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Estilos da Clinica
versão impressa ISSN 1415-7128
Estilos clin. vol.14 no.27 São Paulo 2009
DOSSIÊ
A ADOLESCÊNCIA ENTRE A PSICANÁLISE E A EDUCAÇÃO
O declínio do mestre e suas relações com o saber na adolescência: novas reflexões sobre a psicologia do escolar
The master's decay and his relation with the knowledge on adolescence: new reflections about the schoolboy psychology
El declínio del maestro y de sus relaciones con el saber en la adolescencia: reflexiones sobre la psicología escolar
Maria Celina Peixoto Lima
Doutora em Psicopatologia e Psicanálise pela Universidade Paris 13 (França), docente e membro-coordenador do Laboratório de Estudos e Intervenções Psicanalíticas na Clínica e no Social da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). celina.lima@terra.com.br
RESUMO
Depois de quase cem anos das reflexões freudianas sobre a psicologia do escolar e considerando as novas configurações do laço social, este artigo propõe-se a discutir aquilo que se apresenta hoje como um sintoma adolescente, a saber, um estado de pane, quando não de pânico, diante da demanda escolar. No primeiro momento, aborda o lugar do mestre e seu atual declínio, denunciado já por Hannah Arendt como fator desencadeador da crise na educação e, acrescentaríamos, agravador da crise da adolescência. Em seguida, as incidências de tal situação serão articuladas aos destinos do desejo de saber no sujeito adolescente.
Descritores: psicanálise; educação; adolescência; desejo de saber.
ABSTRACT
After almost a hundred years of Freud's reflections about the schoolboy psychology and taking into consideration the new configuration of social ties, this paper proposes a discussion about what are showed nowadays as adolescent symptoms, a breakdown, if not a state of panic, in front of school's demands. In a first moment, the place of the master and its current decay, already thought by Hannah Arendt as the trigger of the educational crisis and, in addition, of the adolescent crisis. Then, the incidence of that situation will be articulated with the knowledge desire of the adolescent.
Index terms: psychoanalysis; education; adolescence; desire for knowledge.
RESUMEN
Después de casi cien años de reflexiones freudianas sobre la psicologia del escolar y considerando las nuevas configuraciones de los lazos sociales, este artículo se propone discutir lo que hoy se presenta como síntoma adolescente, es decir, un estado de desequilibrio, si no de pánico, ante las demandas escolares. En un primer momento, aborda el lugar del maestro y su actual declínio, antes denunciado por Hannah Arendt como factor desencadenador de la crisis en la educación y, acrecentaríamos, complicador de la crisis de adolescencia. Enseguida, las incidencias de tal situación serán articuladas con los destinos del deseo de saber en el sujeto adolescente.
Palabras clave: psicoanálisis; educación; adolescencia; deseo de saber.
O interesse pelo fracasso escolar vem convocando novas reflexões e a psicanálise, ao abordar o ato de pensar em sua ligação com o desejo, oferece importantes argumentos que possibilitam a apreensão teórica e clínica do problema. Tradicionalmente compreendido como inibição das funções intelectuais e frequentemente circunscrito à infância, o fracasso escolar apresenta-se hoje sob diversas silhuetas e constitui uma das causas do mal-estar dos adolescentes.
Alguns dos trabalhos que, direta ou indiretamente, consideram as questões relacionadas às especificidades da educação na adolescência tomam, como ponto central da discussão, a relação transferencial do adolescente ao mestre, seus desdobramentos e impasses evidenciados pela contemporaneidade (Gutierra, 2003; Rassial, 2002). Freud (1914/1987a), em seu artigo Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar, já nos alertava sobre o valor da personalidade do professor no despertar do amor juvenil pelas ciências. Aí encontramos também a posição de autores mais recentes cujo interesse recai sobre os efeitos desestruturantes do enfraquecimento das referências simbólicas na família, na escola e no laço social.
