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Avaliação Psicológica

versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431

Aval. psicol. v.4 n.1 Porto Alegre jun. 2005

 

NORMA TÉCNICA

 

Escala de traços de personalidade para crianças (ETPC)

 

 

Rodolfo Augusto Matteo Ambiel1

Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 

Sisto, F. F. Escala de Traços de Personalidade para Crianças. 1ª edição. São Paulo : Vetor, 2004

A tarefa de construir instrumentos psicológicos que cumpram os requisitos técnico-científicos exigidos pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) a partir da resolução 002/03 fez com que os construtores e editores se mobilizassem no sentido de produzir materiais que se adequassem às exigências, para que os mesmos pudessem ser comercializados e utilizados pelos psicólogos do Brasil. Os itens exigidos não são meras formalidades, já que por meio dos estudos de validade e precisão atesta-se a qualidade científica e a pertinência das interpretações propostas para o instrumento. Além disso, uma fundamentação teórica bem elaborada, que defina os limites do construto, e as normas de aplicação do instrumento garantem uma boa utilização dos escores obtidos, proporcionando uma melhor e mais bem planejada intervenção. Nesse sentido, a Escala de Traços de Personalidade para Crianças (ETPC), de Fermino Fernades Sisto, Doutor pela Universidad Complutense de Madrid e livre-docente pela Unicamp, se sobressai em todos os requisitos, indo além do mínimo exigido pelo CFP.

Problematizando a questão da definição e mensuração do construto, o autor afirma que seu estudo sistemático é possível e em geral satisfatório, tendendo a haver uma busca crescente por pesquisas na área, provocada pela curiosidade que as teorias despertam. O termo personalidade, utilizado em todos os segmentos da sociedade, é controverso até mesmo entre os psicólogos, existindo várias concepções e abordagens que visam o estudo do que é individual no comportamento humano. O autor faz uma revisão histórica do construto, desde os tipos de temperamentos de Galeno, em tempos anteriores ao cristianismo, passando pelos estudiosos das diferenças individuais do século XIX e pelos pioneiros estudos experimentais de Heymans no campo da personalidade até a introdução da análise fatorial, por Charles Spearman. Porém, destaque especial é dado a Eysenck, proclamado o criador da teoria científica moderna da personalidade, valendo-se da abordagem psicométrica. É nos estudos de Eysenck que o autor se apoiou para formular sua Escala.

Após anos de pesquisas, Eysenck propôs uma teoria hierárquica da personalidade, a partir da qual construiu vários questionários aplicáveis em pessoas sem histórico de transtornos psiquiátricos, uma vez que os itens tratam de aspectos comportamentais e não constitucionais da personalidade, ou seja, variáveis da personalidade que surgem dos intercâmbios do indivíduo com seu meio. Assim, a anormalidade psiquiátrica seria uma exacerbação dos traços subjacentes a determinado fator. Em seus estudos, Eysenck detectou 5 fatores fundamentais, que são extroversão, psicoticismo, neuroticismo, mentira e condutas anti-sociais. Destes, Sisto identificou em seus estudos apenas três fatores e posteriormente mais um, que não foi observado nas pesquisas originais. No manual é apresentada uma síntese das possíveis interpretações dos fatores baseada nos manuais dos vários instrumentos de Eysenck, com uma rápida descrição dos comportamentos inerentes às pessoas que apresentam os traços, além de uma diferenciação daqueles que obtêm altas e baixas pontuações.

O fator extroversão foi considerado como a dimensão responsável pela impulsividade, e algumas das características apresentadas para os sujeitos com alta pontuação são ser excitados, gostar de estar sempre acompanhados, otimistas e gostar de mudanças, enquanto que aqueles com baixa pontuação apresentam as características inversas. O fator neuroticismo relaciona-se ao funcionamento do sistema nervoso autônomo e portanto reações fisiológicas, tais como ansiedade, nervosismo ou emotividade, estão associadas a esse fator. Basicamente, o indivíduo com alta pontuação apresenta baixa estabilidade emocional e as baixas pontuações, por sua vez, denunciam indivíduos pouco impulsivos, que recuperam facilmente o autocontrole.

Apesar de representar uma dimensão da personalidade normal, o fator psicoticismo, em pontuações altas, pode indicar sujeitos com tendências anti-sociais e hostis na relação com seus convivas. As pontuações baixas, entretanto, indicam pessoas preocupadas com os outros e afetivamente sensíveis. A interpretação da quarta escala, denominada mentira, é um tanto problemática, mas basicamente versa sobre a opção, intencional ou não, por respostas mais aceitas socialmente sendo que as pontuações baixas demonstram que a pessoa tem certa independência em relação às condutas socialmente aceitas, mostrando-se como realmente é, valendo o contrário para as pontuações altas. Na quinta e última escala de Eysenck, condutas anti-sociais, a interpretação inicial sugeria a avaliação da propensão à criminalidade, mas os estudos ingleses e espanhóis não forneceram subsídios para considerar tal escala preditiva nesse aspecto.

