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Revista Psicologia Política
versão On-line ISSN 2175-1390
Rev. psicol. polít. vol.10 no.20 São Paulo dez. 2010
RESENHA
Conversas sobre os desmandos estadunidenses no mundo
Talks on the american excesses in the world
Conversaciones sobre los excesos estadounidenses en el mundo
Antonio C. Ribeiro Tupinambá*
Universidade Federal do Paraná – Brasil
Universidade de Lüneburg – Alemanha
Obra: What we say goes: Conversations on US Power in
a Changing World.
Autor: Noam Chomsky
Londres: Penguin, 2009.
223 páginas.
ISBN: 978-0805086713
How dare you molest the seas with your piracy?
The pirate answered. How dare you molest the
world? I have a small ship, so they call me a
pirate. You have a great navy, so they call you
an emperor… (Um suposto encontro do
Imperador Alexandre com um pirata)
No discurso de agradecimento depois de laureado com o prêmio Nobel da Paz de 2009, o presidente estadunidense Barack Obama apresentou argumentos tradicionais, que poderiam ter sido retirados das falas de qualquer um de seus antecessores. A força e o poder no âmbito das relações internacionais aplicados aos Estados inimigos que se comportem de forma antagônica aos interesses dos Estados Unidos e de seus colaboradores ditos civilizados traduziram o conceito de guerra justa apregoado pelo presidente Obama. Ações bélicas dessa natureza justificam o tratamento que Washington e os demais centros do poder dão ao resto do mundo, ou seja, aos nomeados “Estados párias”. A equação é simples: os que ditam as regras do jogo político e econômico podem se portar alheios aos acordos e às normas estabelecidas nos fóruns internacionais, enquanto os demais devem obedecê-las. A esse centro de poder liderado por Obama, compete evitar acordos internacionais que possam limitar seu arco de ação. Basta, portanto, se utilizar de decisões que ratifiquem posturas ou se apoiar em referências para justificar ditames próprios. Planos e projetos de interesse nacional, ainda que envolvam outros países, jamais devem ser questionados. Com o discurso sobre a paz a ser conquistada pela guerra, Washington se isenta do efeito de convenções ou tratados internacionais, forçando os demais países a se referir e se limitar aos princípios estadunidenses.
A postura do presidente agraciado com o Nobel da paz vai de encontro ao que Noam Chomsky, verdadeiro pacifista e cidadão do mundo, afirma acerca da prepotência dos Estados Unidos e de sua ingerência unilateral em diversos países periféricos, a exemplo do que sucedeu no Iraque e no Afeganistão: “Os Estados Unidos devem tornar claro aos seus adversários que a sua reação tanto pode ser de resposta como de antecipação”. Também devem rejeitar o objetivo expresso em tratados internacionais sobre desarmamento e “não devem sujeitar-se às Garantias de Segurança Negativa que proíbem o uso de armas nucleares contra os Estados não nucleares” (Chomsky, 2003:15). O discurso de Obama acerca da paz por meio da guerra quer justificar ações ilegais levadas a cabo pelos Estados Unidos e seus associados, num desprezo aberto pelas determinações legais, o que está profundamente enraizado na prática e cultura intelectual americanas. Mas o mundo reage com ceticismo ao discurso sobre guerras justas. A intervenção no Iraque, baseada em grandes falácias, é o exemplo de uma guerra injusta. O que veio a serviço da manutenção da hegemonia norteamericana continua causando mal-estar e nuvens de temor e desesperanças.
O horizonte geopolítico dos dias de hoje não apresenta qualquer rompimento com outros horizontes já há muito vislumbrado por alguns poderosos chefes de Estado em questões internacionais, a exemplo dos últimos presidentes dos Estados Unidos, que sempre deram a última palavra em decisões domésticas ou externas. Noam Chomsky, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) com vasta atuação na área da linguística e da política, continua apresentando, no seu livro de entrevistas intitulado “What we say goes: Conversations on US Power in a Changing World”, argumentos que consolidam a ideia de continuidade da prática hegemônica estadunindense, que justificam a sua onipresença bélica mundial, mesmo quando a situação exige um discurso sobre a paz.
O livro mantém a tradição chomskyana de crítica à força e poder no âmbito das relações internacionais que emanam dos Estados Unidos e são justificados quando aplicados aos Estados inimigos que se comportam de forma contrária aos interesses do mundo, dito civilizado: os que ditam as regras do jogo político e econômico e se portam alheios aos acordos e normas estabelecidos nos fóruns internacionais, a quem compete evitar tais acordos impedidores da sua livre ação. Há uma ideia central que se deixa apreender do primeiro capítulo que dá nome ao livro “What we say goes”: todas as estratégias aplicadas visam à obtenção da obediência e da subordinação total ao poder central de Washington, inviabilizando qualquer projeto de democracias locais.
