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Revista da SBPH
versão impressa ISSN 1516-0858
Rev. SBPH vol.23 no.2 São Paulo jul./dez. 2020
Síndrome de Burnout em residentes multiprofissionais em saúde de um hospital universitário
Burnout Syndrome in multiprofessional residents in health of a university hospital
Vitor Siqueira de Moraes MesquitaI; Lucia Emmanoel Novaes MalagrisII
IUniversidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro/RJ - E-mail: vitor.smm@gmail.com
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro/RJ - E-mail: lucianovaes@terra.com.br
RESUMO
Investigou-se a Síndrome de Burnout (SB) em residentes multiprofissionais em saúde de oito áreas de um hospital universitário por meio de estudo descritivo, transversal, qualitativo e quantitativo, no qual participaram 46 residentes. Utilizou-se um Questionário Informativo com dados sociodemográficos, ocupacionais e uma pergunta aberta relativa a sugestões dos residentes para aprimoramento da rotina. Utilizou-se também o Inventário de Burnout no Trabalho. Observou-se que não houve diferença significativa entre os residentes dos dois níveis (R1 e R2) quanto à SB, que 65% dos participantes não apresentavam SB, 60% estavam no estágio de alerta para aparecimento da SB e 31% no de atenção. A maioria era do sexo feminino (89%), 52% tinham entre 22 e 25 anos, 57% eram residentes do primeiro ano e 50% moradores do município do Rio de Janeiro. Quanto às relações entre a SB, variáveis sociodemográficas e ocupacionais, identificou-se somente relação de dependência com a variável profissão, sendo as áreas da Farmácia e do Serviço Social as que tiveram maior número de participantes com SB. Os residentes sugeriram que para melhoria da rotina, é necessário maior presença dos preceptores, aumento no número de profissionais no hospital, melhores condições de trabalho, redução da jornada e maior interação entre profissionais.
Palavras-chave: burnout; residentes multiprofissionais; hospital universitário.
ABSTRACT
Burnout Syndrome (BS) has been investigated in multi-professional health residents from eight areas of a university hospital. A descriptive, transversal, qualitative and quantitative research was applied, with 46 residents participating. Study participants answered an informative questionnaire about socio demographic, occupation data and suggested ideais to improve routine. The Burnout Inventory at Work was also used. It was observed that there was no significant difference between residents of the two levels (R1 and R2) in relation to BS. It was noted that 65% of the participants did not show BS, 60% were at alert phase to BS beginning and 31% were at attention phase. Most participants were female (89%), more than half (52%) were 22 to 25 years old, 57% were from the first year of residence and 50% were living in Rio de Janeiro city. Relations between BS, sociodemographic and occupational variables were verified. Dependent relation was verified only with the occupation variable. Pharmacies and Social Service were the areas with the most participants with BS diagnostic. To improve routine, residents suggested more presence of preceptors, increased number of professionals in hospital, better working conditions, reduced working hours and more interaction between professionals.
Keywords: burnout; multi professional residents; university hospital.
Introdução
As pesquisas sobre a SB tiveram início na década de 1970 nos Estados Unidos pelo psicólogo alemão Freudenberger (1974). Segundo ele, no início dos seus estudos, o burnout se referia à falta de investimento na área da vida onde há mais expectativa de sucesso, em especial, nos aspectos relacionados ao trabalho, o que gerava frustração. Posteriormente, Maslach e Jackson (1981) ampliaram o conceito da síndrome ao evidenciar aspectos físicos e psicossociais. Para Benevides-Pereira (2008), a SB se desenvolve em decorrência do estresse emocional e interpessoal no trabalho, afastando cada vez mais profissionais por questões orgânicas e psicológicas (Silva, Soares, Fernandes, Rocha, & Silva, 2018).
