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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471
Aval. psicol. vol.10 no.2 Itatiba ago. 2011
Inteligência emocional e qualidade de vida em gestores brasileiros
Emotional intelligence and quality of life in brazilian managers
Alessandra Rodrigues Gonzaga1; Janine Kieling Monteiro
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
RESUMO
O construto Inteligência Emocional contribui para estudos científicos sobre as relações interpessoais nas organizações, por permitir a investigação das emoções humanas no ambiente de trabalho. O presente estudo investiga as relações entre a Inteligência Emocional (IE) e a Qualidade de Vida (QV) em um grupo de gestores brasileiros em cargos de liderança. A amostra foi composta de 30 gestores. Como instrumentos, foram utilizados o Mayer, Salovey e Caruso Emotional Intelligent Test (MSCEIT), o Questionário de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde Simplificado (QV/OMS – Simplificado) e um questionário sociodemográfico. Os resultados indicaram que há correlação entre a percepção emocional dos gestores (medida pela variável Bias) e sua Qualidade de Vida (r = 0,60 / p = 0,01).
Palavras-chave: inteligência emocional; gestores; qualidade de vida; recursos humanos.
ABSTRACT
The Emotional Intelligence construct contributes in scientific studies about interpersonal relationships in organizations, since allows the investigation about human emotions on work field. The present study investigates Emotional Intelligence (EI) and Quality of Life (QL) in a group of Brazilian executives in leadership positions. The sample is composed by 30 subjects. The instruments used are: Mayer-Salovey-Caruso Emotional Intelligence Test (MSCEIT); WHOQOL- Brief (World Health Organization Quality of Life Questionnaire – Brief version); and a complementary check-list for control variables. Results indicate a strong correlation between the executives emotional perception (measured by the Bias variable) and their Quality of Life (r = 0,60 / p = 0,01).
Keywords: emotional intelligence, executives, quality of life, human resources.
Focalizar o universo das emoções no ambiente de trabalho em uma pesquisa científica poderia ser alvo de estranheza há poucos anos, principalmente sob o olhar das teorias organizacionais, cujo foco é mais na objetividade, e não na subjetividade dos processos e interações do universo empresarial. Nos últimos anos, porém, alguns pesquisadores na área da Psicologia Organizacional têm procurado ampliar o entendimento sobre os efeitos das relações de trabalho nas emoções dos trabalhadores (Borges & Albuquerque, 2004; Gondim & Siqueira, 2004). Na percepção de Gondim e Siqueira (2004), o contexto externo interfere nas emoções, no humor e no afeto do trabalhador, colaborando ou impedindo que ocorra um clima favorável ao bem-estar no trabalho.
O termo qualidade de vida compreende uma apreciação de diversas condições que afetam a percepção do indivíduo. Considera sentimentos e comportamentos relacionados ao funcionamento diário, incluindo, mas não se limitando, a sua condição de saúde física (Bullinger & cols., 1993) citados por Fleck (2000). Neste artigo, o construto Qualidade de Vida (QV) é alinhado ao conceito da Organização Mundial da Saúde de (QV), que aborda as suas diferentes dimensões: na vida pessoal do indivíduo (social), seu ambiente de entorno (inclusive no trabalho), suas condições físicas e seu estado psicológico. Qualidade de Vida foi definida, pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde, como "a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações" (WHOQOL Group, 1998, p. 1569).
A qualidade de vida implica em buscar mais do que obtenções materiais na vida. Para Barros (2002), o equívoco de muitas pessoas está em planejar somente a carreira profissional, quando o fundamental é cuidar das diversas "carreiras" que se pode ter na vida. Ou seja, para preservar e promover a saúde psíquica no ambiente de trabalho – a qualidade de vida no trabalho - o sujeito precisa encontrar espaço para as diferentes "perspectivas" de sua realidade (profissional, pessoal, amorosa, familiar), que caminham em paralelo as suas atividades profissionais.
