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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH v.9 n.2 Rio de Janeiro dez. 2006
A implantação do serviço de psicologia no hospital geral: uma proposta de desenvolvimento de instrumentos e procedimentos de atuação
Natália Martins Dias*; Maria Eugênia Scatena Radomile**
Universidade São Francisco
RESUMO
Este artigo apresenta uma breve proposta de implantação do ‘Serviço ou Departamento de Psicologia’ no hospital geral. Tal proposta se justifica frente à necessidade de se esboçar uma identidade à área e, além, faz-se pertinente ao criar procedimentos padronizados de atuação e ao instrumentalizar o profissional, orientando sua práxis. Deste modo, o projeto divide-se em duas linhas principais de atuação: desenvolvimento de procedimentos e desenvolvimento de instrumentos. O artigo disponibiliza ainda quatro protocolos ou roteiros psicológicos, sendo dois destinados à avaliação (em triagem e em avaliação psicológica hospitalar), um voltado à padronização dos registros de atendimento/acompanhamento e um roteiro em versão resumida. Espera-se, a partir da presente proposta, contribuir à instrumentalização e orientação da prática profissional e, consequentemente, à delimitação da identidade e do papel da psicologia dentro da instituição hospitalar.
Palavras-chave: Psicologia hospitalar, Instrumentos, Procedimentos, Atuação profissional.
ABSTRACT
This paper presents a short proposal of the ' Psychology Service or Department' implementation in the general hospital. Such proposal is justified facing the need of be outlined an identity to the area and, beyond, it’s pertinent to create standardized procedures of action and to offer instruments for the professional, orienting its practice. In this way, the project divides itself in two main lines of action: procedures development and instruments development. The paper disposes still four protocols or psychological scripts, being two destined to the evaluation (in selection and in hospital psychological evaluation), one destined to the standardization of the service/accompaniment register and one script in summary version. Expects, from the present proposal, contribute to offer instruments and orientation of the professional practice and, consequently, to the demarcation of the identity and the part of the psychology inside the hospital institution.
Keywords: Hospital psychology, Instruments, Procedures, Professional action.
Introdução
É sabido que a frequência de transtornos psiquiátricos em pacientes internados em hospital geral figura entre 20 a 60% e, dentre os mais freqüentes pode-se citar os transtornos depressivos e ansiosos e as reações de ajustamento. Esta última, por exemplo, pode ser identificada em 9 a 21% dos pacientes internados em hospital geral (Botega & Smaia, 2002).
Analogamente, sabe-se que o tratamento psicológico de pacientes internados em hospital geral pode acarretar importantes benefícios terapêuticos e vantagens, tais como uma melhor adesão ao tratamento médico, recuperação mais rápida e, consequentemente, menor tempo de permanência no hospital, menor utilização de serviços médicos e, por conseguinte, redução de custos com assistência médica, entre outros (Botega & Smaia, 2002). No entanto, segundo os mesmos autores antes citados, alguns estudos evidenciam a dificuldade de médicos não psiquiatras em reconhecer e diagnosticar transtornos mentais. A esta dificuldade soma-se um dado relevante: pacientes com transtornos psiquiátricos apresentam, em relação a pacientes não psiquiátricos, maior morbidade geral, por exemplo, pacientes com transtornos depressivos ou ansiosos internados em virtude de doenças físicas podem apresentar acréscimo de seu tempo de permanência/internação no hospital, ou seja, tais situações demandam um olhar diferenciado e um tratamento especializado (Botega & Smaia, 2002).
Estas são justificativas mais que plausíveis à inserção da psicologia no hospital geral, no entanto, não somente em situações de comorbidade psiquiátrica, como foi acima mencionado, mas, de um modo geral, orientando sua prática à minimização do sofrimento causado pela hospitalização e por eventuais seqüelas emocionais decorrentes deste processo, assim como na busca pela humanização das relações travadas neste contexto, a psicologia hospitalar encontra amplas possibilidades de atuação; uma atuação coordenada, interativa e integrativa entre os diferentes profissionais envolvidos com o paciente, apresentando uma contribuição interdisciplinar, científica e metodológica de cada área do saber humano.
