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Construção psicopedagógica

versão impressa ISSN 1415-6954versão On-line ISSN 2175-3474

Constr. psicopedag. vol.32 no.33 São Paulo  2022

https://doi.org/10.37388/CP2022/v32n33a05 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Stout field elementary school: uma parceria que deu certo!

 

Stout field elementary school: a partnership that worked!

 

 

Cecília Iacoponi Hashimoto

Millikin University, Decatur, Illinois, USA

 

 


RESUMO

O presente artigo tem, como objetivo, compartilhar o relato de uma experiência realizada, de maneira inédita, pela Escola de Educação da Universidade de Indianápolis, nos Estados Unidos, de janeiro a abril de 2019. Participaram dessa experiência os estudantes do primeiro ano da Escola de Educação, duas professoras responsáveis pelo curso de Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento Infantil (uma americana e outra brasileira), o diretor, as coordenadoras e as professoras da Stout Field Elementary School, escola de Educação Elementar que atende alunos até o sexto ano, em comparação com o sistema brasileiro, e é parceira da Universidade citada. O objetivo da experiência foi proporcionar, para os candidatos da Escola de Educação, a possibilidade de regência de uma pequena aula, durante o estágio, ainda no primeiro ano do curso, mesmo compreendendo a precocidade dessa situação. De início, houve uma reação de dúvida e preocupação, por parte da docente universitária americana, das professoras e coordenadoras da escola parceira, visto que a ideia foi apresentada pela professora brasileira. Após várias reuniões com professoras da universidade e com a equipe da escola parceira, acordou-se que a experiência aconteceria conforme normas pré-definidas, garantindo que os candidatos2 tivessem o suporte necessário, por meio das aulas teórico-práticas na Universidade, bem como revisão e aceite dos professores da escola parceira. Os resultados foram satisfatórios e, desde então, a Universidade incorporou a experiência, no primeiro ano de formação dos graduandos.

Palavras-chave: Psicopedagogia, Aprendizagem, Desenvolvimento, Educação, Estágio Supervisionado.


ABSTRACT

This article aims to share the report of an experience carried out in an unprecedented way, by the School of Education at the University of Indianapolis, in the United States, from January to April of 2019. The participaters in this experience were the first-year candidates at the School of Education, two professors of Psychology of Learning and Child Development Course (one American and the other Brazilian), the principal, coordinators, and teachers at a partner school of Elementary Education, Stout Field Elementary School - where the candidates developed their internship - which attend classes up to the sixth grade, compared to the Brazilian system. The objective of this experience was to provide, for the candidates at the School of Education, the possibility of teaching a small class, during the stage, even understanding the precocity of the situation. As a partnership, there was an initial reaction and concern on the part of the American professor and the teachers and coordinators of the Elementary School since the Brazilian professor has presented the idea. After several meetings between university professors, coordinators, teachers and the principal, it was agreed that the experience would occur according to pre-defined norms, accepting that the students should receive support in their theoretical-practical classes needed at university- and reviews by the teachers at the partner school. The results were satisfactory, and the University of Indianapolis incorporated this experience at the first academic year of its teacher candidates.

Keywords: Learning, Development, Elementary School, Internship, Teaching.


 

 

Introdução

O presente trabalho visa compartilhar uma experiência inédita realizada pela Escola de Educação da Universidade de Indianápolis, no Estado de Indiana, Estados Unidos, durante o período de janeiro a maio de 2019. Fizeram parte desse episódio trinta e seis candidatos do primeiro ano da Escola de Educação, duas professoras responsáveis pelo curso de Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil da Universidade de Indianápolis,em parceria com a Escola Elementar Stout Field, situada a 10 minutos da Universidade citada, por meio da participação do diretor, de duas coordenadoras e de, inicialmente, 12 professoras da instituição citada.

Apresentamos para a Stout Field a proposta de incorporar uma pequena regência no estágio, para os estudantes do primeiro ano do curso. A ideia surgiu pela necessidade de expor os alunos dessa etapa ao contato real da profissão que desejam abraçar, diferentemente do que ocorre no Brasil, em que o aluno, quando ingressa na universidade e não se identifica com a carreira almejada, ou termina o curso, ou desiste dele e presta vestibular novamente.