O interesse pelo tema qualidade de vida vem crescendo, principalmente no campo da saúde. Existem, na literatura especializada, evidências significativas de que diversas patologias, entre elas a depressão, estão associadas à menor QV. Isso se deve, especialmente, ao fato de que os transtornos depressivos afetam vários dos domínios que fazem parte da avaliação global da QV. Pesquisas sobre QV e depressão (Fleck & cols, 2002; Kennedy; Eisfels & Cooke 2001; Papakostas & cols, 2004) têm demonstrado que sujeitos deprimidos apresentam déficits nas funções interpessoais, psicológicas, laborais e físicas.
Em um recente estudo realizado com o corpo gerencial de uma empresa pública, levando em consideração a qualidade de vida no trabalho e o estresse ocupacional, Paiva e Couto (2008) descreveram os fatores que ocasionam desgastes na saúde dos indivíduos. A pesquisa descritiva apontou que a qualidade de vida do grupo estudado apresentava-se com níveis satisfatórios, porém indicou níveis de estresse preocupantes. Segundo os autores, o gerente deve aprender, no contexto empresarial atual, novos conceitos a respeito da relação entre empresa e cliente e sobre o trabalho em equipe. Além disso, deve ser criativo, inovador e dinâmico. Verifica-se assim uma forte pressão, por parte da empresa, sobre o sujeito que exerce a função gerencial. A própria carreira de gerente, para 58% dos pesquisados, é um elevado fator de pressão.
O ambiente de competição global e a realidade macroeconômica em que estão inseridas as organizações brasileiras tornam cada vez mais relevante o papel dos gestores na obtenção de resultados que assegurem a sustentabilidade do negócio. Para Winblad (1999), os gestores empresariais enfrentam o desafio de saber liderar e pensar, atualizar-se, pessoal e organizacionalmente.
As emoções influenciam as relações entre as pessoas nas empresas. No caso dos gestores, as reações emocionais acabam por envolver toda a equipe de trabalho. Conforme enfatiza Robbins (2005), a liderança tem um papel crucial para a compreensão do comportamento do grupo, já que é geralmente o gestor que oferece a direção para o alcance dos objetivos da equipe.
A empatia – ou o entendimento das emoções das outras pessoas – é, por exemplo, um elemento fundamental para os gestores exercitarem, contribuindo para manter o equilíbrio nas relações interpessoais de uma organização e favorecer o clima organizacional (Goleman, 1999). Dessa forma, gestores que entendem as necessidades de suas equipes são mais abertos ao diálogo e permitem que seus liderados compreendam o sentido e a direção dos processos em que atuam.
Para Caruso (2007), o líder emocionalmente inteligente tem uma sólida base de compreensão de si mesmo e dos outros e esta base é necessária para interações pessoais "efetivas", ou seja, que gerem satisfação para os envolvidos. Nesse contexto, Cherniss (2002) argumenta que intervenções no local de trabalho para aumentar a Inteligência Emocional (IE) são imprescindíveis, porque muitos adultos estão inseridos no contexto organizacional sem aptidões de IE necessárias para seu crescimento e das organizações.
O conceito de IE foi apresentado à comunidade científica pelos psicólogos Salovey e Mayer (1990, p. 189), em um artigo teórico, sendo definida como "a capacidade de o indivíduo monitorar os sentimentos e as emoções dos outros e os seus, de discriminá-los e de utilizar essa informação para guiar o próprio pensamento e as ações". O modelo fatorial, que embasa o Mayer, Salovey e Caruso Emotional Intelligent Test (MSCEIT), considera a Inteligência Emocional uma inteligência relacionada ao processamento de informações emocionais. Os autores do teste, Mayer, Salovey e Caruso, entenderam que cada uma das quatro habilidades de Inteligência Emocional (percepção, integração, entendimento e gerenciamento) podia ser medida, aprendida e desenvolvida isoladamente. As quatro habilidades de IE trabalham em uma combinação hierárquica, formando um "sistema" de interação (Mayer, Salovey & Caruso, 2002), conhecido como modelo de habilidades ou quadrifatorial.
