falta de empenho; ponto 3 indica um estilo onde não predominam nem as atitudes de empenho, nem as de falta de empenho; ponto 2 sugere um estilo, principalmente de falta de empenho, porém é possível observar algumas atitudes de empenho e ponto 1 representa um estilo de ausência total de empenho.
Procedimento
Entrevistas
Após o contato inicial com as professoras e obtido o consentimento para a pesquisa, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, em horário previamente marcado, na própria instituição. Houve uma entrevista inicial, com todas as educadoras infantis, sobre sua prática pedagógica e uma outra entrevista, ao final das vídeo-gravações, priorizando verificar a compreensão sobre o brincar e o lugar dessa atividade dentro da rotina institucional.
Vídeo-gravações
Foram realizadas cinco vídeo-gravações de cada educadora, de 2 minutos cada, durante dois dias, num total de 120 minutos. Sendo cinco vezes no período matutino e cinco vezes no vespertino, perfazendo 20 minutos de observação por adulto, já que os mesmos permanecem apenas por um período na instituição. Após a realização das filmagens, as fitas foram transcritas de modo a permitir a elaboração das categorias e o registro na Escala de Empenho do Adulto, de acordo com o modelo português (Formosinho & Formosinho (s/d). Nesta registraram-se o comportamento e o nível (de 1 a 5) de cada item avaliado (sensibilidade, estimulação e autonomia), conforme os critérios da Escala de Empenho do Adulto (Bertram & Laevers, 1996).
RESULTADOS
Das Entrevistas
Dentre as razões apontadas pelas educadoras para a escolha profissional, três disseram gostar de crianças e se interessar por seu desenvolvimento. Três disseram que foi por necessidade de emprego, uma vez que passaram em concurso público e efetivaram-se.
As educadoras apresentaram as vantagens e desvantagens que elas vêm em sua profissão. Dentre as vantagens estão gostar de lecionar, de ensinar, participar do desenvolvimento das crianças, gostar de cuidar delas e aprender um pouco a cada dia. As desvantagens que relataram foram a falta de material de trabalho, como papéis, lápis de cor, brinquedos, cadeiras e mesinhas. Reclamaram também da desvalorização da profissão e dos baixos salários.
Na segunda entrevista, todas as educadoras afirmaram ser importante a criança brincar, justificando que, por meio do brinquedo é possível observar o desenvolvimento da criança. O brinquedo é uma ponte para a realidade que ela vivencia, desse modo pode-se inferir que o brincar é algo inato na criança, sendo responsável pelo seu crescimento e amadurecimento.
Com relação à utilização do brinquedo nas atividades com a criança, a maioria das educadoras acredita que, utilizando-o, é melhor para trabalhar conceitos, coordenação motora, individualidade, conjunto, sendo mais fácil de ensinar e de as crianças aprenderem. Acrescenta-se ainda que, com a sua utilização, podem observar o crescimento da criança.
As educadoras consideram bons os espaços para brincar presentes na instituição, ressaltando o ‘varandão’ como a principal opção. Reclamaram do descaso com o parquinho. Salientam que precisa de ter sua areia trocada, pois está dando micose nas crianças, e há muito tempo não podem utilizá-lo. Duas educadoras responsáveis pelas crianças de 5 anos, reclamaram do tamanho da sala, dizendo ser muito pequena para se trabalhar com a quantidade de crianças na turma. E ainda que os espaços livres na instituição como quadra, ‘varandão’ e parquinho, não são utilizados adequadamente e várias turmas ocupam um só espaço ao mesmo tempo, causando desorganização.
Todas as educadoras responderam que existem momentos na rotina das crianças, em que podem brincar livremente. Tais momentos ocorrem geralmente após alguma atividade, na parte da manhã e depois do lanche, no período vespertino. Segundo as educadoras, esses momentos são importantes, para que as crianças possam descansar das atividades e expressar sua realidade, expondo seu interior.
Nenhuma educadora acha difícil trabalhar com o brincar livre das crianças. Ressaltam que na brincadeira livre, a criança expressa sua realidade, seus medos e desejos, além de promover o desenvolvimento, a aprendizagem e a socialização.