A definição mais influente na atualidade para a SB é a de Maslach e Jackson (1986), as quais a definem como uma reação à tensão emocional crônica gerada por meio do contato direto e excessivo com outros seres humanos, presente na rotina de profissionais de saúde. Para elas, a SB envolve três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e baixa realização no trabalho e para diagnosticar a SB é necessário que as três dimensões estejam presentes em níveis acentuados. A exaustão emocional, decorre do desgaste emocional associado ao trabalho de assistência e cuidado direto com os pacientes. Já a despersonalização se refere ao crescimento de atitudes e sentimentos negativos para com as pessoas que o indivíduo precisa se relacionar no ambiente de trabalho. A baixa realização no trabalho evidencia a insatisfação do profissional no seu ambiente laboral.
A SB foi incluída em maio de 2019, no capítulo dos problemas associados ao emprego e desemprego da CID-11, que entrará em vigor em 2022. No Brasil, em 1999, o Ministério da Saúde a incluiu na lista de doenças relacionadas ao trabalho por meio da Portaria n. 1.339 (Brasil, 1999). Em 2007, foi inserida na Lista B da Previdência Social, sob o título Transtornos Mentais e do Comportamento relacionados com o trabalho, por meio do Decreto nº 6.042, conforme Carlotto e Câmara (2008). Além dos prejuízos sofridos pelo indivíduo, costuma gerar despesa para a organização empregadora, afetar a qualidade do serviço oferecido, a produtividade e o lucro, de acordo com Trigo, Teng e Hallak (2007). Malasch e Jackson (1986) afirmam que a SB atinge com mais frequência indivíduos que exercem atividades de cuidados com outros, visto que nessas relações a possibilidade de dificuldades emocionais estão mais evidentes.
Moreira, Patrizzi, Accioly, Shimano e Walsh (2016) afirmam que a área da saúde é um setor de prestação de serviços que corresponde a atividades essenciais para a vida humana. Os profissionais que atuam nesta área são descritos como os que enfrentam maiores riscos de estresse ocupacional, destacando-se ainda os distúrbios do sono, que podem estar ainda mais frequentes devido ao trabalho em turno e às longas jornadas de trabalho. Eles ganham destaque nesse aspecto por estarem em contato direto com os pacientes, familiares e estressores do ambiente do trabalho, o que pode favorecer o aparecimento da SB, conforme Straub (2014). Benetti, Stumm, Izolan, Ramos e Kirchner (2009) apontam também outras causas, tais como: o contato contínuo com o sofrimento, a dor e a morte; a diminuição do valor social do profissional pela sua família; a sobrecarga de trabalho; a carência de recursos para desempenhar o papel adequadamente; a diminuição nos diversos tipos de recompensa e estímulos em sua atividade; a inquietação e ameaça de sofrer críticas por mau desempenho de sua prática laboral e encarar problemas éticos resultantes do avanço tecnológico.
Considerando que o presente estudo teve como objetivo investigar a SB em residentes multiprofissionais, convém salientar que a Residência Multiprofissional em Saúde (RMS) se constitui em uma pós-graduação latu-senso que reúne teoria e prática. Existente desde 1975, foi regulamentada trinta anos depois, com a Lei n. 11.129 de 30 de junho de 2005 (Brasil, 2005), sendo orientada pelos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir das necessidades e realidades locais e regionais, e contempla as seguintes profissões da área da saúde: Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional. Os programas de residência são caracterizados por um período de desenvolvimento pessoal e profissional marcado por longas jornadas de trabalho, pouco tempo para descanso, privação do sono, constante cobrança de tutores, preceptores e pacientes, aumento da responsabilidade profissional e diminuição do tempo para a vida social, amigos, família e lazer (Guido, Silva, Goulart, Bolzan, & Lopes, 2012).).
No Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), local onde o presente estudo foi realizado, o Programa de RMS teve início no ano de 2010. Com o passar do tempo, o número de vagas e de profissões contempladas aumentou e hoje são oito áreas que recebem anualmente 27 residentes. De acordo com a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS), eles devem cumprir uma carga horária de 60 (sessenta) horas semanais, sendo 20% dela dedicada a atividades teóricas e 80% a atividades práticas.