Segundo (Cherniss, 2002), estudos desenvolvidos em várias organizações comprovam que aproximadamente dois terços das competências ligadas a um desempenho superior nos negócios são qualidades emocionais ou sociais que, muitas vezes, não são consideradas na avaliação deste desempenho. Para Boyatzis (2004), os líderes buscam entender características que preveem um desempenho melhor porque desejam ser mais eficazes. Para os líderes, ter o conhecimento de como as suas emoções têm influência no seu trabalho é relevante para seu crescimento pessoal e organizacional. Sternberg (2000) considerou em seus trabalhos a conexão entre as capacidades cognitivas e o comportamento de liderança, particularmente no que diz respeito ao sucesso ou à eficácia do seu trabalho.
No estudo de Muniz, Primi e Miguel (2007) verificaram-se correlações positivas entre tarefas do teste MSCEIT (Sensações e Relacionamentos) e o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL), em uma amostra de 24 guardas municipais. Dessa forma, os autores concluíram que indivíduos estressados são mais suscetíveis a experimentar emoções com menor interferência do raciocínio.
Salienta-se que ainda há uma quantidade relativamente pequena de produção nacional divulgada sobre o tema IE, considerando-se que já existem centros de pesquisa no mundo dedicados ao assunto. Gonzaga e Monteiro (2011), em um levantamento bibliográfico de artigos publicados em revistas científicas brasileiras sobre esse tema, encontraram 37 publicações, sendo 12 artigos teóricos e 25 artigos empíricos, sendo a maioria deles para validação de instrumentos. Isso remete à necessidade da realização de mais pesquisas científicas sobre o tema no Brasil, principalmente visando a aplicação da Inteligência Emocional em contextos organizacionais, dada a importância do entendimento e utilização positiva das emoções nas relações interpessoais dos indivíduos, as quais exercem grande influência na saúde mental dentro do contexto de trabalho. Apesar de alguns autores (Salovey & Caruso, 2007) já indicarem a importância da Inteligência Emocional em líderes, este tema ainda foi pouco estudado no Brasil.
Neste estudo, o objetivo é investigar a Inteligência Emocional (IE) e Qualidade de Vida (QV) em um grupo de gestores brasileiros em cargos de liderança, de forma a verificar possíveis correlações entre as habilidades de Inteligência Emocional e as dimensões da Qualidade de Vida. Também foram realizadas outras análises exploratórias, a fim de verificar possíveis relações entre variáveis sociodemográficas e ocupacionais e esses dois construtos.
Não há, neste estudo, nenhuma diferenciação entre a posição de gestor e seu papel de liderança (líder), embora se saiba que os líderes nem sempre ocupam posições de gestão. Isso acontece porque o foco deste estudo são os gestores que, impostos pela hierarquia da empresa, ocupam posição de liderança organizacional. A linha de estudo escolhida para tratar do tema Inteligência Emocional também não faz diferenciação entre gestores e líderes (Caruso & Salovey, 2004). Nessa pesquisa, portanto, os termos "gestor" e "líder" serão utilizados como sinônimos.
Método
Participantes
A pesquisa envolveu 30 gestores brasileiros de diferentes organizações, com pelo menos dois anos de atuação em cargos de gerência ou em coordenação de projetos, ocupando, portanto, posição de liderança. A amostra foi dividida igualmente entre homens e mulheres (15 indivíduos cada), e o nível de instrução dos pesquisados é em maior parte pós-graduação (20 indivíduos). A faixa etária predominante é de 30 a 49 anos (60%), sendo a média de idade 36,7 anos (DP = 9,23). A maior parte dos entrevistados atua no setor industrial (22 indivíduos), o tempo médio de exercício da atividade de liderança do grupo é de 9,1 anos (DP = 9,1) e a média de pessoas sob coordenação direta pelos entrevistados é de 11. A divisão entre casados (16) e solteiros (14) é equilibrada e maior parte dos entrevistados (16) possui filhos.
Instrumentos
Como instrumentos, foram utilizados o teste MSCEIT – Mayer, Salovey e Caruso Emotional Intelligence Test (versão em português), o Questionário da Organização Mundial de Saúde sobre Qualidade de Vida – QV/OMS Simplificado e uma ficha com dados sociodemográficos, para coletar informações sobre: idade, sexo, estado civil, nível de instrução, setor de atuação, tempo de empresa, tempo em cargo de liderança e número de pessoas sob coordenação direta.