Em 15 de agosto de 2006, Noam Chomsky falou em Cambridge, Massachusetts sobre a invasão israelense no Líbano e mostrou a contradição do governo George W. Bush, ao atribuir ao Hezbollah a origem do ataque. Uma invasão, segundo o autor, israelita-americana, tendo em vista ter sido feita sob os auspícios e com as armas de Washington. Esse tema deu origem ao capítulo dois do livro “O Líbano e a crise no Oriente Médio”. Trata-se também de velhas questões em torno da criação e da aceitação/rejeição, por nações implicadas nos conflitos locais, do projeto para dois Estados na região, um formado pelo povo judeu e outro pelos palestinos. A inquietação das nações vizinhas e o poderio militar israelense criam um desequilíbrio local que preocupa o mundo e mantém atentas as nações patrocinadoras da guerra.
No seu livro “Estados Párias: a lei da força nos assuntos internacionais”, Chomsky (2003) assevera com seu julgamento as abissais diferenças na distribuição de poder entre nações fortes e fracas. Assim, as primeiras podem se manter alheias ao efeito de convenções ou tratados, os nomeados grandes países (large nations). Muitas nações têm se comportado desta forma, seja em algum ponto de sua história senão todo o tempo. Há o desenvolvimento de uma vocação dessa natureza em certos Estados, que buscam realizá-la ao extremo. Em Washington foram criados alguns recursos para os argumentos norte-americanos, de divisão de Estados, serem convincentes e “imediatamente discerníveis” pelos líderes dos “Estados párias”:
[...] Os Estados Unidos devem tornar claro aos seus adversários que a sua ‘reação’ tanto pode ser ‘de resposta como de antecipação’. Também devem rejeitar o objetivo expresso no Tratado de Não-Proliferação e não devem sujeitar-se às ‘Garantias de Segurança Negativa’ que proíbem o uso de armas nucleares contra os Estados não nucleares. (p. 15)
Segundo Chomsky (2003), há nas ações ilegais levadas a cabo pelos Estados Unidos e associados, um “desprezo aberto”: o desprezo pelas determinações legais está profundamente enraizado na prática e cultura intelectual americanas. O capítulo três do livro em questão se intitula “Latin America: Stirrings in the servant’s quarters” e traz novos conceitos sobre o que significa a democracia nos países periféricos do sul, nomeadamente aqueles que experimentam na atualidade novos governos de tendências ditas de esquerda e que vêm sendo sistematicamente rejeitados pelo poder central estadunidense. O que significa denominar antidemocráticos governos como os de Hugo Chaves na Venezuela, de Evo Morales na Bolívia e de Rafael Correa no Equador? Os Estados Unidos têm um conceito particular para o termo “democracia”: “faça o que dissermos”. Os acordos desses países do sul são analisados à luz do temor estadunidense de perda de poder na região e, por outro lado, à luz dos grandes benefícios humanitários e sociais que dispensam às populações carentes dos países envolvidos sem depender, para sua concepção e realização, de qualquer ajuda norte-americana. Essa ideia é detestada pelos governos dos Estados Unidos.
As consequências das eleições de presidentes fora do eixo de obediência a Washington em países sul-americanos e do Caribe é tema do capítulo quatro: “The United States versus the Gospels”. O título se justifica pelo mérito do capítulo no tratamento dos movimentos emancipatórios de base religiosa, nomeadamente, a Teologia da Libertação, sua proximidade com os fundamentos de justiça descrita nos Evangelhos e o ódio despertado no governo Reagan nos anos 1980. Essa mistura explosiva entre religião e política culminou com uma “declaração de Guerra” do governo norte-americano a setores engajados da Igreja Católica. Questões de intervenções e privilégios em outros países periféricos como Bangladesh, Afeganistão ou Paquistão integram o capítulo, uma vez se encontrarem no mesmo bojo de mazelas imperialistas. Um tema recorrente nos trabalhos de Chomsky gira em torno do poder e da utilização da propaganda para fins de controle das sociedades. Isso não é diferente nos Estados Unidos, apesar da sua imagem de país com grande liberdade de expressão e de imprensa. O estudo da evolução dessa mídia na sociedade americana também está presente no livro atual, especialmente no que tange a seu papel e seu percurso para as expressões políticas da população face aos atos intervencionistas norte-americanos ao redor do mundo nas últimas décadas. Mudanças nos modos de expressão popular são visíveis, quando se compara o que se podia fazer, enquanto cidadão que protesta nos Estados Unidos na década de 1960 e hoje em dia. Contudo, a mídia continua selecionando temas e limitando informações acerca da participação estadunidense nas campanhas internacionais de controle político de países sob sua tutela explícita ou não. Por exemplo, notícias sobre a construção de bases militares permanentes no Iraque são limitadas e controladas. Isso desemboca em uma questão em voga na sociedade norteamericana acerca de reformas na mídia nacional e suas consequências para o debate de temas de interesse local, que pela dimensão natural se transformam em temas de interesse global. Essas questões são amplamente debatidas em duas entrevistas concedidas em Cambrigde, Massachusetts em janeiro e em fevereiro de 2007 que deram origem aos respectivos capítulos “The framework for Thinkable Thoughts” e “Invasions and Evasions”.