Considerando a relevância da SB em residentes multiprofissionais em saúde, o presente estudo se justifica e teve como objetivo geral investigar a presença da síndrome nessa categoria. Além disso, objetivou-se comparar a presença da SB entre residentes multiprofissionais em saúde do primeiro e do segundo ano de residência; investigar relações entre dados sociodemográficos e ocupacionais com resultados do Inventário de Burnout no Trabalho; verificar a presença da SB de acordo com a categoria profissional e coletar sugestões dos residentes multiprofissionais em saúde para aprimoramento da rotina de trabalho. Foram levantadas as hipóteses de que a maior parte dos residentes multiprofissionais em saúde apresentaria a SB e de que haveria prevalência da SB em residentes do segundo ano (R2) quando comparados com os do primeiro ano (R1). Acredita-se que o estudo possa contribuir para produção científica na área ao apresentar novos dados sobre a SB em residentes multiprofissionais em saúde de um hospital universitário da cidade do Rio de Janeiro.
Método
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do HUCFF, acreditado pelo Sistema CEP/CONEP, sob o número 94407618.1.0000.5257, no dia 27/09/2018. Participaram do estudo 46 residentes multiprofissionais em saúde do HUCFF/UFRJ, (R1 e R2) que estavam regularmente matriculados na RMS, sendo cinco residentes do Serviço Social, sete da Enfermagem, cinco da Farmácia, sete da Fisioterapia, sete da Fonoaudiologia, seis da Nutrição, cinco da Psicologia e quatro da Terapia Ocupacional. Foram critérios de inclusão que os residentes não tivessem estado de licença (de qualquer tipo) nos três meses anteriores à realização da pesquisa, que durante a realização da pesquisa estivessem exercendo suas atividades na residência e que concordassem em participar do estudo assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Convém mencionar que o pesquisador era um residente multiprofissional da categoria Psicologia, tendo o estudo se constituído em seu Trabalho de Conclusão de Curso e, consequentemente, não foi um participante da pesquisa.
Foram utilizados dois instrumentos, sendo um deles o Questionário Informativo que visou a obtenção de informações pessoais e profissionais acerca dos participantes da pesquisa, como idade, sexo, profissão, ano de residência (R1 ou R2), tempo de formado, cidade e estado de origem. No final do questionário acrescentou-se a seguinte pergunta aberta: Quais sugestões você daria para melhorar a rotina de trabalho? O segundo instrumento utilizado foi o Inventário de Burnout no Trabalho (IBT) (Damásio & Borsa, 2018) que objetiva verificar a presença da SB, tendo como propriedades psicométricas: Índices de Adequação de Ajuste (CFI = 0,958; TLI = 0,954; RMSEA = 0,094 (0,090 - 0,097) e Fidedignidade composta de cada um dos fatores (Exaustão Emocional = 0,958; Despersonalização = 0,939; Baixa Realização no Trabalho = 0,940). O IBT é um inventário autoaplicável, com 25 itens e funciona como um índice geral (soma de todos os fatores) e como os fatores específicos (Exaustão Emocional, Despersonalização e Baixa Realização no Trabalho). Ambas as dimensões são suportadas nas análises fatoriais.
Os dados do IBT foram organizados em ordem crescente e calculados os quartis, de modo que os valores obtidos fossem distribuídos em quatro partes iguais, base para categorização dos participantes em função dos níveis da SB (inferior, médio, médio superior e superior). O critério utilizado para diagnosticar a presença da SB foi o valor percentual de respostas de números 4 (Concordo) e 5 (Concordo Totalmente) aos quesitos do IBT em cada um dos três domínios sendo contabilizado estes percentuais para cada profissional. Para ter a síndrome, o residente deveria pontuar acima da média nas três dimensões. Se pontuasse acima da média em apenas duas dimensões, estaria em Estágio de Alerta (EL) e se pontuasse acima da média em apenas uma dimensão estaria em Estágio de Atenção (ET).