No primeiro estudo brasileiro do ETPC, o autor utilizou um dos questionários de Eysenck traduzido e com adaptações que visaram adequá-lo à aplicação em crianças de 5 a 10 anos. Nesse estudo, realizado com 635 crianças, Sisto obteve a escala final por meio de análise fatorial, que promoveu uma redução de itens do instrumento original, de 81 para 30. Para cada um desses itens restantes, foram calculados os coeficientes Alfa de Cronbach e o de duas-metades (Spearman-Brown), obtendo-se em ambos valores de 0,76, portanto, fidedignidade satisfatória. Evidenciaram-se nos estudos quatro escalas, a saber, neuroticismo, psicoticismo, extroversão e sociabilidade. Esta última, que não apareceu nas pesquisas originais de Eysenck, é considerada pelo autor brasileiro como uma mistura dos fatores originais mentira e condutas anti-sociais. Além desse estudo de validação fatorial da escala, efetuou-se também um estudo visando obter a validade de conteúdo. Foram apresentados a 31 juízes, alunos de mestrado e doutorado, os quatro agrupamentos de itens correspondentes a cada escala obtida e seis definições dos traços, sendo os quatro fatores encontrados e dois que não correspondiam aos dados analisados, havendo concordância de 29 entre os 31 entrevistados.

No segundo estudo de validação, a escala em sua forma final foi ministrada a 2377 crianças. Logo nas análises iniciais, percebeu-se que a configuração com quatro fatores foi acertada, já que os itens se mostraram bastante adequados, com cargas fatoriais superiores a 0,40 e com a variância explicada em quase 50%. Ao realizar um estudo de correlação item-total entre as escalas, o autor aponta a necessidade de estudos mais detalhados na escala Neuroticismo, que mostrou quatro itens na casa de 0,30 e um item inferior, não sendo recomendada para esse tipo de análise. O autor pondera, entretanto, que esses valores refletem a característica do próprio traço, que sugere instabilidade emocional.

No que toca aos estudos de precisão, inicialmente buscou-se comprovar a consistência interna dos itens, utilizando-se de análises de duas metades (Spearman-Brown e Guttman) e do coeficiente Alfa de Cronbach, indicando que as escalas mostraram-se bastante consistentes, na maioria com coeficientes acima dos 0,80. Além desse, um outro estudo de consistência interna pelo Alfa de Cronbach foi realizado por idade, sugerindo-se que quanto mais idade, mais precisa a medida do traços.

Ainda dentro dos estudos de precisão, o procedimento de teste-reteste foi aplicado a 208 crianças, com diferença de três meses entre a primeira aplicação e a segunda. Foram calculadas as correlações de Pearson entre os resultados das escalas, que mostraram-se bastante estáveis temporalmente, embora, novamente a escala neuroticismo tenha apresentado os menores índices. Foram ainda realizados estudos de precisão temporal por item e intercorrelações entre as escalas, sendo que todos os resultados foram considerados, no mínimo, aceitáveis.

O autor apresenta no manual cinco estudos publicados que se utilizaram do ETPC, e que de alguma forma, oferecem evidências de validade ao instrumento, sendo que a maioria está relacionada à situação de ensino-aprendizagem. No capítulo seguinte, Sisto apresenta ainda um estudo bastante detalhado de relações entre idade, gênero e traços de personalidade, visando observar se seriam necessárias normas individuais para cada idade ou se algumas idades poderiam ser agrupadas. Os resultados mostraram que as normas gerais são suficientes.

Sisto apresenta as normas de aplicação e correção de forma bastante simples, tal como faz com as normas de interpretação, ressaltando o fato de que o instrumento foi construído para ser rápido e de fácil administração, captando tendências gerais das crianças, que devem ser analisadas de acordo com suas características desenvolvimentais, não sendo capaz de diagnosticar patologias. As interpretações são sugeridas, enquadrando os avaliandos em grupos, denominados quartis, que determinam as posições para as menores pontuações, as pontuações logo abaixo e logo acima da média e as maiores pontuações.

Tendo nos estudos científicos seu ponto forte, o ETPC se mostrou bastante confiável na avaliação grupal da personalidade de crianças entre 5 e 10 anos. Valendo-se de uma linguagem técnica e profunda na análise estatística dos dados, o manual é acessível para os profissionais com um mínimo de conhecimento na área e conta com uma folha de resposta com letras grandes e itens bem separados, facilitando a aplicação em crianças mais novas. Indo por caminhos pouco explorados por pesquisadores nacionais, o ETPC traz uma grande contribuição principalmente às áreas clínica e escolar, que prescindiam há muito de instrumentos de avaliação da personalidade de crianças.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: ambielram@yahoo.com.br

 

 

Sobre o autor:

1 Rodolfo Augusto Matteo Ambiel é acadêmico do curso de Psicologia e bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq da Universidade São Francisco.

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