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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. v.2 n.2 Porto Alegre dez. 2003
ARTIGOS
Prevalência de indicadores de depressão entre adolescentes no Rio Grande do Sul
Prevalence of indicators of depression among adolescents in southern Brazil
Caroline Tozzi Reppold I; Claudio Simon Hutz II
I Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ Centro Universitário FEEVALE
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
Estudos epidemiológicos demonstram um aumento progressivo das manifestações depressivas entre jovens nos últimos anos. Esse estudo investigou a prevalência de indicadores de depressão entre adolescentes no RS, bem como os fatores de risco, preditores do humor deprimido. Participaram da amostra 456 adolescentes entre 14 e 15 anos, que responderam ao Inventário de Depressão Infantil e às Escalas de Exigência e Responsividade Parental. Foram observados escores indicativos de depressão em 5,7% dos casos. Os resultados evidenciaram diferenças significativas em relação a variáveis demográficas e contextuais, especialmente quanto ao sexo e à aquiescência parental, mostrando que todos os adolescentes que apresentaram indicativo de depressão referiram-se à baixa responsividade parental. Os preditores avaliados foram discutidos sob a perspectiva da interação de fatores individuais e ambientais, de modo a subsidiar a elaboração de projetos de intervenção terapêutica ou psicoprofilática.
Palavras-chave: Depressão, Adolescência, Estilos parentais.
ABSTRACT
Epidemiological studies have been showing a constant increase of depressive manifestations among young people in the last years. Thus, this study investigated the prevalence of indicators of depression in teenagers in southern Brazil, as well as risk factors that are predictors of depressed mood. The participants were 456 adolescents between 14 and 15 years of age, who responded to the Child Inventory Depression and the Scales of Parental Responsiveness and Demandingness. Scores indicative of depression were observed in 5,7% of the cases. The results showed significant differences among demographic and contextual variables, especially sex and parental tolerance/approach. All adolescents that presented depression mentioned low parental responsiveness. The predictors that were evaluated are discussed from the perspective of the interaction of individual and environmental factors, and can be useful to subsidize the elaboration of therapeutic or prophylactic intervention projects.
Keywords: Depression, Adolescence, Parenting styles.
Prevalência de indicadores de depressão entre adolescentes no Rio Grande do Sul
No início do século XXI, os estudos sobre de temas depressão têm-se caracterizado como um dos principais temas de interesse dos pesquisadores relacionados à área da saúde em decorrência do aumento significativo da manifestação dos quadros depressivos apresentado pelos estudos epidemiológicos (Cicchetti, & Toth, 1998; Lima, 1999). Entre os adolescentes, por exemplo, a pesquisa tem mostrado que a depressão tem sido o distúrbio psicológico mais incidente, embora seja difícil aproximar os dados oriundos dos estudos avaliativos em função das diferenças entre critérios diagnósticos utilizados (Sadler, 1991; Steinberg, 1999).
Todavia, é preciso considerar que a ocorrência de sintomas depressivos não remete necessariamente a um diagnóstico psiquiátrico, uma vez que o humor deprimido pode ser entendido como um contínuo que varia desde uma resposta adaptativa até a incapacitação física e cognitiva e a prática de comportamentos suicidas. Para classificação dos transtornos de humor, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Men-tais (American Psychiatric Association, 2002) aponta como critérios diagnósticos a necessidade dos sintomas 1) implicarem um sofrimento clinicamente significativo ao indivíduo, ou, nos casos egossintônicos, um prejuízo em seu funcionamento social ou ocupacional e 2) não serem derivados dos efeitos fisiológicos de um substância psicoativa, nem de uma condição médica geral (como o hipotiroidismo).
