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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. v.4 n.1 Porto Alegre jun. 2005
ARTIGOS
Qualidade de vida, depressão e características de personalidade em pacientes submetidos à hemodiálise
Quality of life, depression and personality characteristics in hemodialysis
Caroline Venzon ThomasI, 1; João Carlos AlchieriII, 2
I Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul
II Universidade Federal do Rio Grande do Norte
RESUMO
O tratamento da Insuficiência Renal Crônica (IRC) acarreta restrições físicas e psicossociais comprometendo a qualidade de vida do paciente em um período curto de adaptação. O presente estudo investiga as variáveis que indicam aderência ou não ao tratamento de Hemodiálise por meio da identificação das principais características de personalidade pelo Inventário Millon de Personalidade (MIPS) na expressão de comportamentos aderentes ao tratamento. São apresentados resultados da investigação conduzida em um grande hospital da capital do estado do RS com 41 participantes, usuários do serviço de hemodiálise, avaliados, pelos testes Estilos de Personalidade de Millon (MIPS), Inventário de Qualidade de Vida (Short Form Health Survey, SF36), além do Inventário de Depressão Beck (BDI). Verificou-se que a relação estabelecida pelos indicadores dos instrumentos utilizados, é possível caracterizar diferentes níveis de aderência e suas correspondentes tipicidades, auxiliando enquanto medida dos indicadores de adesividade ao tratamento.
Palavras-chave: Insuficiência renal crônica, Hemodiálise, Aderência, Avaliação de personalidade.
ABSTRACT
Chronic kidney failure treatment is very difficult due to the various restrictions both physical and psychosocial that it brings. This treatise aims to investigate what the variables that indicates compliance or not to hemodyalisis in patients with chronic kidney failure are. This current research identifies and characterizes the main personality traits through Millon Index Personality Styles (MIPS) on compliance to treatment, by laboratory exams indicating nutritional compliance and compliance to drugs, complementary actions like skipping and shortening hemodialysis sessions, as well as staff compliance to treatment evaluation. Are showed many results about an investigation wich is achieved in a important hospital in a RS'capital counting with 41 members, users of the hemodialysis treatment. Life quality indicators are showed through a multidimensional quality of life evaluation study, item Short Form Health Survey (SF-36), as well as Beck's Depression Inventory Scores (BDI), measuring the existence and intensity of depression. The correlation established by the indicators of instruments used allows us to characterize the diverse levels of compliance and their corresponding particularities that can be taken as indicators of acquiescence to treatment.
Keywords: Chronic kidney failure, Hemodialysis, Compliance, Personality evaluation.
Introdução
A Nefropatia Crônica é uma condição mórbida decorrente de uma série de fatores, que como característica fisiopatológica básica apresenta a falência das funções renais, o impedimento da eliminação eficaz do organismo de seus produtos residuais metabólicos, acarretando um progressivo aumento de catabólicos no sangue. A Insuficiência Renal Crônica (IRC) não contempla uma expectativa de cura, mas sim a manutenção do estado de cronicidade com acompanhamento médico. Para Paolucci (1997), a expressão Insuficiência Renal Crônica (IRC), representa aquela condição patológica, de instalação gradual, capaz de deteriorar em graus variados, a capacidade funcional renal. O impacto do diagnóstico e do tratamento dialítico pode levar o paciente renal crônico a um progressivo e intenso desgaste emocional devido à necessidade de submeter-se a um tratamento longo que ocasiona limitação física e diminuição da vida social.
A hemodiálise, enquanto um procedimento de apoio a função renal, consiste na remoção de substâncias tóxicas e excesso de líquido por uma máquina de diálise, em um procedimento cuja duração leva de 2 a 4 horas, exigindo que o paciente se desloque para a unidade de tratamento numa freqüência de 2 a 4 vezes por semana. A dificuldade de adaptação do paciente pode ser verificada logo no início do tratamento, pois se trata de uma situação em que a ansiedade pode se fazer presente durante o processo e até mesmo durante todo o tratamento. Entende-se que algumas características de adaptação a situações novas podem ser mais bem compreendidas por meio do perfil de personalidade do paciente crônico, sendo este um fator preponderante no que se refere à adesão ao tratamento. As características pessoais podem indicar uma melhor vinculação (aderência) ou não ao tratamento dialítico, e o modo como o paciente processa cognitivamente a doença e suas conseqüências, pode predizer um melhor ou pior prognóstico, interferindo diretamente na sua qualidade de vida.
