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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.23 no.1 São Paulo jan./jun. 2020
ARTIGOS
Depressão, desesperança, ideação suicida e qualidade de vida de pacientes em tratamento hemodialítico
Depression, hopelessness, suicide ideation and quality of life of patients on hemodialysis
Mariana Vidotti GrandizoliI; Gerardo Maria de Araújo FilhoII
IFaculdade de Medicina de São José do Rio Preto- São José do Rio Preto/SP. - E-mail: mariana.vidotti@hotmail.com
IIFaculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP)- São José do Rio Preto/SP. - E-mail: gerardo.filho@famerp.br
RESUMO
Pacientes com doença renal que realizam hemodiálise vivenciam mudanças em razão do tratamento e da enfermidade que lhes acomete, podendo gerar sofrimento emocional. Buscou-se com essa pesquisa, avaliar e correlacionar depressão, desesperança e ideação suicida em relação à qualidade de vida dos pacientes em tratamento. Foi uma pesquisa transversal, observacional, descritiva e correlacional com pacientes em tratamento na Hemodiálise do Hospital de Base de São José do Rio Preto no período de junho a agosto de 2017. Aplicaram-se cinco instrumentos: Questionário sociodemográfico, Inventário Beck de Depressão, Escala Beck de Desesperança, Escala Beck de Ideação Suicida e SF-36. A idade variou de 18 a 80 anos (M= 50,69 anos; DP 14,54), 51% eram homens, 60% eram casados e com filhos (87%). Destes, 78% apresentaram sintomas mínimos de humor deprimido, e os níveis de desesperanças encontrados foram considerados mínimos (62%). O nível de ideação suicida teve como média 0, 41 e a qualidade de vida, capacidade funcional, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais e saúde mental encontraram-se acima do estabelecido pelo instrumento. Nota-se que os entrevistados apresentaram baixos níveis de depressão, desesperança e ideação suicida. A qualidade de vida foi influenciada pelos aspectos envolvidos no próprio tratamento.
Palavras-chave: depressão; ideação suicida; qualidade de vida; diálise renal
ABSTRACT
Patients with chronic kidney disease who undergo hemodialysis experience many changes due to the treatment, which can cause emotional distress and impairments in the quality of life. This cross-sectional study aimed to evaluate and correlate depressive symptoms, hopelessness and suicide ideation regarding the quality of life of 100 patients treated at the hemodialysis unit of the Base Hospital of São José do Rio Preto. Five instruments were answered: Socio-demographic questionnaire, Beck Depression Inventory, Beck Hopelessness Scale, Beck Scale for Suicide Ideation and SF-36. The mean age ranged from 18 to 80 years (M = 50.69 years, SD 14.54), 51% of patients were male, 60% were married and 87% with sons/daughters. About 78% of patients presented minimal symptoms of depressed mood, and the levels of hopelessness were considered minimal in 62%. The mean level of suicidal ideation were 0.41 and on the quality of life, functional capacity, pain, general health, vitality, social aspects and mental health of the interviewees are above that established by the instrument. Patients undergoing hemodialysis resulted in reduced indicators of hopelessness, depression and suicidal ideation. Quality of life was influenced by the aspects involved in the treatment itself.
Key-words: depression; suicide ideation; quality of life; renal dialysis
Introdução
Atualmente, tem-se observado a doença renal crônica (DRC) como um dos grandes desafios da saúde. Caracterizada como um problema de cunho social e econômico em todo o mundo em função de sua associação a variadas comorbidades e à geração de grandes gastos na saúde pública, sabe-se que a população mundial está enfrentando uma epidemia da DRC (Fassbinder, Winkelmann, Schneider, Wendland & Oliveira, 2015; Ottaviani, Betoni, Pavarini, Say, Zazzetta, & Orlandi, 2016).
Dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBF) apontam que o número total estimado de pacientes com a doença renal crônica no Brasil foi de 122.825. Este número caracteriza um aumento de 31,5 mil pacientes nos últimos 5 anos, isto é, houve um crescimento anual de 6,3% durante esse tempo (Sesso, Lopes, Thomé, Lugon, & Martins, 2017).
Considera-se que a DRC é uma patologia de início gradual, caracterizada por anomalias estruturais do rim que provocam a redução da função renal. Por causa dessa doença, o paciente torna-se dependente de uma modalidade de tratamento (Santos, Oliveira, Soares & Schwartz, 2017; Coitinho, Benetti, Ubessi, Barbosa, Kirchner, Guido & Stumm, 2015).