Nos Estados Unidos, não há vestibular. Seu desempenho, ao longo dos quatro anos de Ensino Médio, garante-lhe um score que varia de 0 a 4. Esse será um dos elementos que faz o aluno competir com as melhores escolas do país. Os candidatos se inscrevem nas universidades, munidos de cartas de recomendação de professores e portfólios (no caso de Escola das Artes). Há instituições que solicitam, também, vídeos de performances ou testes de habilidades. Durante a graduação, o aluno pode trocar o curso por outro de seu interesse.

A fim de diminuir a mudança de curso, que pode ocorrer várias vezes ao longo do curso (há alunos que trocam até quatro vezes!), resolvemos investir no primeiro semestre do primeiro ano, numa modalidade de imersão no contexto do professor do Ensino Fundamental I, aproximando-o da realidade do trabalho docente, desde o começo do curso. O nível de desistência do curso foi mínimo: apenas uma estudante, ao final do semestre, resolveu que essa não era a carreira que deveria seguir, mudando, assim, para Direito Criminal.

Normalmente, no primeiro ano do curso, ocorre o estudo de campo, em que os candidatos apenas observam as aulas e, algumas vezes, auxiliam os professores nas atividades com pequenos grupos. Nosso objetivo foi de colocar o aluno em contato com a realidade da sala de aula também com a responsabilidade de ser professor, não somente como observador.

Para tanto, em nossas aulas, os candidatos tiveram o suporte teórico garantido pelo curso, o qual auxiliou no entendimento básico dos estágios de desenvolvimento em Piaget, a importância da interação professor-aluno, a zona de desenvolvimento proximal e o conceito de Andaime em Vygotsky, a importância do ambiente como espaço educador em Montessori, e o brincar para o desenvolvimento infantil englobando os teóricos Montessori, Vygotsky, Piaget e outros (Mooney, 2013). Os planos de aula foram elaborados pelas professoras da Universidade, juntamente com as professoras da Escola Stout Field, com os elementos-chave para que as alunas tivessem um roteiro e entendimento global do instrumento. Para esse primeiro semestre, utilizamos os planos que as professoras tomaram por referência. No entanto, nós os simplificamos, pois, as alunas ainda não têm a disciplina de métodos e técnicas de ensino que também apresenta os planos de aula.

Inicialmente, houve resistência de todas as partes da escola parceira: diretor, coordenadoras e professoras. Com isso, houve um período de seis meses de preparação entre as professoras da Universidade e a Escola Elementar, para que a proposta fosse implementada. A turma pioneira dessa experiência foi a da Primavera de 2019 (Spring 2019). Os resultados foram satisfatórios e, a partir daí, a Escola de Educação incorporou a pequena regência no primeiro ano do curso.

A seguir, apresentamos uma explicação geral sobre este Curso na Universidade, seus objetivos e como ele está formatado. Depois, relatamos a experiência com os candidatos.

 

Escola de Educação da Universidade de Indianápolis

A Escola de Educação da Universidade de Indianápolis, em Indiana, Estados Unidos, inclui, no primeiro o ano do curso de formação de professores para escola elementar e média, a disciplina Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil, com o objetivo de apresentar as bases iniciais de reflexão sobre ensino-desenvolvimento-aprendizagem, para o candidato a professor. O candidato tem a oportunidade de aprender sobre as teorias de aprendizagem e de desenvolvimento infantil. Esse curso inclui o componente curricular "experiência de campo", chamado de estágio, com três encontros semanais de uma hora e cinquenta minutos cada. Os candidatos comparecem a dois encontros (aulas teóricas) na Universidade e, no terceiro dia, realizam a experiência de campo.

