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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.23 no.1 São Paulo jan./jun. 2020
ARTIGOS
Síndrome de Burnout nos profissionais de saúde: atualização sobre definições, fatores de risco e estratégias de prevenção
Burnout syndrome in healthcare professionals: update on definitions, risk factors and preventive measures
Patrícia PerniciottiI; Carlos Vicente Serrano JúniorII; Regina Vidigal GuaritaIII; Rosana Junqueira MoralesIV; Bellkiss Wilma RomanoV
IFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) - São Paulo/SP - E-mail: patricia.perniciotti@hotmail.com
IIInstituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor - HCFMUSP) - São Paulo/SP - E-mail: cvserranojr@gmail.com
IIIAssociação Arte Despertar - São Paulo/SP -E-mail: regina@artedespertar.org.br
IVAssociação Arte Despertar - São Paulo/SP - E-mail: diretoriaexecutiva@artedespertar.org.br
VServiço de Psicologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor - HCFMUSP) - São Paulo/SP - E-mail: bell.romano@gmail.com
RESUMO
A síndrome de Burnout (SB) é uma resposta prolongada a estressores interpessoais crônicos no trabalho, caracterizada por três dimensões interdependentes: exaustão emocional, despersonalização e redução do sentimento de realização pessoal. Há uma propensão dos profissionais de saúde em desenvolvê-la, sendo frequentemente identificada em médicos de diferentes especialidades (25 a 60%), médicos residentes (7 a 76%) e enfermeiros (10 a 70%). O presente artigo revisa as principais definições, sintomas e critérios diagnósticos da SB, expondo as divergências existentes na literatura. Revisa as consequências e fatores de risco da SB nos profissionais de saúde que atuam em hospitais, descrevendo o papel do ambiente hospitalar e das Unidades de Terapia Intensiva no desencadeamento da síndrome e destacando a autoestima como um dos principais fatores individuais envolvidos. Por fim, discute as potenciais intervenções para prevenir a SB.
Palavras-chave: síndrome de burnout; profissionais de saúde; hospital; autoestima; prevenção
ABSTRACT
The burnout syndrome (BOS) is a response to chronic stressors at work, characterized by three interdependent dimensions: emotional exhaustion, depersonalization, and reduction of the feeling of personal accomplishment. There is a tendency of health professionals to develop the syndrome, being frequently identified in physicians of different specialties(25 to 67%), resident physicians (7 to 76%) and nurses (10 to 70%). This article reviews the main definition, symptoms, and diagnostic criteria of BOS, exposing the divergences in the literature. It reviews the consequences and risk factors of BOS in health professionals working in hospitals, describing the role of the hospital setting and Intensive Care Units in the onset of the syndrome and highlighting self-esteem as one of the main individual factors involved. Finally, it discusses potential interventions to prevent BOS.
Keywords: burnout syndrome; health professionals; hospital; self-esteem; prevention
Introdução
Os potenciais efeitos do estresse ocupacional sobre o bem-estar físico e emocional dos profissionais tem sido objeto de estudo de pesquisas científicas nos últimos anos, por se tratar de um importante problema de saúde. O estresse ocupacional é decorrente da percepção do trabalhador de que o ambiente laboral é ameaçador à sua saúde física e/ou mental, por acreditar que esse ambiente possui demandas excessivas ou por ele próprio não possuir recursos suficientes para enfrentá-las (França & Rodrigues, 1997). Um dos possíveis efeitos da exposição crônica ao estresse ocupacional é o desencadeamento da síndrome de Burnout (SB) ou esgotamento profissional, fenômeno que afeta profissionais que possuem intenso contato com os usuários de seus serviços, como os profissionais da saúde, da educação, policiais, assistentes sociais, entre outros (Ministério da Saúde do Brasil & Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil, 2001).
A propensão dos profissionais de saúde à SB é bem documentada, principalmente os que trabalham em ambientes complexos e intensos como os hospitais, sendo frequentemente identificada em médicos de diferentes especialidades (25 a 67%) (Bartholomew et al., 2018; Rotenstein et al., 2018), médicos residentes (7 a 76%) (Erschens et al., 2019; IsHak et al., 2009; Low et al., 2019; Rodrigues et al., 2018; Shanafelt, Bradley, Wipf & Back, 2002) e enfermeiros (10 a 70%) (Bridgeman, Bridgeman & Barone, 2018; Woo, Ho, Tang, & Tam, 2020; Chemali et.al., 2019; Koinis et al., 2015; Moss, Good, Gozal, Kleinpell & Sessler, 2016).
A SB afeta a saúde física e emocional dos profissionais trazendo conseqüências preocupantes em níveis individuais e organizacionais (Moss et al., 2016) tornando evidente a necessidade de prevenir sua sintomatologia (Carlotto & Câmara, 2008). As estratégias de prevenção para a SB incluem realização de intervenções individuais e organizacionais ou, idealmente, a combinação de ambas (Melo & Carlotto, 2017; Moss et al., 2016).
