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versão impressa ISSN 1415-8809
Psicol inf. vol.17 no.17 São Paulo dez. 2013
Artigo
O conceito psicanalítico do luto: uma perspectiva a partir de Freud e Klein
Psychoanalytic concept of grief from Freud and Klein
Andressa Katherine Santos Cavalcanti*; Milena Lieto Samczuk*; Tânia Elena Bonfim**
*Discentes 5º ano de Formação em Psicologia, Universidade Metodista São Paulo.
**Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto Psicologia USP e Docente supervisora do Curso de Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo.
RESUMO
O luto é caracterizado como uma perda de um elo significativo entre uma pessoa e seu objeto, portanto, um fenômeno mental natural e constante no processo de desenvolvimento humano. Este artigo descreve o conceito do luto a partir da perspectiva psicanalítica de Sigmund Freud e Melanie Klein, com o objetivo de observar possíveis similaridades e divergências ante as concepções apresentadas pelos autores.
Palavras-chave: Luto; Melancolia; Psicanálise Freudiana; Psicanálise Kleiniana.
ABSTRACT
Grief is characterized as loss of a link between a person and his object, so a mental phenomenon in natural and constant process of human development. This article discusses the concept of grief from the perspective of psychoanalysis Sigmund Freud and Melanie Klein, in order to observe possible similarities and differences compared to the concepts presented by the authors.
Keywords: Grief; Loss; Melancholia; Psychoanalysis Sigmund Freud, Melanie Klein.
Introdução
O processo de luto está inevitavelmente presente na dinâmica entre os dois polos da existência humana: a vida e a morte. Para compreender tal princípio buscou-se, neste estudo, explorar as concepções de luto e seu processo, a partir da ótica psicanalítica, utilizando as contribuições conceituais de Sigmund Freud e de Melanie Klein.
O luto é caracterizado como uma perda de um elo significativo entre uma pessoa e seu objeto, portanto um fenômeno mental natural e constante durante o desenvolvimento humano. Nesse contexto, por se tratar de um evento constante, acaba implicando diretamente no trabalho de profissionais da saúde, tornando-se um conhecimento necessário para o amparo adequado àqueles que sofrem a perda.
A ideia de luto não se limita apenas à morte, mas o enfrentamento das sucessivas perdas reais e simbólicas durante o desenvolvimento humano. Deste modo, pode ser vivenciado por meio de perdas que perpassam pela dimensão física e psíquica, como os elos significativos com aspectos pessoais, profissionais, sociais e familiares do indivíduo. O simples ato de crescer, como no caso de uma criança que se torna adolescente, vem com uma dolorosa abdicação do corpo infantil e suas significações, igualmente, o declínio das funções orgânicas advindo com o envelhecimento. A capacidade de o indivíduo, desde a infância, se adaptar às novas realidades produzidas diante das perdas servirá como modelo, compondo um repertório, reativado em experiências ulteriores.
Para compreender o conceito de luto dentro da perspectiva psicanalítica foi necessário partir pela obra do precursor da investigação da psique, Sigmund Freud. O autor sistematizou teoricamente fenômenos até então incompreendidos sobre o funcionamento mental. Diante disso, escolhemos colocar Melanie Klein em discussão, que não nega a concepção do desenvolvimento como base da teoria da sexualidade, mas que a partir dela, construiu a sua teoria com novas contribuições.
Partindo pelo pressuposto de a Psicanálise ter uma linha de pensamento desenvolvimentista, seria totalmente impreciso tomar o caminho pelo entendimento do luto na obra dos autores, sem antes compreender os seus conceitos clássicos, que apresentam, por intermédio do desenvolvimento infantil, efetivas contribuições para o conceito do Luto.
Considerações acerca do Luto em Freud
Ao explicar o conceito em Luto e Melancolia, Freud (1915) o entende como uma reação à perda, não necessariamente de um ente querido, mas também, algo que tome as mesmas proporções, portanto um fenômeno mental natural e constante durante o desenvolvimento humano. Para o autor, no luto, nada existe de inconsciente a respeito da perda, ou seja, o enlutado sabe exatamente o que perdeu. Além disso, o luto é um processo natural instalado para a elaboração da perda, que pode ser superado após algum tempo e, por mais que tenha um caráter patológico, não é considerada doença, sendo assim, interferências tornam-se prejudiciais.