Abaixo, temos os elementos que compõem o curso, cujo objetivo é o de integrar a experiência de aprendizagem. São eles:

a. Módulos: Os módulos incorporados neste curso têm o objetivo de apresentar os temas e tópicos-chave que são apresentados tanto na Psicologia da Aprendizagem quanto no Desenvolvimento Infantil. A duração de cada módulo varia de uma a duas semanas de duração. Os candidatos estudam os teóricos e fazem correlações com temas, pesquisas, casos e experiências do cotidiano escolar;

b. Experiência de campo: Um componente essencial deste curso é a experiência de campo, também conhecida como estágio. A Universidade tem parceria com escolas locais e organizações educativas. Os candidatos do primeiro ano devem cumprir 20 horas no estágio. Faz parte dessa disciplina o aluno estar ciente de que deverá se deslocar, por conta própria, para o estágio, no horário estipulado. O aluno já começa o curso ciente dessa peculiaridade. A Universidade busca escolas em um raio não muito distante, visto que os alunos devem se deslocar durante o período que seria a aula na Universidade.

Esta experiência promove oportunidades para os candidatos:

3.Observar o desenvolvimento das habilidades cognitivas, físicas e psicossociais das crianças, da pré-escola ao início da adolescência;

4.Atender uma sala de aula determinada pela escola parceira, ao longo das 20 horas, no sentido de desenvolver um conhecimento inicial de como acontece a aprendizagem para determinada faixa etária. No primeiro ano, os alunos só fazem observação, não é permitida a experiência da regência.

 

Objetivos do Curso

Neste curso, o candidato deve ser capaz de:

a. Iniciar seus estudos sobre Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil, com o intuito de construir um repertório das teorias e práticas apropriadas ao desenvolvimento infantil;

b. Refletir sobre o desenvolvimento infantil e, especialmente, a relação série/idade/características dos estudantes da pré-escola até a pré-adolescência (incluindo o desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial);

c. Compreender e apreciar a importância do brincar para o desenvolvimento infantil, interação social, experiências práticas para o aprendizado das crianças, bem como o desenvolvimento de estratégias e alternativas que possam facilitar o desenvolvimento infantil;

d. Estudar o que a criança sabe, como aprende, e como é o aprendizado em cada estágio do desenvolvimento;

e. Refletir sobre suas observações individuais coletadas na experiência de campo.

Os objetivos da Universidade para este curso são:

a. Pensamento crítico: os candidatos deverão estar aptos a empregar o uso da razão ou critério para julgamento em situações diversas, tendo como base as teorias estudadas;

b. Criatividade: os candidatos deverão desenvolver ou aplicar algo novo, criativo e inovador na Educação;

c. Responsabilidade moral: os candidatos deverão desenvolver a consciência moral e o senso de responsabilidade pelo outro, especialmente, no trabalho com crianças pequenas;

d. Desempenho: os candidatos deverão ser capazes de transmitir, demonstrar, exibir ou expressar o significado do conhecimento absorvido.

 

Aulas Teóricas

As aulas teóricas são divididas entre dois professores que, cuidadosamente, analisam os importantes conceitos que devem ser estudados no primeiro ano escolar da Faculdade, visto que os alunos são calouros. Há aulas no período matutino e vespertino. Em linhas gerais, são apresentados os teóricos cujas bases se reportam à Psicologia da Aprendizagem e Desenvolvimento Infantil. Dessa maneira, os candidatos podem se familiarizar com os conceitos, teorias, linguagem científica, como também diferenças e/ou semelhanças entre teorias e teóricos, e suas contribuições para a Educação.

Em cada semana, o candidato estuda um elemento de um dos teóricos que servirá de ponte para o trabalho de campo.

