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Revista da SBPH

versão impressa ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.23 no.2 São Paulo jul./dez. 2020

 

Comunicação de más notícias: repercussões emocionais em médicos de um hospital de oncologia em Recife-PE

 

Breaking bad news: emotional repercussions in doctors at an oncological hospital in Recife-PE

 

 

Thais Gomes Pinto RibeiroI; Taciana Maria da SilvaII; Nildienny Alves da SilvaIII

IHospital de Câncer de Pernambuco - Recife/PE - thais.gpr@gmail.com
IIHospital de Câncer de Pernambuco - Recife/PE - tacianams30@gmail.com
IIIHospital de Câncer de Pernambuco - Recife/PE - nildienny.alves@hotmail.com

 

 


RESUMO

O diagnóstico de câncer pode trazer repercussões emocionais para quem o recebe e para quem o comunica. A comunicação dessas notícias faz parte do cotidiano de médicos na oncologia, e muitos encontram dificuldades nesse processo. Este estudo teve como objetivo compreender como a comunicação de más notícias repercute emocionalmente em médicos que a realizam, percebendo os sentimentos vivenciados por esses profissionais, bem como dificuldades enfrentadas nesse momento. A pesquisa possui caráter qualitativo e foi realizada com uma amostra de sete médicos cirurgiões de um hospital de oncologia de Recife-PE. Os participantes faziam parte dos ambulatórios de mastologia e cirurgia de cabeça e pescoço da instituição. A coleta foi feita através de entrevistas semiestruturadas, e a análise dos dados deu-se por meio da técnica de análise de conteúdo categorial. Obteve-se quatro categorias de análise: desejo que o paciente sofra menos; a empatia em relação aos pacientes; a mobilização relacionada ao paciente jovem e a experiência; e a relação com a comunicação. Foi percebido que os médicos desejam diminuir o sofrimento do paciente, vivenciam sentimento de tristeza e angústia com a comunicação, sentem empatia com os pacientes oncológicos e também sofrem com o distanciamento afetivo na relação médico-paciente.

Palavras-chave: relações médico-paciente; oncologia; psicologia


ABSTRACT

A cancer diagnosis can bring emotional repercussions to those who receive as well as those who communicate it. Breaking bad news is part of the routine in oncological medicine practice and many doctors face difficulties during this process. In this study we have aimed to understand how breaking bad news emotionally affects doctors who communicates them and apprehend their experienced feelings as well as difficulties faced in this process. The research has been of qualitative nature and was made in a referral oncological hospital. The sample was composed of seven surgeons from the mastology and head and neck outpatient clinics. We conducted semi-structured interviews with each of the participants, which were then analysed through the categorical content analysis method. We found four categories through the analysis: desire that the patient suffer less, the empathy towards patients, the mobilization related to the young patient, and the experience and the relation with communication. The results show that doctors want to reduce patient's suffering, experience sadness and anguish feelings with communication, feel empathy with cancer patients and also suffer from emotional distance in doctor-patient relationship. Studies that go deeper on feelings experienced by doctors are suggested as a proposal for further research.

Keywords: physician-patient relations; oncology; psychology


 

 

Introdução

O câncer é um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células com a capacidade de invadir tecidos e órgãos vizinhos. É caracterizado como doença crônica e possui alta mortalidade, sendo a primeira causa de morte em países em desenvolvimento (Instituto Nacional do Câncer [INCA], 2019a). Estima-se para 2020 a ocorrência de 685 mil casos novos de câncer no Brasil (INCA, 2019b). O avanço da medicina permitiu que o câncer pudesse ser tratado de diversas formas, incluindo quimioterapia, radioterapia, cirurgia e imunoterapia (INCA, 2019a).

O diagnóstico de câncer, apesar do avanço da medicina e tratamentos, ainda é permeado de ideias que atravessam o imaginário das pessoas em torno da doença. As concepções de câncer foram socio-historicamente construídas de forma a atribuir sentidos negativos à doença (Silva, 2005). O câncer é visto como doença incurável e terminal e pode, em alguns casos, de fato, o ser. Receber esse diagnóstico pode afetar o estado emocional dos pacientes de forma a perceberem uma mudança completa em suas vidas, despertando sentimentos como medo e angústia (Salci, Sales & Marcon, 2009).