Assim, conforme observa-se, sentimentos depressivos podem ser caracterizados como respostas normais a situações estressantes, sendo psicopatológicos apenas quando se estendem demasiada-mente ou quando são desproporcionais ao evento causador. Neste sentido, a depressão difere das reações de luto, as quais podem durar até dois anos e, em geral, não manifestam inibição psicomotora e sentimentos de culpa inapropriada (Del Porto, 1999; Heim & Nemeroff , 2001)
Os principais sintomas depressivos agregam-se em quatro conjuntos de indicadores clínicos: marcadores emocionais (tristeza, isolamento, apatia, crises de choro, perda da capacidade de experimentar prazer em atividades antes consideradas agradáveis, sentimentos de desvalia e culpa inadequados e variação de humor diurno), cognitivos (distração, diminuição da capacidade de tomada de decisão, superestimação das perdas sofridas, pessimismo e desesperança), motivacionais (indiferença diante de novas situações, desinteresse por quaisquer atividades, perda de afeição por outras pessoas e baixo rendimento acadêmico) e vegetativos ou motores (fadiga, retardo psicomotor, alterações do apetite ou do peso, insônia e perda da libido). Porém, na adolescência, é comum que a depressão seja mascarada por sintomas como a agitação psicomotora, ataques de raiva, comportamentos delinqüentes, hostilidade, auto-agressão, constante exposição a situações de risco, uso de drogas, queixas proeminentes de dor crônica, obesidade e letargia. (Dutra, 2002; Kessler, Avenevoli, & Merikangas, 2001; Lewis & Wolkmar, 1990/1993).
Desta forma, devido à diversidade dos métodos diagnósticos e à imprecisão da validade de construto de muitos desses, os estudos referentes à incidência de depressão apresentam resultados desencontrados e um baixo índice de confiabilidade entre os juízes (Lima, 1999; Lafer & Vallada Filho, 1999). No que se refere à investigação dos indicativos de alterações afetivas, os vários métodos disponíveis variam, inclusive, quanto à fonte de informação: enquanto as escalas de auto-relato requerem um julgamento do próprio indivíduo, outras necessitam a avaliação de um observador profissional. O principal instrumento de auto-avaliação referido na literatura para mensuração dos sintomas de depressão é o Beck Depression Inventory (BDI), criado em 1961, e validado no Brasil por Cunha (2001) (Calil & Pires, 2000). A partir do BDI, Kovacs (1980/1981) elaborou o CDI (Children Depression Inventory), descrito como a escala mais utilizada entre crianças e adolescentes para indicação de sintomas depressivos em âmbito internacional (Davis, Hunter, Nathan & Bairnsfather, 1987). Dentre as escalas de avaliação do observador, destacam-se a Hamilton Rating Scales for Depression, a qual tornou-se o "padrão-ouro" mais freqüente para avaliação da gravidade dos sintomas depressivos (Calil & Pires, 2000), e a Montgomery-Âsberg Depression Rating Scales, validada no país por Dratcu, Costa Ribeiro e Calil (1987).
Apesar da falta de unicidade sobre a definição operacional do conceito de depressão, a maioria dos estudos epidemiológicos acerca dos distúrbios psiquiátricos revela a alta prevalência das alterações afetivas entre os adolescentes, em especial dos sintomas indicativos de depressão (Carlini-Cotrim, Gazal-Carvalho & Gouveia, 2000; De Lima, 1999; Teixeira & Luis, 1997). Um estudo meta-analítico realizado por Petersen e colaboradores (1993) a partir de 30 trabalhos sobre depressão na adolescência revela que o nível de humor deprimido descrito na literatura internacional varia na ordem de 20% a 35% entre os meninos e de 25% a 40% entre as meninas de amostras não-clínicas. Quanto ao percentual dos adolescentes que evidenciam escores indicadores de depressão por meio da aplicação do Inventário de Depressão Infantil, Chartier e Lassen (1994) obtiveram um índice de 8,3% em uma amostra americana. Entre adolescentes brasileiros, a incidência de sintomatologia significativa de depressão aproxima-se dos índices internacionais. Baptista e Bardagi encontraram indícios depressivos clinicamente significantes em 5,3% e 5,1% das amostras adolescentes, respectivamente (Baptista, Baptista & Dias, 2001; Bardagi, 2002). Já o percentual de humor deprimido entre jovens brasileiros chega a 42,7% (Salle, Segal, & Sukiennik, 1996).
Dentre os fatores que podem moderar estes resultados, através do efeito protetivo que produzem sobre o risco da depressão, Merikangas e Angst (1995) destacam a autopercepção positiva, a competência social, o bom rendimento escolar e o apoio social e instrumental percebido. Outras variáveis consideradas são os níveis de exigência (supervisão e disciplina) e responsividade (apoio, aquiescência e reconhecimento à autonomia) dos pais em relação a seus filhos. A combinação dessas duas dimensões constitui a caracterização de quatro estilos parentais (autoritativo, autoritário, indulgente e negligente), definidos por Baumrind (1967) e, posteriormente, por Maccoby e Martin (1983) como um conjunto de ex-pressões (atitudes e manifestações não verbais) dos pais em direção a seus filhos, que caracterizam a natureza da interação entre estes.
