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Psychê

versão impressa ISSN 1415-1138

Psyche (Sao Paulo) v.8 n.15 São Paulo dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Corpo e novas formas de subjetividade

 

Body and new forms of subjectivity

 

 

Elzilaine Domingues Mendes1; Caio César S. C. Próchno2

Universidade Federal de Uberlâdia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é verificar como as mudanças sócio-econômicas e ideológicas ocorridas na sociedade pós-moderna interferem na constituição da subjetividade humana. A autovalorização do mundo das imagens e do individualismo, aliada ao volume excessivo de informações, substitui a troca de experiências, causando o empobrecimento progressivo da vida interior. Surgem, então, novos laços sociais e também novos sintomas. O indivíduo não consegue expressar seus sentimentos, atribuindo todos seus males a uma causalidade inscrita no corpo. Assim, a impossibilidade da fala constitui-se em um desafio para a psicanálise contemporânea.

Palavras-chave: Corpo, Narrativa, Subjetividade, Psicopatologia, Contemporaneidade.


ABSTRACT

The aim of this paper is to verify how the socioeconomic and ideological changes, which occurred lately in our society, interfere with the constitution of the human subjectivity. The importance given to the world of images, the individualism, combined with the excessive volume of the information, substitute the change of experiences, causing the progressive impoverishment of the interior life. This brings to the emergence of new social relations and pathological symptoms. The consequence of these facts is that people do not know how to express their feelings, attributing all their evils to causes originated in the body. Thus, the impossibility of speech constitutes a great challenge for the contemporary psychoanalysis.

Keywords: Body, Narrative, Subjectivity, Psychopathology, Contemporary.


 

 

Introdução

Este trabalho tem como objetivo refletir sobre a maneira como as mudanças ocorridas na sociedade pós-moderna interferem no sofrimento humano de forma a ampliar as modalidades de subjetivação. Uma vez que a subjetividade sofredora tem um corpo, sendo nele que muitas vezes a dor enraíza-se e se manifesta, pretendemos repensar o dualismo corpo/alma existente nos primórdios da psicanálise.

Atualmente fala-se da fragmentação da subjetividade no Ocidente, destacando a condição trágica do sujeito pós-moderno – o desamparo. Surgem então novas psicopatologias – síndromes do pânico, depressões, bulimias, anorexias, somatizações, toxicomanias etc – em que o discurso dos pacientes mostra-se esvaziado de representações, destacando por um lado a pobreza da vida interna e a ausência de criatividade, e por outro um auto-investimento no “eu”, ou melhor, no “corpo”. Sustentado pelo consumo do mundo capitalista, o corpo é fetichizado, e na busca desesperada de soluções rápidas para seu sofrimento agarra-se às novas invenções tecnológicas, às novidades oferecidas pelas fábricas de cosméticos, às indústrias de psicofármacos, às psicoterapias alternativas e até mesmo às religiões, encontrando anestésicos temporários para o seu mal-estar.

Assim, diante do processo de globalização, encontramos hoje, em nossos consultórios, com pacientes marcados pelo sofrimento em seus próprios corpos, com dificuldades significativas para narrá-lo. Estamos diante de novos tempos e também de novos sintomas, e nos perguntamos: o que a psicanálise tem a ver com tudo isso? O que ela pode dizer das novas psicopatologias e das dificuldades dos pacientes para narrá-las?

 

A dualidade corpo/alma: um pouco de história

De acordo com as análises de Birman (2001) sobre o mal-estar na atualidade, no início da psicanálise assistimos por um lado a uma supervalorização do psiquismo, e por outro a uma exclusão do corpo e do afeto, que tiveram como conseqüência a redução da psicanálise a uma leitura restrita aos processos psíquicos de ordem representativa e significante. Além disso, não encontramos no Vocabulário de psicanálise, de J. Laplanche e J.B. Pontalis, um verbete sobre o corpo.

Entretanto, Freud deu importância fundamental às influências psíquicas no corpo, principalmente nas pacientes histéricas, o que pode ser observado no decorrer de sua prática clínica e de suas descrições teóricas. O psiquismo é definido por Freud no campo das representações, e a prática clínica por seu deciframento. Considerando que os sintomas são históricos, inseridos em um determinado contexto, o sofrimento humano vai tomando novas formas que parecem privilegiar as representações corporais.