Apesar de a SB ser um tema amplamente estudado desde sua primeira descrição, a produção científica mundial sobre a mesma é permeada por divergências teóricas quanto à sua definição e critérios diagnósticos. O presente artigo revisa as principais definições, sintomas e critérios diagnósticos, expondo as divergências existentes na literatura. Revisa as consequências e fatores de risco da SB nos profissionais de saúde que atuam em hospitais, destacando os fatores ambientais específicos das Unidades de Terapia Intensiva e o papel da autoestima como um dos principais fatores individuais envolvidos. Por fim, ressalta a importância de medidas que diminuam os níveis de estresse ocupacional, discutindo as potenciais intervenções para prevenir a SB.
Definições e Sintomas da Síndrome de Burnout
A síndrome de Burnout (SB) foi descrita pela primeira vez pelo psiquiatra Herbert Freudenberger em 1974 (Freudenberger, 1974) e atualmente está inserida na Classificação Internacional de Doenças CID-11sob o código QD85 (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2019). Christina Maslach (1976) propôs um modelo teórico para caracterizar a SB, definindo-a como uma resposta prolongada a estressores interpessoais crônicos no trabalho que se apresenta em três dimensões interdependentes: exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal (Maslach, Schaufeli & Leiter, 2001).
A exaustão emocional é caracterizada pelos sentimentos de estar sobrecarregado e exaurido de seus recursos físicos e emocionais, levando ao esgotamento de energia para investir nas situações que se apresentam no trabalho (Maslach et al., 2001). Esta dimensão é considerada qualidade central e manifestação mais óbvia da síndrome, estando associada a sentimentos de frustração diante da percepção dos profissionais de que não possuem condições de depreender energia para atender os pacientes como faziam anteriormente (Maslach & Leiter, 2008; Carlotto & Câmara, 2008).
Na medida em que a exaustão emocional se agrava, a despersonalização ou cinismo pode ocorrer, os quais são caracterizados por uma postura distante ou indiferente do indivíduo em relação ao trabalho, aos colegas e aos pacientes (Maslach et al., 2001). A despersonalização é considerada uma resposta à exaustão emocional, constituindo-se como estratégia de enfrentamento do indivíduo diante do estresse crônico (Maslach et al., 2001; Maslach & Leiter, 2008). A perda gradual de empatia e indiferença em relação ao trabalho culmina na insensibilidade afetiva e afastamento excessivo do público que deveria receber seus serviços (Carlotto & Câmara, 2008), comprometendo a habilidade dos profissionais de saúde de prover cuidado de qualidade para seus pacientes. De acordo com Moss et al.(2016), essa dimensão também pode ser expressa por comentários não profissionais dirigidos a colegas de trabalho, pela culpabilização de pacientes por seus problemas ou pela incapacidade de expressar empatia/pesar quando um paciente morre.
Por fim, a dimensão de redução da realização pessoal é referente à tendência do sujeito de avaliar-se negativamente em relação às suas competências e produtividade no trabalho, o que pode acarretar na diminuição da autoestima (Bridgeman et al., 2018; Moss et al., 2016; Maslach & Jackson, 1981; Maslach et al., 2001). Nesta dimensão o indivíduo vivencia um declínio no sentimento de competência e êxito, bem como de sua capacidade de interagir com os outros (Carlotto & Câmera, 2008).
A literatura aponta que o surgimento destes sintomas ocorre gradualmente e que a SB resulta da discrepância entre as expectativas e idealizações do indivíduo e a realidade da prática profissional (Schaufeli & Bunnk, 2003). Sua etiologia, portanto, é multifatorial e pressupõe uma combinação de aspectos individuais associados às condições e relações no trabalho (Maslach & Jackson, 1981; Maslach et al., 2001; Benevides-Pereira, 2002). Concomitantemente podem ser identificados sintomas como falta de atenção, alterações de memória, lentificação do pensamento, sentimentos de alienação, solidão e impaciência, além de sintomas físicos como insônia, fadiga constante, tensão muscular, dores de cabeça e problemas gastrointestinais (Maslach et al., 2001; Benevides-Pereira, 2002).
Divergências Teóricas Sobre a Síndrome de Burnout e Atualizações
A definição de Maslach (1976) sobre a SB, a qual foi descrita anteriormente, se consolidou ao longo do tempo como o modelo teórico de maior impacto mundial e aceitação científica. Tal fato, inclusive, propiciou também a consolidação mundial do Maslach Burnout Inventory (MBI) como o principal para avaliar a incidência da síndrome nos profissionais (Bridgeman et al., 2018; Carlotto & Câmara, 2007; Silveira et al., 2016; Gil-monte & Peiró, 2000; Moss et al., 2016; O'Connor, Neff & Pitman, 2018). Mesmo sendo evidente a disseminação deste conceito para caracterizar a SB, não há consenso na literatura quanto à sua definição e critérios diagnósticos.
Dentre os referenciais teóricos que divergem da concepção proposta por Maslach, encontra-se o modelo de Kristensen, Borritz, Villadsen e Christensen (2005) que caracteriza a SB pela presença de fadiga e exaustão emocional. Os autores entendem a redução de realização pessoal como uma consequência e a despersonalização como uma das possíveis estratégias de enfrentamento para lidar com o estresse crônico, não as considerando, portanto,características definidoras da síndrome. Para avaliar a prevalência da síndrome sob esta perspectiva os autores criaram o Copenhagen Burnout Inventory (CBI).