A diversidade dos estilos parentais implica também diferentes efeitos sobre o desenvolvimento social de crianças e adolescentes. Enquanto os filhos criados sob um padrão autoritativo (alta responsividade e alta exigência) apresentam os melhores escores de competência social e acadêmica, auto-estima, depressão e bem-estar subjetivo, os piores índices são observados entre os filhos de pais negligentes (pouco responsivos e pouco exigentes) (Glasgow, Dornbusch, Troyler, Steinberg, & Ritter, 1997; Reppold, Pacheco, Bardagi, & Hutz, 2002; Steinberg, Mounts, Lamborn & Dornbusch., 1991; Strage & Brandt, 1999).
Já os filhos que percebem seus pais como autoritários (muito exigentes e pouco responsivos), em geral, apresentam um bom desempenho escolar e baixa freqüência de problemas de externalização (delinqüência, drogadição, etc), mas também demonstram um baixo índice de habilidades sociais e bem-estar subjetivo e, em particular, um alto nível de depressão (Hart, Nelson, Robinson, Olsen, & McNeilly-Choque, 1998; Pacheco, Teixeira e Gomes, 1999; Steinberg, Lamborn, Darling, Mounts & Dornbusch, 1994; Weiss & Schwarz, 1996). Ao contrário, os filhos provindos de famílias indulgentes revelam baixos índices de depressão e ansiedade e altos escores nas escalas de auto-estima e comportamentos pró-sociais. Entretanto, apresentam baixo desempenho acadêmico e tendência aos problemas de comportamento. (Reppold e cols., 2002; Slicker, 1998; Steinberg e cols., 1994).
Todavia, apesar destas constatações sobre os fatores de risco serem antigas no senso comum, a promoção de certas atitudes parentais e políticas sociais que promovam um desenvolvimento salutar diante de situações hostis parece ser menos freqüente do que o necessário. Uma revisão realizada por Diekstra (1995), relativa a estudos epidemiológicos, mostra um aumento significativo dos casos de depressão entre os jovens nas últimas décadas, o que, provavelmente, esteja associado ao aumento da negligência parental, do estresse cotidiano e à diminuição dos padrões de tolerância à frustração.
Nesse sentido, ao considerar que o diagnóstico da depressão, enquanto classificação nosográfica, fundamenta-se em sintomas que, em geral, iniciam na adolescência e configuram um transtorno clínico por volta da terceira década de vida (Lima, 1999), a possibilidade de observar precocemente a ocorrência de seus indicadores viabiliza um atendimento profilático. A elaboração de programas de atenção à saúde emocional permite, assim, o acompanhamento da evolução dos sintomas e a prevenção à recorrência e cronicidade desses. Nesta perspectiva, o presente estudo visa a subsidiar projetos de proteção ao desenvolvimento adaptativo dos adolescentes, através da investigação da prevalência de indicadores de depressão entre jovens gaúchos.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 456 adolescentes entre 14 e 15 anos (M = 14,5 anos; DP = 0,5 anos). A escolha desta faixa etária justifica-se pela indicação, encontrada na literatura, de que, a partir desta idade, aumenta a vulnerabilidade à depressão e à baixa auto-estima e a diferença de prevalência destes sintomas entre os sexos (Steinberg, 1999; Whitaker e cols., 1990).
A amostra foi constituída por adolescentes de ambos os sexos (49,3% meninas e 50,7% meninos). A maioria dos participantes freqüentava escolas particulares (72,4%) e cursava entre a sétima série do ensino fundamental e o primeiro ano do ensino médio. Em geral, os participantes eram provenientes de famílias intactas (75,2%) e apresentavam uma renda1 média de 13, 8 salários mínimos (d.p.=9,96 salários mínimos). A maior parte da amostra (84,9%) foi composta por adolescentes da cor branca. A caracterização da cor foi feita pelo próprio participante do estudo, por meio de uma questão aberta. Os dados sócio-demográficos do grupo são descritos na Tabela 1.
Instrumentos
Os dados foram coletados através de um questionário contendo informações sobre características pessoais, familiares e sócio-econômicas dos participantes. Os demais instrumentos utilizados neste estudo foram as Escalas de Responsividade e Exigência Parental (Lamborn, Mounts, Steinberg & Dornbusch, 1991), adaptadas para o português por Costa e colaboradores (2000) e a versão do Children's Depression Inventory (CDI) adaptada por Hutz e Giacomoni (2000).