Levando em consideração a história do corpo na civilização ocidental, ele sempre foi, desde os gregos, palco para o olhar e objeto de desejo. Mesmo na mitologia grega o corpo era muito valorizado, uma vez que os deuses eram imortais e possuíam a beleza e a juventude eternas. Atualmente o corpo é fetichizado e colocado pelo capitalismo como mercadoria, como objeto de consumo. O outro é visto nas relações sociais e sexuais apenas a serviço do prazer imediato do eu.

Sennett (2001), ao analisar a história do corpo na civilização ocidental, retrata suas relações em diferentes espaços urbanos e em vários momentos culturais, explicitando o não respeito de nossa civilização à dignidade dos corpos humanos e à sua diversidade. A acumulação do capital, vinculada à aceleração dos acontecimentos e à voracidade de consumo, não oferece tempo suficiente para a formação de subjetividades. O corpo torna-se passivo diante das rápidas transformações. O homem é convidado a produzir, consumir e buscar conforto, que ao mesmo tempo em que lhe dá prazer, o distancia cada vez mais dos outros seres humanos. Não há mais sentimento de solidariedade, uma vez que o corpo está completamente voltado para suas próprias necessidades e prazeres.

Essa hipervalorização do corpo, que cresce velozmente na contemporaneidade, transforma os homens em servos de sua própria aparência. A civilização ocidental assiste passivamente a e busca freneticamente um culto exagerado ao corpo, por meio da mais avançada tecnologia, da medicina genética, da moda, das academias de ginásticas, dos centros de estética e de massagens, de produtos de beleza etc, sacrificando inclusive a vida espiritual e a saúde. O que vale é a imagem, a aparência e o conforto. Temos um ideal de beleza do corpo, que deve ser alcançado a qualquer preço, e pagamos caro por isso. O outro perde importância nas relações sociais, empobrecendo-as, pois perdem o interesse, a vida interior e a troca de experiências. No entanto, algumas pessoas não alcançam o ideal de perfeição, de beleza e obtenção de prazer – tão almejado e também tão cobrado socialmente. Essas pessoas tornam-se depositárias de angústias e adoecem.

Na medida em que as pessoas se encontram desprovidas da capacidade de consciência crítica, e não conseguem fazer uma leitura do processo no qual estão inseridas, não se dão conta nem mesmo de sua própria história, não conseguem dizer algo a respeito de seu sofrimento, apenas queixam-se de suas dores corporais. No contato com os analistas essas pessoas são definidas por eles como pacientes difíceis, talvez inanalisáveis, uma vez que não colaboram com a regra fundamental da associação livre.

Nesse contexto, sem espaço nos consultórios psicanalíticos em função da incapacidade de narrar, esses pacientes encontram nos consultórios psiquiátricos fórmulas e medicamentos que lhes dão respostas e alívio temporários para seu mal-estar. E a psicanálise, caso não encontre um lugar para esse corpo na sua prática clínica e formas mais criativas e inventivas para lidar com seu sofrimento, corre o risco de ser absorvida e medicalizada pela psiquiatria. Surgem conceitos psiquiátricos que vão adentrando a psicanálise como: transtornos obsessivo-compulsivos, pânico, drogadependência, compulsão sexual, transtornos alimentares e de comportamento etc. São sintomas que para Mainetti de Vilutis (2002) descrevem o visual, o que os pacientes fazem, como por exemplo, usar drogas ou fazer sexo demais, ou o que deixam de fazer, como nos casos de depressões e pânico.

O espaço vazio deixado pela psicanálise em relação ao sofrimento corporal é ocupado pela psiquiatria. Cabe aos analistas, segundo Birman (2001), retomarem os conceitos freudianos sobre o narcisismo e as pulsões, a fim de melhor compreenderem os destinos da dor no mundo contemporâneo, e reconhecerem os lugares do afeto e do corpo nas representações psíquicas, uma vez que o sofrimento psíquico manifesta-se também no corpo.

 

O narcisismo e as novas modalidades de subjetivação

A fragmentação da subjetividade, segundo Birman (2001), ocupa posição fundamental no ocidente. É matéria-prima para a constituição de novas subjetividades, tendo como expressão dominante o narcisismo. Nessas modalidades de subjetivação o eu assume uma posição privilegiada, na qual passa a ocupar um lugar estratégico na economia psíquica do sujeito.