Os dados coletados foram armazenados em planilha Excel e os cálculos das análises estatísticas foram executados utilizando o software estatístico franco-alemão XLSTAT. Todas as análises foram precedidas de um estudo descritivo dos dados do arquivo. As variáveis quantitativas foram testadas para comprovar se obedeciam a uma distribuição Normal (Curva de Gauss). Para análise da pergunta aberta, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, de Bardin (2011), que analisa o conteúdo coletado em entrevistas ou observado pelo pesquisador. Procura-se classificar o conteúdo em temas ou categorias para a compreensão do que vai além do discurso. A metodologia da análise de conteúdo envolve as fases de pré-exploração, de seleção e categorização (Silva & Fossá, 2015). Na primeira fase são sistematizadas as ideias iniciais colocadas pelo quadro referencial teórico e se estabelecem indicadores para a interpretação das informações coletadas. A fase de seleção consiste na construção das operações de codificação, considerando-se os recortes dos textos em unidades de registros, a definição de regras de contagem e a classificação e agregação das informações em categorias simbólicas ou temáticas. Já na última fase é realizado o tratamento dos resultados, inferência e interpretação, captando os conteúdos manifestos e latentes contidos em todo o material coletado (entrevistas, documentos e observação).
Resultados
Quanto aos dados sociodemográficos e profissionais, verificou-se que 57% dos participantes estavam no primeiro ano da residência e metade (50%) havia se formado na graduação há mais de 13 meses e há menos de 24. A maior parte era do sexo feminino (89%), havendo predominância da faixa entre 22 e 25 anos (52%). Quanto ao local de origem, 82% dos residentes eram do estado do Rio de Janeiro e a metade do município do Rio de Janeiro (50%) (Tabela 1).
Quanto à SB, considerando a amostra total, observou-se que 30 (65%) não apresentaram a síndrome e 16 (35%) sim. Considerando o total de residentes por nível (R1 e R2), os dados indicam que dos 26 participantes R1, 9 (35%) estavam com SB e dos 20 participantes R2, 7 (35%). Utilizando-se o Teste Exato de Fischer, no que se refere à relação entre a presença da SB e estar no R1 ou R2, não houve diferença significativa (p=0,63). É importante destacar que além dos 16 residentes com a síndrome, considerando a amostra total, 9 (60%) revelaram estar no EL para o aparecimento da SB e 5 (31%) no ET como mostra a Tabela 2.
Analisando por ano de residência, dentre os 17 (37%) participantes sem a síndrome, 8 (47%) não apresentavam sinal algum de SB, já 5 (29%) R1 estavam em EL e 4 (23%) em ET. Já, dentre os R2, dos 13 (28%) sem a síndrome, 8 (61%) não apresentavam sinais, 4 (31%) estavam em EL e 1 (8%) estava em ET.
Utilizando-se o Teste Exato de Fischer, no que se refere à relação entre a presença da SB e o sexo (p=0,89) e a SB e o estado de origem (p=0,62), não houve diferença significativa. Por meio do teste T de Student, não houve relação entre a SB e média da idade dos participantes (p=0,45), assim como a média do tempo de formado (p=0,53). Já a análise, por meio do Teste G3m de Wilks, não encontrou relação de dependência entre a síndrome e a cidade de origem (p=0,08). O mesmo teste revelou que entre a SB e a profissão foi encontrada relação de dependência (p=0,016). Considerando os residentes com a SB (16/35%), observou-se que as profissões com maior número foram Serviço Social e Farmácia, com quatro participantes cada uma. A seguir, a Nutrição com três e depois a Fisioterapia com dois. Convém ressaltar que as áreas de Enfermagem, Psicologia e Terapia Ocupacional apresentaram apenas um residente com a síndrome cada uma e na área de Fonoaudiologia não se verificou nenhum participante com SB.
A parte qualitativa deste estudo foi caracterizada pela pergunta aberta: "Quais sugestões você daria para melhorar a rotina de trabalho. Após a transcrição e a leitura flutuante das respostas dos participantes, seguiu-se a exploração do material, onde cada resposta foi recortada em unidades de registro (parágrafos). Esses dados foram agrupados em categorias de acordo com a regularidade com que determinados elementos apareceram e se repetiram. Assim, foram criadas 20 categorias alocadas em 7 áreas temáticas (Tabela 3).