A modernidade, caracterizada pela falência da tradição, amplifica o drama essencial dos adolescentes, e as novas silhuetas do laço social vêm testemunhar os efeitos da crise da metáfora paterna. O real pubertário, antes amparado pela eficácia simbólica dos ritos de passagem, é experienciado hoje a partir de operações psíquicas que definem aquilo que chamamos de adolescência.
O adolescente encena, na maioria das vezes em atos, muitas das questões que se apresentam como consequências da nossa organização social: a autoridade, o pai, a violência, a diferença dos sexos, os imperativos do gozo, etc. Frente aos impasses de sua condição precária de sujeito, ele encontra-se diante da tarefa de construir novos endereçamentos para além daquele referenciado nos vínculos familiares, devendo efetuar remanejamentos fundamentais à mudança de posição que permitirá sua entrada na vida adulta. As dificuldades da resposta ao apelo fálico que lhe é dirigido são frequentemente testemunhadas no desfile dos fracassos do exercício identificatório que, de forma exemplar, aparecem expressos no campo da educação.
Se a psicanálise vem, nos últimos tempos, compreendendo a adolescência como um sintoma social, ao visar o sujeito na sua singularidade, o psicanalista não pode abdicar do trabalho clínico de fazer emergir, de tal fenômeno social, um sintoma, no sentido freudiano do termo, no qual esse sujeito seja implicado.
Esse artigo constitui-se, assim, em uma contribuição à reflexão do sintoma em uma dupla vertente. No primeiro momento, expõe uma discussão sobre o lugar do mestre e seu atual declínio, denunciado já por Hannah Arendt como fator desencadeador da crise na educação e, acrescentaríamos, agravador da crise da adolescência. Em seguida, as incidências de tal situação serão articuladas aos destinos do desejo de saber no sujeito adolescente.
A adolescência sem pais nem mestres
Na adolescência, a ordem do mundo é perturbada, nos diz Rassial (1999). Se a puberdade modifica a imagem do corpo construída na infância, a adolescência se define pelas operações simbólicas que implicam uma nova posição do sujeito no laço social.
Sabemos que a adolescência se apresenta como o momento da descoberta do caráter enganoso da promessa edipiana, que veiculava a possibilidade da transmissão de um saber sobre o gozo metaforizado na função paterna. Dito de outra forma, o adolescente desiludido com a figura paterna passa a investir em outras encarnações imaginárias do Outro. Momento, portanto, de passagem da família ao laço social, do abandono dos pais e do encontro com os mestres, mestres estes que há pouco tempo atrás inspiravam jovens, como Freud, que se indagavam sobre o que lhes havia produzido maior influência: se a preocupação pelas ciências que lhes eram ensinadas, ou a personalidade de seus mestres (Freud, 1914/1987a).
Desde que Freud escreveu suas reflexões sobre "a psicologia do escolar", os tempos mudaram. A estranheza que certamente sua dúvida causaria nos adolescentes de hoje tem sido motivo de um trabalho de análise e de um esforço de teorização por parte de um não pequeno número de autores que se deparam na clínica com os efeitos de um esvaziamento do lugar do Outro. A queda dos ideais, a dessacralização da escola, a desvalorização dos professores, leva os adolescentes, cada vez mais, a um modo de identificação horizontal, imaginária, à formação de bandos mais ou menos totalitários.