Outros autores defendem o conceito bidimensional da SB, definindo-a apenas pela presença das dimensões exaustão emocional e despersonalização. De acordo com esta perspectiva a redução de realização pessoal é uma variável independente que ocorre paralelamente à exaustão emocional (Kalliath, O'Driscoll, Gillespie, & Bluedorn, 2000).
Gil-Monte (2005), por sua vez, propõe um modelo teórico da SB constituído por quatro dimensões: (1) Ilusão pelo Trabalho; (2) Desgaste Psíquico; (3) Indolência e (4) Culpa. A primeira dimensão refere-se ao desejo do indivíduo de atingir metas relacionadas ao trabalho, sendo estas percebidas como atraentes e fonte de satisfação pessoal. A segunda e a terceira correspondem às dimensões Exaustão Emocional e Despersonalização descritas por Maslach, respectivamente. Por fim, a quarta dimensão refere-se ao sentimento de culpa do indivíduo por atitudes e comportamentos que não são condizentes com as normas internas e cobrança social acerca de seu papel profissional (Gil-Monte, 2005). Para rastrear os sintomas da SB de acordo com esta definição o autor criou o instrumento Cuestionario para La Evaluación del Síndrome de Quemarse por El Trabajo (CESQT).
Em 2019, a síndrome foi codificada na Classificação Internacional de Doenças CID-11 (código QD85), na categoria "problemas associados" ao emprego ou ao desemprego (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2019). Nesta recente edição, a SB é definida como um fenômeno ligado ao trabalho que afeta a saúde do profissional, resultante de um estresse crônico no ambiente laboral que não foi administrado com êxito. Em comparação à edição anterior, a principal mudança trazida pelo CID-11 refere-se à caracterização da síndrome por três elementos: sensação de esgotamento; cinismo ou sentimentos negativos relacionados a seu trabalho; e eficácia profissional reduzida (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2019). A descrição corresponde à concepção tridimencional da SB proposta por Maslach (1976), reafirmando a consistência e coesão deste modelo teórico.
As diferentes concepções da SB (Tabela 1) evidenciam a falta de consenso na literatura quanto às dimensões que constituem ou não sua sintomatologia. Tal fato explica a grande variedade estatística, de resultados e de instrumentos que pode ser identificada nos estudos sobre o tema (Bartholomew et al., 2018; Rotenstein et al., 2018; Santos, Sobrinho & Barbosa, 2017). O estudo de Rotenstein et al.(2018) identificou ao menos 58 maneiras únicas de classificar indivíduos como vivenciando a SB. Esta heterogeneidade de critérios também é identificada nos estudos que utilizam o mesmo instrumento (Rotenstein et al., 2018; Santos et al., 2017), o que ressalta outra importante divergência:utilização de diferentes critérios diagnósticos para avaliar a incidência da síndrome nos profissionais de saúde. Conforme exposto anteriormente, a prevalência da SB é majoritariamente avaliada através do instrumento Maslach Burnout Inventory (MBI) (Bridgeman et al., 2018; Carlotto & Câmara, 2007; Silveira et al., 2016; Gil-monte & Peiró, 2000; Medeiros-Costa et al., 2017; Moss et al., 2016; O'Connor et al., 2018). A versão MBI- Human Services Survey (MBI-HSS) é utilizada para rastrear os sintomas da SB em profissionais de saúde. Apesar da notável homogeneidade quanto à escolha do instrumento, os pesquisadores que o utilizam adotam diferentes critérios diagnósticos devido à: (1) divergências na interpretação do MBI-HSS e (2) variações na escala de frequência (Santos, Sobrinho & Barbosa, 2017) e pontos de corte do instrumento (Bartholomew et al., 2018; Rotenstein et al., 2018; Santos et al., 2017).
1) Divergências na interpretação do MBI - HSS
O manual indica a análise de cada dimensão da SB separadamente, pressupondo seu diagnóstico a partir de pontuações altas na dimensão Exaustão Emocional (EE) e Despersonalização (DP) associada a baixos valores em Realização Pessoal (RP), a qual representa uma subscala inversa (Maslach & Jackson, 1996).
Ramirez et al. (1995) afirma que é preciso a presença das três dimensões em nível grave para o diagnóstico da SB, enquanto Grunfeld et al. (2000) aceita a presença de uma dimensão em nível grave, independente de qual seja. O estudo realizado por Tucunduva et al.(2006) demonstra a disparidade que pode ser identificada nos resultados a depender do critério utilizado, encontrando prevalência da SB de 52,3% utilizando o critério de Grunfeld et al. (2000) e de 3% utilizando o critério de Ramirez et al. (1995).Outros autores ainda afirmam que níveis graves de exaustão emocional ou de despersonalização, mas não a baixa realização pessoal, podem diferenciar indivíduos com a síndrome daqueles que não a apresentam (Schaufeli, Bakker, Hoogduin, Schaap, & Kladler, 2001).
