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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. v.14 n.1 São Paulo dez. 2006

 

ENTREVISTA

 

 

Antônio da Costa Ciampa*

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Universidade São Marcos

 

 

Revista Construção Psicopedagógica: Gostaríamos que comentasse a questão da identidade do psicopedagogo.

Antônio da Costa Ciampa: O comentário inicial é que quando consideramos a identidade de uma pessoa estamos nos referindo a sua identidade como um todo. Quando falamos do psicopedagogo (que é uma pessoa, obviamente), estamos considerando apenas um componente, uma dimensão parcial – a profissional – de sua identidade pessoal. Então, como falar de uma identidade referida a diferentes indivíduos, de várias origens, com diferentes formações? A questão que surge é como articular diferença (individual) com igualdade ou semelhança (coletiva).

Para falar de qualquer identidade coletiva, considero importante sempre levar em conta outra questão, a de políticas da identidade, que buscam normalizar ou, de certa forma, homogeneizar uma coletividade, influenciando-a no sentido de que seus membros compartilhem significados que são considerados relevantes para dar sentido à atividade de cada um. Sem esse compartilhar, seus membros apenas estariam utilizando, como rótulo, um mesmo nome ou título. Assim, é razoável entender a identidade profissional do psicopedagogo como sendo um plexo de significados partilhado por muitas pessoas, a despeito de poderem estas ser mais ou menos diferenciadas entre si, em função de múltiplos fatores – idade, gênero, classe social, ideologia política, religião, etnia etc – que interferem de modo significativo na formação pessoal de cada profissional. Em geral, quanto mais antiga e estável for uma profissão, coletivamente, maior será o peso da tradição, preservada e reproduzida por um ou mais grupos “conservadores”, que geralmente tentam preservar um certo “perfil” profissional, anulando ou controlando grupos e indivíduos que não correspondem a esse perfil. Hoje, devido ao dinamismo da sociedade capitalista atual, surgem divergências que aparentemente se relacionam com inovações tecnológicas, demandas de mercado etc, ao lado do confronto “ideológico” entre defensores de determinadas tradições. Então, à medida que um (ou mais) grupo(s) exerce(m) a hegemonia em termos de políticas de identidade, esse poder irá determinar ou influenciar o modo pelo qual cada pessoa se reconhece (e é reconhecida) como um psicopedagogo ao exercer essa atividade. Isto abre a possibilidade também de haver a convivência de diferentes subgrupos, com diferentes políticas de identidade em competição, sem que se alcance um certo grau de consenso tácito. Assim, é possível que a tendência, em termos de conteúdos identitários, como ocorre em muitas outras coletividades, seja haver cada vez menos igualdades ou semelhanças entre seus membros, que se perguntam cada vez mais “quem queremos ser?” (e menos “quem somos?”). Como, ao mesmo tempo, há uma crescente valorização da individualidade, surge a questão de como compatibilizar as diversas dimensões da identidade do indivíduo com a dimensão profissional que é alvo de uma determinada política. Entre os exemplos que me ocorrem no momento, podemos lembrar da chamada “proletarização” dos médicos (tradicionalmente considerados “profissionais liberais”), do aumento do número de enfermeiros homens (profissão tradicionalmente considerada feminina) etc. É geralmente na discussão da(s) tendência(s) de mudança do processo de formação que fica mais evidente esta questão das políticas de identidade

Revista Construção Psicopedagógica: A questão da política no processo da identidade profissional do psicopedagogo estaria vinculada ã formação. Desta forma temos uma problemática: atualmente a maior tendência do curso de formação do psicopedagogo é de especialização, e a população é oriunda de várias áreas de formação acadêmica. Portanto esta política não estaria também vinculada a sua ação profissional?