O curso compreende dezesseis semanas, três aulas semanais, cada uma com a duração de uma hora e cinquenta minutos. Quatorze semanas são dedicadas ao estágio. Sempre no último dia da semana, que seria a terceira aula teórica, o aluno desloca-se para o estágio. O cronograma do estágio, com a data de início e término já é pré-estabelecido pelas professoras da Universidade. Os conteúdos estudados neste primeiro ano são:

a. Montessori: a importância que Maria Montessori trouxe, no que diz respeito à perspectiva educacional; os cuidados com o ambiente em que o estudante desenvolve a aprendizagem; o conceito de espaço e sala de aula; os materiais de trabalho; como os estudantes se relacionam com a aprendizagem, com o professor e com os pares, dentre tantos;

b. Jean Piaget: os estudos acerca do desenvolvimento, como também a possibilidade de criar atividades seguindo a base cognitivista de Piaget, considerando a correspondência série/idade;

c. Os candidatos seguem estudando outros teóricos e sua importância para a Educação, como Dewey, Erickson, Froebel, Freinet e Wallon;

d. Brincar: este item foi incorporado pela professora brasileira, sinalizando a importância do brincar e sua perspectiva como ferramenta de suporte para o ensino. Vários jogos foram apresentados, a fim de exemplificar e trabalhar a relação teoria versus prática. Inicialmente, os jogos foram trazidos pela professora e depois, no decorrer do curso, os candidatos construíram seus próprios jogos, para utilizar na experiência de campo, em suas classes designadas.

e. Estudo de caso: este é um item novo, também trazido pela professora brasileira. São casos brasileiros de atendimento psicopedagógico. É de extrema importância os alunos terem acesso às situações que ocorrem com crianças em sala de aula que não apresentam resultados satisfatórios. A identidade dos casos foi preservada, respeitando a norma ética. Foram selecionados dez casos de crianças brasileiras, com a idade escolar semelhante à que os candidatos experienciam em campo, casos esses que trazem dificuldades de aprendizagens diversas. O objetivo foi o de considerar que as dificuldades de aprendizagem são semelhantes, não importando o país, a língua pátria ou até mesmo a classe social: elas aparecem com frequência e o professor deve estar preparado para identificá-las e encaminhá-las para o especialista. Sem dúvida, esse foi um ponto alto com os candidatos: compartilhar os casos e refletir tentando buscar soluções. Evidentemente, eles são muito jovens, sem experiência, não são especialistas, porém, o efeito que o caso real traz para a vida do futuro professor gera um impacto positivo para querer estudar e conhecer mais a fundo a área que está abraçando como profissão.

f. História da Infância: os candidatos estudam a evolução da infância no mundo, desde a idade média até os dias de hoje. São oportunizadas situações de reflexão com entrevistas, pesquisas e apresentações, além de questões como: o que mudou, como as crianças vivem e brincam hoje em dia, qual a influência da mídia na vida cotidiana das crianças, você brinca, os adultos de sua casa brincam, qual a brincadeira mais marcante em sua vida, que brincadeira marcou época para seus avós e pais?

 

Experiência de Campo - Stout Field Elementary School

Neste quesito, começa a inovação do curso. Geralmente, os alunos vão a campo apenas para observar e não é permitido que, no primeiro ano, os candidatos possam ter uma experiência de regência de classe. Eles devem observar, ajudar o professor para imprimir as lições, levar os alunos para as aulas extras, organizar os arquivos e materiais da classe e ficar com algum aluno fora da classe quando necessita de atenção especial. Porém, não podem assumir uma regência, mesmo que seja por 15 a 30 minutos. Assim, quando a professora brasileira foi convidada a trabalhar com esse grupo de alunos, juntamente com a professora americana, ela insistiu na importância de uma pequena regência no primeiro ano, para, pelo menos, que o candidato sinta a responsabilidade, a dificuldade, a realidade e o prazer de ensinar.

A norma é que os alunos do último ano do curso - quarto ano - estejam aptos para, então, assumir a regência, em seus estágios, com Supervisores indo a campo, reportando à Universidade e ao Distrito de Escolas Públicas se eles estão prontos para exercer a licença de professor, que será entregue após a graduação, e uma prova estadual, além do estágio supervisionado.