O luto é um processo lento e doloroso, que tem como características uma tristeza profunda, afastamento de toda e qualquer atividade que não esteja ligada a pensamentos sobre o objeto perdido, a perda de interesse no mundo externo e a incapacidade de substituição com a adoção de um novo objeto de amor (FREUD, 1915).
Durante o desenvolvimento, o indivíduo passa por constantes experiências de perdas que se constituem em modelos de estados psíquicos que são incorporados na mente e poderão ser vividos em situações semelhantes ulteriores. Freud (1926) constata que as primeiras experiências traumáticas constituem o protótipo dos estados afetivos, que são incorporados na mente, e quando ocorre uma situação semelhante são revividos como símbolos mnêmicos.
Para Freud (1923), em O Ego e o ID, o ato de nascer é o primeiro grande estado de ansiedade, que ocorre por ocasião de uma separação da mãe, diante de um perigo de desamparo psíquico, torna-se assim a fonte e o protótipo do estado de ansiedade. Inicialmente, a imagem mnêmica que a criança tem da pessoa pela qual ela sente anseio é intensamente catexizada, em seu estado ainda pouco desenvolvido, essa imagem mnêmica é provavelmente de forma alucinatória, e a criança não sabendo como lidar com sua catexia de anseio, origina uma ansiedade como uma expressão de desorientação.
Freud (1926) lembra, em Inibições, Sintomas e Ansiedades, do fato de que também a ansiedade de castração, que pertence à fase fálica do desenvolvimento psicossexual, constitui o medo de sermos separados de um objeto altamente valioso, a perda do objeto, no caso o pênis. Nesta fase, o alto grau de valor narcísico que o pênis possui pode valer-se do fato de que o órgão é uma garantia de que pode novamente se unir à mãe (ato da copulação). O superego elimina essa possibilidade, fazendo que a separação com a mãe seja renovada, e isto por sua vez significa uma tensão desagradável, como foi o caso do nascimento que ocorre por ocasião de uma separação da mãe. Para o autor, as situações de perigo mais antigas vão ser abandonadas à medida que o ego se desenvolve. Assim, quando o ego do indivíduo é imaturo, este se vê diante do perigo de vida; até a primeira infância, o perigo da perda de objeto; até a fase fálica, o perigo da castração; e o medo do superego, até o período de latência.
Continuando ainda com Sigmund Freud (FREUD, 1915) em Luto e Melancolia, o autor revela que o luto é um processo doloroso, porém, a justificativa para isso seria encontrada quando tivessem condições de apresentar uma caracterização da dor. Em 1926, o autor apresenta que a Dor, na dimensão mental, também é a reação real à perda do objeto. Segundo Freud (1926), quando há uma dor física, ocorre um alto grau do que pode ser denominado de catexia narcísica da parte do corpo que se sente a dor. Na dimensão mental, diante de uma situação dolorosa, essa catexia está concentrada no objeto do qual se sente falta ou que está perdido, por não poder ser apaziguada, essa catexia tende a aumentar com firmeza. A dor na dimensão mental produz a mesma condição econômica que é criada diante de uma dor física. A transição da dor física para a mental corresponde a uma mudança da catexia narcísica (investida na parte danificada do corpo) para a catexia do objeto (objeto perdido do qual se sente falta).
No processo de luto, a inibição de qualquer atividade que não esteja ligada ao objeto perdido e à perda de interesse no mundo externo ocorre por causa da catexia do objeto que continua a aumentar e tende, por assim dizer, a esvaziar o ego. Para Freud (1915), essa inibição é expressão de uma exclusiva devoção ao luto, devoção que nada deixa a outros propósitos ou a outros interesses. Freud (1926), em Inibições, Sintomas e Ansiedades, fala sobre a Inibição, que também não apresenta necessariamente uma implicação patológica, sendo uma restrição da função do ego imposta como medida de precaução ou acarretada como resultado de um empobrecimento de energia. O ego, no estado do luto, se vê envolvido e absorvido em uma tarefa psíquica particularmente difícil, perdendo uma grande quantidade de energia à sua disposição, tendo que reduzir o consumo dessa energia em muitos pontos ao mesmo tempo.
Considerações Acerca do Luto em Klein
Sem discordar das definições de luto explanadas por Freud (1915), Melanie Klein também o concebe como uma perda objetal e, em cujo processo haverá uma reativação de experiências tidas no princípio do desenvolvimento psíquico humano. M. Klein entende que nesse processo haverá uma reativação (KLEIN, 1940) do que chamou de "posição depressiva" arcaica. Assim, o que é acrescido em Klein, é que o luto não se refere apenas a uma perda objetal real, mas também simbólica.