Diferentes sentimentos desde a alegria e a tristeza fazem parte da alternância das respostas emocionais que são associados às situações do mundo e sabe-se que a maioria das pessoas que passa por episódios desagradáveis reage com tristeza ou humor depressivo, quando se defrontam com situações que, devido a gravidade e duração, são maiores do que sua capacidade de adaptação. É esperado por parte do indivíduo que apresente manifestações depressivas a uma crise vital, como o aparecimento de doenças incapacitantes por serem provenientes do desenvolvimento de períodos de adaptação. Da mesma forma em pacientes com IRC, entende-se que suas reações imediatas ao processo terapêutico são uma forma de resposta adaptativa frente a estes sentimentos de insegurança e perdas.
Kovac, Patel, Peterson e Kimmel (2002) destacam que a depressão é a desordem psiquiátrica mais comum em pacientes em estágio final da doença renal (ESRD) tratados com hemodiálise, sendo que a extensão do efeito depressivo ao longo do tempo, tem como conseqüência a mortalidade. A depressão ocasiona a diminuição da imunidade dos pacientes e também diminuição nos cuidados pessoais, com menor aderência aos tratamentos e dietas (Leveson & Glocheki, 1991). Pode-se pensar que a forma como o paciente vincula-se ou adere ao tratamento tenha um equivalente negativo quando este apresenta um comportamento pessimista em relação à sua doença e também à percepção sobre o tratamento; tais fatores podem refletir na aderência terapêutica e, conseqüentemente, na qualidade de vida.
O termo Adesão ou aderência ao tratamento médico (compliance) é a representação do conjunto de ações ou omissões do paciente, considerando não somente as suas atitudes imediatas, mas sim todo um complexo comportamental (Santos, 2000). Kaveh e Kimmel (2001) referem à existência de uma correlação entre as medidas objetivas e subjetivas de compliance, e citam fatores que devem ser levados em conta, tais como o suporte social, a percepção que o paciente possui da doença, assim como seus efeitos, fatores psicossociais, motivação do paciente, médico, staff, responsabilidades familiares, entendimento e crença em relação à doença, tempo de tratamento prescrito e função residual renal. Referem que compliance em diálise pode ser representada por três domínios, aderência à dieta, aderência ao tratamento dialítico prescrito e aderência à medicação.
A satisfação do paciente com o atendimento médico e dos demais membros do staff está associada a percepção do suporte social. Conforme Kovac e cols. (2002), para o paciente no prosseguimento das condutas terapêuticas, é importante o suporte social, quando relacionam a depressão com a sobrevida em hemodiálise.
Na percepção de Barros e cols. (1999) outras condutas devem ser avaliadas e reforçadas como o controle dietético, pois o tratamento da Insuficiência Renal modifica os hábitos alimentares e a qualidade de vida. Estudos referem que o nível de Potássio(K) como medida objetiva de compliance à dieta é a medida mais comumente usada (Kaveh e Kimmel, 2001). Ainda, estudos afirmam que taxa de potássio (se K > 6) pode indicar uma situação de não aderência ao tratamento nutricional. Por sua vez, o nível de Fosfato (PO4) também é sugerido como uma medida de compliance à dieta e medicação. No estudo de Kutner e cols (2002) verificou-se que pacientes com PO4 7,5 indicam uma medida de não compliance. Da mesma forma, o Ganho de Peso Interdialítico (IDWG) pode também ser considerado como uma medida de compliance. Nesse sentido, o estudo de Kaveh e Kimmel (2001) verificou-se que pacientes com IDWG menor do que 5% em relação ao peso seco, podem ser considerado aderentes, pois o peso seco é o peso ideal, com o qual o paciente apresenta sensações de bem estar.
A associação entre variáveis psicossociais e os aspectos de não aderência (non-compliance) de pacientes em tratamento dialítico, foram analisados por Kutner e cols, (2002), ao observarem que nas sessões perdidas, os valores de Fosfato (PO4) sinalizaram não aderência. Nesta investigação, os pacientes que apresentaram uma média de Fosfato (PO4) que excedia 7,5mg/dl foram considerados não aderentes e, os pacientes que tiveram tratamentos encurtados eram mais susceptíveis a sentirem pouco ou nenhum controle sobre sua saúde, a estarem deprimidos e angustiados frente às restrições que a doença provocava.