A apresentação dessa ideia gerou, inicialmente, muita insegurança, medo e desconforto para a professora americana, para diretores, coordenadores e professores das escolas públicas conveniadas. Depois de alguns meses de trabalho, apresentando como seria o seu formato, tendo reuniões semanais com coordenadoras e professoras, garantindo que os candidatos estariam preparados basicamente com planos de aula e materiais, atendendo à sequência do trabalho que as professoras de classe estavam desenvolvendo, com orientações prévias, enfatizando o que seria importante considerar no plano de aula, foi dado o aceite.

A ideia avançou, com ajustes necessários para que a experiência acontecesse dentro dos padrões organizados pela escola e pela referências e orientações das professoras de classe que aceitaram participar. A escola "pioneira" que abriu as portas e confiou no trabalho para realizar esta experiência foi a Stout Field Elementary School. Ela embarcou nesta jornada dando todo o suporte e atenção. Esta escola atende crianças do infantil até o sexto ano, e os trinta e seis candidatos da Universidade foram espalhados em diversas séries e turmas, de acordo com a disponibilidade dos professores de aceitá-los em sala de aula. Alguns se recusaram, o que é natural, visto a responsabilidade da inovação para a escola.

Como professores universitários, acreditamos que a carreira de professor é construída na prática diária, embasada nas teorias de desenvolvimento e aprendizagem. Nesse sentido, permitindo que o candidato tenha possibilidade de atuar como "aprendiz de professor" no primeiro ano letivo de sua trajetória, sua perspectiva de carreira, mundo e vida profissional começa a se transformar pela e na possibilidade inicial da pequena regência. O candidato pode ter mais certeza de suas escolhas, até mesmo da série de ensino com que mais se identifica, tendo experiências reais da futura profissão.

Considerando que o primeiro ano do aluno é novidade, visto que terminou o Ensino Médio e já está no ambiente acadêmico, a responsabilidade de estar na sala de aula com crianças, assumindo uma pequena regência, é de alto risco. Assim, as medidas básicas que são descritas no Handbook do candidato para quando ele vai a campo, no quarto ano, experienciar o estágio supervisionado de regência, foram antecipadas para os candidatos primeiranistas, desde o tipo de roupa que o candidato deve usar na sala de aula, como desenvolver o trabalho com crianças, como abordar, a postura profissional, o tipo de linguagem, todos os procedimentos de segurança, primeiros socorros, conscientização sobre ética profissional, como lidar com questões relacionadas a preconceitos de todas as ordens, dentre tantos. Mesmo os candidatos tendo sido orientados na Universidade, alguns burlaram as regras, e foram com vestimenta totalmente inadequada para o trabalho com crianças.

As professoras de classe ficaram incomodadas com a situação, chamaram-nos a atenção e tivemos que reforçar, a cada semana, além de todos os outros itens do Handbook, o da vestimenta, principalmente. Decotes, minissaias, unhas compridas, maquiagem exagerada do lado das moças e dos rapazes, calça caindo, rasgada, cabelos sem pentear, típicos dessa geração de alunos que acabaram de sair do Ensino Médio e ainda não assumiram a responsabilidade da profissão. Dentro da Universidade não precisam se preocupar tanto com a imagem, pois não estão lidando com crianças.

 

Experiência de Campo - Estágio

Inicialmente, o estágio foi de observação e, dessa forma, a cada semana, o candidato tinha um itinerário de observação. Os professores da Universidade providenciaram, antecipadamente, questões que deveriam ser o foco da observação naquele dia. Os professores parceiros também estavam cientes dessas questões que eram organizadas pela Universidade. Cada professor da escola elementar Stout Field tinha, em média, três candidatos em sua sala de aula. Inicialmente, começamos com 12 professoras, mas, depois de um tempo, uma desistiu da experiência, não se sentindo confortável. Houve, dessa maneira, um remanejamento dos três candidatos para outras salas de aula.

As salas de aula eram designadas pelo coordenador da escola. Alguns professores se recusaram a receber os candidatos da Universidade para realizar o estágio. Por esse motivo, ficamos com 3 candidatos em cada sala de aula. E, no final, 4 candidatos em três das onze salas de aula.