Das vídeo-gravações
Em relação ao empenho do adulto, nesse caso das 6 educadoras, foram consideradas as dez vídeo-gravações de cada uma. Os registros de empenho foram analisados pelas opções de resposta à escala que revelam os cinco níveis de empenho, nos três fatores. A Tabela 2 mostra a distribuição, sendo que a opção NP significa não pertence, refere-se à ausência de comportamento de empenho da educadora.
Verificou-se que houve uma predominância de respostas na opção intermediária no item Sensibilidade, com 35% de ocorrências. Quanto à Estimulação, a maior freqüência foi também na opção intermediária, com 28,3%. Isto indica que para estes fatores não há nem predominância de empenho ou falta dele. Já no item Autonomia a maior freqüência permaneceu na opção falta total de empenho, com 28,3%. Assim depreende-se que, na prática profissional dessas educadoras, há atitudes de falta de empenho, porém foi possível verificar comportamentos de empenho e interação delas com as crianças.
A distribuição das freqüências e porcentagens das educadoras pode ser vista nas Tabelas 3 e 4.
A educadora 1 tem 22 anos, segundo grau completo de escolaridade e está cursando o magistério. Trabalha atendendo 23 crianças de 3 a 4 anos, no período vespertino, com tempo na função de 2 anos. Essa educadora apresenta níveis extremamente baixos de empenho nas atividades que desenvolve com as crianças, estando todos os itens, Sensibilidade, Estimulação e Autonomia, no nível 1, com 70% de ocorrência. Causam preocupação as atividades oferecidas às crianças, visto que denotam a ausência de empenho da educadora, considerando ainda que as atividades ocorrem fora da sala de aula, em outros espaços da instituição, que poderiam ser mais bem explorados. Pode-se justificar esse comportamento pelo fato de que a educadora não gosta de trabalhar com Educação Infantil, de acordo com os dados da entrevista, e está na creche por causa de um concurso público e, por mais que tenha afirmado que considera a atividade lúdica importante, não soube dizer o porquê, o que pode fazer com que ela não se empenhe durante o desenvolvimento das atividades, por não saber ao certo o que faz e para que faz.
A segunda educadora tem 33 anos e segundo grau completo (magistério), com tempo na função de 3 anos. Trabalha atendendo 23 crianças de 3 a 4 anos, no período da manhã. Pela Tabela 2, pode-se observar a freqüência dos comportamentos de empenho observados nessa educadora. Os dados revelam que, em relação à Sensibilidade, seus comportamentos encontram-se, em 50% das ocorrências, no nível 1 e 2, ou seja há um predomínio da ausência de empenho, o que sugere, portanto, que tal educadora precisa repensar suas estratégias de ensino, bem como as experiências de aprendizagem que oferece à criança. Nos itens referentes à Estimulação e à Autonomia, os dados mostram uma situação também preocupante, já que, em 60% das ocorrências em Estimulação, a educadora permaneceu nos níveis 1 e 2, referentes ao predomínio de ausência de empenho, não demonstrando empatia para com as necessidades e preocupações da criança, apresentando falta de energia e impedindo que a criança escolha, experimente outras possibilidades de aprendizagem. Já em Autonomia, apresentou 40% de ocorrência no nível 1, e 30% de NP , indicando que, em 70% das situações filmadas, a educadora não interagiu com a criança.
A educadora 3 tem 39 anos, superior incompleto de escolaridade, tempo na função de 6 anos e meio. Atende 24 crianças de 4 anos a 5 anos, no período da tarde. Essa educadora é uma das que está há mais tempo trabalhando nesta instituição infantil, já tendo atendido crianças de faixas etárias diferentes. No item Sensibilidade, a educadora obteve seu melhor empenho, com 60% de ocorrência no nível 3, que é um nível mediano e ainda se fazem presentes algumas atitudes de empenho, apresentando 10% das ocorrências no nível 4. Nos itens seguintes, a educadora também obteve maior freqüência no nível 3, sendo que no item Estimulação obteve 40%, seguido de 30% do nível dois, referente à predominância de falta de empenho. Já com relação à Autonomia, obteve 50% no nível 3, e 30% no nível dois, referente também à falta de empenho. Deve-se lembrar aqui que suas atividades ocorrem fora de sala de aula, quando o brincar é livre. A professora parece não considerar esse momento como de aprendizagem, o que foi confirmado pela entrevista.
