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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.2 n.1 Porto Alegre jun. 2003

 

ARTIGOS

 

Mudança psíquica avaliada pela Escala Rutgers de Progresso em Psicoterapia

 

Psychic change assessed by The Rutgers Psychotherapy Progress Scale

 

 

Maria Leonor Espinosa Enéas

Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Estudo retrospectivo da validade preditiva da Escala Rutgers de Progresso em Psicoterapia (RPPS). A escala é composta por oito ítens teoricamente embasados e avalia seqüencialmente as transcrições de sessões usando escala de cinco pontos. A pesquisa envolveu dois processos completos de psicoterapia breve, semelhantes na duração e condições dos sujeitos. Os processos foram avaliados pré e pós terapia quanto à qualidade adaptativa (EDAO) e funcionamento psicodinâmico (EAP e EAR), mostrando-se um bem-sucedido e outro medianamente bem-sucedido. Estudou a fidedignidade das avaliações da RPPS feitas por grupos de juízes, empregando o Coeficiente de Correlação Intraclasse. Obteve acordo mínimo de 0,40 em 6 ítens, sendo 3 em comum para ambos os processos. A análise clínica destes ítens considerou a evolução e avaliações dos processos. A evolução de Colaboração apresentou possibilidade de discriminar os resultados terapêuticos. A escala mostrou-se sensível para identificar episódios críticos para o progresso terapêutico. São necessárias réplicas deste estudo.

Palavras-chave: Psicoterapia breve, Processo psicoterápico, Mudança psíquica, Escala de avaliação.


ABSTRACT

The present paper is a retrospective study of the predictive validity of the Rutgers Psychotherapy Progress Scale (RPPS). The scale is composed by eight theoretically based items and it assesses the transcriptions of the sessions in the sequence of occurrence using a 5-point scale. The research used two complete short-term psychotherapies both similar in duration and in the subjects' conditions. Both processes were assessed before and after therapy in terms of the adaptive quality (EDAO) and psychodynamic functioning (EAP and EAR), one of which was considered to have had a very good outcome and the other a mildly positive outcome. This study also verified the reliability of the evaluations of RPPS made by groups of judges using the Intraclass Correlation Coefficient. The result showed a minimal agreement of 0,40 in six items, three of which were common to both processes. The clinical analysis of the evaluation of the common items also used their evaluations as criteria. It was verified that the evolution of Collaboration during all the processes showed a predictive value in discriminating the outcomes. The scale showed sensibility to identify critical episodes in the therapeutic progress.

Keywords: Short-term psychotherapy, Psychotherapeutic process, Psychic change, Assessment scale.


 

 

O estudo da mudança psíquica requer instrumentos refinados na avaliação e sensíveis na captação dos eventos surgidos na interação terapêutica. A complexidade desta relação tem desafiado as pesquisas na área, que procuram privilegiar análises intensivas de poucos casos, identificar eventos de mudança nas psicoterapias e principalmente considerar o contexto em que estas ocorrem.

Neste estudo é usada a Escala Rutgers de Progresso em Psicoterapia (RPPS), instrumento desenvolvido para estudar intensivamente processos psicoterápicos e avaliado de forma a considerar o contexto e a seqüência das trocas ocorridas entre paciente e terapeuta.

O objetivo principal desta pesquisa foi realizar um estudo retrospectivo de validade preditiva da RPPS, comparando as medidas obtidas em dois processos de psicoterapia breve com diferentes resultados destes processos. Além disso, também procurou verificar o grau de associação de cada um dos ítens da Escala com o resultado da terapia e quais os ítens que discriminariam de forma mais fidedigna o progresso de cada caso.

 

Método

Material

Empregou a transcrição de dois processos psicoterápicos breves realizados em uma instituição de formação de psicoterapeutas breves da cidade de São Paulo. Foram seguidos os seguintes critérios: pacientes de mesmo sexo, estado civil e nível de escolaridade; idade aproximada; queixas semelhantes e duração do processo semelhante. Ambos foram conduzidos no mesmo período, tendo como terapeutas duas alunas do curso de extensão com tempo semelhante de contato com a técnica da psicoterapia breve (PB), ambas do sexo feminino. Um dos processos foi considerado bem-sucedido e o outro medianamente bem-sucedido, quando avaliados em termos psicodinâmicos e adaptativos.

No momento da entrada dos sujeitos na instituição, elas foram consultadas quanto à gravação para uso do material em pesquisas e solicitadas a formalizar esta autorização.

Instrumentos

Foram utilizadas três escalas para avaliação e seleção dos processos.

1. Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada - EDAO (Simon, 1983), que avalia a configuração adaptativa do indivíduo através da qualidade das resposta apresentadas em quatro setores do funcionamento da personalidade: afetivo-relacional (A-R), produtividade (PR), socio-cultural (S-C) e orgânico (OR). As respostas do indivíduo podem ser consideradas adequadas quando solucionam o problema, trazem satisfação e não provocam conflito intra-psíquico e/ou com o ambiente. Uma resposta pouco adequada é observada quando a solução do indivíduo deixa de satisfazer a uma destas condições, e uma resposta pouquíssimo adequada, quando a solução encontrada não preenche duas des-tas condições. A configuração adaptativa do indivíduo pode ser então: eficaz (grupo I), quando apresenta respostas 'adequadas' em todos os setores de funcionamento da personalidade; não-eficaz moderada (grupo III), quando apresenta de 1 a 4 avaliações 'pouco adequadas' ou um setor avaliado como pouquíssimo adequado enquanto os demais são 'adequados'; ou não-eficaz severa (grupo V), quando apresenta um setor 'pouquíssimo adequado' e um ou mais classificados como 'pouco adequado', ou ainda dois ou mais como 'pouquíssimo adequado'.

2. Escala de Avaliação Psicodinâmica - EAP, constando de sete critérios psicodiagnósticos propostos por Sifneos (1968, 1987/1989) e adaptados por Husby (1985): qualidade da atmosfera do lar no período de zero a seis anos, severidade da psicopatologia, circunscrição da queixa principal, fase de desenvolvimento psicossexual a que se refere a hipótese psicodinâmica, capacidade de dar e receber, qualidade do contato com o entrevistador, capacidade de resolver problemas e grau de motivação para a mudança. Estes ítens são avaliados segundo três possibilidades específicas para cada um deles, com pontuação de um a três, indo de maior a menor severidade em cada caso.

3. Escala de Avaliação de Resultado - EAR, formulada e desenvolvida por Sifneos (1975), composta por oito critérios: remissão do sin-toma, relação interpessoal, função social, mudança de auto-compreensão, capacidade de resolver problemas, auto-estima, nova aprendizagem e predisposição interna específica. São avaliadas as mudanças em relação ao início da terapia, considerando de 'pi-orou muito'(-4) até estar 'totalmente curado' (7). A pontuação final indica se o indivíduo está 'inalterado', 'pouco melhor', 'muito melhor' ou 'recuperado'.

Foi empregada a Escala Rutgers de Progresso em Psicoterapia (Rutgers Psychotherapy Progress Scale - RPPS), objeto mais específico deste estudo. A avaliação considera o progresso realizado pelo paciente a cada segmento da sessão de aproximadamente cinco minutos, em termos de: material significativo (MS), desenvolvimento de insight* (DI), foco sobre emoção* (FE), referência direta ao terapeuta e/ou à terapia* (RT), novo comportamento na sessão* (NC), colaboração (CO), clareza e vivacidade da comunicação (CV) e foco sobre si mesmo (FS). A pontuação segue uma escala tipo Likert de 5 pontos, desde 0 (zero), que representa 'nenhum progresso realizado', até 4, significando 'progresso extremamente bom'. Os segmentos da sessão são lidos e avaliados seguindo sua ordem de ocorrência, não sendo permitido o prosseguimento da leitura antes da atribuição de escores para um bloco de material e tampouco a alteração dos escores já atribuídos. Os ítens com asterisco são avaliados pela expressão máxima que atingem no bloco e os demais pela impressão geral que causam. As regras e parâmetros gerais e específicos para cotação de cada item são apresenta-dos em manual não publicado.

Procedimento

Os casos empregados foram considerados semelhantes no início da terapia e diferiram em termos de resultados, sendo o caso A considerado bem-sucedido e o caso B medianamente bem-sucedido.

Foram juízes deste estudo, para avaliação da RPPS, sete psicólogos com pelo menos um ano de experiência em psicoterapia breve psicodinâmica. Outros três juízes, também psicólogos especialistas em PB, tendo entre 8 e 23 anos de experiência, fizeram a avaliação das psicoterapias (adaptativa e psicodinâmica) tanto as iniciais quanto as finais.