A má notícia foi definida pelo oncologista Buckman (1992) como qualquer notícia que, de forma negativa, possa envolver uma alteração drástica na visão e perspectiva de futuro do paciente. Segundo Ostermann e Frezza (2017), a má notícia será considerada como tal, se tiver um sentido negativo para o paciente. Pode tomar forma em informações como, por exemplo, o diagnóstico de uma doença crônica como o câncer.

Para muitos profissionais médicos pode ser difícil lidar com esse momento vivenciado pelo paciente e realizar a comunicação inicial diagnóstica. O profissional precisa estar preparado para lidar com as diversas reações que podem ocorrer nos pacientes, tais como manifestações de ansiedade, medo e angústia diante das perspectivas futuras do adoecimento, consequências do tratamento, sintomas apresentados e possibilidade de morte iminente (Ferreira, Bicalho, Neves, Menezes, Silva, Faier, & Machado 2017; Menezes, Schulz & Peres, 2012).

A comunicação entre paciente e médico muitas vezes se mostra comprometida. Alguns fatores estão envolvidos nesse contexto que dificultam essa comunicação e por vezes, o paciente permanece com dúvidas e pouca compreensão sobre a informação recebida. Dentre as dificuldades presentes é possível citar a rapidez do tempo profissional, dificuldades na adaptação do uso de jargões técnicos e o receio de enfrentar a reação do paciente. Isso pode resultar em uma dificuldade de gerir a situação de comunicação de forma geral (Monteiro & Quintana, 2016; Pereira, 2005).

Os médicos podem manifestar reações emocionais ao contar a notícia. É possível que vivenciem diversos sentimentos advindos desse momento, como o desconforto diante da própria situação de comunicação, ou ainda um desconforto relacionado ao manejo das reações que possam surgir nos pacientes (Cardoso, Luengo, Trancas, Vieira & Reis, 2009).

Alguns sentimentos que podem surgir diante da notícia em ambos os participantes da comunicação são a ansiedade, o desconforto. Além disso, o profissional pode pensar na situação como um fracasso profissional, já que a medicina, entre outras atividades, promove a cura para adoecimentos por meio de tecnologias e práticas, missão na qual houve avanços significativos na modernidade. Dessa forma, lidar com a possibilidade de não curar pode mobilizar mecanismos de fuga para evitar os sentimentos que isso desencadeia, utilizando, por exemplo, eufemismos na comunicação (Pereira, 2005). Portanto, há aspectos afetivos presentes na comunicação dos profissionais médicos diante do paciente e da família. Nesse processo, é possível que entrem em contato com sua própria fragilidade e finitude, trazendo à tona sentimentos e questões emocionais de si mesmos, o que pode dificultar um manejo adequado da situação (Monteiro & Quintana, 2016).

Assim, entende-se que há repercussões emocionais não somente para os pacientes, mas também para os médicos que comunicam as más notícias. Na revisão de literatura realizada para a elaboração da pesquisa, poucas pesquisas foram encontradas que abordassem as repercussões emocionais em médicos no processo de comunicação de más notícias. Diante disso, objetiva-se compreender como a comunicação de más notícias repercute emocionalmente em médicos que as realizam, percebendo os sentimentos vivenciados por esses profissionais, bem como dificuldades enfrentadas nesse momento.

 

Método

Este é um estudo qualitativo de caráter descritivo, exploratório e de desenvolvimento transversal, realizado em um hospital de referência em oncologia na região de Pernambuco que atende 55% dos pacientes de câncer da região (Hospital de Câncer de Pernambuco, 2018). A pesquisa obteve uma amostra de sete médicos cirurgiões, sendo três pertencentes ao ambulatório de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e quatro pertencentes ao ambulatório da Mastologia.

A escolha das especialidades de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Mastologia advêm dos números de atendimentos no local. As duas especialidades são serviços de referência do hospital, representando, em 2014, 60% dos atendimentos de mama em todo o Estado e 80% das cirurgias de Cabeça e Pescoço (Hospital de Câncer de Pernambuco, 2018). Dessa forma, a comunicação de más notícias diagnósticas em oncologia é rotina desses profissionais.