Segundo Freud (1914), o narcisismo é um termo escolhido por Näke em 1899 para designar a conduta na qual um indivíduo dá a seu próprio corpo um tratamento parecido ao que daria ao corpo de um objeto sexual, quer dizer, olha-o com complacência sexual, acaricia-o, até que graças a esses manejos alcança a satisfação plena. Entretanto, traços isolados dessa conduta aparecem em muitas pessoas, por exemplo, entre os homossexuais. Aponta ainda que para nos aproximarmos do conhecimento do narcisismo, faz-se necessário considerarmos a enfermidade orgânica, a hipocondria e a vida amorosa dos sexos. A pessoa que sofre devido a uma dor orgânica retira todo seu interesse das coisas do mundo exterior que não se relacionem com seu sofrimento. Enquanto sofre, retira de seus objetos de amor o interesse libidinal, pára de amar. Freud associava as doenças orgânicas ao narcisismo, uma vez que em ambos a pessoa volta todo seu interesse para si própria.

Na cultura ocidental há um grande investimento na auto-imagem. O corpo “belo” é considerado uma mercadoria poderosa, cara. O olhar passa a ocupar lugar central – é o mundo das imagens, das aparências. O ter passa a ser sinônimo de reconhecimento do sujeito pelos outros. A “cultura do narcisismo” e a “sociedade do espetáculo” enfatizam a exterioridade e o autocentramento. O sujeito vive em um registro especular, no qual o que lhe interessa é a sua própria imagem, assumindo assim um lugar exibicionista em que não há mais espaço para as trocas intersubjetivas. O sujeito perde-se em sua própria imagem, não dando conta das suas relações com o outro, pois amar implica em sacrificar um fragmento de seu narcisismo, enquanto ser amado implica em ser visto e apreciado.

Para Freud (1927) o outro é imprescindível na constituição da subjetividade do sujeito, pois o homem é, dentre todos os animais, o mais dependente, o mais desamparado, portanto precisa do outro inclusive para sobreviver. A passagem do estado de natureza para o de cultura depende do outro. Esta fragilidade estrutural do sujeito marca a sua finitude. A imprevisibilidade e a falta de garantias para a eterna felicidade, tão almejada e ao mesmo tempo tão ameaçada, tanto pela ambigüidade das relações sociais quanto pelas catástrofes da própria natureza, instalam o mal-estar humano.

O discurso freudiano anterior aos textos O mal-estar na cultura e Totem e tabu acreditava nos poderes da psicanálise para dar conta dos conflitos entre os impulsos sexuais e a civilização. A partir desse período Freud percebe que esta harmonia não é possível, uma vez que o desamparo é originário, portanto, é de ordem estrutural. Os seres humanos guardam um grande ressentimento em relação ao processo civilizatório, que expressam por meio da agressividade, uma vez que a repressão dos impulsos agressivos determina a perda da felicidade e o aumento do sentimento de culpa.

Nossa cultura ocidental parece não aceitar que o mal-estar no qual está inserida é estrutural. Propõe então, por meio do capitalismo, o consumo imediato de todos os produtos possíveis, a fim de obturar essa falta. As pessoas não toleram postergar nenhuma satisfação, o prazer deve ser imediato. Estão regredidas a um estado primitivo de satisfação plena e não querem abrir mão disso. Devem ser satisfeitas o mais rápido possível.

 

A impossibilidade da fala

Diante das exigências do mundo contemporâneo os homens vivem apressados, estão sempre atrasados, correndo atrás das mais novas e sofisticadas mercadorias, consumindo vorazmente, e por outro lado, completamente sem tempo para investirem na vida interior, sem condições de refletirem sobre os acontecimentos do seu dia a dia. As pessoas são absorvidas pelos acontecimentos, não conseguindo digeri-los.

Benjamin (1980) fala da decadência da narrativa. Uma vez que a narrativa nasce da troca de experiências entre os seres humanos, pressupõe a necessidade e a sabedoria de saber ouvir. Está fundamentada no interesse do narrador pelos problemas práticos do cotidiano. A sua utilidade consiste em uma lição de moral, em ditados, em normas de vida ou em indicações práticas. De qualquer forma, o narrador é alguém que dá conselhos ao ouvinte. O trabalho do narrador assemelha-se ao do artesão, uma vez que este vai tecendo sua narrativa de acordo com as experiências vividas, sejam elas as suas ou as alheias. Normalmente o narrador inicia seu relato contando algo que vivenciou, como por exemplo, uma viagem, uma discussão com amigos etc, deixando assim a sua marca na coisa narrada. As pessoas perderam o interesse pela troca de experiências, não querendo mais contar ou ouvir histórias. Com a ascensão da burguesia, a narrativa escrita tomou o lugar da narrativa oral. A troca de experiências foi substituída pelo acúmulo de informações, pela leitura em ambientes silenciosos e individualizados.