O que a pós-modernidade potencializa é a desconstrução da ordem fálica organizada na ideia de uma referência unificante para decliná-la em referências múltiplas. Até então, não haveríamos porque lamentar a mudança dos tempos considerando os testemunhos que a história nos dá dos deslizes ocasionados pelo laço social sustentado na ordem religiosa, representante por excelência da referência simbólica centralizadora. No entanto, o que parece justificar as patologias da contemporaneidade é a substituição dessa ordem religiosa por outra, possibilitada pelo discurso da ciência, discurso esse que, segundo Lebrun (1997) veio subverter profundamente o equilíbrio que até então mantinha a ordem familiar e, consequentemente, veio tornar difícil o exercício da função paterna. O desenvolvimento da ciência moderna vem, portanto, produzir um novo laço social comandado, agora, segundo o autor, não mais pela enunciação do mestre, mas por um saber de enunciados, "um conjunto acéfalo de ditos" (p. 59). Não podemos confundir, nos adverte Lebrun, a ciência com os seus efeitos discursivos, ou seja, com o impacto que os avanços da ciência produzem ao se apresentarem como organizadores da nossa existência.
Os espetaculares progressos da ciência moderna costumam ser interpretados como a abolição dos limites impostos à condição humana, vindo assim deformar nossa relação com o mundo, pautada até então na impossibilidade de um saber completo, e desarticular nossa posição com o vazio (Lebrun, 2008). O triunfo do discurso da ciência provoca um deslocamento fundamental da autoridade do sujeito que enuncia, para a autoridade dos enunciados considerados científicos. Não há mais por que se responsabilizar pelo que se diz já que os ditos encontram sua legitimidade nos pressupostos da coerência científica. O saber científico apresenta-se, assim, prescindindo de mestres.
Retomemos agora a discussão das incidências desta reconfiguração do laço social sobre as questões centrais deste artigo: a educação e adolescência. O declínio da mestria do saber nos leva a uma reflexão sobre a autoridade da forma como vem sendo associada à crise na educação. Para isso, tomaremos como referência o pensamento de Hannah Arendt. Embora a sua análise sobre a crise da educação possa parecer circunscrita a um outro tempo, os anos 50, e a um outro contexto, a escola americana, pensamos que suas ideias ajudam-nos a desvelar alguns rumos para os nossos questionamentos.
Arendt (2007) aponta como uma das razões para a crise da educação a ideia de que "existe um mundo das crianças e uma sociedade formada entre crianças, autônomos e que se deve, na medida do possível, permitir que elas governem" (pp. 229-230). A ideia de clara inspiração rousseauista irá, para além das intenções libertadoras declaradas, sancionar um certo abandono a que as crianças serão levadas e um consequente distanciamento das gerações. A autoridade passa a ser a dos grupos de pares que, segundo Arendt em consonância com o que Freud nos alerta no trabalho sobre o mal-estar da civilização, apresenta-se bem mais tirânica e feroz. Ficam então entregues à barbárie das hordas infantis e juvenis e aos efeitos de sugestão de moda e propaganda.
Uma segunda razão é apontada pela autora, agora dizendo respeito ao surgimento da Pedagogia como uma ciência do ensino independentemente daquilo que é ensinado. Essa ideia, sustentada na Psicologia moderna e no Pragmatismo, provoca um deslocamento na formação do professor. De autoridade em um certo conhecimento, o professor passa a ser um facilitador de aprendizagem. E aqui, Arendt inclui uma terceira razão para a crise da educação segundo a qual "só é possível conhecer e compreender aquilo que nós mesmos fizemos" (2007, p. 232). Dito de outra forma, o acento da educação recai no pressuposto pragmático, de que cabe ao aluno aprender mais pelos seus próprios meios e como tal, dispensar o máximo possível o professor. Podemos perceber que essas duas razões encaixam-se perfeitamente e potencializam-se. Se é preciso saber ensinar mais do que saber aquilo que se propõe a ensinar, e se é buscado que o aluno aprenda por si mesmo, o professor perde a fonte legítima de sua autoridade.
A existência de lugares hierarquizados, determinados para cada um de nós de maneira inconsciente, autorizava tradicionalmente o exercício da mestria a figuras encarnadoras do poder, mas também a representantes do saber decorrente da experiência. A dissimetria dos lugares de criança e adulto possibilitava a inscrição da alteridade, criando a condição necessária à educação. Assistimos hoje uma nova configuração na forma de aquisição do conhecimento que se esboça no consequente isolamento das gerações. O saber que se busca hoje está cada vez mais relacionado ao saber ao qual é possível ascender sem mediações do Outro. Em tempos de técnica, de informação, de autonomia, a transmissão perde espaço e as referências daquilo que representaria uma autoridade, também perdem a força.