A amostra foi tomada por saturação, método no qual se determina que, em um dado momento, o acréscimo de informações à amostra de pesquisa não alterará a compreensão do fenômeno estudado (Thiry-Cherques, 2009). Os critérios de elegibilidade foram: obrigatoriedade de realização de atendimentos ambulatoriais; ser médico contratado pelo hospital; não estar em período de férias, nem de licença.

Para a captação dos sujeitos, foram definidos, de forma aleatória, dias de busca nos ambulatórios referidos e realizado contato com os médicos disponíveis. Após expresso o desejo de participação na pesquisa, foram agendadas entrevistas de acordo com a disponibilidade dos participantes. A coleta de dados foi realizada em salas dos ambulatórios dos médicos da pesquisa, que eram fechadas no momento da entrevista. Todos foram submetidos ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os participantes da pesquisa, sendo gravados os áudios para cada entrevista, que foram transcritos e posteriormente analisados. Através das entrevistas semiestruturadas o participante tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, porém seguindo um determinado roteiro pré-definido de perguntas pelo pesquisador (Boni & Quaresma, 2005).

O roteiro de perguntas versava sobre como realizam a comunicação de más notícias; dificuldades encontradas; estratégias para lidar com as dificuldades; sentimentos vivenciados antes, durante e após a comunicação; como lidam com seus sentimentos; como se sentem frente às diversas reações dos pacientes; e se as diferenças entre os pacientes influenciam na comunicação.

Para a análise dos resultados foi utilizada a análise de conteúdo categorial de Bardin (2011). A principal função da análise de conteúdo é o desvendar crítico e, para atingir esse objetivo, propõe três fases: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Dessa forma, foram criadas quatro categorias de análise que serão discutidas a seguir: desejo que o paciente sofra menos; a empatia em relação aos pacientes; a mobilização relacionada ao paciente jovem; a experiência e a relação com a comunicação.

Com o objetivo de manter o sigilo dos participantes da pesquisa, foram atribuídos, no momento da análise, siglas que correspondem ao número de participantes da pesquisa (M1, M2, M3, M4, M5, M6, M7) para cada sujeito entrevistado. Não foram discriminadas idades aos participantes, pois esse não foi um critério relevante para análise dos dados. As siglas foram escolhidas de forma aleatória visando a preservação de suas identidades.

Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital, seguindo as orientações da Resolução Nº 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, envolvendo seres humanos (parecer nº 3.780.328).

 

Resultados e Discussão

Os dados foram divididos em quatro categorias: desejo que o paciente sofra menos; a empatia em relação aos pacientes; a mobilização relacionada ao paciente jovem; a experiência e a relação com a comunicação. A discussão dos dados coletados será intercalada com sua apresentação por meio de falas dos participantes da pesquisa que foram significativas para a formação de suas respectivas categorias. Espera-se, também, contribuir para uma maior aproximação do leitor com as temáticas percebidas através deste formato.

Desejo que o Paciente Sofra Menos

Inicialmente, os entrevistados responderam sobre o que geralmente costumam priorizar ao realizar uma comunicação de má notícia diagnóstica. A maior parte deles considerou importante a fala honesta e verdadeira ao paciente e à família. Alguns médicos concluíram que falar a verdade para o paciente configura-se como ponto importante da realização da comunicação de más notícias.

"O importante é você olhar no olho do paciente e falar a verdade" - M1

"Dar essa notícia de forma mais clara para o paciente, para eles compreenderem, entenderem" - M2

"Tento passar a realidade de forma a não retirar totalmente a esperança dele. Tentar dar o prognóstico e expor a realidade do fato, a realidade do problema" - M3

Silva et al. (2011) realizaram uma pesquisa com médicos sobre a relação médico-paciente frente ao tratamento oncológico. Em sua pesquisa, apresentaram percepções e dificuldades enfrentadas pelos participantes no momento da comunicação do diagnóstico. Grande parte deles considerou fundamental falar a verdade e ser honesto com o paciente. Porém, há divergências na forma como isso deve ser feito. Para parte dos entrevistados, o diagnóstico deve ser dado de forma a demonstrar solidariedade, bem como proporcionar esperança ao paciente.