Neste sexto capítulo, o tema é abordado, principalmente, a partir das mudanças, ao longo das décadas, a partir dos anos 1960, das visões dos diferentes setores da sociedade norteamericana do papel de Israel na viabilização dos interesses de suas políticas de intervenção e domínio no Oriente Médio. Um país que ameaça dentro de uma situação global ameaçadora. São muitos os medos que mobilizam a humanidade e a deixa insatisfeita e atenta. Também são muitas as questões de ameaça tratadas no penúltimo capítulo do livro, “Threats”. Não se trata apenas de questões emblemáticas e atuais como aquelas que formaram a pauta da Conferência das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas em Copenhagen em novembro de 2009. Ao lado das questões dos efeitos do aquecimento global o autor trata do caso das armas nucleares enquanto uma perspectiva de desastre iminente: “a ameaça é séria e está se tornando cada vez mais séria” (p. 142). “Mas uma grande culpa disso tem Washington com seu militarismo agressivo e bélico que causa a proliferação de armas nucleares ao redor do mundo” (p.142).
Outros itens não menos ameaçadores fazem parte do estudo: questões das pestes propagadas que veem poucas atitudes governamentais positivas para evitar seu crescimento ou o problema da iminente falta de água potável, que poderá atingir a todos, mas de imediato deverá atingir, principalmente, a população desvalida do planeta. Temas que pressupõem uma ação cooperativa, frustrada pela impossibilidade de desenho de um governo global: “[...] porque as grandes potências, incluindo os Estados Unidos, jamais concederiam qualquer parcela de sua soberania para isso”, a exemplo do que se testemunhou na Conferência da ONU em Copenhagen em 2009, quando foi inviabilizado um acordo dessa natureza pelas posturas fechadas dessas grandes potências, em temas que poderiam ameaçar, em qualquer dimensão, sua soberania ou seu desenvolvimento econômico.
O que então é possível ser feito face a essa intransigência dos poderes centrais, a essa atitude que está imbuída no título do livro ora comentado e quer significar que “aquilo que dizemos é o que tem que ser feito”? A afirmação é de autoria de George Bush I e data de fevereiro de 1991 por ocasião do fim da Guerra do Golfo, quando afirmou orgulhosamente que havia se constituído uma “Nova Ordem Mundial”: “[...] nós a estamos estabelecendo e o princípio fundamental desta nova ordem mundial é ‘o que nós dissermos tem que ser levado a cabo’”. (p. 161). Apesar da constatação dos perigos iminentes ou não que assolam a humanidade a partir dessas forças centrais determinantes, Chomsky, não descarta algumas possibilidades de ação coletiva que podem contribuir para frear esses desmandos e diminuir os perigos daí resultantes. Para o autor, muitos críticos do sistema são negativistas e têm pouco de positivo a acrescentar. Buscando contrariar essa postura, aponta muitas sugestões que revelam seu otimismo por trás dessa avalanche de maus tratos e concentração de poder que critica e que tem levado o mundo a um sofrimento desnecessário e em muitos pontos evitável.
O capítulo que se denomina “What we can do” busca também respostas para essas questões abertas e expostas ao longo do livro e apresenta sugestões para mudanças significativas no nível governamental, comunitário ou individual, principalmente no âmbito dos países com maior concentração de poder bélico e econômico, a exemplo dos Estados Unidos:
I still think [that the United States are an organizers’ paradise], and a lot of good things are happening. You see them all over. I gave a talk a few days ago in downtown Boston at the annual meeting of a wonderful group called Vida Urbana. They were beginning their thirty-fourth year of organizing and activism in the poorest areas of Boston, mostly Latino and black… So things are happening, and a lot of them. The numbers of people involved are very high, probably higher than the 1960s, I’m convinced, but they are atomized, scattered. The one real success of power systems in the United States has been to separate people from one another, so you don’t know what’s happening. I knew very little about this group, though it’s been here for thirty-four years and has been very effective right in my own city. (p. 189)
Referências
Chomsky, Noam. (2004). Hegemony of Survival: America’s Quest for Global Dominance. New York: Owl.
Chomsky, Noam. (2003). Estados párias: a lei da força nos assuntos internacionais. Lisboa: Campo da Comunicação. [ Links ]
Endereço para correspondência
Antonio C. Ribeiro Tupinambá
E-mail: tupinamb@ufc.br
Recebido em: 27/12/2009
Revisado em: 15/04/2010
Aceito em: 01/08/2010
* Professor Associado da Universidade Federal do Ceará – Fortaleza, CE – Brasil e Professor visitante na Universidade de Lüneburg – Alemanha.