A idade da educadora 4 é 24 anos, possui pósgraduação em Educação Ambiental, com tempo na função de 6 meses. Atende 25 crianças de 5 anos, no período vespertino. Essa foi a única educadora que apresentou comportamentos dentro do nível 5, indicando que desenvolve um processo mediacional de melhor qualidade, do que suas colegas. Contudo, ainda deixa a desejar quanto à autonomia da criança. Quanto ao item Sensibilidade, a educadora utilizou-se, em 60% das ocorrências, de comportamento nos níveis 4 e 5, o que parece demonstrar a sua atenção ao que as crianças sentem, respeitando-as, sendo carinhosa e afetuosa com as mesmas.
A mesma educadora utiliza comportamentos de Estimulação nos níveis 4 e 5, com 50% de ocorrência, já que ela, nas atividades propostas aparenta energia e vitalidade, estimulando o diálogo e o pensamento, motivando a criança a participar, valorizando suas experiências. Obteve 40% de ocorrência no nível 3, um resultado mediano. Os comportamentos referentes à Autonomia também permaneceram no nível 3, com 40 % de ocorrência, e ainda obteve 30% de NP, o que significa ausência de interação com as crianças, durante suas atividades, que são ao ar livre. Demonstra, assim, o que expressou na entrevista, quanto à concepção sobre o brincar, desvalorizando essa atividade, quando livre, considerando ocasião de aprendizagem apenas o brinquedo dirigido. Mesmo assim, parece que seu maior nível de formação, com curso de especialização, pode estar favorecendo suas mediações de melhor qualidade.
A educadora 5 tem 24 anos, segundo grau completo de escolaridade (magistério), com tempo na função atual de 3 meses. Atende 24 crianças de 4 a 5 anos, no período matutino. Os dados revelam que, em relação à Sensibilidade, seus comportamentos concentram-se em 40% no nível 3, seguidos de 30% no nível 2. Percebese portanto, que há nas atividades uma considerável presença de comportamentos de falta de empenho, quando não demonstra muita empatia nas relações com as crianças. Com relação ao item Estimulação os resultados apresentados são: 30% das ocorrências no nível 3, 30% no nível 2 e 30% de NP, ou seja, seus comportamentos não se constituíram em situações de interação com as crianças. A educadora demonstrou a existência de poucos comportamentos de estimulação, porém necessita de mais entusiasmo nas atividades, para proporcionar um melhor desenvolvimento às crianças. No terceiro item, referente à Autonomia, a educadora teve o nível mais baixo de empenho, com 50% das ocorrências no nível 1 e 20% no nível 2, revelando-se autoritária e aplicando regras com rigidez e impossibilitando que a criança experimente outras possibilidades de aprendizagens.
E por fim a sexta educadora tem 41 anos e curso superior incompleto, cursa Pedagogia, tempo de trabalho na função atual é de 4 meses. Atende 25 crianças de 5 anos, no período matutino. Quanto ao item sensibilidade, a educadora utilizou-se em 50% dos comportamentos no nível 4, o que parece demonstrar que é carinhosa e afetuosa, respeita a criança, demonstra empatia com as necessidades e preocupações da criança, ouvindo-as. Utiliza comportamentos de Estimulação nos níveis 3 e 4 , já que ela, nas atividades, apresenta certa energia e vitalidade e motiva a criança a participar, estimulando o diálogo e valorizando as experiências das crianças. Os comportamentos referentes à Autonomia, a educadora os apresentou, 40% no nível 4, 20% no nível 3 e 30% no nível 2, aplicando as regras disciplinares com certa rigidez em alguns momentos.
DISCUSSÃO
É interessante observar que as educadoras apontam o fato de que, enquanto as crianças brincam, ou elas se colocam como parceiras da brincadeira, ou permanecem observando, tendo a preocupação de que as crianças não se machuquem. Contudo, nas filmagens realizadas, observamos, claramente, que essa interação não acontece, sendo freqüente ver as educadoras realizando outras tarefas ou conversando com outras educadoras, nas ocasiões de brinquedo livre.