Nos resultados encontrados neste estudo, alguns entrevistados entendem que a verdade pode ser difícil e dolorosa para o paciente. Por isso, diante da realização da comunicação do diagnóstico de câncer, foi relatada a importância de se utilizar algumas estratégias objetivando lidar com o sofrimento do paciente naquele momento. Dessa forma, parece haver uma inclinação dos médicos entrevistados para amenizar a notícia, ou dá-la de forma menos impactante, como pode-se perceber nas falas de M4 e M3:

"Não tem como dizer que aquilo ali não é uma coisa ruim, mas que apesar daquilo ali, existe vida, existe outras coisas que se pode fazer" - M4

"Eu tento amenizar, digamos assim, a notícia, porém não mentir, não esconder a realidade" - M3

"Agora, tem paciente que realmente você não pode ser 100% sincera, então eu tenho uma grande dificuldade que a gente não tem um preparo na faculdade, nem na residência médica disso" (sic) - M5

A atenuação da má notícia pode ser interpretada de modos diversos, dependendo do modo que ela irá se configurar no discurso. Primeiramente, o paciente pode se sentir mais acolhido, confiante e disposto ao tratamento. Por outro lado, ao atenuá-la, corre-se o risco de o paciente e o familiar não compreenderem completamente as repercussões e questões envolvidas frente a esse diagnóstico (Araújo & Leitão, 2012).

Ao realizar uma comunicação, o médico pode se valer de formas para amenizar a notícia em seu discurso. Uma dessas formas pode ser a ênfase em aspectos positivos em detrimento dos aspetos negativos da doença (Ostermann & Frezza, 2017; Maynard, 2003). Aqui, alguns entrevistados trazem essa estratégia como forma de lidar com a comunicação:

"'Olha, mas você não vai sofrer; a gente vai tirar sua dor, a gente vai fazer o que existe de melhor, a gente vai ver uma droga que você vai melhorar'; e tento tirar alguma coisa positiva daquela situação. E sempre existe, mesmo no meio da dor, do problema, tem alguma coisa positiva" - M1

"Não dizer 'ah, você vai ficar boa, isso vai dar certo', a coisa de estar falando, mas não mostra. Tem que mostrar com coisas mais objetivas que aquilo tem solução. [refere artista brasileira] não ficou boa, não fez quimioterapia? a vida continua (...) para poder eles se pegarem a alguma coisa, porque eu acho que fica mais fácil" (sic) - M4

"Tento buscar o melhor que você pode tirar daquele diagnóstico, embora seja uma coisa ruim, né?" - M3

Há uma preocupação em trazer aspectos positivos do sofrimento. Ao fazer isso, o médico pode estar agindo de modo a evitar entrar em contato com o sofrimento do paciente, que é inerente ao diagnóstico. Souza e Souza (2012) evidenciaram a dificuldade de profissionais médicos em lidarem com esse sofrimento, contribuindo para a prevalência de mecanismos como a mentira, ocultação da verdade e o silêncio. Além disso, apresentaram o receio dos profissionais em lidar com as reações emocionais dos pacientes e familiares, bem como de gerir a situação.

O momento de comunicação é um momento no qual, geralmente, o paciente se encontra mais fragilizado, pois a partir dele acontecerão diversas mudanças em sua vida. No diagnóstico, o paciente se depara com o fato real de estar com câncer e todas as coisas que isso pode implicar: tratamentos difíceis, progressão da doença, sintomas e sua finitude (Batista, de Mattos & da Silva, 2015). Por isso, não há forma de evitar o sofrimento do diagnóstico.

A Empatia em Relação aos Pacientes

Quando questionados como se sentiam ao realizar a comunicação do diagnóstico de câncer, alguns médicos trouxeram em seu discurso que consideraram a "empatia" como um sentimento vivenciado junto ao paciente. A palavra empatia (do grego empathéia - apreciação do sentimento do outro) como definição mais popular é trazida pelo dicionário Infopédia (2013) como: "1. Faculdade de compreender emocionalmente (pessoa, objeto); 2. Capacidade de se identificar com outra pessoa; entendimento; 3. Psicologia - identificação emocional com o eu de outro; (de em + pathos, 'estado de alma' + ia)".

A empatia advém do termo alemão Einfühlung, e inicialmente foi utilizada para descrever sentimentos de um observador diante de uma obra de arte (Hojat, 2007). Mais tarde, Carl Rogers aborda a empatia como princípio fundamental de sua psicoterapia, definindo-a como: "Sentir a angústia, o receio ou a confusão do paciente como se de sentimentos seus se tratasse e, no entanto, sem que essa angústia, esse receio ou essa confusão do terapeuta se misturassem com os do cliente" (Rogers, 1997, p. 327).