O treinamento dos juízes para a avaliação da RPPS foi realizado em diferentes etapas com duração semelhante para estudo do manual e avaliação de material clínico. Foi obtido acordo satisfatório nos momentos do treinamento, sendo que este foi retomado imediatamente antes das avaliações do material do estudo para aferir a concordância dos juízes. Para tanto foi empregado o Coeficiente de Correlação Intraclasse tomando os juízes dois a dois. Foram observados índices que variaram de 0,42 a 0,86, com média de 0,68 e mediana de 0,71. Estes índices orientaram a divisão dos juízes em dois grupos. O treinamento dos juízes para a EDAO, EAP e EAR já havia sido realizado anteriormente.

Os casos selecionados para o estudo foram transcritos na íntegra, seguindo os padrões para transcrição de psicoterapia apresentados por Mergenthaler e Stinton (1992) e divididos em blocos de aproximadamente cinco minutos de duração. As sessões foram aleatoriamente designadas para serem avaliadas em seus blocos pares ou ímpares. Para a avaliação pela RPPS, os juízes desconheciam os objetivos do estudo e também os casos selecionados e constituíram grupos de 3 e 4 juízes. As avaliações foram feitas segundo as especificações do manual.

O tempo consumido nas avaliações dos casos variou de 15 dias a 2 meses e 24 dias. Foi realizado um estudo de fidedignidade, sendo verificada a concordância entre os juízes por meio do Coeficiente de Correlação Intraclasse (Shrout & Fleiss, 1979), considerando o grupo de juízes para cada caso. O estudo de validade preditiva considerou a aceitabilidade dos dados para uma comparação gráfica da evolução dos processos. Na seqüência foi realizada uma análise descritiva de cada caso, inspirada em de Rice e Greenberg (1984) e Luborsky (1996), como uma exploração dos dados obtidos no estudo. Nesta análise descritiva procurou-se manter a relevância dos aspectos aceitáveis identifica-dos pela RPPS e identificar, no contexto do processo terapêutico, características que sustentassem os dados observados quantitativamente.

 

Resultados e Discussão

Precisão entre os juízes

Para o estudo de validade preditiva proposto, foi necessário como primeiro passo, a medida de fidedignidade entre os juízes. Para tanto foi empregado o Coeficiente de Correlação Intraclasse de forma semelhante ao proposto no estudo original da escala (Roberts, Messer & Holland, 1995), com a utilização das médias das avaliações dos juízes. A Tabela 1 apresenta os valores do coeficiente obtidos para cada item da escala pelo grupo de juízes avaliadores de cada caso. Estão destacados os valores considerados aceitáveis, ou seja, valores iguais ou acima de 0,40 (com um asterisco) e os valores satisfatórios, quais sejam, aqueles que obtiveram coeficientes iguais ou acima de 0,60 (com dois asteriscos).

 

 

Como indicado na Tabela 1, o caso A apresentou três ítens cujo coeficiente de concordância entre os três juízes avaliadores mostrou-se satisfatório: FE, RT e CO, enquanto que o caso B teve apenas um item com acordo satisfatório entre os quatro avaliadores, que foi FE. Este último item apresentou índices satisfatórios na avaliação do grupo de juízes para os dois casos, respectivamente 0,62 e 0,68. Sabendo que as medidas e julgamentos clínicos, por sua natureza, envolvem um maior grau de dificuldade nas avaliações (Poortinga, 1997), adotou-se neste primeiro estudo com a RPPS em nos-so meio, o índice de 0,40 como concordância suficiente para a exploração do instrumento. Desta forma, trabalhando com valores aceitáveis, ou seja, iguais ou acima de 0,40, observa-se que há inclusão de mais dois ítens para o caso A: MS e CV, e de mais três ítens para o caso B: MS, CO e FS.

Em função destes primeiros achados, optou-se por um novo passo na análise destas avaliações, qual seja, a verificação do acordo entre os pares de juízes, para observar se haveria uma melhora na fidedignidade para duplas, tal qual havia sido observado durante o treinamento. Os dados, apresentados a seguir, foram obtidos por meio do Coeficiente de Cor-relação Intraclasse considerando, também neste caso, a média das avaliações.

 

 

Inicialmente, na Tabela 2, os coeficientes obtidos para as duplas formadas pelos três juízes que avaliaram o caso A. São destacados da mesma for-ma os valores aceitáveis (iguais ou acima de 0,40) e os valores satisfatórios (iguais ou acima de 0,60) nas avaliações de cada dupla (com um ou dois asteriscos, respectivamente).

A Tabela 3 apresenta os mesmos coeficientes para cada dupla dos quatro avaliadores do caso B, destacados segundo os mesmos critérios.