Em estudo anterior (Maimoni, 2003), dentro do projeto, verificou-se que, apesar disso, as crianças envolvem-se mais nas atividades do período vespertino, do que nas do período matutino, quando as atividades ocorrem predominantemente em sala de aula. Assim, essa creche parece adotar, segundo Figueiredo (2002), uma concepção de que a educação infantil deva ser “uma extensão para baixo” da escola fundamental. Ou seja, são mais valorizadas as atividades de lápis e papel ou mesmo lúdicas, dentro da sala de aula e visando formar certas habilidades consideradas preparatórias para a leitura e escrita, mesmo sendo menos motivadoras para as crianças, já que sua atividade principal, nessa faixa etária, não é a escolar.
Essa concepção aparece mais claramente, quando as educadoras dizem que existe direcionamento nas brincadeiras das crianças, com o objetivo de aprendizagens específicas. Segundo as mesmas, nessas atividades, elas trabalham a coordenação motora, cores e figuras geométricas, limite, atenção, dentre outras atividades, conforme o cronograma seguido na instituição, cujas atividades são programadas toda semana. O brincar livre não é considerado como situação de aprendizagem e de desenvolvimento e o trabalho realizado no período matutino, ao ar livre ou no ‘varandão’, é bastante desvalorizado pedagogicamente, existindo apenas para “descansar das atividades”. Isso evidencia também uma desvalorização do papel da educadora, que atua nesse período, mais como cuidadora, tal com ressalta Figueiredo (2000).
Um outro aspecto observado é que a instituição permite que as crianças tragam brinquedos de casa para a instituição e isso acontece uma vez por semana, geralmente na sexta-feira. As educadoras relatam que, assim, podem trabalhar a socialização, porém ficam preocupadas com o fato de que alguma criança não tenha brinquedos para levar. Ou mesmo que estrague os brinquedos das outras crianças, gerando brigas. Não percebem que essa prática de ter um dia, em que as crianças levam seus brinquedos de casa, pode contribuir para que uma criança, que, pela primeira vez, entra para um novo contexto de aprendizagem, o da instituição, possa se sentir mais ajustada, o que é demonstrado pelo levantamento de estudos feito por Bronfebrenner (1996), quando se refere às inter-relações possíveis entre lar e escola.
Embora todas as educadoras tenham discordado de que a criança deva brincar somente com jogo pedagógico, apesar da crença de que os mesmos contribuem mais para o desenvolvimento infantil, não existe a consciência de que, conforme salienta Leontiev (1988a):
O desenvolvimento mental de uma criança é conscientemente regulado, sobretudo pelo controle de sua relação precípua e dominante com a realidade, pelo controle de sua atividade principal . Nesse caso, o brinquedo é a atividade principal. Chamamos atividade principal aquela em conexão com a qual ocorrem as mais importantes mudanças no desenvolvimento psíquico da criança e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos, que preparam o caminho da transição da criança para um novo e mais elevado nível de desenvolvimento (p. 122).
É importante ressaltar, nesse particular, que as educadoras concebem o brincar como algo inerente à criança. Afirmam que as crianças já nascem com desejo de brincar e que cabe a elas, educadoras, incentivar esse desejo, como, por exemplo, escolhendo tipos de brinquedos apropriados para cada idade, já que tal atividade colabora na interação e no desenvolvimento da criança. Não percebem, portanto, que a brincadeira, mesmo sem brinquedo, na concepção vigotskiana, é um momento de apropriação pela criança do mundo adulto e que não é inato, mas aprendido, como qualquer prática social.