O conceito é discutido na literatura em saúde pensando na relação de cuidado que o profissional de saúde desenvolve com o paciente. Hojat et al. (2004) estabelecem que a empatia é fundamental na relação médico-paciente, entendendo-a como uma competência que envolve a capacidade de identificar e perceber os pensamentos e sentimentos do paciente, tomando sua perspectiva da problemática. Munro, Bore e Powis (2005) trouxeram que a empatia na relação médico-paciente proporciona sentimento de conforto, confiança e sensação de importância ao paciente, bem como influencia a trajetória de seu tratamento.

No discurso dos entrevistados, foi trazida a perspectiva de perceber o sentimento do outro e se colocar em seu lugar, além da utilização da própria palavra "empatia", para nomear essa vivência emocional:

"Você sente empatia com aquela situação" - M4

"É sempre difícil, né? porque a gente se coloca de alguma forma no lugar dos pacientes, dos familiares (...), mas se você consegue diferenciar, você consegue fazer com que aquilo não interfira no seu dia a dia" - M2

"Você vai tratar uma senhora de certa idade - é impossível você não pensar na sua avó, na sua mãe, não pensar no seu irmão, na sua irmã - (...) mas eu lembro que eu sou humano, né? Então, como todo mundo, eu posso sofrer. Hoje eu estou aqui desse lado da mesa, né? Do lado de consultor, mas eu posso estar ali do outro lado amanhã, na cabeceira da mesa, como consultado" - M3

Diante disso, o principal aspecto trazido pelos médicos em relação aos seus sentimentos perpassa a perspectiva da empatia. Os significados atribuídos a essa palavra permeiam uma vivência positiva dos médicos em relação ao conforto que proporcionam para os pacientes ao se aproximarem de sua experiência. Contudo, também denotam uma vivência de dificuldade, pois, apesar de ser positivo para o paciente, o médico também entra em contato com os próprios sentimentos, que podem convergir para experiências emocionais negativas, como por exemplo a angústia.

"Tem, eu fico muito angustiada porque, assim, a gente não sabe, como médico a gente tem um contato de 1h, 2h com o paciente; você não sabe, na realidade, o outro lado da vida desse doente, né?" - M5

"Sempre, né? Uma comunicação de má notícia mexe com a gente" - M6

Costa e Azevedo (2010) corroboram a perspectiva de que os médicos entendem que a empatia exerce papel importante na relação médico-paciente. Segundo sua pesquisa, realizada com médicos docentes da Faculdade de Ciências Médicas - Unicamp, os médicos se consideram empáticos em todas as relações com os pacientes, porém essa empatia se modifica a depender da aceitação pelo paciente.

Já um estudo de Barros, Falconi e Pinho (2011), baseado em entrevistas com os médicos, demonstra sua autopercepção em relação às suas vivências. As autoras apresentaram uma discordância em relação à empatia do médico na assistência à saúde comparando a opinião médica com a opinião do público: os médicos se autoavaliam como muito mais empáticos do que os pacientes os avaliam.

Dessa forma, é importante ressaltar que as respostas obtidas nesta pesquisa se referem às concepções dos participantes e ao que eles respondem quando questionados por uma pesquisadora em relação aos sentimentos percebidos em si mesmos no momento da comunicação de más notícias.

A Mobilização Relacionada ao Paciente Jovem

Grande parte dos entrevistados, quando indagados sobre dificuldades enfrentadas e sentimentos vivenciados durante a comunicação de más notícias diagnósticas, trouxeram em seu discurso sentimentos como tristeza e angústia quando a notícia seria informada a um paciente jovem. Diferentemente de outras etapas da vida, a juventude foi fator mobilizador quando se transmite um diagnóstico de câncer pelos entrevistados.