Obseva-se na Tabela 2 que três ítens obtive-ram coeficientes aceitáveis para as três duplas de juízes avaliadores do caso A. São eles: FE (0,52; 0,48 e 0,64), RT (0,47; 0,64 e 0,68) e CO (0,54; 0,42 e 0,55). Estes valores, embora aceitáveis para uma análise inicial, indicam a necessidade de revisão da metodologia empregada. Mantendo a confiança em valores acima de 0,60, ou seja, valores considerados satisfatórios, observa-se que, para o caso A, apenas quatro dos coeficientes atingem este limite, sendo três de uma mesma dupla, os juízes 2 e 3 (MS, FE, RT) e RT para a dupla 1 e 3.

A Tabela 3 mostra que FE foi o item que obteve todos os índices aceitáveis na avaliação do caso B, de forma semelhante ao caso A. Mas tratando-se de valores satisfatórios, apenas a dupla de juízes 4 e 6 apresentou tais índices na avaliação de quatro ítens (MS, FE, CO e CV), enquanto que a dupla 4 e 7 aproximou-se deste limite em um dos ítens (FE). Os ítens que apresentaram coeficientes satisfatórios em comum para ambos os casos foram apenas MS e FE. Interessante notar que, no caso A, o item RT obteve índices satisfatórios para duas duplas de juízes (1 e 3; 2 e 3) e aceitável para a outra dupla (1 e 2). No estudo original com a RPPS, este item mostrou maior relevância quando as referências eram representativas de transferência negativa, o que não parece ter ocorrido no caso em questão.

 

 

O fato de haver índices satisfatórios na avaliação de alguns ítens significa que esses tiveram uma avaliação bem feita o suficiente para que fosse detectada alguma relação entre eles. Do contrário, havendo total imprecisão na avaliação, apenas se avalia o erro aleatório (Barker, Pistrang & Elliott, 1994).

Assim, observa-se que o item NC apresentou correlações próximas ou iguais a zero, o que indica a maior dificuldade na avaliação, fato que também havia sido observado no estudo original. Desta forma, foi corroborada a conclusão de seus autores quanto à necessidade de revisão de sua definição.

Igualmente, DI e RT em algumas duplas do caso B, apresentaram correlações próximas de zero, indicando dificuldades semelhantes na avaliação, o que também sugere a necessidade de revisão tanto na fundamentação dos ítens quanto no treinamento dos avaliadores. A falta de concordância para estes ítens surpreende em função de serem avaliados pela expressão máxima e pelo fato desta forma de avaliação ter parecido mais fácil aos juízes durante o período de treinamento. Dos outros dois ítens também avaliados pela expressão máxima, NC, como visto, vem apresentando dificuldades na obtenção de acordo desde o estudo original, e apenas FE mostrou resultados compatíveis com o esperado, ou seja, acordos satisfatórios para ambos os grupos de juízes.

A realização das análises por duplas pode ter evidenciado que alguns dos juízes teriam tido maior afinidade, mas revelou dado compatível com a análise anterior da verificação do acordo entre o grupo de juízes, o que permitiu adotar para o estudo exploratório da validade preditiva aqueles ítens que obtiveram índices de fidedignidade ao menos aceitáveis para ambos os casos, como mostrado na Tabela 1. Este achado indica que, embora os dados de concordância obtidos no período de treinamento tivessem mostrado bons índices, a avaliação do processo todo ainda requer mais treino e refinamento.

Podem ser apontados alguns aspectos passíveis de terem interferido na avaliação dos processos completos para o estudo. Durante a fase de treinamento, os juízes não chegaram a avaliar um caso completo e, também, avaliaram todos os blocos da sessão.

Alguns juízes mencionaram que a avaliação contínua permitia acompanhar melhor o processo e que usaram este recurso para os casos do estudo. Isto eventualmente poderia afetar a precisão entre aqueles que seguiram o desenrolar do processo avaliando bloco a bloco, e os que seguiram as instruções para avaliar alternadamente nesta fase.

Outro aspecto refere-se à discussão e refina-mento das avaliações ocorridas durante a fase de treinamento que, sendo parte fundamental desta fase, não pôde ocorrer durante as avaliações do estudo. Este aspecto, somado à grande variabilidade da faixa de tempo que os juízes despenderam na avaliação do caso, pode ter levado a outros vieses tais como a manutenção do efeito de halo nas atribuições de escores ou ainda o esmaecimento dos pontos acordados nas discussões realizadas durante o período de treinamento.

Contudo, um aspecto essencial na dificuldade de obtenção de bons índices de fidedignidade refere-se a realização deste estudo com dois grupos de juízes, diferentemente do estudo original, no qual o mesmo grupo avaliou os dois processos. Estudos posteriores que considerem este procedimento podem auxiliar na resposta quanto a possibilidade de obtenção de melhor acordo quanto ao uso da escala.