O declínio da função da autoridade, em razão do avanço do discurso da tecno-ciência, nos convoca a uma discussão sobre seus efeitos subjetivos. Convém examinarmos como o discurso freudiano pode servir de operador das questões relativas à educação, agora de forma a esclarecermos a posição do sujeito no par educador-educado. Cabe-nos então pensar o lugar do desejo na relação com o saber, implicada no ato educativo e cujas declinações constituem a causa de uma demanda frequente dirigida à clínica da adolescência.
O saber e seus destinos na adolescência
Tomando como referência, mais uma vez, as reflexões freudianas sobre a psicologia do escolar, encontramos nas palavras do autor não só o reconhecimento da importância do professor no despertar do interesse às ciências, como também uma verdadeira advertência sobre as consequências do seu desaparecimento, situação que caracteriza a escola atual. O que Freud postula neste texto é a própria impossibilidade da aquisição de saber que não seja através do Outro encarnado no mestre.
Gutierra (2003) propõe que, na adolescência, há uma virada em relação ao saber vindo do Outro. Há uma desconfiança em relação à veracidade e à consistência deste saber, já que, percebendo a impossibilidade da completude prometida na infância, o adolescente desconfia, principalmente, dos grandes representantes dos ideais do mundo adulto: os pais e os professores.
A exortação à virtude implícita no projeto educativo ao esbarrar-se na posição agnóstica do sujeito adolescente, amplificada pelo declínio da autoridade como signo da contemporaneidade, coloca os jovens de hoje no lugar de protagonistas da crise da educação apontada por Hanna Arendt. Adeptos da técnica e autodidatas, eles desembocam numa espécie de culto do objeto-saber. Navegando na internet, circulam em uma rede de informações sem autoria. O saber se apresenta em posição de objeto a ser assimilado, a ser devorado, consumido. Um saber por sua própria conta, sem valor de herança e que pretende dar provas de economia de um Pai.
Como uma das figuras da errância adolescente, o internauta é o flaneur virtual. Retira-se das ruas e vagueia sem rumo pela tela. Acessa sítios sem, no entanto, demarcar seu lugar. Acede a saberes sem, no entanto, constituir filiações.
Embora não possamos confundir o saber transmissível, este do qual se ocupa a escola, com o saber inconsciente propriamente dito, o cruzamento desses dois saberes é salientado desde muito cedo pelo pensamento freudiano. Vejamos, rapidamente, alguns momentos onde essa hipótese é apresentada.
A ideia em torno da chamada pulsão de saber já referenciada por ocasião da escrita dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade infantil (1905/ 1987b), constitui a base do argumento de sustentação de tal hipótese. Ao propor a existência da pulsão de saber, Freud não a destaca como um componente de pulsão, mas ele a apresenta para questionar o tipo de satisfação decorrente da curiosidade intelectual infantil. Orientada, originalmente, às investigações sexuais despertadas pelo enigma da diferença sexual, a pulsão de saber aparece como a mola propulsora da construção das teorias sexuais infantis.
Em 1909, na sua análise dedicada à atividade criativa de Leonardo Da Vinci (1909/1991), Freud propõe o mecanismo da sublimação como o mais bem sucedido operador psíquico da pulsão de investigação infantil. Nesse mesmo ano, a articulação entre vida pulsional e capacidade intelectual é retomada pela vertente da clínica infantil e mais especificamente pelo paradigma da fobia infantil. No seu estudo do caso do pequeno Hans (1909/1992), a curiosidade infantil é apresentada como o testemunho da ânsia de saber sobre as questões sexuais nas quais se encontra a criança no momento da travessia do Complexo de Édipo.