"A angústia que eu tenho muito é dar diagnostico em jovem, mulheres jovens" - M5

"A jovem realmente me mata (...) Eu fico sentida, não fico bem (...) muita tristeza, saber o que ela vai passar por aquela fase de viver a vida, e ela vai passar por uma fase muito difícil. Alguns casos são muito avançados, a gente sabe que vai viver pouco tempo, é um sentimento muito ruim mesmo" - M7

"Lógico que me abala mais se for uma paciente mais jovem - como eu acabei de operar, uma menina de 28 anos - aí, realmente, é diferente" - M1

Aparece também na literatura a dificuldade dos médicos em lidar com a comunicação de más notícias em oncologia para pacientes jovens. Segundo Baile et al. (2000), em sua revisão de literatura sobre más notícias diagnósticas em oncologia, existem alguns fatores atribuídos às dificuldades sentidas pelos médicos ao comunicar. Nesse estudo foi percebido que a comunicação pode ser particularmente estressante quando o médico é inexperiente; quando existem limitações na perspectiva de tratamento; e quando o paciente é jovem.

O aparecimento de uma doença crônica como o câncer é esperado numa amplitude maior em pacientes mais velhos, pois, segundo a Organização Mundial da Saúde (2018), a incidência do câncer aumenta com a idade, provavelmente devido a uma acumulação de riscos para cânceres específicos, além da tendência de que os mecanismos de reparação celular sejam menos eficazes à medida que a pessoa envelhece. Dessa forma, a ocorrência de pacientes jovens em consultas oncológicas, acaba sendo menor que a de pacientes idosos.

Vidotti (2017) realizou uma dissertação de mestrado que teve como um de seus objetivos compreender a vivência do processo de comunicação de más notícias do diagnóstico de câncer de mama na perspectiva da mulher e do médico informante. De acordo com seus resultados, o cenário mais difícil vivenciado pelos médicos na comunicação de más notícias é quando a notícia é dada a um paciente jovem.

De acordo com essa pesquisa, nesse processo ocorre uma identificação maciça com o paciente, proporcionando um encurtamento da distância emocional construída com a experiência. Dessa forma, o adoecimento oncológico traria para esses pacientes a interrupção de sonhos e planos construídos para seu futuro. A juventude é vista como o início do ciclo da vida, e o aparecimento de uma doença altera esse processo. De acordo com Santos, Silva e Custódio (2017), o impacto do diagnóstico e o início do tratamento operam mudanças na rotina do jovem, como o afastamento de sua casa, amigos, pais, além das dificuldades da hospitalização e do tratamento. Os autores trazem a importância dessa interação para o desenvolvimento nessa fase da vida. Além disso, trazem as mudanças provocadas pelo câncer como prejudiciais à socialização, construção da imagem corporal, sexualidade e independência.

Nesta pesquisa, um dos entrevistados trouxe em seu discurso um sentimento de mobilização relacionada ao diagnóstico e tratamento do câncer em crianças, havendo uma identificação em relação à sua própria vida através da lembrança de seu filho. Dessa forma, há uma aproximação emocional mediante essa identificação e, consequentemente, uma dificuldade maior frente à comunicação diagnóstica a esses pacientes.

"Então você vai tratar uma criança, é impossível você não pensar no seu filho, né?" - M3

Afonso e Minayo (2011), em sua revisão de literatura sobre a comunicação de más notícias para crianças, trouxeram que há uma carência de literatura específica. As pesquisadoras abordam a importância do estudo, pois um adoecimento na fase da infância e juventude pode gerar uma inversão de expectativas quanto à (suposta) lógica da vida, na qual os seres humanos vivem até envelhecer. Elas versam, ainda, que a vivência cotidiana com esses pacientes pode aflorar ou reprimir sentimentos dolorosos, afetando a prática clínica e a saúde dos profissionais.

A Experiência e a Relação com a Comunicação

Parte dos entrevistados relacionou a sua experiência enquanto médicos à facilidade ou dificuldade em comunicar más notícias diagnósticas. A experiência, segundo eles, proporcionaria uma melhora na habilidade de comunicar más notícias, pois, com o tempo, iriam criando e testando estratégias através de suas experiências profissionais. Assim, não há ensino técnico, sendo o tema pouco abordado na formação acadêmica dos médicos, além de ser visto como algo a ser moldado pela experiência, como se percebe nas seguintes falas:

"Hoje eu tenho 25 anos de formada, mas no começo eu confesso para você eu dizia 'olhe a senhora está com um começo de câncer' câncer não tem começo nem fim" - M5