De acordo com Chiatone e Sebastiane (1991), no contexto hospitalar, o psicólogo deve inserir-se na equipe de saúde, redefinindo seus limites no espaço institucional. De fato, o psicólogo hospitalar diferencia-se tecnicamente do psicólogo clínico em pontos fundamentais, como as próprias possibilidades de atuação hospitalar, as quais são determinadas e limitadas por limites institucionais, caracterizados por regras, rotinas e dinâmicas de funcionamento.
O supracitado remete a uma importante reflexão acerca da prática deste profissional e à premente delimitação de uma identidade para a área. Apesar do crescimento desta nos últimos anos e do crescente número de publicações e referências a seus saberes e fazeres, em muitas instituições a psicologia hospitalar ainda é tida à margem das práticas em saúde. É justamente sobre este objetivo, ou seja, delimitar a identidade da psicologia hospitalar dentro da instituição, que o presente artigo se insere. Propõe-se, neste breve esboço, um projeto de implantação do ‘serviço de psicologia’ e de sistematização de seus procedimentos. A estas autoras, torna-se fundamental delimitar procedimentos de atendimento e instrumentalizar o profissional atuante na área; somente assim poder-se-á delimitar sua prática e suas contribuições no contexto hospitalar, independentemente de sua orientação teórica, contribuindo para uma melhor inserção da psicologia neste contexto e para a construção de sua identidade, já tão bem delineada (ao menos) na bibliografia da área (e.g., Chiatone & Sebastiane, 1991; Campos, 1995; Angerami-Camon, 2001; Alamy, 2003; Baptista & Dias, 2003).
Pinto (2004) endossa a discussão acerca da necessidade da implementação e da padronização de procedimentos de atendimento psicológico, visando à melhoria do serviço prestado. Em seu artigo, o autor apresenta um roteiro de exame psicológico, o qual intenta levantar informações relevantes, considerando, sobretudo, os aspectos cognitivo e afetivo do paciente. Além, o artigo estimula a reflexão acerca da práxis do psicólogo hospitalar e da construção de sua identidade enquanto profissional (Pinto, 2004).
Sumariando, e em acordo com Pinto (2004), este breve artigo pretende ser um aporte teórico-prático (na verdade mais prático do que teórico) à delimitação do fazer (e do como fazer) psicológico no hospital geral.
Apresentação do Projeto: Proposta para implantação do ‘Serviço de psicologia’ no hospital geral
Além do anteriormente mencionado, a implementação e a padronização dos atendimentos psicológicos no contexto hospitalar, mais do que favorecer a integração multidisciplinar e prover dados pertinentes que auxiliem a equipe no trato com o paciente, leva a uma melhoria contínua no atendimento prestado a este, sendo também relevante e profícuo à instituição na elaboração das estatísticas atinentes a procedimentos e demandas. É sob este argumento que a presente proposta é apresentada. Tal projeto se subdivide em duas principais linhas de atuação: o desenvolvimento de procedimentos e o desenvolvimento de instrumentos.
Desenvolvimento de Procedimentos
Sob este tópico, pode-se empreender três distintas etapas:
1) – Etapa 1 - Triagem Psicológica Hospitalar: Caracteriza-se pela visita a todos os leitos. Nesta primeira etapa, realiza-se uma breve avaliação e a triagem de pacientes com eventuais transtornos mentais, de comportamento ou ajustamento. As autoras sugerem, nesta primeira etapa do procedimento, uma avaliação objetiva e exploratória, porém não exaustiva. Para tanto, apresentam como modelo o ‘Protocolo 1 – Triagem Psicológica Hospitalar’, o qual será abordado subsequentemente e pode ser consultado anexo a este artigo.
2) - Etapa 2 - Avaliação Psicológica Hospitalar: caracteriza-se por uma ampliação e maior especificação da etapa de triagem, apresentada anteriormente. Nesta segunda etapa do procedimento serão avaliados mais pormenorizadamente os pacientes que apresentaram tal necessidade na etapa de triagem. Para tal avaliação, estas autoras sugerem o uso de um novo protocolo ou roteiro de exame psicológico (‘Protocolo 2 – Avaliação Psicológica Hospitalar’), o qual é também abordado subsequentemente e pode ser consultado ao final deste artigo. Cabe relevar que o uso do protocolo aqui sugerido não dispensa o uso de instrumentos validados e padronizados de avaliação psicológica.