Klein (1940) postula que atividades psicóticas (primitivas, pois são vividas no desenvolvimento natural) são reativadas no luto normal e durante esse período o indivíduo encontra-se adoecido, porém, como o seu estado mental é comum e natural dado às circunstâncias, o luto não é considerado uma doença, vencido após certo tempo. Para a autora, o luto reativa a posição depressiva arcaica.
A teoria kleiniana, chamada de "teoria das relações objetais", está assentada numa visão muito mais dinâmica do que estrutural. Essa dinâmica humana – de introjeção e projeção consiste, pois, num mundo interno (psíquico) que é construído a partir de relações que se estabelecem entre objetos (coisas ou pessoas) e que influencia e é influenciado também pelo mundo externo. O conceito de posição (posição esquizoparanoide e posição depressiva) norteia todo o desenvolvimento humano de sua teoria, assim como o desenvolvimento psicossexual, acompanhando o indivíduo por toda a vida.
Nesse sentido, para explicar o luto e o processo de "enlutamento" em Klein, é necessário retomarmos a sua teoria desenvolvimental e sua dinâmica.
Nos primeiros meses de vida, o bebê tem a percepção da realidade distorcida, enxergando e mantendo relações apenas com objetos parciais, sendo o primeiro deles o seio materno. Mergulhado em fantasias inconscientes, que são alimentadas por experiências de gratificação e frustração, o ego prematuro introjeta um seio bom e gratificador que o alimenta, e um mau e frustrador que se ausenta e o deixa com fome, separados pelo mecanismo de cisão, uma das suas primeiras defesas. Em sua fantasia, o bebê tem desejos de incorporar o seio bom (objeto de amor), e desejos de destruir o seio mau, mastigando-o, rasgando-o com seus impulsos sádico- -orais que, nesse momento, estão em seu auge e causam bastante ansiedade pois, o bebê acredita que da mesma forma esses objetos maus querem destruí-lo, tornando-se, assim, objetos persecutórios (KLEIN, 1935).
No segundo semestre do primeiro ano de vida, o ego do bebê está mais organizado e com os objetos bons internos melhor estabelecidos. A projeção de objetos maus traz ansiedades persecutórias vindas de fora que ameaçam não somente o ego, mas também seus objetos bons internalizados, originando um medo da perda. Nessa posição, o bebê percebe que o objeto que o gratifica é o mesmo que causa frustração, e os dois fazem parte integral de um mesmo objeto, a mãe, consistindo assim numa percepção de objeto inteiro. Dessa forma, origina-se um conflito de ambivalência causador de muita ansiedade, pois os ataques antes feitos a um "seio mau" traz também o medo de que isso possa destruir o objeto amado por inteiro. Essas ansiedades, provindas do medo de perder, reforçam a introjeção do objeto bom como mecanismo de defesa, além de trazer outro mecanismo associado: a reparação; isso, pois, o bebê sente muita culpa e anseia reparar todo o mau que causou à mãe. Além disso, cabe salientar que a relação com os primeiros objetos inteiros, que são incorporados, forma a base e participa da estrutura do superego (KLEIN, 1935).
O que colabora para a passagem da incorporação de objetos parciais para objetos inteiros é o desmame. Ele é também o primeiro luto vivenciado e se dá na posição depressiva do desenvolvimento, pois por intermédio dele é sentido pelo bebê a perda da sua maior fonte de alimento e prazer: o seio e todas as representações que ele carrega. Segundo Klein (1940), o bebê passa a ter sentimentos depressivos pouco antes, durante e após o desmame com fantasias incontroláveis e impulsos destrutivos contra o seio da mãe. Em paralelo, o bebê também tem sentimentos que permeiam a perda de ambos os pais, pois nesse mesmo momento está acontecendo o complexo de Édipo que traz medo e impulsos orais e está fortemente ligado a frustrações associadas ao seio. A perda passa a ser temida na fantasia a partir de ataques que são feitos contra os objetos amados e contra irmãos e irmãs que estão dentro do corpo da mãe, o que resulta também em sentimentos de culpa.