Com os avanços atuais da medicina, os procedimentos para o manejo da doença renal crônica substituem a função do rim, diminuem os sintomas causados e prolongam a vida dos indivíduos. Há, atualmente, três modalidades de terapias substitutivas para a doença renal: a Diálise Peritoneal, o Transplante Renal e a Hemodiálise (HD) (Gonçalves et al., 2015). No entanto, sabe-se que essas modalidades terapêuticas, apesar de se constituírem como tratamentos disponíveis para a melhoria da qualidade de vida dos envolvidos, não são curativas (Coitinho et al., 2015; Leimig, Lira, Peres, Ferreira, & Falbo, 2018).
A HD tem sido a terapêutica mais utilizada atualmente para substituir a função renal. Esse procedimento é executado em uma unidade hospitalar, em média três vezes por semana, por um tempo de três a cinco horas por sessão, a depender das necessidades de cada pessoa (Costa & Coutinho, 2014). Ela consiste num processo que filtra o sangue e equilibra o excesso de sais e líquidos, auxilia no controle da pressão arterial e ajuda no equilíbrio hídrico do corpo. Durante o procedimento, o indivíduo está propenso a variadas complicações técnicas, emergências clínicas ou até mesmo a óbito (Lira, Avelar, & Bueno, 2015).
O paciente convive então, diariamente com uma doença incurável, que o obriga a uma forma de tratamento de longa duração. Esse método provoca grandes impactos na vida dos indivíduos e os submete a situações limitantes que comprometem não só aspectos físicos e psicológicos, mas também aspectos pessoais e sociais (Roxo & Barata, 2015).
Ser dependente da máquina pode ocasionar sofrimento e angústia naquele que passa pela hemodiálise, pois, pode haver não somente a dor física ocasionada pelos procedimentos realizados, mas, também pode haver a dor emocional resultante da perda de sua independência (Santos et al., 2017).
A DRC juntamente com a HD, provoca grandes alterações no modo de viver dos pacientes, influenciando na capacidade funcional, na vida laboral, na alimentação e na ingestão de líquidos, no bem estar e na interação social e conjugal dos indivíduos que realizam esse tipo de terapêutica (Coitinho et al., 2015). Com todas essas limitações, os pacientes podem ter um sofrimento psíquico (Almeida & Palmeira, 2018). Estudos apontam que pacientes que realizam a HD apresentam maiores taxas de depressão, pois o procedimento por si só acaba limitando suas atividades diárias e até mesmo sua independência, considerando-se que o indivíduo tem que ficar ligado constantemente à máquina. A prevalência é de 42,7% de episódio depressivo nos pacientes que realizam a HD. Nesse caso, a depressão pode levar a uma perda de confiança no próprio tratamento ou, pode, até mesmo, acarretar resistências às condições impostas pelo método utilizado. Outro fator a se destacar é a prevalência do suicídio nessa população, que chega a atingir níveis dez vezes maiores que os da população geral. Esses dados são justificáveis por todas as perdas sofridas pelos pacientes desde a descoberta do diagnóstico (Freitas & Cosmo, 2010; Stasiak, Bazan, Kuss, Schuinski, & Baroni, 2014; Dias, Shiozawa, Miorin, & Cordeiro, 2015).
Sendo assim, a depressão é capaz de dificultar a adesão necessária à hemodiálise, o que pode gerar negligências no autocuidado e nos seguimentos médicos, chegando, desta forma, a prejudicar a qualidade de vida dos envolvidos. A desesperança, um sintoma da depressão, pode diminuir a segurança e enfraquecer os esforços dos pacientes para se adaptarem às variadas mudanças exigidas. Em sua forma mais grave, a desesperança pode ser uma força motriz para o suicídio (Wright, Sudak, Turkington, & Thase, 2012).
No entanto, ainda que a presença de doenças crônicas aumente o risco de suicídio por si só, elas em muitos casos ampliam a vulnerabilidade ao suicídio por meio da perda dos papéis sociais e da falta de percepção de sentidos para a vida, o que ativa, assim, o sentimento de desesperança. Nesse caso, qualquer tipo de perda avaliada e valorizada, seja ela interpessoal, de saúde ou financeira, pode ser associada a um aumento no risco de suicídio (Wenzel, Brown & Beck, 2010).
Apesar de todos os efeitos negativos envolvidos no tratamento hemodialítico, ele tem como objetivo prolongar a vida e reduzir a morbidade, além de melhorar consideravelmente a qualidade de vida dos pacientes (Lira et al., 2015).