Se Freud, nesse momento, privilegia a via do sintoma e da angústia como forma de abordar a questão do saber, a partir de 1920 a problemática da inibição intelectual surge como referência maior ao tema. Embora compreendida dentro de uma perspectiva das funções do eu, a posição freudiana, como bem nos lembra Santiago (2005), supõe a articulação das limitações funcionais ao aspecto econômico da vida mental, a inibição intelectual sendo assim um processo ativado pelo sujeito.
Lembremos que ao escrever Uma lembrança de infância de Leonardo da Vinci, Freud havia exposto os três possíveis destinos da investigação sexual infantil: o recalque que geraria inibição intelectual, o recalque que traria o retorno do recalcado sob a forma de obsessão investigadora e a sublimação. Designava, assim, três destinos do saber: a inibição, o sintoma neurótico e, finalmente, a sublimação. Este último, resultando da reorientação do objetivo da pulsão, acarreta um processo que poderíamos chamar de dessexualização da atividade intelectual, sem que isso signifique abdicação de satisfação. Ora, o mesmo não acontece nos dois outros destinos. Embora a inibição e o recalque sejam ambos tomados enquanto processos defensivos, conhecemos o estatuto particular que Freud atribui ao recalque. Enquanto na inibição, a atividade do pensamento é interrompida sem formação substitutiva, no recalque, a cadeia associativa prossegue, embora sendo reorientada, e o sintoma aparece como solução de compromisso possibilitando uma via de satisfação pulsional.
Quinze anos depois do seu ensaio sobre Leonardo, em Inibição, sintoma e angústia (1926/1993), Freud atualiza sua concepção sobre a inibição. Juntamente com suas elaborações sobre o sintoma e uma revisão sobre o problema da angústia, a inibição é retomada dessa vez, ressaltando-se a sua vinculação ao sintoma. Embora ligada a uma função do eu, já no contexto da segunda tópica, Freud propõe que algumas inibições possam se apresentar como sintomas, ou seja, como um modo de satisfação pulsional. A inibição ao trabalho aparece como ilustração de tal caso, onde a renúncia ao prazer relacionado ao produto da atividade profissional é compensada pela satisfação masoquista a serviço da autopunição. Para explicar essa situação, Freud propõe que o eu só recorre à solução inibitória para evitar um conflito, quer seja com o Isso ou com o Supereu. A autopunição refere-se a esse segundo tipo de conflito, enquanto que, no primeiro, aquele que envolve o Isso, a inibição decorre de um processo inverso ao que ocorre na sublimação, a saber, da sexualização da função. Freud dá como exemplo o escritor que se encontra impedido de usar a caneta, pois ao ganhar um sentido sexual, a atividade da escrita é bloqueada e a satisfação pulsional orienta-se para o corpo. Segundo Santiago (2005), "a importância de ressaltar o binômio inibição-sintoma, justifica-se no fato de a ênfase sobre a função, na abordagem das formas clínicas de inibição, escamotear esse aspecto fundamental do benefício pulsional que acompanha distúrbios desse tipo" (p. 134).
Se Freud salienta que a inibição possa surgir como um processo a serviço da formação do sintoma de obsessão a pensar, a clínica da adolescência vem nos revelar outra aliança, a que se estabelece entre os fenômenos inibitórios e a irrupção da angústia. Trata-se de adolescentes que, frequentemente, ao entrarem no ensino médio, passam a compor um quadro que recebe a nomeação de fobia escolar. Alguns, ao concluírem que "não serve pra nada aprender", tomarão o caminho de satisfações mais imediatas decorrentes da adesão aos objetos de consumo, outros entrarão numa espécie de recolhimento quase autístico no campo do virtual, na internet e nos jogos eletrônicos. A falta de interesse pelos estudos pode desencadear um fracasso com todas as suas consequências, entre elas a depressão, o sentimento de exclusão, a entrada nas drogas ou a adesão a condutas delinquentes.