Os mecanismos de introjeção e projeção são importantes formas de defesa e ataque para o bebê, na estruturação e construção do mundo interno. Como a ansiedade surge da operação da pulsão de morte, sentida como o medo de aniquilamento e morte, transformada em medo de perseguição quando ligada a um objeto, a projeção consiste na deflexão da pulsão de morte para o mundo externo, livrando o ego dos perigos. E a introjeção consiste na incorporação de um objeto bom, que promovendo uma maior segurança, também diminui as ansiedades (KLEIN, 1946).
Por meio do mecanismo de introjeção, que desde o começo acompanha o bebê, é que é construído na mente inconsciente da criança um mundo interno, correspondente às experiências reais e impressões que recebeu das pessoas e do mundo externo, que, ao mesmo tempo, são alternadas pelas suas fantasias e impulsos. O mundo interno é povoado por objetos parciais e inteiros bons e maus, que é preenchido através da relação da criança, primeiro com a mãe, depois com o pai e outras pessoas, acompanhadas por processos de internalização. Ao incorporar os pais o bebê sente como se os mesmos fossem pessoas vivas dentro do seu corpo, da mesma maneira que profundas fantasias inconscientes são vividas. Na sua mente, então, esses objetos internos fazem parte do seu mundo interior (KLEIN, 1940). Em 1935, a autora explica que a mãe externa e a internalizada foram o que ela chamaria de "duplo", pois elas estão interligadas e, por isso, tanto as ansiedades que o bebê tem em relação a elas, quanto os métodos utilizados pelo ego para lidar com essas ansiedades, estão interligados e em constante interação. Dessa forma, a criança se volta para o mundo externo sempre para constatar e testar a mãe interna. Esse teste de realidade está sempre presente pelas alterações e movimentos que o mundo interno cria através das experiências reais do bebê.
Os ataques ao seio podem evoluir para ataques voltados a todo o corpo da mãe, como uma extensão do seio, ainda sem que o bebê conceba que a mãe seja um objeto inteiro. Desses ataques típicos dessa posição, temos o de cunho introjetivo que deriva de impulsos orais e dizem respeito ao sugar, escavar, secar, morder, tomar para si todo o conteúdo do seio. O bebê responde a estímulos desagradáveis com a fragmentação. Em sua fantasia, é introjetado o seio mau em fragmentos e, por uma tendência do ego à integração, o seio bom inteiro que servirá de ponto focal para o ego. Porém, com os instintos sádico-orais e canibalescos em seu auge e intensificados em momentos de ansiedade, o bebê pode ter a sensação de ter tomado para dentro de si o seio bom despedaçado e sentindo-se assim juntamente fragmentado. Pois, segundo Klein (1946), o ego é incapaz de cindir um objeto interno ou externo sem que dentro dele ocorra uma cisão correspondente, ou seja, as fantasias de ter despedaçado um objeto bom introjetado influenciam na estrutura do ego.
Os ataques de cunho projetivo são derivados de impulsos anais e uretrais, do qual o bebê projeta para o interior do seio ou da mãe excrementos perigosos e venenosos do ego. Essa projeção é feita não só com o intuito de danificar o objeto, como também de tomar posse e controlá-lo por dentro, pois junto aos excrementos, partes cindidas do ego foram juntamente projetadas na mãe.
Na medida em que a mãe passa a conter partes más do self, ela não é mais sentida como um indivíduo separado, e sim como sendo o self mau. Muito do ódio contra partes do self é agora dirigido contra a mãe. Isso leva a uma forma peculiar de identificação que estabelece o protótipo de uma relação de objeto agressiva. Sugiro o termo "identificação projetiva" para esses processos (KLEIN, 1946, p. 27).
Processo de elaboração
O processo de luto é instalado para a elaboração de uma perda, consistindo no desligamento da libido a cada uma das lembranças e expectativas relacionadas ao objeto perdido, por isso, é considerado um processo lento e penoso.
Como vimos, diante de uma situação dolorosa, ocorre uma catexia concentrada no objeto do qual se sente falta ou que está perdido, por não poder ser apaziguada – afinal o objeto não existe mais – tende a aumentar efetivamente, sendo assim hipercatexizadas. Enquanto o ego se vê absorvido no processo de luto por meio da hipercatexia, a sua elaboração ocorre sob a influência do teste de realidade, fundamental para a constatação de que esse objeto não existe mais.
O instinto de realidade, como descrito por Freud (1920), atua através dos instintos de autopreservação do ego. Este princípio não abandona a obtenção de prazer, porém, pede um adiamento da satisfação, para uma obtenção de prazer no futuro. Em contrapartida, o princípio do prazer, que está fortemente ligado aos instintos sexuais e por essa razão eles se tornam mais difíceis de domar, busca um prazer imediato e desde o início pode ser visto como altamente perigoso e ineficaz para a autopreservação do ego.