Quanto à importância do seu papel como educadora, no desenvolvimento e aprendizagem das crianças, todas concordaram que são importantes, justificando que têm o papel de orientadoras, norteando os caminhos, para que eles possam aprender e se desenvolver. A criança vê a educadora como um exemplo a ser seguido, na percepção delas, servindo de parâmetro para as crianças, salientando que não se pode apenas ensinar, é preciso dar exemplo de comportamento. Pode-se interpretar, a partir do que as educadoras expressaram, que as mesmas têm consciência da função da imitação na aprendizagem infantil, mas não do quanto sua mediação é importante. Nesse sentido, Leontiev (1988b) observa:
“As relações de uma criança, dentro de um grupo de crianças são também peculiares. Os vínculos que as crianças de três a cinco anos estabelecem entre si constituem ainda, em grande parte, o elemento pessoal - privado, por assim dizer em seu desenvolvimento, que conduz a um verdadeiro espírito de grupo. Nesse aspecto, a professora desempenha o papel principal - mais uma vez em virtude de suas relações pessoais com as crianças” (p.60).
Algumas educadoras revelaram ainda que também aprendem muito com as crianças, pressupondo uma relação de troca. Contudo, como se pode observar nas tabelas de empenho do adulto, as educadoras da sala de 3 anos mostraram os índices mais baixos de empenho. Talvez se deva ao fato de acreditarem que as crianças pequenas precisem ser primeiramente cuidadas e não educadas, sendo observados comportamentos que seriam considerados não de promoção do desenvolvimento e da aprendizagem, mas de inibição das iniciativas das crianças. Já na sala de 4 anos, as educadoras apresentaram-se um pouco mais estimuladoras nas atividades, porém pode-se dizer que, apesar dos resultados indicarem uma mediação de melhor qualidade, parece-nos necessário um acompanhamento das atividades de ensino, por um especialista na área de desenvolvimento infantil, para auxiliá-las a organizarem melhor essas atividades. O que se propõe aqui é uma intervenção em formação continuada, em que o formador atue como mediador dos conhecimentos científicos produzidos na área, na tentativa de superar o conhecimento comum presente entre as educadoras, conduzindo, acreditamos, a um processo de autonomia do professor e da criança (Mazzeu, 1998), partindo de sua prática revelada nas vídeo-gravações e nos seus relatos.
Quanto às educadoras da sala de 5 anos, os comportamentos de empenho foram melhor classificados, já que as educadoras atuaram de forma a possibilitar diferentes e estimulantes experiências de aprendizagem, sendo sensíveis para as necessidades infantis. Mesmo assim, o aspecto da autonomia infantil necessita de ser melhor discutido com as professoras, em uma proposta de formação continuada.
Vale constatar que as educadoras passam por dificuldades para conseguirem materiais, tanto para a brincadeira livre, como para as atividades direcionadas, além dos baixos salários, que as levam a trabalharem, muitas vezes em dois turnos. Suas insatisfações transparecem em suas falas, mostrando as características de um trabalho alienado, que lhes causa mais desprazer do que satisfação. A atividade de ensino torna-se, assim, sem significado, mostrando a necessidade dessas educadoras de uma tomada de consciência sobre o que está acontecendo no seu mundo do trabalho, a fim de modificá-lo e modificar-se, e isso deverá ser implementado, em uma experiência de formação continuada, a ser realizada na instituição, como parte do projeto maior.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Eulália Henriques Maimone
Av. Dr. Misael Rodrigues de Castro, 569 – Santa Mônica
CEP 34408-184 – Uberlândia – MG
e-mail: eulalia.maimoni@uniube.br
Débora Nogueira Tomás:
Av. 3 , no. 665 – Centro
CEP 14790-000 – Guaíra-SP
e-mail: debinogueira@uol.com.br
Recebido em: 11/04/2005
Revisado em: 21/09/2005
Aprovado em: 14/10/2005
1 Este trabalho faz parte de um projeto mais amplo sobre a Promoção da Qualidade na Educação Infantil, cuja coordenação internacional é feita por Júlia Formosinho, da Universidade do Minho, Portugal; a coordenação nacional está a cargo de Tizuko M. Kishimoto, da Faculdade de
Educação da USP-SP e a coordenação regional “Promoção da Qualidade na Educação Infantil na Região do Triângulo Mineiro”, financiado
pela Fapemig, está sendo coordenado por Célia Vectore da Universidade Federal de Uberlândia.
2 Docente da Universidade de Uberaba.
3 Bolsista de Iniciação Científica da Universidade de Uberaba.