Assim, podemos pensar que houve uma mudança nas relações pessoais. Antigamente podíamos falar de relações inter-humanas, nas quais havia um maior investimento no tempo para estar com o outro, e conseqüentemente em maior contato entre as pessoas. A palavra falada assumia um lugar de destaque. Atualmente o que percebemos é que a velocidade dos acontecimentos, propiciada pelo avanço tecnológico e pelo excesso de informações, tem deixado as pessoas completamente perdidas. Diante desse excesso de estímulos, a narrativa está sendo substituída pela ação.

Além disso, observamos também uma mudança significativa no perfil clínico dos nossos analisandos, com aumentos relevantes de casos de depressão, toxicomanias, síndrome do pânico, anorexia, bulimia etc, que têm desafiado tanto o saber psicanalítico quanto o saber médico. Podemos então perguntar: o que há de comum nessas patologias? Em primeiro lugar, vale ressaltar que a dor nas patologias contemporâneas expressa-se no corpo. Corpo que se traduz ora pelo excesso de ações, caracterizado pela voracidade e pelos comportamentos compulsivos, ora pela ausência de ações, impedido de agir pela angústia (pânico), ou paralisado (depressões).

Segundo Ocariz, essas patologias atuais são mais graves do que as neuroses. Nos sintomas neuróticos trabalhamos com representações recalcadas, dissociadas do seu quantum pulsional, enquanto que nas patologias atuais não há articulação com a cadeia representacional. São formações sintomáticas, vinculadas com demandas mais primitivas, com o desamparo primordial; estão aquém do recalque e retornam no real do corpo. Produzem angústias desesperadoras e sensações no corpo de morte iminente. A autora explica:

A compulsão e a voracidade em relação aos objetos de satisfação apresentam-se como a principal característica da sintomatologia de nossos dias. A relação com o objeto é da ordem da demanda e do consumo imediato, não tolerando espera ou desejo. Os novos sintomas são decorrentes de um excesso pulsional impossível de nomear (2002, p. 36).

Para Mainetti de Vilutis (2002) esses pacientes apresentam sérias falhas de simbolização, pois não se ajustam à regra da associação livre. Esse vazio de simbolização dificulta a instalação da transferência no início do processo analítico, comprometendo a continuidade do mesmo. Nesses casos, é como se a dor ocupasse o lugar da angústia, e o vazio o lugar das representações.

Uchitel (2002), ao analisar as novas patologias, explica que elas não são organizadas em torno do recalque, da repressão, da sexualidade ou da submissão à autoridade. São atravessadas pelo fracasso da função paterna, caracterizado pela liberdade sem limites. O funcionamento psíquico dos pacientes narcísicos situa-se em um nível muito primitivo, incapacitando-os a transferirem a libido para os objetos, ou seja, a se relacionarem com outras pessoas e a amá-las como diferentes de si mesmo. O que se valoriza é a sedação da dor, a busca do prazer, do gozo contínuo.

A partir das análises citadas, percebemos que há uma fragmentação da subjetividade, e portanto, da narrativa desses pacientes. Somos levados a refletir sobre a clínica psicanalítica na atualidade. Então podemos questionar: o que fazer quando nos encontramos com corpos narcísicos, passivos, alienados, empobrecidos, esvaziados e fragmentados, com recursos insuficientes para simbolizar e representar seus sofrimentos? É possível analisá-los?

 

Considerações finais

O ideal cultural alienado ao consumo propõe-se a tamponar a falta, a angústia. Os objetos de consumo prometem a satisfação imediata, sejam eles drogas, psicofármacos, sexo via internet, produtos de beleza, religiões, terapias alternativas etc. As promessas de marketing dos prazeres do consumo são infinitas; no entanto elas não dão conta do sofrimento humano, não aplacam a dor de existir, e por isso criam sempre mais e novas necessidades de melhores produtos, porém insuficientes ao desejo humano, que é inominável, insaciável. É preciso reconhecer que o desamparo humano é estrutural, originário. Que o sujeito tem que se haver com seu desejo, com sua falta. Que não existem garantias de felicidade eterna. Que o ser humano é limitado, finito. Porém, as novas patologias não toleram a espera. E a questão é: como trabalhar com demandas que não suportam o vazio, a angústia, a falta, a tristeza?