Os candidatos se locomoviam para a escola elementar no horário da aula regular na Universidade, que era das 8h às 9h30, no período da manhã. À tarde, das 12h às 13h30. Embora as aulas na Universidade fossem de 1 hora e 50 minutos, devíamos descontar o deslocamento para ir e voltar da Universidade que dava 20 minutos no total (10 minutos para ida e 10 minutos para a volta). Os candidatos iam de carro para Stout Field e deveriam retornar para o Campus a tempo de assistir a próxima aula do dia.

Do início ao fim, os candidatos se mantiveram na classe, tendo apenas um caso de mudança, pois uma professora resolveu desistir do estágio. Assim, a experiência variou entre observação, participação e regência, iniciando pela observação por 3 semanas. A partir daí, os candidatos começaram a participar das atividades com os alunos, em grupos pequenos de atendimento, auxiliando as professoras. Na quinta semana, já começaram as regências de conteúdos escolhidos pelas professoras, com sua orientação, seguindo o roteiro do planejamento da escola.

Os candidatos deveriam, então, organizar uma pequena aula, de não mais de 20 minutos de duração, em que seriam trabalhados exercícios para reforçar o conteúdo estudado com a professora da classe. Na universidade, os candidatos preparam o plano de aula, que era revisado pelas professoras da disciplina e pelas professoras de Stout Field.

Os professores de Stout Field apresentavam, antecipadamente, o conteúdo que gostariam que os candidatos desenvolvessem para a aula específica da semana seguinte. Esses conteúdos eram trabalhados na Universidade - planos de aula, confecção de materiais, exercícios, avaliação - sob a supervisão das professoras. Depois de organizados, eram submetidos para avaliação das professoras de Stout Field, e retornavam para os candidatos, para alguns ajustes. A partir daí, os candidatos treinavam a aula com seus colegas de classe antes de colocá-la em prática com as crianças, em grupos pequenos. Cada professora definiu seu critério.

Nas duas semanas finais, os candidatos tiveram a oportunidade de apresentar um conteúdo que não fosse estabelecido pelas professoras, mas que traria informações adicionais aos temas estudados. Assim foi com Ciências e Estudos Sociais. Trouxeram informações complementares àquele que os alunos estavam estudando. Foi um grande avanço.

Todas as aulas dos candidatos foram gravadas para que pudéssemos discutir, após a prática, o que deu certo e o que deveria ser melhorado. Foi um momento de reflexão dos alunos, assistindo à própria prática. Mesmo com pouca experiência, conseguiram identificar lacunas, falhas como também situações positivas.

 

Problemas encontrados na Experiência Stout Field

A cada semana, os candidatos tinham dúvidas que eram analisadas pelas professoras da Universidade. Essas questões funcionavam como um guia que auxilia a compreender o significado daquele aprendizado, nosso olhar para a experiência, o que deveríamos aprimorar em nossas aulas para garantir o melhor daquela oportunidade que conseguimos com tanto esforço. O caminho mais fácil era o já instituído - a observação. E apenas este já tínhamos desconsiderado. Avançamos em nossos alvos. Essas questões eram fundamentais para continuarmos nossa caminhada. O retorno da experiência na sala de aula da universidade era muito rico: os candidatos compartilhavam suas experiências, suas angústias, suas vitórias e, juntos, abrimos um painel de debates sobre a importância de refletir e olhar a própria prática e de aprender, também, com a observação treinada. E as questões trazidas pelos candidatos eram sempre esclarecidas e trabalhadas, tendo como suporte as teorias estudadas na Universidade.

Além disso, os professores de Stout Field, antecipadamente, apresentavam como tarefa semanal, para os candidatos, questões e situações para refletirem sobre a prática pedagógica. A tarefa deveria ser respondida e entregue para as professoras de classe nas quais os candidatos estavam realizando a experiência, antes do próximo encontro. Essa estratégia foi acordada com as coordenadoras e professoras de classe, no sentido de valorizar o trabalho da professora de classe como mentora e espectadora dos candidatos. Foi uma medida excelente, mediu o avanço dos candidatos ao longo das semanas de trabalho e deu voz para as professoras de classe analisarem o desempenho, interesse, criatividade, participação, envolvimento e avaliação geral de cada candidato.