2) Variações na escala de frequência e pontos de corte do MBI-HSS
Estudos realizados em outros países, que não os EUA, podem utilizar escalas Likert de frequência que diferem da versão original do MBI-HSS(Santos et al., 2017). A variação é atribuída à necessidade de adaptação do instrumento para outros idiomas e culturas, o qual foi desenvolvido para a população norte-americana. Tamayo (1997), por exemplo, verificou que a população brasileira apresentava dificuldades em compreender a especificidade da escala de frequência original (0-6), adaptando-a para uma escala que varia de 0-5. Identificamos estudos nacionais que utilizam a escala de freqüência proposta por Tamayo (Lopes & Nihei, 2020; Lorenz, Sabino & Corrêa Filho, 2018; Rocha, Cortes,Dias, Fernandes, & Gontijo, 2019; Dutra et al., 2018), enquanto outros utilizam a freqüência original do instrumento (Baldonedo-Mosteiro et al., 2019; Cavalcanti, Lima, Souza, & Silva, 2018). A diversificação nas escalas Likert afeta a pontuação das respostas e consequentemente, os resultados.
Outro fator divergente referente aos critérios diagnósticos da SB é a variação nos pontos de corte que classificam as dimensões exaustão emocional (EE), despersonalização (DP) e realização pessoal (RP) em nível alto, médio ou baixo (Moss et al., 2016; Rotenstein et al., 2018; Santos et al., 2017). Quando aplicado em norte-americanos no seu idioma original, o MBI-HSS apresenta excelentes índices de consistência interna para todas as dimensões avaliadas, enquanto estudos realizados em outros países encontram valores consistentes, porém menores, nas dimensões despersonalização e realização pessoal (Carlotto & Câmara, 2007; Gil-monte & Peiró, 2000; Loera, Converso, & Viotti, 2014).A razão envolve a influência de diferenças socioculturais, como o fato de a população norte-americana ser maior orientada ao individualismo e realização de conquistas (Gil-Monte & Peiró, 2000).Dessa forma, a literatura recomenda o desenvolvimento de pontos de corte específicos para cada país a fim de evitar distorções nos resultados (Schaufeli & Van Dierendonck, 1995; Gil-Monte & Peiró, 2000). No Brasil, o grupo de Estudos e Pesquisas sobre Estresse e Burnout (GEPEB) estabelece valores para a população brasileira, porém, outros valores podem ser identificados (Tucunduva et al.,2006; Silva, Loureiro, & Peres, 2008) indicando que não há padronização dos pontos de corte em pesquisas nacionais.
As Principais Consequências da Síndrome de Burnout nos Profissionais de Saúde
As consequências da SB nos profissionais de saúde são graves (Tabela 2), na medida em que níveis moderados e altos da SB estão associados a: 1) distúrbios individuais, tais como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), abuso de álcool (Moss et al., 2016), queixas psicossomáticas, uso de drogas, depressão e ideação suicida (Dyrbye et al., 2008; Lacovides, Fountoulakis, Kaprinis & Kaprinis, 2003; Lazarescu et al., 2018); 2) mudanças comportamentais referentes à insatisfação no trabalho, falta de comprometimento organizacional e intenção de abandonar o trabalho (Maslach & Leiter, 2008; Moss et al., 2016); e 3) problemas no trabalho, como absenteísmo (Maslach & Leiter, 2008; Carlotto & Câmara, 2008), piores resultados nas medidas de segurança ao paciente e erros na prática profissional (Moss et al., 2016).
As consequências da SB culminam na diminuição da qualidade de vida dos profissionais de saúde e da eficácia no trabalho, impactando negativamente o atendimento ao paciente (Carlotto & Câmara, 2008; Lacovides et al., 2003; Moss et al., 2016). A ocorrência de erros na prática profissional também causa prejuízos para o próprio profissional, na medida em que se relaciona à perda de confiança, dificuldades para dormir, redução da satisfação no trabalho, aumento dos níveis de estresse ocupacional e dano à imagem profissional (Waterman et al.,2007).
Além disso, o abandono da prática profissional aumenta a rotatividade de profissionais nos hospitais, acarretando altos custos organizacionais para a substituição dos funcionários (Moss et al., 2016).Não identificamos estudos nacionais que apontem os gastos organizacionais atribuídos à SB nos profissionais de saúde. Estudo realizado no Canadá estima que o "custo total da SB" ultrapassa o valor de 200 milhões devido aos gastos com aposentadoria precoce e diminuição de horas trabalhadas da categoria médica (Dewa, Jacobs, Thanh, & Loong, 2014). Outro estudo realizado nos Estados Unidos aponta que 28% dos médicos avaliados com SB demonstraram intenção de abandonar o trabalho e após dois anos 13% efetivamente o fez, acarretando custos que variam entre 15 e 55 milhões de dólares (Hamidi et al, 2018).
Fatores de Risco da Síndrome de Burnout nos Profissionais de Saúde
É consenso na literatura que o surgimento da SB resulta de um longo período de exposição ao estresse ocupacional e que sua etiologia envolve diversos fatores contribuintes (Maslach & Leiter, 2008). Por essa razão, para compreender a propensão dos profissionais de saúde a essa doença, especificamente dos que atuam em hospitais, serão ressaltadas as variáveis consideradas fatores de risco para essa população e que neste estudo foram agrupadas em: 1) fatores ambientais do contexto hospitalar; 2) fatores ambientais das Unidades de Terapia Intensiva; 3) fatores sociais do contexto hospitalar e 4) fatores individuais do sujeito, destacando o papel da autoestima (Figura 1).