A área temática "Qualificação" foi a mais citada como sugestão para melhorar a rotina de trabalho (21/25%), sendo nesta área, a categoria "Presença de preceptores nas atividades" a mais manifestada pelos residentes (12/57%), seguida da categoria "Aulas teóricas específicas de cada área no segundo ano da residência" (7/33%). A segunda área temática mais evidenciada foi "Jornada de trabalho" (19/23%), sendo que nesta área, a categoria "Diminuição da carga horária de trabalho" teve mais citações (7/37%). A terceira área temática mais identificada foi "Relacionamento/Comunicação" (15/18%) tendo a categoria "Encontros com profissionais para compartilhar conhecimento" (8/53%) como a mais citada, seguida por "Melhor comunicação entre residentes multiprofissionais e funcionários" (4/27%) e "Melhor comunicação com os médicos" (3/20%).
Discussão
Considerando o perfil da amostra, o fato de haver predominância do sexo feminino mostra-se coerente com a pesquisa de Goulart, Silva, Bolzan e Guido (2012) realizada, em 2011, com residentes multiprofissionais em saúde de um hospital universitário do Rio Grande do Sul. O estudo revelou que dos 37 residentes participantes, 84% eram do sexo feminino. Machin, Couto, Silva, Schraiber, Gomes, Figueiredo & Pinheiro (2011) ressaltam que é possível também que a área da saúde, que envolve o cuidado com o outro e, consequentemente, uma maior sensibilidade, favoreça com que a mulher tenha mais afinidade com tais funções. Souza e Silva (2002) em estudo realizado com 239 profissionais da área de saúde encontraram prevalência do sexo feminino (81%) em relação ao masculino, o que pode reforçar a ideia de que as mulheres busquem mais a área da saúde do que os homens. Não se sabe quais as razões exatas para que haja procura maior de mulheres nas universidades e na residência entre brasileiros, mas Guedes (2008) salienta que a análise do processo de escolarização feminina e sua inserção em cursos superiores é fundamental, já que o acesso às universidades representa a possibilidade de ascensão social e concorrência por melhores postos de trabalho, bem como a ocupação de espaços tradicionalmente ocupados por homens. Acredita-se que o fato de durante tantos anos as mulheres terem sido excluídas do processo de escolarização e do ensino universitário tenha gerado uma demanda represada. A igualdade de direitos entre homens e mulheres conquistada pode ter contribuído para uma busca acadêmica por parte das mulheres que se revela nas pesquisas, conforme Leta (2003).
Quanto à faixa etária prevalente na amostra, considerando estudos anteriores realizados por Goulart et al. (2012) e Guido et al. (2012), observou-se resultado aproximado, já que no presente estudo era de 22 a 25 anos e nos estudos citados era de 25 e 29 anos. A faixa etária revela-se em sintonia com o fato de que a residência tem como objetivo uma continuidade na formação do profissional, ou seja, graduados em diversas áreas da saúde podem se especializar com a experiência oferecida pela residência. Além disso, a idade dos participantes se revela coerente com o fato de que a metade da amostra tinha menos de dois anos de formado, o que vai ao encontro do estudo de Goulart et al. (2012) que revelou que a maior parte dos participantes da pesquisa (42%) tinha se formado há um ano. É possível que esses dados apontem a RMS como primeira opção de uma pós-graduação devido à concessão de bolsas de estudo para quem acabou de sair da universidade, além de oferecer também a formação teórica e prática de uma especialização. Ao vivenciar durante dois anos as atividades de uma RMS, o profissional tem duas experiências paralelamente: o conhecimento teórico de uma pós-graduação e a prática ao ser treinado em serviço como preconiza a CNRMS formando profissionais para atuar, especialmente, no SUS (Rosa & Lopes, 2009).