Antônio da Costa Ciampa: Vai depender do sentido dado à direção de sua formação; esta, por exemplo, pode expressar uma política mais voltada à habilidade técnica para atender com rapidez e lucratividade a demanda do mercado, sem grandes preocupações críticas. Mas também se pode pensar numa outra política mais preocupada com a transformação social. Um exemplo que me ocorre, bem conhecido historicamente, é o caso do Assistente Social, quando alguns grupos conseguiram mudar uma perspectiva meramente assistencialista, para outra visão mais crítica. Obviamente, não é só a perspectiva adotada que interfere na formação; é preciso considerar, além disso, a pessoa que irá procurar a formação, sem desconsiderar também as demandas do mercado ea realidade social.

Revista Construção Psicopedagógica: A escolha pelo curso de formação seria a primeira identificação?

Antônio da Costa Ciampa: Sim; e o curioso é que isso pode se tornar um mecanismo de retroalimentação, pois um centro de formação que, por exemplo, não é apenas voltado para as práticas mais imediatistas do mercado e que corresponde às expectativas de quem busca uma formação profissional mais exigente, mais crítica e criativa, acaba recebendo candidatos que não só reproduzem essa política de formação, como contribuem para o desenvolvimento da mesma. A tendência é haver também uma auto-seleção dos candidatos, em busca de afinidades entre seu projeto de vida e a proposta do curso de formação profissional. E provavelmente haverá, no mercado de trabalho, oportunidades para as formações mais diferenciadas, pois a crescente complexidade da sociedade contemporânea tem relação com uma crescente diferenciação no mundo do trabalho. A própria Psicopedagogia não deixa de ser um exemplo disso, a partir da Psicologia e da Pedagogia. De fato, é importante a forma da relação – mais ou menos autônoma, mais ou menos heterônoma – que o indivíduo irá estabelecer entre sua identidade profissional e sua identidade pessoal; tanto é assim, que em muitas organizações hoje se trabalha com a noção de projeto de identidade, em vez de projeto de carreira.

Revista Construção Psicopedagógica: Penso que é importante esta sua colocação, pois como a área da Psicopedagogia é nova no Brasil e seus cursos, como devemos nos ater a formação nos cursos da perspectiva transformadora e não reprodutora do processo de aprendizagem e seus problemas, enfim numa visão dinâmica. Concorda?

Antônio da Costa Ciampa: Concordo, pois quando nos referimos à identidade não podemos ignorar o que ocorre na sociedade. A noção de carreira, por exemplo, ainda é uma concepção de identidade “convencional”, pois se parte de uma convenção que estabelece que o profissional deve agir de determinada maneira, previamente definida. Mas, à medida que a própria sociedade também está num processo de transformação, cada vez mais rápido, cada vez mais amplo, uma identidade definida de modo “convencional” pode se tornar uma “camisa de força” que inibe o desenvolvimento crítico do indivíduo, que assume um “perfil” estático como definição de sua identidade profissional. Assim, para o psicopedagogo lidar com o processo de aprendizagem, mais do que a simples aquisição de informações e habilidades, ele tem que aprender a lidar com sua própria aprendizagem; acho que isso pode ser traduzido na aquisição da competência de “aprender a aprender”.

Defino identidade como processo de metamorfose, como movimento das transformações que vão configurando nossas identidades, seja como história de vida – um passado que se fez pela minha atividade –, seja como projeto de vida – um futuro a ser buscado a partir de meu desejo –, ou seja, desenvolver a competência de falar e agir com autonomia para afirmar quem sou e quem gostaria de ser.

Às vezes, ocorre um problema, decorrente do moderno ritmo acelerado de demandas de atualização e especialização, principalmente em setores mais intelectualizados, que pode levar muitos a aderirem a “modismos” superficiais e equivocados. O indivíduo, para estar na “moda”, acaba privilegiando um certo tipo de “abordagem”, sem preocupação crítica com a complexidade e o aumento das alternativas teóricas e técnicas disponíveis.