O Children's Depression Inventory é um instrumento de mensuração das alterações afetivas, elaborado por Kovacs (1980/1981, 1985) a partir do Beck Depression Inventory e adaptado por Hutz e Giacomoni (2000). Pode ser utilizado, de forma coletiva ou individual, na avaliação de crianças e adolescentes dos sete aos dezessete anos, a fim de detectar a presença e severidade de humor deprimido. O CDI é uma medida unifatorial, composta por 27 itens que investigam aspectos da depressão relacionados a questões vegetativas, cognitivas e psicomotoras. Cada item contém três opções de respostas (pontuada como 0, 1 ou 2), no qual o participante deve assinalar a que melhor descreve seu estado nas últimas duas semanas. Embora objetive mensurar o estado de humor deprimido do indivíduo, uma pesquisa longitudinal desenvolvida por Devine, Kempton e Forehand (1994) demonstra que, em média, o resultado do CDI se apresenta estável no tempo.
Em relação às propriedades psicométricas da escala, o coeficiente de consistência interna do instrumento original foi de 0,86 (Kovacs, 1985). Em geral, os estudos epidemiológicos estabelecem dois desvios-padrão acima da média como ponto de corte para provável indicação de depressão.
As pesquisas que utilizam versões adaptadas da escala para o contexto brasileiro também apresentam condições psicométricas aceitáveis. O Alpha de Cronbach do inventário adaptado por Gouveia, Barbosa Almeida e Gaião (1995) foi de 0,81. Em pesquisas realizadas com amostras infantis no Rio Grande do Sul, observaram-se coeficientes de fidedignidade entre 0,80 e 0,82 (Giacomoni, 1998, 2001). Outros trabalhos que avaliavam alterações afetivas em adolescentes gaúchos em situação de risco obtiveram um Alpha de Cronbach de até 0,79 (Dell'Aglio, 2000; Silva, 2001).
Outros instrumentos aplicados entre os participantes foram as Escalas de Exigência e Responsividade (Costa e cols., 2000). Organizadas no formato Likert, as escalas apresentam a percepção dos adolescentes em relação à freqüência ou intensidade com que seus pais manifestam os comportamentos descritos para consigo. Os escores de pai e mãe podem ser avaliados separadamente ou de forma conjunta, através do cálculo do escore médio da dupla parental.
De acordo com a combinação dos escores obtidos nas Escalas de Exigência e Responsividade, foram determinados os estilos parentais. Pais/mães que apresentavam um índice baixo em responsividade e alto em exigência foram classificados como autoritários. Ao contrário, aqueles que obtiveram um nível alto em responsividade e baixo em exigência foram classificados com indulgentes. Pais/ mães que apresentavam altos escores em ambas escalas foram categorizados como autoritativos. Já os pais e as mães percebidos como pouco exigentes e pouco responsivos foram classificados como negligentes (Lamborn e cols., 1991). Conforme os procedimentos adotados em diversos estudos que utilizam estes instrumentos (Costa e cols, 2000; Pacheco e cols., 1999), o critério escolhido para determinar se um escore era alto ou baixo foi a mediana da amostra.
Procedimentos
As coletas foram realizadas em grupo, em sala de aula, nas escolas que concordaram em participar do estudo. A ordem de apresentação dos instrumentos (exceto o questionário sócio-demográfico) foi aleatória.
Pesquisadores treinados deram aos participantes instruções padronizadas, conforme previsto para a aplicação dos instrumentos. Todos os participantes receberam garantias de preservação do sigilo e confidencialidade dos dados individuais. Todos os procedimentos éticos usuais foram adotados.
Resultados
No presente estudo, a consistência interna das escalas foi satisfatória. No inventário de depressão, obteve-se um Alpha de Cronbach igual a 0,92. Os Alphas relativos à responsividade das mães e dos pais, analisados separadamente, igualaram-se em 0,91. Já na Escala de Exigência, o Alpha obtido foi de 0,89 para os itens maternos e de 0,92 para os itens paternos.