No tratamento dialítico é importante pensar na qualidade de vida dos pacientes, tendo em vista as inúmeras limitações decorrentes "... saúde inclui domínios sociais, físicos e psicológicos de saúde, cada um dos quais inclui uma gama de componentes [...] cada componente pode ser expresso em diferentes maneiras de acordo com a percepção subjetiva de cada paciente, resultando em uma avaliação diferente [...]" (Valderrábano & cols., 2001, p .443). A percepção de saúde e seu significado podem variar entre os indivíduos ou em um mesmo indivíduo através do tempo, bem como na trajetória de sua doença. As pessoas percebem sua qualidade de vida relacionada à saúde, comparando suas expectativas com suas experiências; a qualidade de vida é um conceito altamente individual e sua medida nunca vai capturar todos os aspectos da vida que são importantes para um indivíduo (Higginson & Carr, 2001).
Embora o paciente seja o responsável pela sua aderência ao tratamento, o processo também pode ser entendido como um trabalho conjunto com a equipe de profissionais, familiares, amigos envolvidos direta ou indiretamente no tratamento. A interação entre a equipe médica e o paciente são também fatores que podem predizer uma melhor adesão terapêutica. O suporte psicológico dado ao paciente constitui uma ferramenta imprescindível no que se refere à manutenção do tratamento e uma ação psicológica deve caracterizar a direção do possível tratamento, voltada aos efeitos psíquicos que tangenciam a moléstia (Romano,1994).
Os aspectos psicológicos podem operar formas mais ou menos adaptadas de conduta frente às necessidades, conforme os estilos de agir nas situações do cotidiano e também da doença (Chacón & Fachinelli, 2003).. Estes estilos podem representar fatores que mostram a forma das pessoas orientar-se, administrar suas necessidades e interesses conforme percebem o mundo à sua volta (Alchieri, 2004). Para Millon a personalidade normal reflete as formas específicas de adaptação de um membro à espécie, as quais são eficazes em ambientes previsíveis onde ocorre participação dos aspectos intraculturais (Millon, 1990).
A personalidade, então, é um padrão de funcionamento, uma forma intrínseca de agir que resulta de uma matriz de variáveis determinadas pelo desenvolvimento do indivíduo. As percepções do ambiente e o jeito de reagir frente às situações conflituosas formam uma matriz de disposições em que se manifestam os diversos aspectos desde a herança biológica e até a aprendizagem subsidiada por meio da cultura (Millon, 1999). Em seu desenvolvimento a personalidade é influenciada pela expressão dos fatores biológicos e psicológicos, interagindo constantemente em uma combinação contínua como em uma espiral, em que cada giro desta constrói-se sobre as interações prévias, criando, assim, novas bases para as próximas interações. Entender estas transformações constantes do comportamento e suas implicações em diferentes situações de vida pode ampliar sobremaneira a possibilidade de compreender as vicissitudes do paciente frente à adaptação em situação adversa, e avaliar seu potencial de reorganização, nos múltiplos âmbitos de sua relação interpessoal.
Com a finalidade de contribuir com os estudos sobre a qualidade de vida associada ao tratamento do paciente em hemodiálise e a possibilidade de investigar a manifestação de depressão, o presente estudo objetiva abordar os principais aspectos que podem participar, contribuir ou mesmo dificultar a aderência ao tratamento nesses pacientes.
Como objetivo geral o presente trabalho procurou investigar quais são as variáveis que indicam aderência ou não aderência ao tratamento hemodialítico em pacientes portadores de Insuficiência Renal Crônica (IRC), bem como caracterizar os principais fatores associados ao padrão de reação comportamental e de personalidade quanto à identificação de condições mais adaptativas que respaldem a adesão ao tratamento. Especificamente, objetivou-se averiguar a presença ou não de manifestações depressivas nos pacientes em atendimento, enquanto co-fator responsável pela adaptação e, também dimensionar a qualidade de vida e a sua influência na adesão ao tratamento.
Método
Participantes
Foram avaliados 41 pacientes que estavam em hemodiálise por no mínimo 6 meses, cujas idades fossem superiores a 18 anos e que concordassem em participar do processo de investigação por meio da autorização em consentimento informado.