O termo qualidade de vida consiste em uma ampla gama de conceitos que afetam vários domínios da vida, como boa saúde, moradia satisfatória, emprego, segurança, educação e lazer. Quando ela é relacionada à saúde da pessoa, levam-se em conta os aspectos físicos, sociais e emocionais causados pela doença ou pelo tratamento (Gonçalves et al., 2015). Acredita-se que a DRC e o tratamento hemodialítico interferem diretamente na percepção do paciente frente ao suporte social recebido, à sua QV, pois esta abarca as limitações físicas e as alterações na vida cotidiana (Caveião et al., 2014).
Em suma, o número de pacientes renais crônicos em tratamento na hemodiálise no Brasil vem aumentando consideravelmente nos últimos anos. Assim, melhorar a qualidade de vida e a sobrevida do indivíduo, bem como prevenir e diminuir as complicações durante o tratamento constituem objeto de preocupação frequente dos profissionais de saúde (Caveião et al., 2014).
Com base nessas considerações, estabeleceram-se os objetivos do estudo: avaliar a correlação entre depressão, desesperança, ideação suicida e qualidade de vida dos pacientes em tratamento hemodialítico e também caracterizar e correlacionar aspectos sociodemográficos dos pacientes.
Método
Foi um estudo transversal, observacional, descritivo e correlacional. Participaram 100 pacientes que estavam em hemodiálise no Hospital de Base de São José do Rio Preto, São Paulo, no período de junho de 2017 a agosto de 2017. Foram incluídos indivíduos com diagnóstico de doença renal, com idade igual ou superior a 18 anos, de ambos os sexos, que estavam há no mínimo três meses em hemodiálise e que concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Pacientes com comorbidades psiquiátricas graves e que tinham déficits cognitivos que prejudicavam a aplicação dos instrumentos foram excluídos da presente pesquisa. Foi uma amostra de conveniência. Os dados foram colhidos nos três turnos existentes da Unidade de Terapia Renal Substitutiva (hemodiálise) - Hospital de Base de São José do Rio Preto.
No período de junho de 2017 a agosto de 2017 foram abordados 119 pacientes que estavam em hemodiálise. Destes, 2 foram excluídos por apresentarem comorbidades psiquiátricas que impossibilitavam a aplicação dos instrumentos e 17 se recusaram a participar. Sendo assim, 100 pacientes foram incluídos no presente estudo.
Foram utilizados para a coleta dos dados:
•Questionário sociodemográfico - elaborado para este estudo.
•Inventário Beck de Depressão (BDI) - escala de autorrelato que avalia a intensidade da sintomatologia da depressão. Composto por 21 itens que apresentam atitudes e sintomas com escores que variam entre 0 e 3 e que sinalizam o grau de depressão em quatro níveis: leve, mínimo, moderado e severo. O escore total representa a soma dos escores individuais dos itens, que indica o grau de intensidade da depressão (Cunha, 2001).
•A Escala Beck Desesperança (BHS) - escala dicotômica que engloba 20 itens que envolvem cognições sobre desesperança. O paciente deve concordar ou discordar da afirmação, o que permite avaliar a extensão das expectativas negativas que o paciente tem com respeito ao futuro imediato e remoto. A soma dos escores identifica o nível de desesperança. Os escores variam de 0 a 20 sendo que: 0 a 4 - mínimo; 5 a 8 - leve; 9 a 13 - moderado; e 14 a 20 - grave (Cunha, 2001).
• Inventário Beck de Ideação Suicida (BSI) - escala de autorrelato que investiga ideação suicida. Contém 21 itens, sendo que os primeiros 19 apresentam três alternativas de respostas que indicam desejos, atitudes e planos suicidas. Os dois últimos itens não fazem parte do somatório final, pois têm o objetivo de obter informações sobre o número de tentativas de suicídio e a seriedade da vontade de morrer (Cunha, 2001).
•The Medical Outcomes Study 36 - item Short-Form Health Survey (SF-36) - instrumento composto por 36 itens, que engloba 8 escalas: capacidade funcional (10 itens), aspectos físicos (4 itens), dor (2 itens), estado geral de saúde (5 itens), vitalidade (4 itens), aspectos sociais (2 itens), aspectos emocionais (3 itens), saúde mental (5 itens) e mais uma questão de observação relevante entre as condições de saúde atual e as de um ano atrás. Este questionário classifica tanto os aspectos negativos quanto os aspectos positivos da saúde (Ciconelli, 1997).
O projeto foi enviado ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - SP (FAMERP) e foi aprovado sob o número CAEE 68432017.1.0000.5415 e parecer número 2.099.943, no dia 05 de junho de 2017.