Fatores Ambientais do Contexto Hospitalar
A maioria das pesquisas que estudam a prevalência da SB nos profissionais de saúde refere-se àqueles que atuam no contexto hospitalar (Rodrigues, Santos & Sousa, 2017) devido às especificidades dessas instituições que favorecem o desencadeamento de altos níveis de estresse ocupacional. Os hospitais fornecem serviços de saúde especializados atendendo a demandas de média complexidade (hospitais secundários) e alta complexidade (hospitais terciários) nos níveis da promoção, prevenção e recuperação da saúde. E para compreender a potencialidade estressora deste ambiente, é importante considerá-lo como um sistema social dinâmico composto por uma diversidade de fatores (sociais e ambientais) que se inter-relacionam e constituem uma totalidade. De acordo com Svaldi & Siqueira (2010), os fatores sociais que compõem o ambiente hospitalar envolvem as equipes multiprofissionais, o conhecimento, a informação e a comunicação, ou seja, como os membros da equipe interagem entre si e com os usuários de seus serviços. Já os fatores ambientais referem-se à estrutura física do hospital, à presença de recursos humanos e materiais (número de profissionais, equipamentos hospitalares, informática) e como são desenvolvidos os fluxogramas de processos de trabalho (carga horária, funções a serem desempenhadas, estrutura organizacional, metodologias utilizadas).
Os fatores ambientais do contexto hospitalar favoráveis a SB referem-se à: 1) alta exposição do profissional a riscos químicos e físicos; 2) problemas administrativos devido à forma como se dão os processos de trabalho nos hospitais, que por vezes envolve a falta de autonomia, de controle e participação nas decisões (Benevides-Pereira, 2002); 3) sobrecarga quantitativa de trabalho devido às longas jornadas de trabalho, alto número de pacientes e ao número insuficiente de profissionais e/ou de recursos (Benevides-Pereira, 2002; Rosa & Carlotto, 2005; C.C.F.M Rodrigues et al., 2017) e 3) sobrecarga qualitativa de trabalho relacionada ao caráter estressante das responsabilidades dos profissionais de saúde(Rosa & Carlotto, 2005). Ao analisar os fatores mencionados, é importante considerar que a sobrecarga quantitativa de trabalho pode variar dependendo da instituição hospitalar, já que a assistência à saúde pode ser realizada por instituições hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), particulares e ou conveniados, cada qual com sua cultura organizacional e especificidades. Se considerarmos os hospitais universitários, por exemplo, acrescenta-se o fato de também atuarem com ensino e pesquisa, contribuindo para a sobrecarga quantitativa de trabalho (Svaldi & Siqueira, 2010). No mesmo sentido deve-se considerar que os profissionais de saúde atuantes em hospitais públicos podem sofrer mais com a falta de recursos e condições adequadas para o atendimento, como medicamentos e materiais básicos, quando comparados aos que trabalham no âmbito privado (Souza & Scatena, 2014).
Em relação à sobrecarga qualitativa de trabalho, esta se refere ao momento em que a responsabilidade é percebida pelo sujeito como excessiva, por demandar demasiadamente de seus recursos cognitivos e emocionais. De forma geral, as responsabilidades dos profissionais de saúde são consideradas fontes de estresse ocupacional, na medida em que estes são responsáveis por vidas humanas e suas ações causam impacto significativo na vida de pacientes e familiares (Koiniset al., 2015). Segundo Borges, Argolo, Pereira, Machado e Silva (2002) a relação paciente-profissional de saúde costuma ser permeada de ambiguidades, a partir da tênue distinção entre envolver-se profissional e não pessoalmente na ajuda ao outro.Entretanto, o estresse advindo da sobrecarga qualitativa pode ser potencializado no âmbito hospitalar por estas instituições atenderem a demandas de maior complexidade e oferecerem serviços de saúde em regime de internação. Tais condições implicam em uma interação contínua e intensa com pacientes e familiares, bem como maior exposição dos profissionais a situações emocionalmente intensas, como conflitos envolvendo a finitude humana e limitações terapêuticas.
É importante ressaltar que a sobrecarga quantitativa e qualitativa de trabalho apenas se configura como fator de risco para a SB, favorecendo a exaustão emocional, quando existe pouco tempo para o indivíduo se recuperar de um evento estressante no trabalho. Segundo Maslach (2008), quando a sobrecarga laboral é uma condição crônica de trabalho e não uma emergência ocasional há pouca oportunidade para descansar, recuperar e restaurar o equilíbrio. Este é o cenário frequentemente encontrado nos hospitais e, frente a tais condições laborais, pode haver o esgotamento da capacidade do profissional para atender às demandas do trabalho.
Apesar dos fatores ambientais mencionados abrangerem os hospitais de forma geral, o impacto dos mesmos sobre a saúde física e emocional do profissional de saúde pode ser maior de acordo com a unidade hospitalar na qual o indivíduo trabalha. Sabe-se que as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e Unidades de Emergência, por exemplo, são locais complexos e intensos inerentemente associados a altos níveis de estresse ocupacional.