Instrumentos
Como instrumento para identificar e avaliar as características de personalidade foi utilizado o Inventário Millon de estilos de Personalidade (Millon, 1997), composto por 180 itens respondidos com opções de verdadeiro ou falso. Para avaliação dos indicadores de depressão foi utilizado o Inventário Beck de Depressão (BDI); e a fim de verificar indicadores de qualidade de vida foi utilizado o The Medical Outcomes Study 36- item Short Form Health Survey (SF-36), formulado por 36 itens em oito escalas. Paralelamente às avaliações psicológicas foram coletadas informações clínicas como os valores bioquímicos de Fosfato e Potássio (PO4 , K) e ganho de peso interdialítico (IDWG) durante os últimos três meses a partir da data de início da investigação, objetivando caracterizar aderência à dieta e medicação. Os dados dos pacientes, junto à avaliação de indicadores de depressão pelo BDI, foram organizados tomando como base os resultados apresentados e subdividindo a amostra em dois novos grupos em função da presença do quadro depressivo; tomou-se como ponto de corte os valores dos escores maiores que 17 pontos de escore.
Procedimentos
Foram considerados como participantes do grupo de aderentes, aqueles pacientes que estiveram com valores bioquímicos compatíveis a descrição da literatura (PO4 < 7,5, K<6 e IDWG< 5% do peso seco). Aqueles pacientes que não apresentaram os valores referenciados foram considerados, conforme a literatura internacional, como não aderentes.
Além das medidas psicológicas e bioquímicas foram realizadas verificações sobre a freqüência às sessões de hemodiálise (abstinência e encurtamento) nos últimos três meses de tratamento, sendo que a presença de abstinência e/ou encurtamento das sessões indicaram não-aderência à sessão de diálise, conforme recomendação da conduta médica. Além destes indicativos utilizou-se uma a avaliação do staff (composto por médicos enfermeira e técnicos da unidade), quanto à percepção da adesão ao tratamento. A avaliação tomou indicadores e critérios pré-estabelecidos da avaliação, como as expectativas e atitudes que o paciente possui em relação à sua doença, o entendimento da eficácia e importância do tratamento, a relação entre médico, paciente, staff e família, e a responsabilidade do paciente em relação ao seu tratamento.
Resultados
Os dados referentes aos resultados das avaliações clínicas, laboratoriais e psicológicas são apresentados de acordo com a distinção dos três tipos de aderência ao programa terapêutico. A avaliação do staff demonstrou ser significativo em relação aos fatores Abertura, Reflexão, Retraimento (p< 0,05) avaliado pelo MIPS, ao passo que quanto aos indicativos de Saúde Mental, avaliados pelo SF-36 também se verificou distinção estatística entre os grupos de aderentes e não aderentes (p<0,05) avaliados pelo staff (Tabela 1).
Em relação à aderência quanto à execução do tratamento dietético e medicamentoso, não foi observada diferença estatística em relação aos Instrumentos MIPS, SF-36 e BDI. Na manutenção do programa dietético e medicamentoso, identificaram-se como características adaptativas quanto aos estilos de personalidade a Extroversão, Retraimento e Vacilação nos diferentes grupos.(Tabela 2).Sobre a inter-relação entre os estilos apresentados no MIPS, a Tabela 3 demonstra os valores representando os grupo com escores superiores no BDI e escores dentro da normalidade.
Discusão
A avaliação realizada pelo o staff quanto à aderência ao tratamento demonstrou ser pertinente na diferenciação dos grupos de aderentes e não-aderentes, bem como significativa na representação concomitante aos fatores Abertura, Reflexão, Retraimento avaliados pelo MIPS. O que demonstra a capacidade que a equipe, por meio de sua capacidade de reconhecimento das características de reações dos pacientes, demonstra em avaliar por felling as atitudes observadas dos pacientes em seu processo de adaptação.