Como vimos anteriormente, a adolescência corresponde a um reposicionamento do sujeito que reatualiza o desejo e seus impasses, confrontando-o a um ponto de impossível, diante do qual o adolescente terá que encontrar soluções. Uma delas refere-se ao saber: ter vontade de aprender, adquirir conhecimentos. Esse desejo de saber vem, mais uma vez, como resposta às questões da sexualidade reevidenciadas pela puberdade. A busca do saber sobre o mundo é, portanto, uma posição que o adolescente assume como substituição à falta de saber sobre o sexo.
Portanto, o que estamos chamando de saber refere-se a uma certa posição com relação à ignorância. Lacan (1983) falou da dimensão da ignorância não para definir uma posição de não querer nada saber, mas para salientar o fato de sermos animados pelo que não sabemos. É com relação à falta estrutural no saber que vai se manifestar no adolescente uma urgência de saber articulada à necessidade de encontrar rapidamente um sentido àquilo que se apresenta como um enigma. Que lugar ocupa no desejo do Outro?
A demanda familiar e social dirigida aos adolescentes, sendo veiculada em termos de um êxito escolar e os convocando a ocupar o lugar daquele que deve aprender, leva à reativação da questão do desejo do Outro e do lugar do sujeito no fantasma parental. O desamparo da função paterna, duplamente evidenciado pela adolescência e pela contemporaneidade, desabriga o sujeito adolescente, o expondo mais uma vez à ameaça do confronto ao desejo materno.
Sabemos que o laço inaugurado pelo capitalismo redimensiona o valor do objeto. Tomado não mais na dialética da falta, o objeto na sociedade de consumo ameaça tornar-se possível. Tal ameaça de reativação do gozo de fazer um com a mãe, aparece na adolescência aliada ao apagamento da diferença dos corpos que garantira na infância uma proteção do real aos desejos incestuosos. Temos aí, portanto, os componentes estruturais que facilitam a irrupção da angústia no adolescente e que contaminam o desejo de saber de seu sentido sexual com a solução do conflito vindo se apresentar pela via da inibição.
Para finalizar a reflexão sobre o desejo de saber, uma citação de Pierre Legendre do livro La balafre, texto de uma conferência pronunciada aos alunos das classes preparatórias1 no Liceu Louis-le-Grand em Paris: "À idade daqueles aos quais eu me endereço hoje, eu vivia a perplexidade do jovem estudante diante do Himalaia dos saberes" (Legendre, 2007, p. 11).
Como sub-título do livro, encontramos uma dedicatória: "À juventude desejante". O autor inspira-se, por sua vez, em uma outra dedicatória, a do imperador Justiniano encontrada na introdução do manual de direito romano intitulado "Institutiones": "À juventude desejante de leis".
Legendre nos convoca a um certo estranhamento, efeito da elipse do objeto que complementa o adjetivo qualificador da juventude. Se, de um lado, ele denuncia a autonomia do desejo em relação aos objetos, de outro, a reticência parece expressar a própria hesitação do autor em definir a juventude a qual se dirige. Dito de outra forma, a reticência da dedicatória serve como um artifício de linguagem que nos convida a refletir sobre o que desejam nossos jovens. Ainda seriam eles desejantes de saber? Ou de leis, como anunciava o imperador Justiano? Haveria uma relação entre o desejo de leis e desejo de saber?
Parece que nossos jovens a defeito de uma Lei que os impulsione a desejar, ao se depararem com o Himalaia dos saberes, reagem não mais com o espírito do desafio da escalada, mas com a paralisação provocada pela vertigem diante do vazio do abismo que os atrai.
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NOTA
1 Correspondem ao Ensino Médio no sistema brasileiro de educação.
Recebido em junho/2009.
Aceito em agosto/2009.