É interessante observar que o número de residentes do município do Rio de Janeiro era o mesmo que de outros municípios do estado do Rio de Janeiro. A diversidade de local de origem dos residentes favorece a troca de experiências e a ampliação do conhecimento, especialmente considerando que eles atuam no primeiro ano de residência de forma multidisciplinar mantendo contato diário no ambiente de trabalho com profissionais de outras áreas. Tais aspectos podem se constituir em fatores motivacionais para a busca da residência na UFRJ. O fato de a maioria dos participantes do estudo ser do estado do Rio de Janeiro (82%) em relação a outros estados do Brasil, parece coerente com a facilidade de deslocamento e de acesso. No entanto, a distância não se mostra um empecilho para todos, pois 18% dos participantes não eram do Rio de Janeiro e mesmo assim se motivaram a vir buscar aprimoramento e conhecimento na RMS do HUCFF/UFRJ. Vale destacar que cursar a residência em uma grande cidade e estar em contato com profissionais de referência em suas áreas também podem ser motivos de interesse pelo hospital universitário supracitado. A residência pode representar uma possibilidade de crescimento profissional e estabilidade financeira decorrente da especialização, pois além de oferecer conhecimento teórico e prático, abre as portas para a empregabilidade e pode significar a busca por uma boa qualidade de vida (Santana da Silva, Magalhães, Carvalho, Costa Neto, & Canabarro, 2018).
Quanto ao índice de residentes com a SB, a pesquisa revelou percentuais maiores ou iguais aos registrados em estudos anteriores. Guido et al. (2012), em pesquisa realizada no Rio Grande do Sul, identificaram 27% dos residentes multiprofissionais em saúde com a síndrome. Já a pesquisa de Araújo Silva e Mergulhão Silveira (2017), realizado em Pernambuco, encontrou 35% dos participantes com a síndrome, mesmo percentual revelado no presente estudo. Apesar de a maior parte da amostra do presente estudo não estar com a SB (65%), a porcentagem de residentes com a SB (35%) não deixa de ser preocupante, pois considerando os sintomas da SB, a qualidade de vida daqueles profissionais pode estar bastante prejudicada. Já, o estudo de Silveira et al. (2016), que teve como metodologia a revisão sistemática do período 2005-2015 de pesquisas realizadas em 11 países, revelou que a SB foi identificada em cerca de 60% dos profissionais de saúde, nem todos residentes, avaliados nos estudos encontrados, número maior que o encontrado na presente pesquisa. Convém enfatizar que o estudo supracitado incluiu outras profissões de saúde, além de residentes, o que pode ter contribuído para a maior porcentagem encontrada de profissionais com SB.
Quanto a presença ou não da SB, observou-se uma porcentagem aproximada entre R1 e R2, não havendo diferença significativa entre eles, o que leva a uma importante reflexão, pois são momentos diferentes e com alguns desafios peculiares. Os residentes ao ingressarem no Programa trabalham em equipe diariamente o que exige adaptação e desenvolvimento de posturas apropriadas para interação e discussão entre profissionais de áreas diversas com posicionamentos diferentes. Franco, Barros, Nogueira-Martins e Zeitoun (2011) apontam que os R1 são profissionais recém-egressos da universidade, jovens e inexperientes na vida profissional que buscam instrumentalização teórica e prática na residência. Portanto, inicialmente, podem apresentar sentimentos de incompetência e desvalorização, mas que, gradualmente, podem dar lugar à reconstrução pessoal, profissional e de competência. Já os R2 têm, além das exigências do serviço em que estão inseridos, que cursar disciplinas para cumprimento das horas teóricas exigidas e elaborar o Trabalho de Conclusão de Curso que é uma exigência no final da residência. Outro importante estímulo estressor nesse momento costuma ser a incerteza referente ao mercado de trabalho e possibilidades de emprego quando terminarem a RMS, o que é considerado por Christofoletti, Trelha, Galera e Feracin (2007) como um fator que pode desencadear a SB. Tais aspectos poderiam levar a diferenças entre os dois momentos dos residentes quanto ao burnout, no entanto isso não ocorreu. Sugere-se novos estudos que possam aprofundar o tema entre residentes das diferentes etapas. Como foi possível verificar pelos resultados obtidos, a maior parte dos participantes não apresentou a SB, mas, dentre esses, alguns apresentaram resultados compatíveis com níveis de alerta (20%) e de atenção (11%). Acredita-se ser importante que os sinais iniciais da SB sejam identificados para que um trabalho de prevenção seja realizado e a SB não chegue a se desenvolver. Segundo Reinhold (2002) para a prevenção é importante o cuidado com a saúde, boa qualidade do sono, prática de atividades físicas, alimentação saudável e uso de técnicas de relaxamento.