A escala Abertura representa a área referente às metas motivacionais, e analisa o conjunto de habilidades do sujeito em buscar e adquirir reforço quanto a sua conduta no meio. Alta pontuação na escala sugere uma forma otimista do sujeito avaliar a vida e o futuro, demonstram ainda condutas que visam à preservação da vida e comportamentos de evitação da dor. A equipe pela sua atenção e proximidade com os pacientes mostra-se perceptiva e, conseqüentemente, discriminativa dessas condições enquanto manifestações de conduta, o que provavelmente reflete-se no relacionamento entre os pacientes e o staff. Tendo em vista as características de personalidade para o domínio Reflexão, entende-se que as pessoas com alta pontuação nesta escala demonstram a prevalência quanto ao uso de aspectos objetivos e racionais em relação às dificuldades expressas como reativas às questões emocionais. Esses pacientes podem estar indicando dificuldades importantes de comunicação, especificamente quanto aos aspectos afetivos com o staff, com pouco investimento emocional nas relações com a equipe. Quanto aos valores altos no fator Retraimento, pode-se interpretar como decorrente da falta de motivação, apatia, dificuldades de relacionamentos e retraimento social e a dificuldade de vinculação, o que compromete a rede de apoio, importante no processo de aderência ao tratamento.
Tais fatores, ou estilos de personalidade quando em evidência, podem estar representando as dificuldades quanto à aderência terapêutica e, o impacto da doença é consideravelmente experienciado. Verificou-se que a vinculação com o staff é uma ferramenta importante no que se refere à avaliação da adesão ao tratamento, bem como no entendimento e aceitação das manobras terapêuticas, pois é a equipe que mantém no cotidiano a motivação e a orientação de condutas.
Os indicativos de saúde mental, avaliados pelo SF-36 demonstraram distinções quanto aos resultados dos grupos na percepção da evolução da doença e da saúde. Os pacientes aderentes segundo a avaliação do staff possuem melhor capacidade de perceber as questões concorrentes ao adoecer se comparados em relação aos não-aderentes. As dificuldades de ajustamento podem ser percebidas no grupo de não aderência, sendo que os dados apresentados sinalizam a importância do staff em identificar e caracterizar as necessidades individuais de seus pacientes.
Os resultados obtidos não permitiram identificar diferenças significativas quanto aos aspectos de estilos de personalidade, indicadores de depressão e qualidade de vida na categoria da aderência às sessões de hemodiálise. Entende-se a partir dos resultados demonstrados que o comparecimento às sessões não é um fator a ser tomado isoladamente na caracterização da avaliação, mas outros estudos são necessários para enfocar através de avaliações seqüenciais, as principais expressões deste comportamento.
Quanto à possibilidade de distinguir a aderência à dieta/medicação, verificaram-se aspectos importantes sobre as características adaptativas de personalidade nos diferentes grupos. A escala Extroversão assinala uma tendência do grupo de pacientes aderentes, enquanto pessoas mais receptivas às questões externas, evidenciando uma maior necessidade de estímulo e entusiasmo por parte dos demais, ou seja, ressoam em conjunto com as estimulações obtidas no contato interpessoal. As pessoas com maior pontuação na escala possuem indicadores de uma melhor capacidade de recorrer aos demais, demonstrando condições de solicitar e aceitar ajuda. Para aqueles do grupo não-aderente, as médias, nos estilos Vacilação e Retraimento, foram superiores ao grupo de pacientes aderentes, dados também observados por Chacón & Fachinelli (2003), caracterizando-os como tímidos e isolados, com dificuldades de interação social. O fator Vacilação enquanto estilo de relações interpessoais indica que sujeitos com pontuação elevada nesta escala apresentam timidez em situações sociais, nervosismo, com sentimentos de ansiedade e insegurança. O grupo de não aderentes, com maior pontuação, pode estar indicando um grande nível de insegurança e retraimento o que contribui com um padrão comportamental de não aderência em relação à dieta e medicamentos.
No que se refere à correlação dos fatores do MIPS e a avaliação do BDI foi possível observar importantes distinções. Os escores superiores no fator Preservação para o grupo de pacientes com escores elevados (BDI>17), revelou pessoas angustiadas, para as quais as pequenas dificuldades do dia-a-dia assumem um peso percebido como debilitante, podendo ser relacionado com a descrição de estados depressivos. Os valores mais altos no fator Intuição estavam relacionados no grupo com valores altos nos escores de depressão (BDI). Estes pacientes podem estar apresentando dificuldades em lidar com as questões concretas e observáveis, possivelmente porque a situação de cronicidade e o tratamento sejam difíceis de aceitar.
A Vacilação apresentou escores mais elevados no grupo de pacientes com valores altos no BDI, em que se observa também uma relação com os sintomas depressivos, uma vez que valores altos nesta escala revelam pessoas inseguras, sensíveis e emotivas, que desejam ser aceitas socialmente e a insegurança torna-se um dispositivo para o isolamento e retraimento social.