A pesquisadora aplicou os instrumentos em um único momento e na seguinte ordem: Questionário sociodemográfico, Inventário Beck de Depressão (BDI), Escala Beck de Desesperança (BHS) e SF-36. Caso o paciente apresentasse pontuação maior que 1 nos itens 2 e 9 do BDI, a Escala Beck de Ideação Suicida (BSI) era aplicado. Em outras palavras, caso o indivíduo apresentasse uma classificação maior que o estabelecido nos itens Pensamentos e Desejos Suicidas, outro inventário era aplicado já que o paciente poderia ser caracterizado como tendo ideação suicida. Se o entrevistado não apresentasse essa pontuação, somente o Questionário sociodemográfico, o BDI, o BHS e o SF-36 eram aplicados (Wenzel et al., 2010).
No momento da abordagem os participantes foram orientados sobre o tema, objetivos da pesquisa, aspectos éticos envolvidos, não obrigatoriedade de participação, preservação do anonimato e interrupção da pesquisa por parte do indivíduo se o mesmo julgasse necessário.
Após estas orientações, apresentou-se aos indivíduos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, contendo dados de identificação do pesquisador e dos participantes, objetivos e procedimentos da pesquisa. Após a assinatura do Termo pelo indivíduo, a aplicação dos instrumentos foi realizada.
Após a coleta, os dados foram avaliados de forma quantitativa e planilhados no Excel. A análise estatística descritiva foi realizada a partir dos cálculos das medidas de tendência central e dispersão e contagens de frequências. Para a análise estatística inferencial foi utilizado o teste de correlação de Spearman, utilizando-se os programas estatísticos Statistical Package For Social Sciences (SPSS versão 24.0) e PRISMA (versão 6.1, 2012). Em todas as análises, um valor P ≤ 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Resultados e Discussão
Em relação à caracterização sociodemográfica, a idade dos participantes deste estudo variou de 18 a 80 anos (M= 50,69 anos; DP 14,54), o que se aproxima dos estudos de Lira et al. (2015), com média de idade de 48,8 anos (DP= 13,8) e de Stasiak et al. (2014), com média de idade de 54,96 anos (DP 12,76). Observa-se que a amostra foi composta, em sua maioria, por indivíduos do sexo masculino (51%) e por indivíduos moradores de outros municípios (69%). Em relação à escolaridade dos entrevistados, 47% dos participantes têm o ensino fundamental incompleto. Esses dados vão ao encontro do estudo de Coitinho et al. (2015), uma vez que, dentre os participantes de sua pesquisa, a maioria era do sexo masculino (70,1%) e possuía baixa escolaridade (79,2%). A alta taxa de indivíduos com ensino fundamental incompleto, encontrada na presente pesquisa, é recorrente em demais estudos. Outro fato em destaque é que o predomínio do ensino fundamental incompleto vai de acordo com a realidade brasileira (Coitinho et al., 2015; Gonçalves et al., 2015; Oliveira et al., 2016).
Salienta-se que 60% dos indivíduos se declararam casados, enquanto 87% declararam ter filhos. Dados de pesquisa apontam que os pacientes renais com cônjuge e com filhos têm uma importante estrutura que auxilia no melhor enfrentamento da doença. Neste caso, conviver com familiares que os apoiam constitui um suporte que ameniza os danos, sejam eles físicos, psicológicos ou até mesmos socioeconômicos, que se dão em função da doença e do tratamento em si (Coutinho & Costa, 2015).
Em relação à religião predominante, observa-se que 60% dos indivíduos participantes da pesquisa são católicos, seguidos por 30% de evangélicos. Estas informações corroboram os dados de pesquisa encontrados, e refletem a realidade da população brasileira, predominantemente católica (Gonçalves et al., 2015). Observa-se, também, que 37% dos entrevistados são aposentados e têm como renda de um a três salários mínimos (75%), o que pode sugerir que, em função da qualidade de vida reduzida destes indivíduos, o tratamento, o desemprego ou a aposentadoria precoce poderiam contribuir para a baixa aquisição financeira. Isso porque, o tempo que o paciente passa na hemodiálise é longo, já que, além das horas na máquina, ele precisa, muitas vezes, percorrer grandes distâncias até a unidade de tratamento (Santos et al., 2017).