Análise clínica de validade preditiva

Como mencionado acima, foi feito um estudo inicial da validade preditiva, comparando graficamente a evolução dos dois processos nos ítens em que o acordo entre o grupo de juízes foi aceitável em ambos, quais sejam, Material significativo (MS), Foco sobre emoção (FE) e Colaboração (CO). A apresentação gráfica objetiva uma visualização mais fácil dos movimentos dos processos. Por este motivo, sua apresentação desconsidera a natureza discreta dos pontos efetivamente avaliados em cada caso e sugere, como proposto pelo autor da escala, a evolução de cada aspecto tida como movimento contínuo.

O emprego de análise gráfica tem limitações importantes, como adverte Crosbie (1993), pois a inferência visual com dados de sujeitos humanos não apresenta condições de fidedignidade e tem um ris-co excessivo de erro tipo I, implicando grandes restrições aos resultados. Contudo, dado o caráter exploratório deste estudo, será empregada na tentativa de comparar com a compreensão clínica dos processos (como no estudo de Czogalik e Russell, 1995). Este percurso corresponde à validade clínica, como definida por Tavares (1998), que enfatiza a importância de uma leitura que integre o significado de um indicador (geralmente obtido por um instrumento de avaliação) para o indivíduo específico dentro de seu contexto específico.

Tal estudo representa uma maneira de validar a RPPS dentro do contexto em que está sendo empregada. Também pode vir a revelar-se um instrumento útil como referencial nos momentos de reflexão sobre o desenrolar de uma terapia, como nas situações de supervisão, além das finalidades de pesquisa para as quais foi proposta.

Material significativo - Os dados das médias das avaliações por sessão em cada caso são apresentados na Figura 1. O caso A apresentou médias menores do que o caso B durante todo o processo. Isto não corresponde à expectativa preditiva neste item; ao contrário, o caso mais bem-sucedido chegou a tocar em zero (ou seja, nenhum MS) em duas sessões (8ª e 12ª), e também mostrou oscilação maior que no caso B da quarta sessão em diante. Por seu lado, o caso B mostrou índices mais elevados durante todo o processo, jamais chegando a zero e com oscilações menores. Parece que o caso B apresentou uma evolução em MS mais coerente com a evolução do processo.

 

 

Confrontando com o estudo original da RPPS, tem-se que o item MS obteve escore significativamente mais alto no caso bem sucedido, fato não verificado nos dados ora obtidos. Talvez esse item requeira revisão no tocante à compreensão de seu significado, de forma a ser avaliado mais apropriada e coerentemente com o desenrolar do processo.

Outro aspecto a ser considerado é a diferença que pode ocorrer no tipo de material que é significativo em cada fase do processo. O próprio aspecto da limitação de tempo pode restringir a abrangência na produção de material àquilo que tenha possibilidade de ser resolvido (Reynolds e colaboradores, 1996). Isto significa que, a partir do estabelecimento do foco, é provável que o paciente não verbalize aspectos novos de sua problemática, mas sim aprofunde a compreensão do conflito que passa a ser trabalhado. A atribuição de escores mais altos predominantemente ao material novo parece ter sido uma tendência dos juízes na avaliação do caso A. Esta tendência pode ter contribuído para que as médias deste caso tivessem ficado menores que no caso B.

Foco sobre emoção - A Figura 2 apresenta a evolução de FE em ambos os processos com as médias por sessão. Observa-se que o caso A mostrou níveis um pouco mais elevados do que o caso B durante a maior parte do processo, a partir da quarta sessão. O caso B apresentou um pico inicial e um decréscimo já na quinta sessão, com poucos momentos de alguma elevação nas sessões subseqüentes. Este resultado é mais compatível com o aspecto preditivo. O desenrolar dos processos foi condizente com o comportamento gráfico desse aspecto. No caso A, a paciente mesma se descreve como uma pessoa emotiva, que não 'segura' suas emoções, embora nem sempre as tenha manifestado de fato, enquanto no caso B a auto-descrição da paciente aponta o inverso, sua dificuldade em expressar os aspectos emocionais por temer o descontrole.