Portanto, o teste de realidade atua para a preservação do ego, solicitando um adiamento da satisfação. O ego está absorvido neste processo por meio da hipercatexia das lembranças vinculadas ao objeto, deste modo, obtém uma satisfação imediata, na qual conserva e prolonga-se psiquicamente, nesse meio-tempo, a existência do objeto perdido. Segundo Freud (1915), esta oposição ocasiona um desvio da realidade e um apego ao objeto perdido.
Cada uma das lembranças e expectativas isoladas por meio das quais a libido está vinculada ao objeto é evocada e hipercatexizada, e o teste de realidade exige que toda a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto. Desta forma, o trabalho do luto é concluído quando a realidade prevalece e quando atingido certo grau de catexia, a libido é desligada e o ego se vê livre e desinibido outra vez.
A capacidade do indivíduo se relacionar com o mundo externo depende da sua capacidade de distinguir entre percepções internas e externas. Por meio do teste de realidade, o indivíduo se defronta com cada lembrança do objeto amado perdido e envolve o ego em uma persuasão narcísica, diante da questão de saber se seguirá o mesmo destino do objeto ou continuará vivo, assim é convencido pelo prazer de estar vivo e se desliga do objeto. Freud (1915) nega que nessa persuasão narcísica contém o triunfo acerca do luto. Para o autor, o triunfo tinha características da mania como uma grande euforia relacionada à economia. Quando não se tem necessidade de fazer grande esforço para alcançar alguma condição, por exemplo, o fato de ganhar uma grande quantia de dinheiro na loteria pouparia o indivíduo de trabalhar para adquirir dinheiro, essa situação promoveria grande euforia, a qual não se vê quando o trabalho de luto é realizado e o ego se vê livre para investir sua libido em outro objeto.
Klein (1940) explica que, o objeto de amor, assim como seus objetos bons da infância, foi introjetado e instalado no seu mundo interno. Dessa forma, quando se instala o luto adulto, o indivíduo tem uma fantasia inconsciente de que com o objeto perdido todos os seus objetos bons, inclusive seus pais bons internalizados, foram perdidos, predominando então os objetos maus, reativando assim a posição depressiva e suas ansiedades derivadas: culpa, sentimentos de perda provindos do desmame, complexo de Édipo e outras fontes, além de alguns sentimentos de perseguição que também podem ser reativados. Ou seja, quando ocorre a perda real, em sua fantasia, o indivíduo acredita que seu mundo interno foi destruído. O processo de luto para a autora consiste então na reestruturação do mundo interno, reintrojetando o objeto bom de maneira a reestruturá-lo, assim como todos os objetos que acreditou ter perdido, recuperando aquilo que já havia obtido na infância.
Uma das situações mais dolorosas numa situação de perda está na constatação real de que esta existiu. Aperceber-se da perda consiste num trabalho de teste de realidade, que é fundamental para a compreensão e o caminho até a sua elaboração. Segundo Klein (1935), o teste de realidade era usado continuamente pelo bebê a fim de testar seu mundo interior por intermédio da sua realidade externa, assim como a mãe má interna tinha como referência a mãe externa, a percepção de que a mãe era um objeto integral e ambivalente do qual continha coisas boas e ruins, trazia uma segurança e, consequentemente, uma melhor tolerância aos objetos ruins. É então através do prolongado teste de realidade que se explica de certa forma a necessidade de reativar elos com o mundo externo, revivendo assim constantemente a perda, o que contribui de forma ativa na dolorosa reconstrução do mundo interno que está em perigo de desmoronar na mente do indivíduo. Ou seja, da mesma maneira que o bebê sofre para reestabelecer e reestruturar seu mundo interno na posição depressiva arcaica, o sujeito enlutado também o faz.
Klein (1940) postula que dos sentimentos que estão ligados ao luto, os mais perigosos são os de ódio contra a pessoa perdida, e que, esse ódio pode vir à tona por uma sensação de ter triunfado sobre o morto.