Quanto aos resultados referentes à avaliação de indicadores de depressão, esses apresentam índices equivalentes aos descritos em estudos anteriores (Chartier & Lassen, 1994; Kling e cols., 1999; Mendelson e cols., 1996). O escore médio obtido no CDI foi 9,95 (d.p.=8,9). Estabelecido o ponto de corte do CDI em dois desvios-padrão acima da média (igual ou superior a 28), foram encontrados escores indicativos de provável diagnóstico de depressão em 26 casos da amostra total (n=456), o que corresponde a 5,7% dos participantes. Tal incidência aproxima-se dos índices relatados em outras pesquisas com amostras brasileiras de adolescentes (Baptista e cols., 2001; Bardagi, 2002; Gorenstein, Andrade, Vieira, Tung, & Artes, 1999).
Em relação às diferenças de depressão obtidas em função das variáveis sócio-demográficas investigadas, observou-se diferenças significativas de sexo e escolaridade (p<0,01). A Tabela 2 apresenta as médias e desvios-padrão desta variável.
Conforme se observa na Tabela 2, constataram-se índices de adaptação psicológica significativamente melhores entre os participantes do sexo masculino e aqueles mais adiantados na escola. A situação conjugal dos pais não se relacionou a diferenças quanto à depressão [F(2,453)=4,19, p<0,16].
Uma Análise Correlacional demonstrou, ainda, que os níveis de responsividade e exigência maternos e paternos foram as variáveis que apresentaram as maiores correlações com os escores do CDI. Ressaltam-se as correlações entre ambas dimensões do estilo parental e o nível de depressão. Tais associações revelam que a disponibilidade dos pais de atuar como uma rede de apoio percebido e como um agente disciplinador relaciona-se a maiores índices de ajustamento psicológico. Os resultados são apresentados na Tabela 3.
Os dados que demonstraram que a responsividade parental contribui substancialmente para o índice de adaptação psicológica foram endossados por uma ANOVA. De acordo com a hipótese inicial, os achados revelaram que entre os adolescentes provindos de famílias autoritativas e indulgentes, as quais são caracterizadas por um elevado grau de responsividade, constatou-se menor incidência de depressão [F(3,365)= 74,39; p<0,01]. A média e o desvio-padrão do índice de depressão obtido a partir dos diferentes estilos parentais combinados são indicados na Tabela 4.
Os resultados apresentados na Tabela 5 referem-se à Análise de Regressão dos preditores de sintomas depressivos. De acordo com os achados, todas variáveis consideradas demonstraram relação com os escores de depressão.
Os dados descritos no quadro acima evidenciam, também, que a associação das variáveis independentes explica 73,5% da variação dos escores do CDI. Dentre as variáveis explicativas, os níveis de responsividade materno e paterno e o sexo foram novamente as que apresentaram os coeficientes Beta mais elevados. Assim, observa-se, por exemplo, que para cada aumento de 0,77 desvios-padrão no grau de responsividade da mãe, o índice de depressão diminui um desvio-padrão.
Discussão
As análises evidenciaram que as meninas apresentam sintomas depressivos em uma incidência significativamente maior do que seus pares masculinos. A diferença em relação à media obtida nos escores do CDI é cerca de três vezes maior. Estes achados são coerentes com a vasta literatura existente sobre o tema (Siegel, Yancey, Aneshensel & Schuler, 1999; Wichstrom, 1999). Embora não haja diferenças relativas à prevalência sexual da depressão na infância, as mulheres apresentam maior risco após a puberdade. Isto mantém-se durante a adultez, tanto nas populações psiquiátricas, quanto nas não clínicas (Cunha, Prieb, & Touginha, 1997; Lima, 1999; Monteiro, 2000; Wichstrom, 1999). Whitaker e colaboradores (1990) afirmam que, aos quatorze anos, as meninas, em geral, apresentam índices de depressão duas vezes mais altos que os meninos. De acordo com estudos prévios, é possível que a prevalência de depressão entre as meninas esteja relacionada a especificidades do funcionamento neuro-hormonal feminino e ao fato destas se sentirem mais afetada por eventos de vida estressantes, terem maior preocupação com o autoconhecimento e, conseqüentemente, por terem maior ciência de seus estados internos (Allgood-Merten, Lewinsohn, & Hops, 1990; Lima, 1999; Soares, 1999).