3) - Etapa 3 - Acompanhamento Psicológico Hospitalar: Após avaliação e sendo identificada a necessidade de acompanhamento/atendimento, o paciente recebe atenção sistemática e focal, caracterizado por visitas regulares da equipe de psicologia hospitalar. É importante considerar que os dados levantados nas etapas anteriores (etapas 1 e 2) são de substancial importância ao delineamento de intervenções focais e objetivas nesta terceira etapa do procedimento proposto. Visando a padronização dos registros de atendimento/acompanhamento psicológico, as autoras sugerem um terceiro protocolo de atendimento (Protocolo 3 – Acompanhamento Psicológico Hospitalar), também apresentando a seguir e anexo ao término deste artigo.
Desenvolvimento de Instrumentos
Sob a designação ‘desenvolvimento de instrumentos’ refere-se ao desenvolvimento e constante aperfeiçoamento de protocolos de avaliação e atendimento. Tais protocolos, aqui sugeridos em conformidade com os procedimentos propostos anteriormente, são de preenchimento objetivo (Protocolos 1 e 2) e podem, à característica de cada instituição, ser anexados ao próprio prontuário do paciente ou em arquivos do ‘Serviço de Psicologia’, relevando que, neste segundo caso, a equipe de saúde pode ter total acesso a ele. De modo geral, os instrumentos, referindo-se aqui especificamente aos protocolos 1 e 2, caracterizam-se por um roteiro de exame psicológico, abordando funções psicológicas básicas, tais como cognição (atenção, percepção, memória, consciência, pensamento), emoção (estados afetivos) e relacionamentos interpessoais (rede de reforço psicossocial, relacionamento familiar e com a equipe de saúde), contemplando também dados pertinentes ao quadro clínico e ao processo de hospitalização. Informações sigilosas, que eventualmente os pacientes possam vir a relatar, não são registradas nos protocolos sugeridos, de modo a respeitar o sigilo e manter uma postura ética frente às demandas do paciente. O protocolo 3, por sua vez, pretende apenas servir como instrumento orientador à padronização dos registros de atendimento.
Cabe relevar que não se pretende com tal proposta a sistematização dos atendimentos efetuados. Mas sim, orientar a atuação de estagiários e profissionais a partir de procedimentos padronizados, cujos resultados poderão subsidiar uma proposta de intervenção. A implantação dos instrumentos sugeridos permitiria, ainda:
1) - a identificação da demanda atendida pelo serviço de psicologia, bem como dos procedimentos adotados pelos profissionais frente a estas;
2) – a avaliação dos atendimentos prestados, sua pertinência e eficácia, possibilitando uma auto-avaliação do serviço de psicologia e uma devolutiva à instituição, acerca dos atendimentos oferecidos;
3) – gerenciamento de dados e elaboração de estatísticas quanto aos procedimentos e demandas do ‘Serviço de Psicologia’.
Quatro modelos de protocolos ou roteiros de exame psicológico são apresentados anexos a este artigo. Tais modelos foram fundamentados em informações extraídas principalmente de Botega e Dalgalarrondo (2002); Botega e Smaia (2002); Damasceno (2002) e Pinto (2004), e, além, pautados na experiência profissional da segunda autora deste artigo.
O primeiro protocolo (Protocolo 1 – Triagem Psicológica Hospitalar) caracteriza um instrumento de triagem, mais sucinto e objetivo (a ser utilizado na Etapa 1, anteriormente proposta). O segundo instrumento (Protocolo 2 – Avaliação Psicológica Hospitalar) refere-se a um protocolo de avaliação psicológica hospitalar (a ser utilizado na Etapa 2) e, em síntese, amplia e possibilita dados mais pormenorizados em relação ao primeiro instrumento. O terceiro protocolo (Protocolo 3 – Acompanhamento Psicológico Hospitalar) intenta somente contribuir na padronização dos registros de atendimento/acompanhamento (a ser utilizado na Etapa 3). Cabe ressaltar, no entanto, que tais instrumentos podem (de fato, devem) ser constantemente aperfeiçoados sendo, inclusive, consideradas para sua implementação as especificidades de cada localidade e instituição. Por fim, o último protocolo apresentado em anexo caracteriza uma versão resumida do até aqui exposto. Este foi desenvolvido de modo a orientar triagem e registros de atendimentos em instituições com alta rotatividade de leitos e nas quais o serviço de psicologia ainda é incipiente ou não conta com equipe suficiente para implantação do procedimento, tal como aqui proposto, estruturado em três etapas (e com uso dos protocolos 1, 2 e 3, respectivamente).