Dentre as doenças mais prevalentes encontradas no estudo, além da doença renal crônica, destaca-se hipertensão (56%), a diabetes mellitus (36%), o lúpus (5%) e a hipercolesterolemia (4%). Destaca-se que essas comorbidades também foram encontradas em demais achados, os quais revelaram que as principais doenças encontradas nos pacientes, além da doença renal, que estão em hemodiálise são a hipertensão arterial e a diabetes (Andrade, Sesso & Diniz, 2015; Gonçalves et al., 2015; Picolli, Nascimento & Riella, 2017 ).
Outros dados encontrados revelam que somente 10% da amostra realizou transplante até o presente momento. Nota-se que 51% dos entrevistados realizam tratamentos médicos, 15% são tabagistas e 11% alegam fazer uso de bebidas alcoólicas. O abuso ou a dependência de álcool e outras drogas intensifica os problemas já existentes, sejam eles de cunho financeiro, profissional ou familiar. Somados aos problemas de saúde já presentes, o abuso de alguma substância, como, por exemplo, o álcool, pode aumentar a frequência de consultas ambulatoriais e internações, e, em última instância, causar a morte (Costa, Coutinho, Melo, & Oliveira, 2014).
De acordo com a entrevista realizada, 20% dos indivíduos tinham familiares em tratamento renal substitutivo e 14% declararam que algum familiar possui algum tipo de doença psiquiátrica.
Observa-se que os dados sociodemográficos do presente estudo se comparam ao encontrado na literatura e na população brasileira em tratamento para a DRC, ou seja, majoritariamente uma população masculina, casada, em meados de seus 50 anos, com ensino fundamental incompleto e que está em maior parte aposentada ou afastada da atividade laboral.
Sobre os indicadores de depressão dos pacientes em tratamento hemodialítico, destaca-se que, nessa amostra, 78% do pacientes apresentaram sintomas mínimos de humor deprimido, seguidos por 12% com score leve, 9% com score moderado e 1% com score grave. Esses dados se assemelham aos resultados encontrados por Souza & Oliveira (2017), em relação aos resultados do BDI, o estudo desses pesquisadores revelou que 42,6% dos participantes apresentaram o nível mínimo de sintomas depressivos, seguidos de 39,3% de pacientes que apresentaram sintomatologia leve.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental (DSM-5), a característica mais comum da depressão é o humor triste, vazio ou irritável, somado a alterações somáticas e cognitivas que influenciam consideravelmente na capacidade de funcionamento do acometido. Esse transtorno acarreta visíveis alterações no afeto, na cognição e em funções neurovegetativas. Na maioria dos casos, a pessoa sente-se desencorajada, triste e sem esperança (APA, 2014).
Os indivíduos em tratamento hemodialítico estão sujeitos à maior prevalência de transtornos de humor do que a população em geral (Ottaviani et al., 2016), isto é, a depressão aparenta ser a complicação psíquica de maior frequência nos enfermos em tratamento de hemodiálise (Coutinho & Costa, 2015). Na presente pesquisa, apesar da maioria dos participantes apresentarem sintomatologia mínima e leve (90%), constatou-se que 10% apresentaram sintomas moderado à grave. Esses dados merecem atenção, uma vez que, a depressão diminuiu a aceitação do tratamento, prejudica a qualidade de vida dos envolvidos, além de ser considerado um fator de risco para a mortalidade, pois, contribui para a não adesão da terapêutica e pode aumentar a taxa de suicídio (Luz & Oliveira, 2019).
Salienta-se que a associação entre depressão e doenças de cunho fisiológico é muito comum, o que acaba contribuindo para uma pior evolução tanto do quadro psiquiátrico quanto da doença clínica. Os doentes deprimidos costumam não aderir ao tratamento em um número três vezes maior do que os pacientes não deprimidos em diálise (Saraiva, 2014). É importante ressaltar que alguns dos sintomas de um episódio depressivo são semelhantes aos sinais e sintomas de condições médicas (APA, 2014).
Os níveis de desesperança encontrados na amostra pesquisada foram 62% de nível mínimo, seguidos por 23% de nível leve, 11% de nível moderado e 4% de nível grave. A esperança está relacionada com a perspectiva por um futuro melhor. Ela é considerada uma estratégia efetiva para enfrentar a condição imposta pela doença renal, já que impulsiona o indivíduo a lidar com as situações de crise, estimula-o a agir para alcançar um objetivo específico, proporciona o bem-estar físico e emocional. Desse modo, esse sentimento, quando presente, repercutirá positivamente na sua qualidade de vida (Leimig et al., 2018). A desesperança, por sua vez, pode enfraquecer a confiança e os esforços dos indivíduos em relação a si mesmos. Esse fenômeno pode ser, portanto, um potencializador para o suicídio (Wright et al., 2012).