Verificou-se que as áreas com maior número de profissionais com a síndrome foram o Serviço Social e a Farmácia, seguindo-se da Nutrição. Aos assistentes sociais cabe prestar serviços sociais orientando indivíduos, famílias, comunidade e instituições sobre direitos e deveres (normas, códigos e legislação), serviços e recursos sociais e programas de educação. Compete ao grupo também planejar, coordenar e avaliar planos, programas e projetos sociais em diferentes áreas de atuação profissional (seguridade, educação, trabalho, jurídica, habitação e outras). A precarização do trabalho destes profissionais e jornadas excessivas são fatores de adoecimento que podem levar a SB como mostra estudo de Delgado (2013). Quanto aos profissionais de Farmácia com a SB, o alto índice encontrado chama a atenção, pois os resultados se opõem a estudos anteriormente publicados como o de Araújo (2014), em Portugal. Nesse estudo, participaram da amostra 53 farmacêuticos e os resultados demonstraram índices baixos nas dimensões tornando condizente com a ausência da SB. Os resultados encontrados por Araújo são compatíveis com os obtidos na pesquisa de Santos (2012), na região da Borborema, na Paraíba. Esse estudo que contou com 111 profissionais de equipes multiprofissionais dos Centros de Atenção Psicossociais revelou que, dos três profissionais da Farmácia participantes da pesquisa, a SB não estava presente em nenhum deles. Logo, novos estudos devem ser realizados para compreender melhor os altos índices da síndrome nos farmacêuticos residentes do HUCFF. A área da Nutrição seguiu-se como uma das que apresentaram profissionais com índices altos da SB. Novamente, é válido destacar que carecem de estudos onde possam ser feitas comparações com os dados revelados na presente pesquisa. É importante ressaltar que a área da Nutrição é a única da residência que inclui plantões nos finais de semana, fato que pode contribuir para o estresse desses profissionais e, consequentemente, para o aumento nos escores das dimensões da SB. Tal resultado indica a necessidade de novos estudos com maior número de participantes, em outras instituições, e que investiguem estímulos estressores presentes nos contextos dessas profissões.
De acordo com a análise qualitativa, a área temática "Qualificação" foi a que teve a maioria de sugestões por parte dos residentes para melhoria da rotina de trabalho. Nessa área, a presença de preceptores nas atividades e aulas teóricas específicas no segundo ano da residência foram as categorias com maiores percentuais. Esses dados indicam a percepção dos participantes quanto à necessidade de mais preceptores no hospital para que seja possível atender à demanda sinalizada por eles. Pesquisa de Bispo, Tavares e Tomaz (2014) vem ao encontro do presente estudo ao sinalizar possível prejuízo que a sobrecarga de trabalho dos preceptores promove ao processo de formação dos profissionais envolvidos na residência. Vale ressaltar também que os residentes desejam uma supervisão mais presente para dar suporte no dia a dia de modo a se sentirem mais seguros na sua atuação. Estudos anteriores também verificaram as dificuldades enfrentadas pelos residentes relacionadas a preceptoria. Araújo Silva e Mergulhão Silveira (2017) ressaltam que, apesar da variedade de definições conferidas ao preceptor, o que não se pode perder de vista é o seu componente pedagógico no processo educativo, seja enquanto fomentador da clínica ou facilitador de outros aspectos. Pesquisa realizada por Hartzler, Ballentine e Kauflin (2015) com preceptores apontou para o fato de a escassez de tempo representar uma expressiva fragilidade para o desempenho da preceptoria. Para Cheade, Frota, Loureiro e Quintanilha (2013) muitos dos profissionais de saúde não receberam, ao longo de sua formação acadêmica, metodologias de ensino pautadas no trabalho multiprofissional em busca do cuidado integral. A proposta de educação em saúde, de modo permanente, pode ser uma solução para superar a dificuldade, indo ao encontro dos princípios e diretrizes do SUS (Fernandes et al., 2015).