Fatores Ambientais Peculiares às Unidades de Terapia Intensiva
Os profissionais de saúde que atuam nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) apresentam os maiores índices da SB, sendo essa prevalência atribuída ao ambiente especialmente estressante desta unidade (Moss et al., 2016; Embriaco et al., 2007a; Tironi et al. 2016; Chuang, Tseng, Lin, Lin& Chen, 2016; Arrogante & Aparicio-Zaldivar, 2017). As UTIs são locais altamente tecnológicos destinados a tratar pacientes em estado grave com possibilidade de recuperação, através de ações diuturnas, rápidas e precisas, que frequentemente envolvem o limite entre a vida e a morte (Romano, 2017). O monitoramento duradouro, contínuo e intensivo dos pacientes, bem como a vivência de situações críticas, são elementos cotidianos que culminam em longas horas de trabalho exercidas sob elevados níveis de estresse. Considera-se, portanto, que fatores ambientais peculiares às UTIs podem favorecer a exposição crônica ao estresse ocupacional e são considerados preditores da SB, como: 1) presença constante de ruídos excessivos (Tironi et al., 2016); 2) sobrecarga quantitativa de trabalho relacionada ao número excessivo de horas trabalhadas por semana e turnos noturnos realizados por mês (Embriaco et al., 2007a);e 3) sobrecarga qualitativa de trabalho referente à alta morbidade e mortalidade dos pacientes (Moss et al., 2016), ao maior grau de dificuldade das intervenções realizadas e probabilidade de complicações, ao lidar com a angústia dos familiares e ter pouco tempo para lidar com as necessidades emocionais dos pacientes(Tironi et al., 2016) e por fim, participar frequentemente de decisões que envolvem dilemas bioéticos (Embriaco et al. 2007a; Tironi et al., 2016; Moss et al., 2016).
O valor preditor da UTI na prevalência da SB não é um tema recente, Guntupalli & Fromm (1996) já haviam identificado elevados índices de exaustão emocional e despersonalização em médicos intensivistas. Um estudo nacional revelou que 63,8% dos médicos atuantes em UTI adulto e 56,6% dos atuantes em UTI pediátrica/neonatal apresentaram altos índices em pelo menos uma dimensão da SB, sendo que a mais afetada foi a exaustão emocional (Tironi et al., 2016). Outro estudo corrobora, identificando elevados níveis de exaustão emocional em médicos intensivistas (47,5%), seguido de redução da satisfação pessoal (28,3%) e despersonalização (24,6%) (Barros et al., 2008). No que diz respeito aos profissionais de enfermagem destas unidades, aproximadamente 25 a 33% apresentam sintomas graves da SB (Moss et al., 2016; Embriaco, Papazian, Kentish-Barnes, Pochard & Azoulay, 2007b; Poncet et al., 2007) e até 86% têm pelo menos um dos três sintomas clássicos (Moss et al., 2016). Para estes profissionais, a dimensão mais predominante é a exaustão emocional (73%), seguido pela redução do sentimento de realização pessoal (60%), e despersonalização/cinismo (48%) (Mealer, Burnham, Goode, Rothbaum, & Moss, 2009). Uma pesquisa nacional encontrou dados semelhantes ao identificar elevados escores da SB em enfermeiros da UTI (55.3%), principalmente nas dimensões de exaustão emocional e despersonalização/cinismo (37.7%)(Silva et al., 2015).
As estatísticas evidenciam que a SB é frequentemente associada aos médicos e enfermeiros das UTIs, provavelmente por serem os profissionais que atuam na linha de frente dos cuidados ao paciente. Apesar de ambos serem propensos à SB, é apontado que o desenvolvimento da mesma pode surgir de diferentes fontes nos dois grupos de profissionais. Para os enfermeiros, a sobrecarga laboral qualitativa envolvendo a angústia moral em torno dos dilemas bioéticos foi identificada como um dos principais fatores de risco, incluindo cuidar de um paciente que está morrendo e participar ou testemunhar decisões de abrir mão de tratamentos de manutenção da vida (Embriaco et al., 2007b; Moss et al., 2016). Para os médicos intensivistas, a sobrecarga laboral quantitativa é destacada como principal fator, enquanto os fatores de risco comuns a ambas as profissões referem-se aos conflitos no ambiente da UTI com colegas ou com colegas interdisciplinares (Embriaco et al.,2007b; Chlan, 2013; Moss et al., 2016). Estes dados revelam que não apenas os fatores ambientais do contexto hospitalar e das UTIs são preditores da SB, mas também os fatores sociais que o compõem. Como exposto anteriormente, os fatores sociais do ambiente hospitalar envolvem a forma como os membros da equipe interagem e se relacionam.
Fatores Sociais do Contexto Hospitalar: Atuação em Equipe Multiprofissional
Os fatores sociais do contexto hospitalar favoráveis a SB referem-se a problemas na qualidade das relações no ambiente laboral (IsHak et al., 2009; Moss et al., 2016; Embriaco et al. 2007a; Tironi et al., 2016) presentes nos níveis individual, interpessoal e organizacional e que abrangem desde os conflitos entre os membros da equipe até a tensão que pode existir na interação entre os profissionais de saúde, os pacientes e os familiares. Entende-se, portanto, que além de trabalhar em um ambiente estressante como o hospitalar, os profissionais de saúde são constantemente confrontados com a interação de percepções conflitantes sobre os papéis profissionais, responsabilidades e atendimento ideal ao paciente (Bochatay, 2017).