Considerações Finais
Procurou-se, neste breve espaço, apresentar uma proposta para implantação do ‘serviço de psicologia’ no hospital geral, através do desenvolvimento de procedimentos de atuação (estruturados em 3 etapas), e do desenvolvimento de instrumentos de avaliação (Protocolos 1 e 2) e acompanhamento (Protocolo 3), os quais orientem a coleta e levantamento de dados e informações pertinentes a uma adequada conduta interventiva, permitindo também o registro padronizado destas, e possam, assim, instrumentalizar o profissional atuante na área. No mais, espera-se com a implantação desta proposta delinear a identidade do ‘Serviço de Psicologia’ dentro da instituição hospitalar e, desta forma, respaldar a atuação profissional, incentivando a atuação multidisciplinar e promovendo maior qualidade na prestação de serviços ao paciente.
Tal proposta foi submetida e será implantada, durante os próximos meses, em hospitais públicos e particulares do interior do estado de São Paulo. Os resultados do processo de implantação do referido projeto nestas instituições será, posteriormente, redigido e publicado em forma de artigos, de modo a compartilhar tais experiências.
Trabalhos contemplando os resultados de estudos piloto a partir desta proposta, bem como diretrizes e orientações para a utilização dos protocolos e subseqüente tomada de decisão com base nestes, serão também submetidos, a posteriori, a publicação nesta revista.
À guisa de finalização destas considerações, acredita-se que esta proposta de trabalho cumpra com o objetivo supracitado, ou seja, contribua não só à atuação prática, mas também à delimitação da identidade da psicologia hospitalar, atendendo também a uma característica precípua ao atendimento neste contexto: uma intervenção focal, objetiva e, sobretudo, resolutiva.
Referências
Alamy, S. (2003). Ensaios de Psicologia hospitalar – a ausculta da alma. Belo Horizonte: Edição independente.
Angerami-Camon, V. (2001). Psicologia Hospitalar: Teoria e Prática. São Paulo, SP: Pioneira. [ Links ]
Baptista, M.N., & Dias, R.R. (2003). Psicologia Hospitalar: Teoria, aplicações e casos clínicos. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan. [ Links ]
Botega, N.J., & Dalgalarrondo, P. (2002). Avaliação do paciente. In N.J. Botega (Org.), Prática Psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência (pp.145-166). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Botega, N.J., & Smaia, S.I. (2002). Morbidade psiquiátrica no hospital geral. In N.J. Botega (Org.), Prática Psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência (pp.31-42). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Campos, T.C.P. (1995). Psicologia Hospitalar: a atuação do psicólogo em hospitais. São Paulo: E. P. U. [ Links ]
Chiatone, H. B. C., Sebastiane, R. W. (1991). Introdução em Psicologia Hospitalar. Nêmeton: Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Saúde. Série: Cadernos de Psicologia Hospitalar. [ Links ]
Damasceno, B.P. (2002). Avaliação neurológica básica nas síndromes psicoorgânicas. In N.J. Botega (Org.), Prática Psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência (pp.167-175). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Pinto, F.E.M. (2004). Psicologia Hospitalar: breves incursões temáticas para uma (melhor) prática profissional. Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, 7(2), 1-12. [ Links ]
Endereço para correspondência Natália Martins Dias R. José Gomes, 3 – Moenda – Cx. Postal 45 13250-000 Itatiba-SP E-mail: natalia_mdias@yahoo.com.br Maria Eugênia Scatena Radomile Universidade São Francisco R. Alexandre Rodrigues Barbosa, 45 13251-900 Itatiba-SP E-mail: radomile@terra.com.br
* Discente do curso de Psicologia. Bolsista do Programa de Iniciação Científica Pibic-CNPq ** Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia. Docente do curso de Psicologia e Supervisora de estágio em Psicologia Hospitalar Universidade São Francisco