No final da décima semana, um questionário com seis perguntas foi entregue para os 36 candidatos, com o objetivo de considerar suas reflexões sobre a prática em Stout Field e se a teoria caminhou lado-a-lado nesta jornada. Esse questionário contribuiu para uma avaliação individual dos candidatos.

 

Questionário

1.Faça uma breve explanação sobre esta questão: Existe Educação para a criança ou a criança existe para a Educação?

2.Você concorda com a afirmação: Os professores precisam ensinar as crianças a viver em sociedade? Justifique seu argumento.

3.Que tipo de jogo ou brincadeira foi usado pelo professor da sua sala de aula em Stout Field para aprimorar o aprendizado das crianças? Qual foi o conteúdo?

4.Que resultados foram alcançados? Como essa estratégia auxiliou na compreensão do conteúdo?

5.Observe a maneira como a sala de aula está organizada e faça anotações sobre:

a.Como estão organizados os materiais de trabalho (livros, papéis, tesouras, colas, lápis, crayons, jogos, brinquedos etc.);

b.Como está organizado o acesso aos materiais de trabalho para as crianças;

c.Como está a limpeza e ordem dentro da sala de aula;

d.Como é o mobiliário da sala de aula;

e.Como é a claridade da sala de aula;

f.Quais os recursos audiovisuais disponíveis na sala de aula, para professores e alunos;

6.Descreva uma atividade que foi desenvolvida pelo professor de classe, em Stout Field, que mais lhe chamou a atenção. Essa atividade deve ser descrita em detalhes, e você deve relatar a relação desta atividade com algum componente teórico estudado em sala de aula.

 

Um convite especial - Intersession Week

Assim que terminamos nossa experiência em Stout Field, recebemos um convite especial da coordenação da escola. Eles consideraram que a experiência foi um sucesso e nos convidaram a participar da Intersession Week, uma semana em que os alunos vão para a escola, apenas das 7h30 às 9h30. É o Spring Break aqui nos Estados Unidos, um feriado que é instituído no calendário escolar. Assim, algumas famílias programam viagens, outras não conseguem sair nessa época, devido ao trabalho.

Então, a escola oferece o Intersession Week para alunos, e as professoras se rodiziam para promover esta semana. O objetivo é proporcionar atividades diversificadas, interessantes, porém, sem cunho avaliativo. É como um "programa de miniférias", em uma semana. Assim, eles convidaram todos os nossos candidatos para serem tutores dos alunos nas atividades. Para tanto, os candidatos deveriam ir à Stout Field para ajudar a organizar todo o material prático das experiências.

Três professores da escola, responsáveis esse ano pelo evento, organizaram atividades práticas na área de Ciências. A demanda de crianças foi grande. Eram três estações diferentes de atividades em que, ao longo da semana, os grupos rodiziavam. Nossos candidatos ajudaram e apoiaram na realização do evento e, ao final, receberam um certificado de participação, como tutores.

Finalmente, quando terminamos o semestre, entregamos quatro questões para os trinta e seis candidatos, no intuito de avaliarem este primeiro ano com a experiência de campo. Nosso objetivo era o de ajustar para próximas turmas, caso decidíssemos continuar com a experiência. Não pedimos identificação de nomes nas respostas.

Os questionários foram numerados, seguindo o nome-identificação dos alunos. Inicialmente, fizemos uma grande planilha com todas as respostas. Depois, buscamos as categorias que se assemelhavam. Muitas respostas foram semelhantes. Na quarta pergunta, tivemos muitas respostas iguais, porém, um candidato respondeu razoável - é o mesmo candidato que desistiu da faculdade de educação e que foi trilhar a Escola de Advocacia.