O relacionamento da equipe multiprofissional é apontado como contínuo e intenso, e os conflitos interprofissionais quando não abordados ou mal geridos, podem levar a consequências negativas por destruir o tecido social de apoio e o sentimento de união (Bochatay, 2017). Pesquisas revelaram que os conflitos de relacionamento com colegas são percebidos pelos profissionais de saúde como prejudiciais para o funcionamento da equipe multiprofissional (Bochatay, 2017), sendo que 20,8% avaliaram a qualidade e frequência da interação com os colegas como uma interferência grave no desempenho laboral (Sessa, Kioroglo, Varallo & Bruscato, 2008).
A existência de conflitos relacionais na equipe de saúde está associada à complexidade da atuação em equipe multiprofissional, a qual pressupõe a coexistência de diversos saberes. Romano (2017) ressalta que as tensões interprofissionais estão atreladas à forma como são percebidas as atividades realizadas no hospital. Se as atividades forem consideradas complementares, exigindo um trabalho em conjunto, podem surgir atritos sobre status, responsabilidade sobre a tarefa ou controle administrativo. A ocorrência desses atritos pode ser favorecida quando o compartilhamento das responsabilidades é feito a partir de relações de hierarquia e noções de status, limitando o grau de autonomia de cada profissional dentro da instituição hospitalar (Romano, 2017). O fato dos processos de trabalho nos hospitais (fatores ambientais) serem historicamente organizados desta forma e contribuírem para o surgimento de conflitos relacionais (fatores sociais), exemplifica o que foi exposto anteriormente sobre a inter-relação dos fatores ambientais e sociais que compõem a totalidade deste ambiente. Fatores ambientais e sociais se relacionam e atuam sobre o sujeito, influenciando de forma conjunta o desencadeamento de altos níveis de estresse ocupacional e a SB nos profissionais de saúde.
Apesar de estes profissionais estarem expostos diariamente aos fatores de risco mencionados, a literatura ressalta que nem todos desenvolvem os mesmos níveis de estresse ou apresentam sinais de esgotamento profissional. Isso porque a percepção do estresse depende do significado pessoal que o sujeito atribui aos eventos e dos recursos de enfrentamento que possui para lidar com eles. Portanto, ao analisar os fatores contribuintes para o desenvolvimento da SB deve-se também considerar as características individuais do sujeito (personalidade, autoestima, recursos de enfrentamento) e os fatores demográficos (idade, sexo, escolaridade, tempo na função desempenhada) (Koinis et al., 2015). Dentre as características individuais mencionadas, destaca-se o papel da autoestima neste cenário, na medida em que profissionais com autoestima rebaixada são mais suscetíveis ao estresse ocupacional e à SB (Fothergill, Edwards, Hannigan, Burnard & Coyle, 2000; Lee, Joo & Choi, 2013; Manomenidis et al., 2017).
Fatores Individuais: Importância da Autoestima
Ao definir autoestima, é importante primeiramente diferenciá-la do constructo de autoconceito. O autoconceito possui caráter descritivo, referindo-se ao conhecimento que cada indivíduo tem de si mesmo em todas as dimensões e aspectos que o definem como pessoa (corporal, psicológico, emocional, social etc.), ou seja, as percepções cognitivas acerca da própria identidade (González-Martínez, 1999).
Já a autoestima possui caráter valorativo, referindo-se aos sentimentos do indivíduo sobre seu autoconceito. Refere-se ao apreço e estima que cada qual sente por si mesmo a partir da avaliação subjetiva (positiva ou negativa) do indivíduo sobre seu próprio valor (González-Martínez, 1999). Segundo Rosenberg (1985), autoestima é um conjunto de sentimentos do indivíduo sobre seu próprio valor, competência e adequação, expressa em uma atitude de aprovação ou desaprovação em relação a si mesmo. Estudos sobre o tema a consideram como um traço e um estado, na medida em que pode manter-se estável por determinado período (traço), mas variar ao longo da vida em resposta às diversas experiências vivenciadas em cada etapa do desenvolvimento (estado) (Trzesniewski, Donnellan, & Robins, 2003). A mensuração da autoestima tem sido mundialmente realizada por meio da Escala de Autoestima de Rosenberg - EAR, instrumento capaz de classificá-la em níveis baixo, médio e alto (Sbicigo, Bandeira, & Dell'Aglio, 2010).
A autoestima é considerada um importante indicador de saúde mental e alguns estudos a apontam como uma variável protetora para diversos sintomas, entre eles a ideação suicida, sintomatologia depressiva e a SB (Fothergill et al., 2000; Kupcewicz & Jóźwik, 2019; Lee et al., 2013; Manomenidis et al., 2017). Estudo realizado por Yeatts e seus colaboradores (2018) encontrou correlação entre autoestima e as três dimensões da SB, na medida em que os indivíduos avaliados com autoestima elevada apresentaram níveis menores de exaustão emocional e despersonalização e maiores índices de sentimento de realização pessoal. Além disso, a literatura aponta que profissionais com autoestima rebaixada se associam a maiores níveis de sofrimento psíquico, maior exaustão emocional e menor capacidade para enfrentar eventos estressantes (Fothergill et al., 2000; Lee et al., 2013) tornando-os mais vulneráveis ao esgotamento físico e emocional. Em contraste, a presença de uma autoestima satisfatória implica em melhor senso de realização pessoal (Yeatts et al., 2018), eficácia profissional, bem-estar (Wang et al., 2017) e maior capacidade para lidar com o estresse ocupacional, indicando ser um fator protetor a SB em pelo menos uma de suas dimensões.