Pode parecer um simples trocadilho, mas acho necessário claramente distinguir política de identidade de identidade política. Quando falo de política de identidade, me preocupa a influência do grupo sobre a formação do indivíduo, geralmente homogeneizadora, e não apenas sobre seu reconhecimento e publicidade. Com estas diversidades e possibilidades de transformações cada vez mais rápidas da atualidade, ainda que a política tenha um enfoque transformador, crítico e mais político, pode também se tornar uma “camisa de força” para determinados indivíduos. É meio paradoxal. Mas o que pode ser verificado é o que às vezes tem ocorrido com novos movimentos sociais, que são geradores de políticas de identidades coletivas, como o movimento feminista, o movimento gay e o movimento negro.Há uma luta pelo reconhecimento de uma “nova identidade” (como também ocorre com qualquer grupo profissional) que busca dar novo sentido a essa nova identidade. Tendencialmente, pela exigência que esta luta coletiva envolve de haver uma certa unidade de ação, na medida em que esta política se consolida, pode ocorrer que de repente, dialeticamente, o sentido da metamorfose se inverta. O movimento, que na origem era libertador, ao ser bem sucedido, de certa forma, pode começar a tolher a liberdade individual de cada um escolher quem deseja ser, o que é um de seus propósitos originais, caso essa “nova identidade”, para obter o reconhecimento do outro, torne-se “convencional”. Assim tenho me preocupado com a relação entre “política da identidade” e “identidade política”, como uma das questões mais atuais nesta área.

Revista Construção Psicopedagógica: Como analisa essa questão?

Antônio da Costa Ciampa: É preciso considerar tanto a formação individual (da pessoa) como a coletiva (do profissional). Como qualquer luta pela emancipação necessariamente tem uma dimensão coletiva, a questão é como a política de identidade de um grupo que busca um sentido emancipatório para sua atuação pode interferir na formação do indivíduo de modo que ele, ao mesmo tempo, participe coletivamente da luta como membro do grupo e individualmente se concretize como alguém com capacidade de expressar sua singularidade como subjetividade que se constitui na trama da intersubjetividade. Trata-se de não impedir, de possibilitar a formação da “identidade política” do sujeito, como individualidade autônoma. A analogia seria com a relação entre pai e filho, entre professor e aluno, entre terapeuta e cliente, relação em que quem põe em prática uma política de identidade vai se tornando cada vez mais desnecessário. Uma política de identidade é válida na medida em que se apóia numa moral igualitária; uma identidade política, numa ética libertária.

Como identidade é articulação do semelhante e do diferente, seu processo de formação envolve tanto socialização como individualização. A linguagem é de todos, mas a fala é de cada um. Assim, a socialização não inibe, nem impede – antes garante e facilita – a individualização. Foi nesse sentido que me referi à analogia com o professor, que será um bom professor se contribuir para a educação do aluno, tornando-se desnecessário na medida em que o aluno tiver condições de se tornar também professor.

Revista Construção Psicopedagógica: O bom psicopedagogo também é aquele que garante que o sujeito adquira autonomia na aprendizagem, desfazendo o sintoma de não-aprendizagem...

Antônio Costa Ciampa: Sim, creio que a expectativa é de que o psicopedagogo tenha ao mesmo tempo uma boa formação que garanta o conhecimento científico e o domínio de práticas e técnicas específicas, mas sobretudo que expresse sua individualidade, não no sentido do “individualismo egoísta” do mercado, mas de competência e maturidade que podem contribuir para a autonomia do outro.

É nesse sentido que entendo a identidade como processo de metamorfose que busca a emancipação. Adquirir autonomia na aprendizagem é aprendizagem da autonomia. Desfazer o sintoma de não-aprendizagem é romper os obstáculos que impedem o pleno desenvolvimento do sujeito. Fundamentalmente, a noção de emancipação refere-se a processo, ao processo de aprender a aprender, num certo sentido, independentemente de conteúdos.

Revista Construção Psicopedagógica: Esta emancipação seria social?