O triunfo faz parte da posição maníaca no desenvolvimento infantil. Os desejos de morte infantis contra os pais, irmãos e irmãs se veem realizados quando uma pessoa querida morre, pois ela sempre é um representante, até certo ponto, das figuras importantes do início da vida da criança e atrai, portanto alguns dos sentimentos originalmente relacionados a elas. Sua morte, por mais que tenha sido arrasadora por outros motivos, não deixa de ser percebida também como uma vitória. Isso dá origem à sensação de triunfo, que gera ainda mais culpa (KLEIN, 1940, p. 397).
O triunfo por atrapalhar o processo de luto por interferir na crença do indivíduo em seus objetos bons. Quando é projetado o ódio na pessoa amada perdida, esta passa a ser um perseguidor, o que dificulta no processo de idealização. Quando na tenra infância, a mãe boa idealizada trazia grande segurança para a criança contra a mãe má retaliadora, e contra os outros objetos maus, no luto, idealizar o objeto de amor contribui para manter ainda que temporariamente um mundo interno seguro por trazer boas lembranças da pessoa amada que morreu.
Essa relação contínua com o mundo externo e aproximação com a realidade necessária para a elaboração do luto tem como base o simbolismo. No auge do sadismo, o corpo da mãe e o seu conteúdo se tornam fonte do interesse da criança, ela quer tomá-lo para si e destruí-lo. Os ataques contra a mãe trazem na criança uma ansiedade persecutória, um medo de que esses ataques voltem para si. Ansiedade que, no caso do luto adulto, pode ser persecutória no tocante ao triunfo. Essas ansiedades que movimentaram o bebê a procurar equiparar seus objetos maus que causam medo com objetos do mundo externo buscando equipará-los e dotando-os de simbolismo.
Cheguei à conclusão de que o simbolismo é o fundamento de toda a sublimação e de todo talento, pois é através da igualdade simbólica que as coisas, as atividades e os interesses tornam o conteúdo de fantasias libidinais (KLEIN, 1930, p. 252).
Torna-se assim evidente que a sublimação pode ser relacionada ao trabalho de luto, pois da mesma forma que ansiedades provindas do sadismo faz com que o olhar do bebê seja desviado da mãe para o mundo externo, o enlutado desvia o seu olhar do objeto de amor perdido para o mundo externo, tendo em vista que, de certa maneira, a pessoa perdida é simbolicamente relacionada aos seus objetos bons internalizados, ou seja, seus pais amados.
Como para Klein (1940) o luto adulto é a reativação da posição depressiva arcaica, a diferença da perda de um objeto real e o desmame está no contexto. Ao perder o seio e toda a sua simbologia de bom e segurança que esse objeto carrega, o bebê é tomado pelo sofrimento mesmo estando ao lado da mãe, justamente por estar no auge da luta contra o medo de perder tanto a mãe interna quanto a externa e a segurança ainda não foi bem estabelecida em seu mundo interior. Já no luto adulto, o cenário é diferente, pois ocorre a perda real de uma pessoa, no entanto, o fato de ter estabelecido uma mãe "boa" internamente ajuda na superação. Por essa razão também a presença de pessoas amigáveis corrobora e traz um maior conforto numa situação de luto.
No luto adulto, embora se trate de uma perda real, a elaboração é feita de forma semelhante à posição depressiva arcaica, já vivida na infância. O trabalho de luto consiste na reintrojeção do objeto bom, portanto, introjetando novamente não somente a pessoa amada, mas também os pais amados que representam seus objetos bons internalizados.
Seu mundo interior, aquele que vinha construindo desde o início da vida, foi destruído em sua fantasia quando ocorreu a perda real. A reconstrução desse mundo interior caracteriza o trabalho de luto bem sucedido (KLEIN, 1940, p. 406).
Luto patológico
No tocante aos desdobramentos do luto, há também sua versão patológica, a qual foi feita uma consideração pelos dois autores.
Freud (1915) traz o conceito de melancolia, esta toma os mesmos sintomas do luto, exceto por uma perturbação na autoestima. O melancólico se autodeprecia de maneira exagerada. Esse estado também tem um caráter mais inconsciente e ideal, pois não se sabe o que foi realmente perdido uma vez que o objeto não precisa ter necessariamente morrido, mas apenas ter sido perdido enquanto objeto de amor, por exemplo, em um término de relacionamento.
O luto anormal, proposto por Klein (1940), corresponde a uma não superação da posição depressiva do desenvolvimento, que é crucial para o forte estabelecimento de objetos bons no mundo interior e para se sentir seguro no mesmo. Nesta versão patológica do luto há uma interminável ligação com o objeto perdido, e uma indiferença pela perda, resultado de um abafamento de sentimentos. Podendo causar uma psicose grave caso o ego recorra a uma fuga para os objetos internos bons, ou uma neurose caso o ego recorra a uma fuga para objetos externos bons.