Estudos apontam que os escores da Escala de Desesperança de Beck estiveram muito mais relacionados ao pensamento suicida do que uma classificação para sintomas de humor deprimido (Wright et al., 2012). Na presente pesquisa, o nível de ideação suicida encontrado teve como média 0,41 de acordo com o Inventário Beck de Ideação Suicida.
Embora a maioria da amostra tenha apresentado baixos níveis de desesperança e ideação suicida, ainda assim foi constatada a presença dessas variáveis. Se o indivíduo tiver perdido sua total esperança e sua capacidade de enxergar os reais motivos para continuar sua vida e, consequentemente, estiver sofrendo por causa desse sentimento, o suicídio pode parecer uma opção (Wright et al., 2012). Esse dado é relevante, se considerarmos que o enfermo tem facilidade de acesso ao meio de cometer tal ato, pois, pode optar, por exemplo, pelo abandono do tratamento o que acarretaria maior mortalidade dessa população (Andrade et al., 2015).
Estima-se que as taxas de suicídio são de 10 a 400 vezes maiores na população com doença renal crônica do que na população em geral, porém, são necessários maiores estudos, uma vez que a literatura é escassa nesse aspecto (Andrade et al. 2015).
Sabe-se que a população mais propensa a morrer por suicídio são os homens solteiros, divorciados ou até mesmo viúvos. Esse tipo de morte também é mais comum em indivíduos que apresentam idades mais avançadas e com menores condições socioeconômicas. Outro dado a se destacar é que a intensidade da ideação suicida está mais correlacionada com a desesperança do que a depressão em si (Wenzel et al., 2010).
Na entrevista realizada, a maioria dos pacientes eram homens mais velhos e com baixas condições financeiras, variáveis essas que são fatores de risco para o suicídio. No entanto, a maior parcela dos pacientes possuía um cônjuge, uma religião e filhos, dados esses que se tornam fatores protetivos.
Outro aspecto a se destacar é o quesito qualidade de vida, pois, de acordo com o instrumento utilizado, SF-36, quanto mais perto do escore 100, mais alta é a qualidade de vida do indivíduo. Sendo assim, as variáveis capacidade funcional (65%), dor (65%), estado geral de saúde (62%), vitalidade (74%), aspectos sociais (94%) e saúde mental (86%) dos entrevistados encontram-se em níveis acima do estabelecido (Ciconelli, 1997).
A QV está associada a fatores multifatoriais: pode estar vinculada a pontos econômicos, socioculturais, à experiência pessoal e aos estilos de vida. Destaca-se que os itens pesquisados são mutuamente influenciáveis, ou seja, não é possível separá-los (Chiloff, Cerqueira, & Balbi, 2017; Oliveira et al., 2016).
Neste caso, é necessário que o indivíduo se adapte em relação às variadas mudanças que ocorrem no seu cotidiano quando ele é submetido à hemodiálise, pois, quando se tem uma baixa avaliação nos diferentes domínios que fazem parte da qualidade de vida, esse é um aspecto que pode ser prejudicado (Chiloff et al., 2017). Outro fato a se frisar é que a doença renal crônica pode provocar desordens emocionais que, somadas à condição de saúde física, afetam a vivência dos acometidos (Costa, Coutinho, Melo & Oliveira, 2014).
Embora a depressão possa afetar pessoas de todas as idades e de todas as classes sociais, o risco de se ficar deprimido é impulsionado pela baixa aquisição financeira, pelo desemprego, pelo acontecimento de eventos negativos como a morte de um ente querido ou o rompimento de um relacionamento, por doenças físicas ou por problemas causados pelo uso de álcool (WHO, 2017). Note-se que a saúde mental e a qualidade de vida do paciente com DRC estão intimamente associadas ao nível de depressão do paciente (Santos & Nakasu, 2017).
É importante que os pacientes com DRC possuam suporte familiar, social e religioso, uma vez que esse apoio auxilia tanto no tratamento da doença renal quanto no da depressão, o que pode ser observado a partir dos resultados obtidos em relação a esses dois aspectos (Costa & Coutinho, 2014). A percepção de um suporte social adequado encontra-se associado a uma elevada satisfação pessoal, a uma melhor adesão à terapêutica proposta e a menores níveis de sintomas depressivos nos pacientes que realizam a HD. No entanto, possuir um familiar com doença psiquiátrica resulta em uma correlação positiva (p 0,0095) no que se refere a correlação entre indicadores de depressão com variáveis sociodemográficas dos pacientes em tratamento hemodialítico, esse dado poderia influenciar, por exemplo, no suporte social do indivíduo, prejudicando suas estratégias de enfrentamento, o que seria um agravante para o seu tratamento (Saraiva, 2014).