Antônio Costa Ciampa: Sim, sempre, embora se possa falar em fragmentos de emancipação, utilizando uma expressão de Habermas. A possibilidade de emancipação, no sentido forte do termo, implica necessariamente uma transformação social significativa. No sentido mais forte trata-se da emancipação da própria humanidade em sentido universal. Podemos pensar nas ameaças de sérios problemas ecológicos, de uma guerra atômica etc; isto exige uma tomada de consciência em nível planetário e a luta de toda a humanidade, envolvendo aspectos particulares que podem estar ligados a blocos de nações, a países, sociedades, grupos, famílias ou indivíduos, que buscam a emancipação. É lógico que são aspectos que se afetam mutuamente. Hoje, por exemplo, sem ignorar os problemas ligados à fome, temos um contingente populacional enorme que precisa enfrentar os riscos da obesidade; cada obeso pode se emancipar se mudar seus hábitos alimentares ou se quiser (e puder) recorrer a recursos modernos da medicina; mas, coletivamente, essa emancipação vem sendo impedida ou dificultada pelo “consumismo” promovido pelo mercado. Por outro lado, pode-se considerar que a emancipação é um processo contínuo (embora não linear), um movimento que nunca finda (embora às vezes haja retrocessos), pois aos nos emanciparmos de uma condição opressora, sempre há o risco de surgirem novas situações que criem novos desafios.

Revista Construção Psicopedagógica: Seria uma perspectiva de...

Antônio Costa Ciampa: Sim, pode ser vista como uma perspectiva; prefiro considerar como o sentido fundante da metamorfose humana, a partir do momento em que, como espécie, nós nos emancipamos de nossa simples condição animal, pelo trabalho e pela familização, que nos torna sujeitos capazes de agir e de falar. A condição empírica emancipatória se transforma ao longo da história. Voltemos à questão dos alimentos; foi através do avanço tecnológico, que conseguimos o controle da natureza, para nos emancipamos da fome, no passado; na atualidade, para grande parcela da humanidade que ainda sofre de fome, a emancipação depende apenas da eliminação da injustiça social, já que dispomos de recursos para produzir alimentos para toda a humanidade. Individualmente, é o sentido que cada um busca imprimir a seu projeto de vida para concretizar, como pessoa, quem ela quer ser. Quero deixar claro que estou deixando de considerar aqui a questão da opressão social, que nos levaria a discutir a ideologia social e a patologia individual. Então, eu diria para qualquer indivíduo, e aqui especificamente para o psicopedagogo, que há um duplo desafio que precisa enfrentar, o desafio de lutar pelo seu próprio desenvolvimento pessoal e também pelo desenvolvimento de seu grupo, buscando contribuir, colaborar, ou pelo menos abrindo horizontes emancipatórios a serem discutidos e partilhados.

Revista Construção Psicopedagógica: Estamos bem neste momento na área da Psicopedagogia, buscando sentido, buscando a emancipação...

Antônio Costa Ciampa: O desafio é a prática que vai concretizar esse sentido emancipatório, adotando uma política de identidade (coletiva) que não negue a possibilidade de uma identidade política (individual). Cabe ao próprio grupo chegar ao auto-entendimento do que está sendo e do que gostaria de ser. Ele tem que decidir com autonomia, senão cai naquela velha questão da heteronomia: o “outro é quem diz para ele o que deve fazer”. Pode-se afirmar que o sentido emancipatório surge autenticamente apenas como auto-reflexão. O próprio grupo precisa refletir sobre as condições materiais e históricas em que se dão sua existência, sua atuação e seu reconhecimento, bem como refletir sobre possibilidades e desejos de mudanças.

Revista Construção Psicopedagógica: A Psicopedagogia no Brasil, no início tinha um enfoque predominantemente clínico, mas atualmente tem se debruçado sobre a visão institucional. Essa transformação do enfoque da Psicopedagogia está caminhando para uma perspectiva mais atual voltada para a Educação para todos, sem se ater apenas ao sintoma.