A autodesvalia expressada pelo melancólico acontece porque o ego se identifica com o objeto de amor perdido, que faz que a libido objetal vinculada a ele se volte para o ego do indivíduo. Dessa forma, a libido é julgada pelo superego como se fosse um objeto, o objeto de amor perdido. É também por essa razão que o enlutado não sente vergonha ou demonstra se incomodar em expressar seu ódio e recriminações que, apesar de serem ditas de si mesmo, parecem se referir a outra pessoa, ao ser amado que agora está de certa forma, instalado dentro do seu próprio ego. Freud (1915) chega a relacionar a melancolia à fase sádico-oral do desenvolvimento, que além da ideia de incorporação, há também uma fantasia de destruição ao ato de mastigar e morder. O ego tem um ímpeto de sobrevivência, porém, no caso da melancolia, há um conflito expressado sintomaticamente como desvalia, causado pelo objeto amado incorporado, que traz um sentimento de abandono ao enlutado. Esse conflito do ego pode ser relacionado diretamente ao conflito da fase oral que traz como sintomas a inapetência, disfunções alimentares, vômitos, algumas até com certo caráter suicida. O suicídio só poderia ser praticado para a agressão de outro, ainda que outro que se encontra dentro do próprio ego.
Melanie Klein (1935) sugeriu que existem defesas da ordem da paranoia na melancolia, defesas que são características da posição esquizoparanoide. Em seu trabalho de 1940, a autora postula que o luto anormal consiste na não superação da posição depressiva arcaica, prevalecendo defesas da posição anterior. Ou seja, o indivíduo melancólico ainda utiliza predominantemente de defesas da posição esquizoparanoide. Uma dessas defesas, a identificação projetiva, foi introduzida pela autora em 1946, consiste na cisão de partes ruins do ego seguida da projeção no outro, causando além de uma necessidade de controle alheio com a finalidade de controlar suas partes excindidas do ego, uma confusão de personalidade. Esse mecanismo de defesa também estabelece uma relação agressiva de objeto que pode ser associada à relação de sadismo que é estabelecida entre o enlutado e seu objeto de amor na melancolia, por conta da autodesvalia dirigida ao próprio ego, como Freud (1915) identificou ser na verdade dirigida a outro alguém do qual se encontra instalado no próprio ego: o objeto de amor perdido.
O ódio expressado pelo objeto de amor perdido ainda pode ser associado à relação entre amor e ódio que é descrita na teoria de Klein (1937). O amor e o ódio estão presentes desde os primeiros anos de vida do bebê, pois este ama a sua mãe quando ela o alimenta, e a odeia quando esta se ausenta e não atende às suas necessidades, trazendo sentimentos agressivos de ódio e desejos de destruir a mesma pessoa que é sua fonte de gratificação. Esses impulsos agressivos é que trarão ao bebê o sentimento de culpa, e subsequentemente a necessidade de reparação. Essa relação de amor e ódio é que movimenta as relações.
O amor e o ódio lutam entre si na mente da criança; essa luta continua presente de certa forma pelo resto da vida e pode se tornar fonte de perigo nas relações humanas (KLEIN, 1937, p. 349).
Por outro lado, a desvalia sugere uma regressão ao narcisismo primário, pois a libido é voltada para o próprio ego. O indivíduo que sofre de melancolia não consegue investir libido no mundo externo. Portanto Freud (1915) explica que, ainda que com um cunho negativo, há de certa forma uma devoção a si próprio, ou seja, uma grande devoção ao objeto perdido incorporado ao ego: "No luto, é o mundo que fica pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego" (FREUD, 1915, p. 251).
A incorporação do objeto perdido, no caso do luto, acontece em nível transacional, e o teste de realidade traz ao ego a constatação de que o objeto já não mais existe, forçando o desligamento da libido. O teste de realidade então, de encontro com o princípio do prazer, visa alcançar um prazer em longo prazo – ainda que evidencie um prazer que no momento o indivíduo não queira ver – quando a dor adiante for superada. Porém, na melancolia há uma manutenção do objeto visando a um prazer imediato, mantendo-o vivo dentro do ego, de forma que o princípio do prazer tenha se sobressaído ao princípio de realidade, causando essa interminável ligação ao objeto. Freud (1920) comenta que o princípio de prazer é um método primário do funcionamento psíquico, mas que, no ponto de vista da autopreservação em relação ao mundo externo, ele se torna ineficaz e perigoso. Dessa forma, é substituído pelo princípio de realidade que é capaz de fazer um adiamento da satisfação em favor da autopreservação. Porém, como o princípio do prazer "persiste por longo tempo como o método de funcionamento empregado pelos instintos sexuais, que são difíceis de ‘educar" (p. 20), frequentemente consegue vencer o princípio de realidade.