"Eu acho que com o tempo você vai meio que criando estratégias do que você vai falar com as experiências que você tem. Você vai criando 'não isso eu não devo falar', porque (...) aí você vai aprimorando (...) como a gente não tem o treinamento sobre isso vai desenvolver a sua estratégia, a estratégia que é sua" - M4

"Acho que hoje eu dou uma notícia melhor do que quando eu iniciei, mas nunca é a mesma coisa" - M6

Esse resultado é corroborado por estudos como o de Monteiro e Quintana (2016), que realizaram um estudo com 12 médicos objetivando compreender a comunicação de más notícias no contexto de UTI (Unidade de Terapia Intensiva). Essa pesquisa traz como resultado o fato de que os médicos comunicam más notícias se pautando em experiências pessoais e senso comum, bem como pelo aprendizado com outros médicos. Outro estudo, realizado por Massignani, Rabuske, Backes e Crepaldi (2014), que objetivava caracterizar práticas de comunicação de diagnóstico de soropositividade HIV e AIDS observou que a prática é realizada, dentre outros meios, por experiência profissional e de vida.

Outras vezes, os participantes deste estudo trouxeram em seus discursos o estabelecimento de uma rotina de comunicação de más notícias. Essa rotina proporcionaria uma angústia menor frente ao ato da comunicação, pois a prática além de viabilizar, na sua perspectiva, uma comunicação mais eficiente, também proporciona uma facilidade em lidar com isso. Na visão dos entrevistados, a experiência tornaria o processo de comunicação mais fácil e diminuiria as dificuldades enfrentadas, criando, cada um, suas próprias estratégias.

"A gente que trabalha com tumores malignos e aí é a rotina, né? Sempre tem uma má notícia, no ambulatório, na cirurgia" - M6

"Eu acho que a experiência de muito tempo; eu trabalhei 16 anos aqui na urgência aqui no hospital eu não tenho dificuldade" - M7

A experiência também foi colocada como forma de lidar com as dificuldades referentes aos sentimentos vivenciados durante a comunicação. Com o estabelecimento da rotina e as estratégias de comunicação melhor estabelecidas com a experiência profissional, também os sentimentos vivenciados diante da notícia se tornam menos intensos. Os profissionais trouxeram um discurso de naturalização da notícia, em que se "acostumam" com o processo de comunicação inerente à profissão, proporcionando a continuação da atuação enquanto médico e preservação de seus sentimentos.

"Eu tenho que me acostumar com isso, porque se cada paciente que morrer, eu me descabelar, sofrer, ficar sem dormir, eu não vou conseguir" - M4

"É pesado; não é fácil não, mas a gente se acostuma a dar essas notícias e a gente vai" - M6

"Porém, a gente que lida com o paciente oncológico acaba meio que se acostumando de alguma forma a lidar com isso no seu dia a dia" - M2

Esse mecanismo de acostumar-se à rotina de notícias diagnósticas auxiliaria num processo de proteção dos seus sentimentos diante do sofrimento dos pacientes. Campos, Silva, Bernardes, Soares e Ferreira (2017) realizaram um estudo que evidenciou os desafios de profissionais de saúde na comunicação de más notícias em uma UTI Neonatal, encontrando que os sujeitos da pesquisa adotavam estratégias como o distanciamento e o não-envolvimento com familiares, a fim de evitar o seu próprio sofrimento.

Duas entrevistadas (M1 e M4) trouxeram a percepção da criação de mecanismos de defesa para proteção de seus sentimentos ao lidar com o sofrimento do paciente, que seria inevitável ao trabalho. Para evitar o seu próprio sofrimento, também evitariam entrar em contato com o sofrimento do paciente. Com o tempo, esse processo iria se estabelecendo e criando um afastamento natural do sofrimento. Elas pontuam:

"Mas você meio que também tem que criar mecanismos de defesa para você não se comover tanto" - M4

"Eu acolho o problema, mas eu não absorvo o problema, ele não é meu. Todo o tempo eu estou dizendo no meu cérebro que o problema é do outro, é do paciente" - M1

Essa estratégia de distanciamento afetivo do paciente é vista pelas entrevistadas como algo positivo, visto que as auxiliaria na comunicação de más notícias e a lidar com a sua posição de médicas, que se deparam diariamente com o sofrimento do paciente.