Em relação às professoras da Escola que aceitaram participar da experiência, o que temos de dados é apenas nossa última reunião, em que fizemos o fechamento do trabalho e o agradecimento por abrirem as portas para a experiência. Não temos os registros escritos porque nosso foco foi o aluno e, ao longo do semestre, tivemos a participação ativa dessas professoras no que diz respeito às dicas, compartilhamento de informação com os alunos, revisão dos planos de aula e orientação em sala de aula.

Nosso maior mérito com elas foi o convite para nossos alunos participarem do Spring Break, trabalhando lado-a-lado com as crianças, e ajudando a desenvolver todo o material que seria utilizado na semana. Este convite foi o reconhecimento do trabalho de nossos candidatos, além da continuidade do trabalho para o próximo ano.

 

Resultados: Questões para os candidatos

 


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Conclusão

Não tivemos todos os candidatos respondendo nossa pesquisa. Nossa devolutiva foi de 92%, sendo que muitas respostas eram semelhantes. No geral, sentimos entusiasmo, paixão e brilho nos olhos de muitos candidatos. Frases como: Agora eu tenho certeza de que é isso que eu quero fazer na minha vida, foram repetidas inúmeras vezes. Outras frases como: Eu sei que não vou ficar rica/ rico, mas é isso que eu quero fazer na minha vida, também estiveram muito presentes.

Uma candidata desistiu do curso e disse que iria fazer Criminal Justice para lidar com os problemas de violência que as crianças enfrentam diariamente em suas casas, escolas e sociedade. Ela considerou que vai ajudar mais a sociedade com essa profissão ao invés de se tornar professora. No seu depoimento, ficou claro que tem essa vontade de agir nas bases da lei, da política e das comunidades. Aqui nos Estados Unidos esse curso está muito forte nas Universidades tendo um apelo considerável para os alunos. Após o final do semestre, para as novas turmas, instituímos a experiência de pequena regência para os alunos do primeiro ano, aprimorando o modelo-piloto com as sugestões dos candidatos envolvidos e das professoras da escola parceira.

Sentimos que vencemos e que vale a pena investir na prática desde o início, embora as dificuldades sejam grandes, os candidatos estejam imaturos e, muitas vezes, a escola não compreenda o teor da necessidade, visto que, nos Estados Unidos, ainda não é comum essa configuração. Agradecemos especialmente a Stout Field Elementary School pela oportunidade e por abrir suas portas para embarcar nesta jornada. Diretor, coordenadores e professoras foram fundamentais para a realização desta proposta.

Meu agradecimento especial à Professora Doutora Elizabeth Turner, minha parceira nessa disciplina que, desde o começo, entendeu meus objetivos com a introdução da pequena regência para os candidatos calouros, no estágio e, mesmo apreensiva, seguiu em frente e conseguiu a parceria com Stout Field, para que colocássemos em prática este que seria um projeto-piloto.

Este projeto teve a continuidade com a parceria da escola Stout Field para os alunos do primeiro ano.

 

Bibliografia Utilizada no Curso

BERGIN, Christi Crosby; BERGIN, Davis Allen. Child and Adolescent Development in your classroom. Stamford: Cengage Learning, 2016.         [ Links ]

BROWN, Stuart. Play. New York: Penguin Group, NY, 2010.         [ Links ]

HOLT, John. How Children learn. New York: Merlo and Lawrence Book, 2017.         [ Links ]

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MOONEY, Carol Carhart. Theories of childhood an introduction to Dewey, Montessori, Erikson, Piaget, and Vygotsky. St. Paul, MN, 2013.         [ Links ]

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1 Professora Adjunta e Supervisora de Estágios na Escola de Educação da Millikin University, Decatur, Illinois, USA. Doutora em Psicologia da Educação pela PUC/SP. Mestre em Psicologia da Educação pela PUC/SP. Psicopedagoga Clínico Institucional pela Universidade São Judas Tadeu. Pedagoga pela Universidade Mackenzie/SP.
2 Candidatos: expressão utilizada para os alunos que ingressam na Universidade, de maneira geral, e que são futuros candidatos a uma profissão. No caso da Escola de Educação, candidatos a professores.

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