A segunda área temática mais citada foi "Jornada de trabalho" sendo a "Diminuição da carga horária de trabalho" e "Reconhecer o residente como profissional em formação" as categorias com maior expressão. Alguns residentes relataram que muitas vezes se sentem meramente como mão-de-obra para determinados serviços. Tais relatos corroboram estudo realizado por Moreno, Gil, Haddad e Vannuchi (2011) que revelou que a qualidade de vida de residentes da área médica é bastante prejudicada, referindo-se à relação entre esta e a alta carga horária, tempo de lazer insuficiente, insatisfação com a residência, que pode ser devido às condições gerais de treinamento e a falta de estrutura pedagógica. A terceira área temática com maior número de sugestões foi referente ao "Relacionamento/Comunicação", sendo "Encontros com profissionais para compartilhar conhecimento" e "Melhor comunicação entre residentes multiprofissionais e funcionários" as categorias mais citadas. A relação entre a comunicação e o estresse é evidenciada na literatura e estudos indicam que problemas de relacionamento e falta de comunicação entre equipes são fatores determinantes de estresse (Barboza, Braga, Perleberg, Bernardes, & Rocha, 2013). O apoio social advindo de relações de boa qualidade tem sido evidenciado em várias pesquisas, inclusive o relacionando a influências nos sistemas cardiovascular, imunológico e neuroendócrino. Ele envolve uma série de aspectos, como reciprocidade, informação falada ou não, suporte material, constituindo-se em contatos que contribuem para consequências positivas no nível emocional e comportamental, conforme Gonçalves, Pawlowski, Bandeira e Piccinini (2011).
Considerações finais
Conclui-se que os objetivos do estudo, geral e específicos, foram alcançados e que as hipóteses de que a maior parte dos residentes multiprofissionais em saúde apresentaria a SB e de que haveria prevalência da SB em residentes do segundo ano (R2) quando comparados com os do primeiro ano (R1), não foram confirmadas. O fato de 65% dos residentes não estarem com a SB e de haver diferença entre os níveis, é um dado importante e tranquilizador, no entanto não se pode deixar de valorizar os 35% que apresentaram a síndrome. Tal dado configura-se uma realidade preocupante para a qualidade de vida e da assistência aos pacientes, comprovando que parte considerável dos residentes está vulnerável a adoecer.
Faz-se necessário indicar algumas limitações desse estudo para que as pesquisas futuras as considerem, as quais são inerentes a pesquisas com seres humanos. Primeiramente é importante ressaltar que os resultados não podem ser generalizados para outras instituições, pois são específicos para a amostra estudada. Além disso, o número de participantes é reduzido para que se façam generalizações. Há que se considerar também que as condições de tempo disponível e fatores emocionais dos participantes no momento do preenchimento do instrumento podem ter influenciado as respostas. Apesar das limitações, acredita-se que as sugestões de ações coletadas, assim como os resultados do inventário utilizado para avaliar a presença da SB, podem ser uma contribuição relevante. Sugere-se novos estudos para confirmação ou não dos resultados aqui encontrados.
Referências Bibliográficas
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Vitor Siqueira de Moraes Mesquita - Mestrando pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Especialista em Saúde na área de Clínica Médica pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (Modalidade Residência). Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental pelo Centro Universitário Celso Lisboa.
Lucia Emmanoel Novaes Malagris - Professora do Programa de Pós Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutorado em Ciências pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em fisiopatologia clínica e experimental em stress e hipertensão. Pós-doutorado em Psicologia pela PUC de Campinas na área do stress. Terapeuta Cognitiva certificada pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).