Vidotti (2017) aponta em sua pesquisa que há uma maior facilidade de comunicação desenvolvida ao longo dos anos de prática e da experiência adquirida, pois os médicos alcançaram maior segurança e desenvolveram um distanciamento emocional dos pacientes. Segundo a autora, o grau de dificuldade ou de facilidade ao realizar a comunicação estaria relacionado a regulação de distância emocional do paciente e à proximidade aos casos.

Angerami-Camon (2002) traz algumas posturas que os profissionais de saúde podem adotar na sua relação com o paciente, dentre elas, o distanciamento crítico e a calosidade profissional. Aquele é caracterizado pelo distanciamento consciente do profissional frente à realidade que o rodeia, compreendendo a dor do paciente sem se envolver com ela. O distanciamento crítico se diferencia da calosidade profissional, pois nessa existe a incapacidade do profissional de se sensibilizar com o sofrimento do paciente, demonstrando indiferença e negligência com a sua dor.

É imprescindível refletir sobre esse processo, pois o distanciamento é importante para preservar a saúde mental do médico. Porém, também é necessário considerar se isso está levando a uma dessensibilização do profissional frente ao sofrimento do paciente. Portanto, é possível pensar que as defesas contra o sofrimento podem acontecer de forma tanto positiva, quanto negativa, dependendo de como elas se estabelecem na relação.

 

Considerações Finais

Este estudo permitiu que se compreendesse sobre as repercussões emocionais em médicos que comunicam más notícias. É possível inferir que os médicos se afetam de diversas formas nesse processo e necessitam de atenção com relação às suas emoções, e não apenas os pacientes e familiares. A rotina de comunicação de más notícias é intensa e, com o tempo, pode acabar se tornando mecanizada.

A pesquisa aponta para uma tendência dos médicos em prezar pela veracidade da notícia dada, bem como um esforço em tentar diminuir o sofrimento do paciente nesse momento. Isso pode ter consequências positivas, na medida em que o paciente se sente mais calmo, e também negativas, já que ele pode não entender a gravidade da informação.

Além disso, o estudo mostra a empatia na relação médico-paciente como fator importante para os entrevistados no momento do diagnóstico e em como se sentem ao comunicá-lo. A empatia pode ser fator essencial na relação, já que permite ao médico uma compreensão, mesmo que mínima, de como o paciente se sente e lhe ajuda a lidar melhor com os sentimentos presentes.

A pesquisa versa ainda sobre uma mobilização maior de sentimentos quando o paciente é jovem. Os médicos apresentam sentimento de angústia e tristeza, que não aparecem de forma tão significativa na realização da comunicação do diagnóstico para pacientes em outras etapas da vida. O paciente mais jovem pode despertar sentimentos mais fortes do que o usual nos médicos, provocando reações emocionais que podem ser prejudiciais durante o acompanhamento desse paciente. Por isso, é importante um manejo adequado desses sentimentos.

A experiência de vida pode ser um fator importante para que os médicos lidem de forma melhor com essa comunicação. Porém, isso pode levar tanto a um manejo adequado da situação da comunicação, quanto a um distanciamento afetivo provocado pelo tempo de prática profissional. Por isso, é importante ponderar sobre essa experiência para que possa ser usada como um mecanismo de auxílio na relação com o paciente.

Sugere-se, como proposta para pesquisas posteriores, estudos que se aprofundem nos sentimentos vivenciados pelos médicos e suas consequências para a prática profissional. Propõe-se pesquisas com outras categorias profissionais e especialidades médicas afim de se compreender as especificidades para cada área. Além disso, sugerem-se intervenções relacionadas à prática de médicos, como capacitações ou a realização de grupos com esses profissionais, que possam auxiliar no manejo de seus sentimentos e da situação de comunicação de más notícias de forma geral.

 

Referências Bibliográficas

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Thais Gomes Pinto Ribeiro - Especialista em Oncologia pelo Programa de Residência Multiprofissional em Oncologia do Hospital de Câncer de Pernambuco, PE. Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Pernambuco, PE.
Taciana Maria da Silva - Doutoranda e Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco, PE. Assistente Social graduada pela Universidade Federal de Pernambuco, PE.
Nildienny Alves da Silva - Especialista em Oncologia pelo Programa de Residência Multiprofissional em Oncologia do Hospital de Câncer de Pernambuco, PE. Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Pernambuco, PE.

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