É importante destacar, também, que a idade, a escolaridade, a renda, o uso de álcool e tabaco e o fato de se ter realizado um transplante renal são fatores que influenciam nos sintomas depressivos. Nesse sentido, entende-se que o sofrimento psicológico frente à doença renal começa logo com o impacto do diagnóstico (Almeida & Palmeira, 2018).
A desesperança ocorre nos indivíduos quando há acontecimentos de vida negativos que interagem com os estilos inferenciais, o que proporciona um aumento da vulnerabilidade da pessoa perante esse sentimento. Porém, nem todas as pessoas vão se sentir deprimidas ou sem esperança quando se depararem com algum acontecimento negativo (Laranjeira, 2015).
No presente estudo, a escolaridade, os filhos, a religião, a realização de um transplante, o fato de se ter um familiar em hemodiálise e o uso de álcool predizem aspectos relevantes à desesperança nessa população.
Sabe-se que raramente a presença de alguma doença causa o suicídio por si só. As doenças, na maioria das vezes, elevam a vulnerabilidade ao suicídio, pois ativam a percepção sobre a vida e sobre a falta e as mudanças dos papéis sociais. Em outras palavras, as doenças são responsáveis por ativar a desesperança naquele que passa por tal sofrimento (Wenzel et al., 2010).
Salienta-se que é de suma importância que o indivíduo com DRC supere os sentimentos de impotência e desesperança, já que essa mudança é indispensável para que esse paciente possa enxergar e encarar outras possibilidades (Godoy, 2013).
Em relação a correlação entre indicadores de ideação suicida com variáveis sociodemográficas dos pacientes em tratamento hemodialítico ressalta-se que os itens tempo de diálise (p 0,049) e familiar com doença psiquiátrica (p 0,006) tiveram correlação significante.
Neste caso, supõe-se que o suicídio então seja multifatorial, não podendo ser entendido apenas por um ângulo, pois, na maioria dos casos, há uma relação entre os fatores psicológicos, psiquiátricos, econômicos, culturais e religiosos que necessita ser levada em consideração (Alencar, Maranhão, Fernandes &, Rodrigues, 2018).
As condições clínicas da DRC, somadas às suas repercussões psicossociais, constituem-se como estressores para os pacientes, podendo causar impacto em sua qualidade de vida (Oliveira et al., 2016).
As complicações físicas causadas pela doença renal e as mudanças decorrentes do tratamento provocam desgaste tanto para o paciente, quanto para os amigos e familiares. A ociosidade por parte do doente faz com que ele se sinta inútil e desvalorizado. O tratamento acaba criando, assim, um cotidiano monótono e com restrições de atividades que antes eram rotineiras, o que reflete, consequentemente, na QV (Caveião et al., 2014).
Na maioria das vezes, essa enfermidade causa um impacto negativo sobre os quesitos vitalidade e energia, reduzindo ou limitando as interações sociais. Tal impacto pode favorecer o surgimento de problemas relacionados à saúde mental, bem como o aumento nos custos econômicos para o tratamento dialítico, uma vez que a QV é influenciada por vários aspectos da vida do indivíduo (Caveião et al., 2014).
Em suma, considera-se que o suporte de familiares e amigos atua não só como um facilitador para a adaptação à doença e ao tratamento, mas também como uma fonte de otimismo, esperança e qualidade de vida. Como reflexo, há o fortalecimento no cuidado e adesão ao tratamento (Nascimento, Mantovani & Oliveira, 2018).
Nota-se que todos os itens do instrumento aplicado na presente pesquisa tiveram correlação positiva. Nos portadores de DRC, os sintomas depressivos podem estar relacionados às mudanças na qualidade de vida, à diminuição da capacidade funcional e à adesão a medicações e ao tratamento (Costa & Coutinho, 2014). Essa população está mais propensa a ter sua qualidade de vida diminuída, além de haver maior prevalência para transtornos de humor dentro desse grupo. Nota-se que quanto maior a qualidade de vida, menor é a depressão e que, quanto maior o nível de depressão, mais baixos são os níveis de qualidade de vida (Stasiak et al., 2014; Costa, Coutinho, Melo & Oliveira et al., 2014).