 

 

A exploração da emoção é considerada um fator essencial para que possa haver mudança significativa na terapia, mas não é um determinante isolado, sendo potencializada quando ocorre associada à reflexão sobre o material (Mergenthaler, 1996). Por outro lado, a melhora do funcionamento adaptativo está associada à plena consciência das emoções (Safran & Greenberg, 1991). Assim, nota-se que a avaliação de FE, da maneira como proposta pela RPPS, é condizente com o verificado na literatura. No presente estudo, é preciso notar que o máximo de menção à emoção ocorrido durante os dois processos atingiu um nível moderado, mas no geral ambos mantiveram apenas ligeiras menções. Este aspecto parece refletir uma certa resistência, possivelmente de ambas as partes (paciente e terapeuta) e em ambos os processo, a uma exploração maior da emoção. Pode ser que o tempo limitado dos processos, que geralmente causa uma certa apreensão nos terapeutas em formação, tenha sido uma das razões para esta eventual resistência por parte das terapeutas.

Outra possibilidade é fundamentada na perspectiva das relações interpessoais, que supõe um modelo circular de influência recíproca entre paciente e terapeuta, de forma que as ações constritas por parte do paciente tendem a evocar respostas também constritas por parte do terapeuta, levando à manutenção do padrão maladaptativo. Seria necessário uma atenção redobrada por parte da terapeuta às suas reações, a fim de minimizar esta complementaridade e favorecer a mudança (Butler & Strupp, 1991).

Há uma sugestão preditiva no desenvolvimento deste item, se for considerada a melhora obtida na terapia por ambas as pacientes. No caso A, a paciente obteve melhora mais significativa no funcionamento psicodinâmico, mas permaneceu com a mesma configuração adaptativa. O que poderia representar uma melhora mais significativa talvez fosse a alteração no setor A-R, ao qual se referia o foco da terapia. De qualquer maneira, a melhora apresentada pela paciente pode ser considerada satisfatória, dado o objetivo limitado que foi estabelecido para esse processo. Por outro lado, a paciente do caso B manteve-se inalterada no funcionamento psicodinâmico, mas obteve melhora na configuração adaptativa, embora o setor A-R (também relativo ao foco) não apresentasse melhora. Este também é um resultado satisfatório neste tipo de processo.

Considerando a afirmativa de Silberschatz e Sampsom (1991), de que a mudança na estrutura defensiva permite maior segurança para expressar emoções na relação terapêutica, é possível questionar se as alterações obtidas pelas pacientes evidenciou alteração no padrão defensivo. A tomar pela manutenção do padrão relacional em ambos os casos, presume-se que a não obtenção de melhora mais significativa possa ser devida à permanência da estrutura defensiva. Supostamente, se as pacientes tivessem podido experimentar emoção e trabalhar seu significado em suas vidas, teriam apresentado um resultado melhor em seus processos terapêuticos (Greenberg & Safran, 1989). Estes autores também consideram que bloquear ou evitar emoções potencialmente adaptativas e as informações a elas associadas pode levar a uma solução mais empobrecida do problema, o que parece ter ocorrido em ambos os casos, mas principalmente no caso B, que apresentou, de fato, níveis mais baixos de FE. Evidentemente, apenas as necessárias réplicas com outros casos poderão elucidar estas e outras questões ou, minimamente, ajudar a formulá-las mais adequadamente.

Colaboração - A Figura 3 apresenta os escores médios de CO em cada sessão dos dois casos. É possível visualizar um processo até semelhante nos dois casos. Os escores médios não apresentaram muita diferença entre os casos e, no geral, nem mesmo no decorrer do processo. A diferença mais visível entre eles foi que no caso A houve dois momentos de maior declínio relativo ainda no início do processo - quarta e sexta sessões - com uma ligeira elevação média crescente até o final. No caso B, o nível de CO foi mantido praticamente o mesmo durante todo o processo até a décima sessão, quando apresentou uma queda relativamente acentuada; tanto comparando-se com o nível geral do processo quanto com o caso A; e mesmo a recuperação obtida posteriormente não se manteve até o final do processo. A busca de um aspecto preditivo na visualização gráfica, faz pensar que a ocorrência de quedas e recuperações mais precoces no nível de envolvimento do paciente, como ocorrido no caso A, pode ser mais benéfica para o resultado do processo do que uma queda mais próxima do final, sem que haja rápida recuperação, como no caso B. Isto corrobora a opinião de Horvath e Greenberg (1994), de que a fase média da aliança terapêutica requer maior clarificação, tanto conceitual quanto clínica.