Além do sexo, os níveis de exigência e a afeição dos pais foram outras variáveis que, de acordo com as Análises de Regressão, contribuíram para a predição dos sintomas depressivos. De todos fatores considerados, o mais importante foi a responsividade parental. Conforme observa-se, a disponibilidade dos pais para atuarem como uma rede de apoio centrada em seus filhos e viabilizar um espaço de discussão dos problemas cotidianos parece estar diretamente relacionada à profilaxia de diversos distúrbios emocionais. Uma pesquisa realizada por Chartier e Lassen (1994) junto a crianças e adolescentes com ideação suicida indicou que apenas 6% dos pais dos participantes tinham conhecimento das intenções e dificuldades de seus filhos.
A relação entre a falta de apoio familiar percebido e a manifestação dos sintomas depressivos também foi endossada no presente estudo. Os dados demonstraram que todos os adolescentes que apresentaram escores indicativos de provável diagnóstico de depressão (5,91% da amostra total) referiram-se à baixa responsividade parental. Por outro lado, observou-se uma elevada correlação entre o nível de aquiescência dos pais e a saúde emocional dos adolescentes pesquisados.
A maior incidência de depressão encontrada entre os adolescentes que percebem um baixo nível de afetividade por parte de seus pais pode ser decorrente do fato de que estes raramente oportunizam a seus filhos a possibilidade de compreender as situações estressoras vivenciadas, os sentimentos dela derivados e a necessidade de modificação das estratégias de ação não assertivas. Deste modo, à proporção em que os indivíduos perseveram em seus comportamentos inadequados ou apresentam novas táticas inapropriadas sucessivamente, reforçam a crença de que o meio lhes impõe dificuldades insuperáveis e assumem uma postura de retraimento e apatia.
Em relação aos adolescentes criados sob forte autoridade parental, pode-se considerar que o controle e a imposição de normas limitam a exploração moratória dos indivíduos, exigindo obediência e conformismo aos planos parentais. Além disso, produzem emoções negativas como raiva, desesperança e ansiedade exacerbada, que são associadas à depressão. Ainda, a rígida autoridade parental resulta na manutenção de comportamentos dependentes, uma vez que as condições situacionais parecem imutáveis frente aos desejos dos pais. Tanto nestes casos, quanto nos de negligência (ambos padrões relacionados a elevados escores de sintomatologia depressiva), as estratégias disciplinares utilizadas centram-se na conveniência e no interesse dos pais e não propriamente na integração social e melhor adaptação de seus filhos (Reppold e cols., 2002).
Cabe ressaltar que a avaliação do apoio familiar realizada neste estudo não tem o propósito de fomentar a retórica culpabilização dos pais quanto ao ajustamento psíquico dos adolescentes, uma vez que a literatura e as análises estatísticas deste trabalho demonstraram que outras variáveis contribuem substancialmente para sintomatologia depressiva. Ademais, por tratar-se de uma pesquisa transversal, não é possível identificar a direção causal destes fatores. Por um lado, pode-se supor que a disponibilidade familiar influencia a autopercepção do adolescente e as formas de enfrentamento das situações estressantes ou aversivas, o que repercute sobre o desenvolvimento dos transtornos afetivos. Por outro, é preciso considerar que uma das características da depressão é a distorção da realidade em uma visão restrita e negativa dos eventos que cercam os depressivos, o que pode incluir a percepção dos estilos parentais. De qualquer forma, estudos demonstram que a interpretação que os adolescentes fazem das estratégias utilizadas por seus pais tem maiores efeitos sobre medidas de bem-estar e competência do que a percepção que os pais têm sobre seus próprios estilos (Smetana, 1995; Paulson & Sputa, 1996).
A partir destes achados, evidencia-se a importância da avaliação dos fatores de risco e proteção ao desenvolvimento emocional dos adolescentes. Neste sentido, as contribuições deste trabalho não se restringem a apresentar resultados referentes à prevalência de sinais indicativos de depressão entre os adolescentes provenientes de amostras não clínicas, uma vez que a discussão dos dados fornece também subsídios para a elaboração de projetos de saúde que visem à profilaxia das alterações afetivas entre adolescentes.
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Endereço para correspondência
Instituto de Psicologia, UFRGS
Ramiro Barcelos, 2600
90035-003 Porto Alegre - RS
E-mails: carolinereppold@yahoo.com.br ou hutzc@terra.com.br
Manuscrito recebido em 15/02/2002
Aceito em 08/04/2003
1 Para classificação da renda familiar, os dados foram categorizados a partir do cálculo dos tercis, os quais tiveram valor equivalente a 8,33 e 15,55 salários míninos.