Percebe-se que os aspectos físicos e emocionais interferem nas atividades diárias dos indivíduos. Pacientes que relatam sentir maior bem-estar emocional declaram sentir menos impacto em suas atividades cotidianas. O que se observa é que as relações sociais são fundamentais para uma melhor saúde emocional e possuir algum impacto na mesma pode trazer prejuízos, o que pode ser verificado através dos dados obtidos (Oliveira et al., 2016).
Sabe-se que, quanto mais elevada a idade, maior é a prevalência dos sintomas somáticos. Tais fatores impulsionam, consequentemente, a diminuição da qualidade de vida, o aumento de restrições na vida social e, também, o aumento das taxas de depressão nesta população. Na presente pesquisa foram encontrados indivíduos mais velhos o que poderia acarretar preocupações, uma vez que, de acordo com o estudo, essa variável aumentaria os níveis de depressão e prejuízos sociais o que poderia comprometer o tratamento (Stasiak et al., 2014).
Indivíduos que não exercem qualquer tipo de atividade laboral apresentaram maiores sintomas depressivos do que aqueles que exerciam algum tipo de trabalho. A atividade laboral é de suma importância, pois ajuda o paciente a se manter ativo, o que reduz, em consequência, os sintomas depressivos (Andrade et al., 2015).
Nota-se que a prevalência dos sintomas depressivos entre pacientes com DRC em hemodiálise é alta. Os sintomas vivenciados são um importante preditor de pior qualidade de vida, comprometendo desta forma, todos os domínios e influenciando de uma forma negativa a avaliação subjetiva da pessoa sobre sua condição de vida no presente momento (Chiloff et al., 2017).
Por meio dos dados obtidos houve uma correlação significante entre desesperança e depressão (p 0,002), ou seja, apesar de poderem ocorrer, em muitos casos, simultaneamente, uma não influencia a outra. Segundo Andrade et al. (2015), embora exista uma forte correlação entre desesperança e depressão, ambas podem ser consideradas fenômenos parcialmente diferentes. Os resultados encontrados no presente estudo corroboram o estudo dos autores, uma vez que apontam para um maior índice de depressão do que de desesperança.
Apesar dos fatores negativos relacionados à terapêutica e à doença, os aspectos positivos relacionados ao enfrentamento do tratamento revelam otimismo e esperança. Alguns pacientes criam oportunidades para se adaptar aos novos contextos. Nesse caso, reconhecer e enxergar os benefícios do tratamento se torna uma ferramenta útil para ajudar o sujeito a criar uma estratégia de enfrentamento necessária para lidar com a situação. Esse fato pode ser destacado na presente pesquisa, uma vez que a amostra participante mostra-se com baixos níveis de humor deprimido, baixos níveis de desesperança e, também, baixos níveis de ideação suicida. Já a qualidade de vida foi influenciada diretamente pelos fatores relacionados ao diagnóstico e ao tratamento na hemodiálise (Paula et al., 2017).
Conclusão
Tendo em vista os aspectos abordados, observa-se que os pacientes que realizavam tratamento hemodialítico, em sua maioria, apresentaram baixos níveis de depressão, desesperança e ideação suicida. Supõe-se que possuir suporte social, ter uma religião e ter filhos contribuíram para esses resultados.
No entanto, essas variáveis merecem atenção, uma vez que, também foram encontrados índices significativos de sintomatologia. Pode-se reconhecer, neste caso, que o sofrimento emocional causado pela terapêutica, a baixa aquisição financeira, a baixa escolaridade e a distância a ser percorrida até a unidade hospitalar poderiam contribuir para tal.
Nota-se que a qualidade de vida dos participantes, por sua vez, foi influenciada pelos aspectos envolvidos do próprio tratamento e também pelos aspectos sociodemográficos dos indivíduos, causando assim, prejuízos significativos.
O presente estudo pode ser relevante para aprimorar a prática dos profissionais envolvidos com os pacientes em tratamento hemodialítico, uma vez que as identificações das variáveis abordadas possibilitam o planejamento de intervenções mais eficazes para reduzir o sofrimento emocional daquele que o vivencia. Neste caso, o paciente enxergando os benefícios associados ao tratamento pode ser de extrema importância na criação de estratégias de enfrentamento para lidar com sua nova realidade.
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Mariana Vidotti Grandizoli - Psicóloga. Aperfeiçoamento profissional em Psicologia da Saúde e mestrado em Psicologia e Saúde pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP).
Gerardo Maria de Araújo Filho - Mestre e doutor em Neurociências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Pós-Doutor em Psiquiatria pela UNIFESP. Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da FAMERP.