Antônio Costa Ciampa: Se entendo bem, seria mudar o foco da subjetividade para a intersubjetividade. Na perspectiva em que trabalho, isso vem sendo considerado como resultado da chamada “guinada lingüística”, que se reflete até mesmo na clínica, em que se passa a relacionar a patologia com as distorções sistemáticas da comunicação. Até mesmo o sentido da normatividade institucional acaba sendo distorcido. Na intersubjetividade que se expressa na linguagem, o significado de Educação para todos pode ser distorcido como Diploma para todos; o processo de aprendizagem se torna uma relação de compra e venda, etc. É desta forma que o sintoma de não-aprendizagem pode ser relacionado com a distorção sistemática da comunicação; também podemos considerar que, assim, a legitimidade institucional da Educação seja abalada e a integração social do jovem na escola possa até mesmo virar “caso de polícia”.

Revista Construção Psicopedagógica: No curso de Psicopedagogia do Instituto Sedes Sapientiae, temos tido a procura de professores que buscam subsídios e conhecimentos para a intervenção no processo de aprendizagem na Educação. Podemos pensar que esta procura do professor é de certa forma uma emancipação?

Antônio Costa Ciampa: Parto do pressuposto que todo professor seriamente comprometido com seu papel profissional e ativamente preocupado em encontrar soluções para os desafios com que se depara em sua atividade é uma pessoa que autenticamente busca promover a emancipação.

Desta forma, poderíamos imaginar que, antes de qualquer coisa, essa demanda é um indicador de que sua formação talvez esteja sendo insuficiente ou inadequada para garantir sua competência na atividade como educador. Felizmente, ao buscar subsídios e conhecimentos, ele não se acomoda, o que me leva a concordar que isso pode ser considerado emancipatório.

Quero ressalvar, contudo, a possibilidade de que essa demanda por subsídios e conhecimentos possa ter um sentido apenas técnico, adotando a perspectiva da relação sujeito-objeto. Como na área das ciências humanas lidamos com pessoas, a perspectiva não pode ser essa de sujeito-objeto, pois se eu quiser ter um conhecimento a seu respeito, nessa visão, eu necessariamente reduziria você a objeto-a-ser-conhecido. Ao considerar esta relação como sendo de sujeito-sujeito, a postura muda radicalmente; não se trata de um objeto a ser explicado, trata-se de um outro ser como eu a ser compreendido, como único, não um mero paciente que sofre a ação de um agente. Com esta ressalva, concordo que essa demanda pode expressar uma busca emancipatória.

Revista Construção Psicopedagógica: A Psicopedagogia atualmente ao voltar-se para o enfoque institucional educacional, não estaria dando um sentido emancipatório a sua identidade?

Antônio Costa Ciampa: Antes de afirmar qualquer coisa, preciso esclarecer que a perspectiva que adoto volta-se para a práxis, preocupando-se não apenas com a teoria, mas também com a prática. Por isso, seria necessário considerar como se chegou a essa decisão sobre esse enfoque, se é que há uma decisão, e o que dizem outros psicopedagogos que defendem outros enfoques.

Para sugerir uma resposta em termos de identidade, recorro a uma concepção de Habermas, quando fala de identidade pós-convencional que, teoricamente, permite articular diferença e semelhança (ou igualdade), distinguindo identidade do Eu e identidade de papel. Esta última é convencional, sempre que me refiro a alguém apenas como portador de um papel; é só lembrar dos clássicos exemplos de que tal conduta é própria de meninos e outra de meninas, ou de sentimentos próprios de homem ou de mulher etc. Na verdade são convenções que vêm sendo abrandadas, mas que ainda existem.

O psicopedagogo se define pelo desempenho de um papel profissional, que é uma convenção. Se ficar muito restrita a um conteúdo que define este papel, essa convenção pode vir a determinar como eu vou ser, isto é, vou constranger minha identidade numa forma convencional, adequando-me a um modelo, um perfil, uma “formatação”. O “Eu” de cada psicopedagogo, como pessoa, não precisa, nem pode, limitar-se a uma única definição de identidade, abrindo assim a possibilidade de muitas variedades dentro do campo da Psicopedagogia. Contudo, como ninguém vive isolado no mundo, as relações sociais são normatizadas para integrar expectativas recíprocas, de tal forma que mesmo com as variedades, é como psicopedagogo que cada um agirá e será reconhecido.