O Que é Possível Fazer Para Prevenir a Síndrome de Burnout?
O Ministério da Saúde (2001) indica como tratamento da SB o acompanhamento psicoterápico, farmacológico e intervenções psicossociais (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2019). Contudo, intervenções individuais, organizacionais e combinadas podem ser realizadas visando sua prevenção através da diminuição do estresse ocupacional (Figura 2).
As intervenções individuais são voltadas à aprendizagem de estratégias de enfrentamento adaptativas diante de agentes estressantes. Referem-se ao treino de habilidades comportamentais e cognitivas de coping, meditação, atividade física (Moreno, Gil, Haddad, & Vannuchi, 2011), bem como às práticas de autocuidado, como garantir descanso adequado, equilíbrio entre trabalho e outras dimensões da vida e envolvimento em um hobby (Moss et al., 2016; Swensen, Strongwater & Mohta, 2018). No que diz respeito às intervenções organizacionais, estas se referem à modificação da situação em que são desenvolvidas as atividades laborais, visando melhoria da comunicação e do trabalho em equipe. Incluem a realização de treinamento com os funcionários, reestruturação de tarefas e mudança das condições físico-ambientais, como flexibilidade de horário, participação na tomada de decisão, plano de carreira e autonomia laboral (Garrosa et al., 2002; Melo & Carlotto, 2017).
Enquanto as intervenções individuais implicam na responsabilidade individual do profissional por manter sua própria saúde emocional e física, as intervenções organizacionais remetem à responsabilidade das instituições em criar um ambiente de trabalho saudável com melhores condições laborais para seus funcionários. Considerando o contexto apresentado, nota-se que ambas são necessárias para a prevenção da SB, uma vez que a mesma é desencadeada por uma combinação de fatores ambientais, sociais e individuais. Por essa razão, recomenda-se a utilização das intervenções combinadas, as quais associam dois ou mais tipos de intervenções visando modificar de forma integrada as condições de trabalho, a percepção do trabalhador e o modo de enfrentamento diante das situações estressantes (Garrosa et al., 2002; Melo & Carlotto, 2017; Murta & Tróccoli, 2007).
Outras estratégias para a prevenção da síndrome de Burnout incluem os grupos de suporte, terapia cognitiva-comportamental e programas voltados para a diminuição do estresse (Moss et al., 2016).
Conclusões
Apesar da extensa quantidade de artigos publicados sobre a SB, as divergências teóricas que permeiam a literatura impactam negativamente as pesquisas sobre o tema. A falta de consenso acerca dos critérios diagnósticos da SB dificulta a identificação de um índice geral de prevalência e comparações entre estudos, mesmo entre aqueles que utilizam o mesmo instrumento para o rastreamento dos sintomas. Para os estudos nacionais que utilizam o MBI-HSS, ressaltamos a importância de indicar claramente os critérios utilizados para classificar indivíduos como vivenciando a SB, bem como a padronização da escala de freqüência e dos pontos de corte para que os dados obtidos se tornem passíveis de generalização.
Esperamos que o presente artigo tenha contribuído para atualizar a literatura disponível sobre a SB e facilitar a compreensão das nuances que envolvem seu desencadeamento nos profissionais de saúde, alertando a importância de avaliar intervenções preventivas. Os efeitos negativos da SB no bem-estar dos profissionais de saúde e suas consequentes implicações no cuidado prestado ao paciente evidenciam a urgência de intervenções voltadas para essa população, que visem diminuir os níveis de estresse ocupacional, aumentar a autoestima, incentivar o autocuidado e construir um ambiente de trabalho saudável.
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Patrícia Perniciotti - Doutoranda em Ciências na área de cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Graduação em Psicologia pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Pós-graduação em Psicologia Clínica-Hospitalar pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor - HCFMUSP).
Carlos Vicente Serrano Júnior - Professor Associado do Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Diretor da Unidade Clínica de Aterosclerose do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor - HCFMUSP). Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). Residência Médica e Especialização em Cardiologia no Instituto do Coração (InCor - HCFMUSP). Doutorado em Ciências e Livre docência pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Regina Vidigal Guarita - Empreendedora social, fundadora e diretora-presidente da Associação Arte Despertar. Membro dos Conselhos Consultivos do Fundo Itaú Excelência Social/FIES e do Centro de Voluntariado de São Paulo/CVSP; membro do Comitê IDIS-Global Philanthropy Forum e participante da CAF Foundation School.
Rosana Junqueira Morales - Diretora executiva da Associação Arte Despertar e fundadora da consultoria Sementeira de Projetos. Graduação em Química Industrial pela Faculdade Oswaldo Cruz. Pós-graduação em Marketing pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP) e em Administração para Organizações do 3º Setor pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP).
Bellkiss Wilma Romano - Diretora do Serviço de Psicologia do Instituto do Coração (1974 - 2019). Coordenadora do Curso de Psicologia das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU (2009 - 2016). Professora em diversos cursos de pós-graduação em Psicologia pelo Brasil (Paraná, Minas Gerais, Bahia e São Paulo). Graduação, mestrado e doutorado em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Livre Docência em Psicologia Clínica pela Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).