 

 

O acompanhamento dos processos revelou que a queda na verbalização da paciente no caso A não chegava a afetar seu envolvimento com a terapia, enquanto que no caso B a paciente mostrava resistência a envolver-se em alguns momentos. Isto faz supor que este item da RPPS avalia mais adequada-mente o Tipo 2 de aliança (Luborsky, 1994), que requer maior envolvimento do paciente e necessariamente melhores recursos egóicos. A avaliação inicial dos casos revelou que ambas as pacientes apresentavam boa capacidade egóica, evidenciada na avaliação da RPPS pela manutenção global da CO durante todo o processo, o que não seria esperado de pacientes mais comprometidos. Provavelmente o uso adequado e simultâneo de todos os ítens da RPPS possibilite melhores condições de perceber as relações ocorridas no processo, dado que acompanha toda a evolução e constitui-se numa oportunidade para um estudo mais aprofundado de processos psicoterápicos.

É importante considerar o ocorrido em CO como uma condição essencial na condução dos processos, uma vez que o relacionamento paciente-terapeuta serve como uma moldura básica para a mudança terapêutica (Henry & Strupp, 1994). Para estes autores, a colaboração varia momento a momento e da mesma forma exerce sua influência no processo; apesar disso, eles consideram que pode ter uma influência relativamente estável após as primeiras fases da terapia. O verificado neste estudo mostra quão estável e simultaneamente sensível a variações na relação pode ser este aspecto da CO.

A estabilidade da aliança terapêutica é um acha-do freqüente (Sexton, Hembre & Kvarme, 1996), mas no presente estudo necessitou de observação detida, empregando-se medidas mais freqüentes para identificar nuanças em sua evolução. Sem a observação mais detida de sua evolução, não teria sido detectada uma queda importante em CO no caso B, que representou uma ruptura na aliança terapêutica. Como é sabido, tais momentos de ruptura da aliança constituem-se em oportunidades críticas para intervenção que possa favorecer a mudança (Bordin, 1994; Safran & Muran, 1996). Contudo, parece que o temor da terapeuta fez com que se perdesse esta oportunidade para explorar e compreender o sentido do relaciona-mento de ambas e, conforme Henry e Strupp (1994), a presença, mesmo em baixos níveis, de comportamentos negativos do terapeuta podem impedir que ocorram mudanças. Este aspecto verificado no caso B parece ter se constituído o diferencial quanto à questão preditiva de resultado deste item da RPPS.

 

Conclusões

Parece que dentre os três ítens verificados da RPPS, o que obteve melhor valor preditivo foi CO e alguma sugestão de FE. Embora o caso B tivesse começado com um nível mais elevado de CO (mesmo a diferença não sendo tão grande), isto não foi o bastante para a definição do resultado, contrariando as pesquisas na área.

A RPPS mostrou-se importante para verificar a evolução dos níveis de CO durante todo o processo, permitindo identificar aspectos que teriam sido responsáveis pela diminuição da aliança e que teriam levado a um resultado menos favorável. A queda em CO, verificada no caso B no final do processo, representou um momento importante e decisivo para o desfecho observado. Embora a aliança terapêutica seja o aspecto mais estudado em processos psicoterápicos (Luborsky, 1994), o emprego da RPPS em estudo intensivo mostrou-se importante para verificar o seu desenvolvimento durante diferentes processos que tiveram um nível inicial compatível e que, segundo a literatura, apresentariam resultados semelhantes.

O comportamento de FE em ambos os casos revelou que é possível a conclusão bem-sucedida de um processo terapêutico mesmo com pouca exploração de emoção. Embora o caso A tenha apresentado um nível mais alto de FE durante o processo, esta diferença não foi indicativa da diferença real de sentido, nem tampouco indicou que sequer o caso A tivesse apresentado mais que a menção de emoção. Já em relação a MS, observou-se que refletiu a verbalização de material novo, ou seja, não mencionado anteriormente, o que nem sempre ocorre num processo de tempo e objetivo limitados. Contudo, é esperado em processo breves que o material seja trazido primordialmente no início e, após o estabelecimento do foco, ocorram principalmente momentos de elaboração deste material.

As dificuldades envolvidas em estudos relativos a instrumentos dinamicamente formulados já eram bem conhecidas (Barber & Crits-Christoph, 1993), porém quanto mais estes instrumentos puderem ser estudados, de menos inferência necessitarão, sendo possível atingir melhor fidedignidade nas avaliações (Grinyer & Luborsky, 1996). O uso da RPPS permite supor a origem de falhas no desempenho de cada item e também como as variáveis mudam durante o processo. Isto representa ao menos um passo adiante na área de pesquisas de processo (Windholz & Silberschatz, 1988).