Birman (2001) sustenta em primeiro lugar que a psicanálise deve absterse de sua onipotência inicial, quando prometia a felicidade a partir da harmonia dos desejos sexuais com o processo civilizatório. Deve antes de tudo retomar os textos freudianos a partir de 1915, nos quais Freud reconhece que o desamparo é originário e, portanto, estrutural.

Ocariz (2002) propõe introduzir, durante o processo psicanalítico, significantes que separem o sujeito e suas demandas da satisfação imediata, estabelecendo uma nova posição subjetiva, possibilitada pela via do desejo e não por um submetimento passivo ao gozo do Outro. Sugere que as descobertas freudianas devam ser sustentadas, porém os conceitos psicanalíticos devem ser renovados e contextualizados no tempo em que vivemos. Freud foi um observador e pesquisador do psiquismo humano; sua técnica foi evoluindo a partir de suas descobertas. No início ele tentava preencher as lacunas deixadas nos discursos dos pacientes, tornava consciente o inconsciente, até perceber que o sentido deveria ser encontrado pelo próprio analisando. Então passou a trabalhar com as construções da história dos analisandos.

Uchitel (2002) propõe conversar com o paciente, tirá-lo do silêncio. Intensificar o vínculo terapêutico, apoiando intensamente o paciente a fim de que ele possa estabelecer uma transferência com o analista que seja capaz de dar sustentação ao tratamento.

Mainetti de Vilutis (2002) fala de uma mudança no processo psicanalítico, apoiada nos escritos de Juan David Nasio, que amplia o que Freud denominava período de ensaio, no início do tratamento psicanalítico. Durante as entrevistas preliminares Freud propunha de 10 a 12 sessões, nas quais deixava o paciente falar livremente, sem interpretá-lo. A autora explica que a exigência de regras rígidas produz um efeito de rechaço e frustração das demandas de amor e reconhecimento do paciente, imprescindíveis para a instalação da neurose de transferência. O que não significa apenas propiciar que o paciente continue falando, mas construir junto com ele condições que tornem possível sua palavra.

Percebemos que o adulto contemporâneo vive como um adolescente, acreditando no mito da eterna juventude – reforçado pelo consumo desenfreado de produtos que prometem a beleza e vida eternas – desprovido de rituais de passagem que lhe permita lidar com seus problemas reais e ascender à condição de sujeito desejante, porém incompleto e responsável por seus atos.

Além das alternativas propostas pelos autores acima para lidar com as psicopatologias contemporâneas, penso que assim como Freud inventou a psicanálise por meio da escuta clínica de suas histéricas, o analista atual deve acreditar na possibilidade de inventar novos estilos, pautados pela ética psicanalítica, para estar com o paciente pós-moderno, e assim compreender suas novas modalidades de subjetivação. Cabe aos analistas propiciar um espaço, por meio da escuta clínica, para que os pacientes resgatem suas narrativas e desenvolvam suas singularidades, tornando-se assim protagonistas de sua própria história, e adquirindo com isso uma consciência crítica capaz de possibilitar que esses corpos passivos possam se inserir como sujeitos desejantes na contemporaneidade. É imprescindível acreditar que ainda existem caminhos a serem descobertos.

 

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Endereço para correspondência
Elzilaine Domingues Mendes
Rua São Francisco de Assis, 1300 / 324 / Bl. Jasmim – Jd Ozanan
38408-482 Uberlândia/MG
Tel.: (34) 3226-2388
email: elzilained@ yahoo.com.br

Caio César S. C. Próchno
Faculdade de Psicologia
Av. Pará, 1720 – Campus Umuarama – Bloco 2C – Sala 2C 36
38405-320 Uberlândia/MG
E-mail: caioprochno@aol.com

Recebido em 20/01/04
Versão revisada recebida em 21/06/04
Aprovado em 01/07/04

 

 

1 Psicóloga Clínica; Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia.
2 Professor Adjunto da Universidade Federal de Uberlândia; Doutor em Psicologia Social pelo IPUSP.