Pode-se compreender que o fator Submissão, em conjunto com o BDI (>17), mostra pessoas com maior tendência de experienciar o sofrimento, associado com uma expressão passiva e revestida de prazer, associado a dificuldades de reconhecimento de suas capacidades e aptidões. As pessoas com características de submissão tendem a perder grandes oportunidades, pois atuam tomando os outros como ponto de referência, e não a si mesmas, pela crença na pouca capacidade que possuem. Assim, a tendência é que esse comportamento as tornem cada vez mais deprimidas e mais sofridas.
O fator Controle também apareceu como característica nos pacientes com indicadores de depressão (BDI>17) são pessoas geralmente dominantes e competitivas e entende-se que a percepção das limitações quanto ao tratamento é experienciada com sofrimento e impotência, ficando mais vulneráveis aos sintomas depressivos.
O escore alto na escala Acomodação, verificado no grupo de BDI alto, caracteriza indivíduos com pouca iniciativa, com poucos investimentos nas questões de suas vidas. Essa característica pode ser manifestada também nos estados depressivos, esse estilo de personalidade pode intensificar a manifestação dos sintomas depressivos. Os resultados altos do fator Introversão revelam o modo de funcionamento cognitivo. Essa característica dos pacientes pode contribuir para a manutenção de dificuldades de relacionar-se e quanto menos rede social, mais dificuldades em relação à adaptação.
Quanto às condutas pessoais, o Retraimento é observado no grupo com BDI>17 e podem-se assim demonstrar pessoas desmotivadas, passivas e reservadas em relação às mais variadas condutas, mais vulneráveis as manifestações de quadros depressivos. Seguindo com a referência às condutas interpessoais, observou-se que o fator Discrepância teve também pontuação elevada (BDI>17), revelando assim dificuldades em acatar normas. As características de desânimo e apatia facilmente observadas em pacientes deprimidos podem mascarar sinais como, irritabilidade, agitação, capacidade reduzida para se concentrar. Por fim, a escala Insatisfação foi a mais pontuada nos pacientes do grupo com escores mais altos no BDI e podem demonstrar vulnerabilidade quanto aos estados afetivos e nas suas manifestações, associadas com características de passividade, agressividade, mau humor e insatisfação.
Conclusão
A Insuficiência Renal Crônica enquanto uma patologia cronificadora e insidiosa compromete mais que as funções vitais, debilitando e impondo restrições físicas e psicológicas ao exigir um esforço muito grande dos pacientes para tolerarem e se adaptarem as mudanças de vida e a gradual perda de sua qualidade.
Por meio da presente investigação, foi possível identificar e caracterizar alguns aspectos principais relacionados às dificuldades na manutenção da aderência ao tratamento enfrentado pelos pacientes em hemodiálise. Os diferentes níveis de estratégias de adaptação em relação à manutenção e controle de sua saúde, os distintos níveis de percepção da qualidade de vida, bem como também os sintomas depressivos puderam ser verificados e sua expressão dimensionada. Os estilos de personalidade demonstram as formas diferenciadas que as estratégias utilizadas pelos pacientes são manifestadas, enquanto condições para melhor entender as reações frente à aderência. Verificou-se que os estilos de personalidade tendem a se relacionar tanto com as formas mais adaptadas quanto menos adaptadas de enfrentar essas dificuldades.
A possibilidade de uma assistência psicológica deve objetivar principalmente a avaliação das condições de adaptação às novas situações que o tratamento dialítico impõe, uma vez que ele inevitavelmente acarreta limitações, assim como possibilita a extensão de vida com qualidade. Cabe ao psicólogo manter um papel estimulador no processo de acompanhamento psicológico nas unidades de atendimento, visando beneficiar não somente os pacientes, mas também a rede de apoio compreendida pelos seus familiares e a equipe de atendimento.
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Endereço para correspondência
Rua Lagosta 466, bl A - apt 2302
59090-500 Natal-RN
Recebido em Agosto de 2005
Reformulado em Outubro de 2005
Aceito em Dezembro de 2005
Sobre os autores:
1 Caroline Venzon Thomas: Psicóloga, membro do Comitê de Psicologia Hospitalar da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul.
2 Prof. Dr. João Carlos Alchieri: Programa de Pós-graduação em Psicologia
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.