Ainda se mantém a dificuldade quanto ao uso de categorias padronizadas. As definições da RPPS permitem avaliações categóricas, o que diminuiria a possibilidade de viés por parte dos juízes (Conolly e colaboradores, 1996); contudo, exigem uma leitura clínica que abre campo para a diversidade das avaliações, dificultando a obtenção da fidedignidade. Barber e Crits-Christoph (1993), contudo, advertem quanto ao perigo de enfocar demasiadamente a fidedignidade e diminuir o significado e a validade daquilo que se pre-tende medir. Este aspecto de preocupação com a validade antes que com a fidedignidade foi norteador dos estudos originais com a RPPS, conforme seu au-tor (Messer, comunicação pessoal, 2 de julho de 1997). De qualquer forma, parece que o emprego de instrumentos validados em um determinado grupo de pesquisa tende a encontrar dificuldade quando são estudados por outro grupo (Messer, 1991), não se constituindo, portanto, em surpresa o ocorrido com o emprego da RPPS no presente estudo.

No caso presente, houve dificuldade também com o tempo de experiência clínica dos avaliadores, muito embora a adesão ao manual se tivesse mostrado maior entre os juízes menos experientes durante o período de treinamento. Este aspecto de adesão ao manual, segundo Messer, não foi priorizado durante as discussões de seu grupo, preferindo uniformizar a maneira como faziam a leitura do processo. Assim, novos estudos relativos à RPPS devem, evidentemente, prosseguir na busca pela fidedignidade, considerando também outros fatores identificados neste estudo, como a precisão na definição de cada item avaliado para garantir a uniformidade do conceito entre o grupo de juízes, o emprego de processos completos no treinamento de forma semelhante à da avaliação final. Sugere-se, também, que um estudo completo poderia ser feito sem a discus-são entre os juízes para aferir a concordância previamente à realização do novo estudo.

Como visto, este instrumento requer grande montante de treinamento, o que implica tempo de disponibilidade de um número significativo de pessoal qualificado. Este é um empecilho para o uso da RPPS, principalmente no contexto clínico (Perry, 1989), mas apresenta outras vantagens que podem ser exploradas a ponto de compensar o dispêndio de tempo e recursos para seu treinamento. Dentre elas, a mais significativa parece ser a sensibilidade apresentada para a verificação das mudanças no decorrer do processo, o que corresponde às necessidades atuais na área. Para futuros estudos, também é preciso considerar a diferença que a experiência do terapeuta pode representar para a condução do processo (Barber, Crits-Christoph & Luborsky, 1996); sendo conveniente comparar resultados obtidos por terapeutas experientes entre si e por terapeutas com tempo diferente de experiência, a fim de identificar as variáveis que possam ser mais sensíveis à influência da experiência e aquelas que podem ser melhoradas principalmente nas situações de ensino da técnica. Para este estudo, a escolha de processos conduzidos por alunos nesta fase de formação respondeu a uma necessidade de avaliar o desempenho de tais processos, visto que representam a maioria dos atendimentos realizados na instituição e provavelmente fora dela, como verificado por Yoshida, Coelho Filho, Enéas, Gatti e Xavier (1994).

Observou-se também, que os critérios adaptativo e psicodinâmico empregados na avaliação inicial dos pacientes e também como medida de resultado, mostram-se sensíveis a diferentes aspectos de mudança apresentados nos processos deste estudo. Como visto, a RPPS revelou-se igualmente sensível no acompanhamento da evolução dos processos, mesmo com as dificuldades encontradas quanto à concordância dos juízes. Isto leva a refletir quanto às suas potencialidades para a avaliação dos processos e identificação de seus momentos significativos que não puderam ser exploradas no presente estudo, dado o número reduzido de ítens que pôde ser considerado nesta análise inicial. Parece que a possibilidade de verificar estes resultados exploratórios deveu-se ao modelo de pesquisa empregado, que, usando poucos casos e considerando o aspecto clínico da evolução dos mesmos, permitiu identificar a adequação deste instrumento a nossa realidade e apontar sugestões para o refinamento de seu estudo. Outrossim, algumas destas sugestões também podem ser empregadas na clínica, aproximando, como tão desejado por tantos pesquisadores, os resultados de pesquisa com a atividade da prática clínica.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Rua Dr. Neto de Araújo, 320, conj 1207 - Vila Mariana
04111-001 São Paulo-SP
E-mail: mleeneas@mackenzie.com.br

Recebido em julho de 2002
Aceito em março de 2003

Este artigo é parte da Tese de Doutorado defendida em 1999 na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, sendo orientadora a Dra. Elisa Medici Pizão Yoshida.

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