Para dar conta desse aparente paradoxo, venho trabalhando com a noção de personagem, que não perde a relação com o papel, mas permite considerar as possíveis variedades, sejam elas grupais, sejam individuais. Numa linguagem dramatúrgica, somos atores sociais quando desempenhamos papéis sociais determinados. Porém, eventualmente, alem de simples ator, cada um pode construir sua personagem, com maior ou menor criatividade, tornando-se assim também autor. De alguma maneira, esta noção de personagem contem sempre algum grau de transgressão, porque assim se deixa de obedecer ao que é convencionalmente posto. É uma transgressão que ao mesmo tempo exige criatividade, pois, ao abandonar o convencional, há que haver originalidade. Consequentemente, novas possibilidades surgem, quanto mais cada um constrói novas personagens a partir de seu papel, ao considerar fatores complexos como; a rapidez das transformações sociais, a crescente heterogeneidade da sociedade etc. Se essas novas personagens são tentativas de concretizar um sentido emancipatório para os indivíduos que as construíram, por mais que possam ser diferentes em termos de conteúdos identitários, surge a possibilidade de que os psicopedagogos se reconheçam reciprocamente, a partir desses projetos éticos e políticos, como pessoas que se identificam no processo de luta pela emancipação. A identidade pós-convencional, na perspectiva de Haberman, é uma identidade que se define pelo processo, não por um conteúdo a priori.

Assim, seria no livre debate argumentativo entre diferentes enfoques na Psicopedagogia que se desenvolveria o processo de luta pela emancipação, que levaria ao entendimento democrático pelo grupo do(s) projeto(s) cujos conteúdos contêm significados mais ou menos emancipatórios. A especificidade do grupo impõe a necessidade de uma formação em Psicopedagogia, mas que permita a diferenciação, a criatividade, a transgressão, como forma de buscar o sentido da emancipação, que não é a priori, que se desenvolve no próprio processo.

Revista Construção Psicopedagógica: Então creio que estas suas colocações nos fazem remeter à temática deste número da revista – a identidade e a diversidade na Psicopedagogia.

Antônio Costa Ciampa: A identidade se forma pela socialização e pela individualização, articulando igualdade (semelhança) e diferença. Daí a defesa de uma moral igualitária e de uma ética libertária como condição da emancipação humana. A exigência, politicamente, é da democracia; juridicamente, do Estado de Direito; educacionalmente, do pleno desenvolvimento da individualidade de cada um e de todos.

Revista Construção Psicopedagógica: Agradecemos sua valiosa entrevista que muito contribui para a reflexão sobre a identidade e a diversidade da Psicopedagogia.

 

 

Notas

* Doutorado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 1986; professor associado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; professor titular da Universidade São Marcos. Publicou 9 artigos em periódicos especializados e 21 trabalhos em anais de eventos. Possui 7 capítulos de livros. É autor do livro A Estória do Severino e a História da Severina, que já teve 8 edições/reimpressões. Possui 26 itens de produção técnica. Participou de 1 evento no exterior e 9 no Brasil. Orientou 59 dissertações de mestrado e 17 teses de doutorado nas áreas de Psicologia e Saúde Coletiva. Atua na área de Psicologia, com ênfase em Identidade Social e Metamorfose Humana. Em suas atividades profissionais interagiu com 39 colaboradores em co-autorias de trabalhos científicos. Em seu currículo Lattes os termos mais freqüentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: IDENTIDADE, METAMORFOSE HUMANA, EMANCIPAÇÃO, PSICOLOGIA SOCIAL, IDENTIDADE SOCIAL, IDENTIDADE COLETIVA, Psicologia, MODERNIDADE, EDUCAÇÃO e NEGRO.

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