Há, portanto, uma concordância na obra de Melanie Klein (KLEIN, 1940) ao afirmar que no luto anormal há uma interminável ligação ao objeto perdido. Mas explica que as pessoas que não conseguem vivenciar o luto podem ter suas emoções inibidas, por negar seu amor ao objeto perdido pela sensação de incapacidade de restauração de objetos bons internos. Há casos onde ocorre um abafamento de sentimentos como o amor, dando vazão ao ódio que aumenta ansiedades paranoides. E, em casos ainda mais severos, crises maníaco-depressivas ou até mesmo paranoicas. Dessa forma, as estratégias encontradas pelo ego para lidar com ansiedades depressivas são as mesmas encontradas no desenvolvimento infantil. No entanto, para a autora, a análise pode vir a diminuir ansiedades de ordem persecutórias que provêm dos pais internos destrutivos. A diminuição dessas ansiedades permitem que o ódio seja mitigado, e a relação com os pais vivos ou mortos seja reexaminada, de maneira que eles possam ser então reintegrados e melhor estabelecidos no mundo interno como figuras boas. Com essas figuras boas internas mais firmes e estabelecidas, é possível lidar de forma mais efetiva com ansiedades depressivas. Em outras palavras, finalmente superar a posição depressiva que não foi superada no passado. Portanto, vivenciar o luto e elaborá-lo, bem como sentir emoções como a culpa, o pesar, o amor e a confiança. Criando uma tolerância maior às perdas, com mecanismos de defesas mais adequados.
Assim, elaboramos um Quadro Descritivo que resume o tema em questão. O quadro foi distribuído em Luto, Processo de Elaboração e Dissolução, numa tentativa de resumir e colocar palavras-chave que indicam semelhanças e divergências entre as teorias.
As contribuições expostas no Quadro I foram extraídas de: Sigmund Freud – Luto e melancolia (1917) e Melanie Klein – O luto e suas relações com os estados maníaco-depressivos (1940).
Considerações finais
Durante nossa pesquisa, percebemos que apesar das maiores semelhanças das teorias dos autores se concentrarem na concepção do desenvolvimento psicossexual, e que ambos concordam que os desdobramentos da vida infantil e considerações acerca do complexo de Édipo podem influenciar na personalidade do indivíduo, também entendemos que as divergências identificadas entre as teorias se encontravam em suas bases, que se refletiam posteriormente na maneira de expressar de cada um de acordo com o desenvolvimento de suas ideias primeiras. Klein concentrou seu trabalho no estudo de crianças pequenas, o que lhe possibilitou enxergar detalhes no que tange ao desenvolvimento infantil e à relação da criança com objetos, o que ainda lhe possibilitou conceber a dimensão do mundo interno povoado por objetos internalizados, e as posições esquizoparanoide e depressiva que perpassam por toda a vida, alterando assim o seu olhar e sua análise acerca da psicanálise/coisas.
Porém, ao falar do luto, percebemos que não há muitas diferenças. É claro que cada um se expressaria mediante a forma como introduziram suas teorias. Mas o luto em si transcorria, de modo geral, da mesma maneira para os dois teóricos, assim como as vias de elaboração também são, num geral, bastante parecidas, como foi possível traçar no quadro norteador. Acerca da versão patológica do luto, também foram encontradas mais relações do que divergências.
As duas teorias entendem que o indivíduo deve voltar ao estado em que se encontrava antes da perda, ou o mais próximo possível, seja com o ego desinibido para novos investimentos no mundo externo, seja com o mundo interno harmonioso e bem estabelecido de objetos bons. A perda de algum objeto amado traz, ainda que momentânea, a fragmentação e desestruturação do sujeito. Portanto, é possível concluir que o luto é um processo de reconstrução e reorganização diante de uma perda, desafio psíquico com o qual o sujeito tem de lidar.
Referências
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Recebido em: 08/08/2013
Aceito em: 01/10/2013