O MSCEIT é composto por 141 itens de autoavaliação, distribuídos em oito seções. A pesquisa inicial do MSCEIT, na versão americana, (N=277) alcançou coeficientes alfas de 0,59 a 0,87 (Mayer, Salovey & Caruso, 1999). Existe uma versão em português do MSCEIT, disponível para pesquisa acadêmica. Para a obtenção de acesso ao instrumento traduzido foi necessária uma autorização da editora MHS – Multi Health Systems, que gerencia a utilização do instrumento. Para uma boa aplicação desse teste também é recomendada uma certificação para aplicação do instrumento, a qual foi adquirida pela primeira autora junto à faculdade de Psicologia da Universidade de Yale, em treinamento realizado pelo professor David Caruso, PhD, um dos autores do teste.
Já foram realizados estudos quantitativos brasileiros com o objetivo de verificar a validade psicométrica do MSCEIT (Dantas & Noronha, 2005; Muniz & Primi, 2007; Noronha, Primi & Dantas, 2007; Jesus Júnior & Noronha, 2008), os quais encontraram índices satisfatórios de validade e precisão da versão brasileira. O teste MSCEIT é dividido em quatro Habilidades: Percepção, Facilitação do pensamento, Entendimento e Gerenciamento das emoções, que se dividem em subescalas (tarefas). Assim, a habilidade de Perceber emoções é avaliada pelas tarefas de Faces e Figuras. As tarefas de Facilitação e Sensações compõem a habilidade de Uso da emoção para facilitação do pensamento. O Entendimento das emoções é medido pelas tarefas Mudanças e Combinações. Finalmente, a Administração das emoções é avaliada por meio das tarefas de Gerenciamento e Relacionamentos. Para responder o instrumento são necessários aproximadamente 40 minutos.
A partir da habilidade de Percepção, o teste MSCEIT oferece ainda uma variável útil ao pesquisador: o Bias Score, que mede a tendência do pesquisado em observar e ler emoções positivas, como alegria, amor, curiosidade ao outro (Bias positivo – maior que 100) ou negativas, como raiva, medo e tristeza (Bias negativo – menor que 100). A escala do Bias varia de 50 a 150, sendo um Bias 100 considerado médio, ou seja, equilibrado.
O QV/OMS - Simplificado é composto por quatro dimensões: Física, Psicológica, Social e Ambiental. Além do valor de QV Total, média das quatro dimensões, o teste também fornece a Nota Pessoal QV (nota que o entrevistado dá para sua qualidade de vida, de 1 a 5) e a satisfação do indivíduo com sua saúde total (Satisfação QV). O instrumento apresenta características satisfatórias de consistência interna, validade discriminante, validade de critério, validade concorrente e fidedignidade teste-reteste. (Fleck & cols, 2000).
Procedimentos de Coleta de Dados
Os líderes organizacionais foram contatados para responder os instrumentos nas dependências da consultoria da pesquisadora e não no ambiente de trabalho, para que a pesquisa não ficasse vinculada. Foi realizada uma agenda para resposta dos instrumentos, apenas para as pessoas interessadas e que se encaixaram no perfil desejado (ocupar cargo de liderança). Elas acessaram, primeiramente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, após a leitura e assinatura deste, preencheram os outros instrumentos da pesquisa, em versão impressa. Antes de responder aos testes MSCEIT e o QV/OMS, os participantes foram informados da possibilidade de sessões devolutivas dos resultados obtidos, após conclusão das análises de dados da pesquisa. Dos 30 participantes com questionários válidos, 20 solicitaram e receberam sessão devolutiva. A pesquisa obteve a aprovação pelo Comitê de Ética da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em agosto de 2008 (número da aprovação 054/2008).
Resultados e Discussões
Como dados primários foram utilizados os resultados dos testes MSCEIT e QV/OMS. Como dados secundários foram usadas as informações do Formulário de Dados Demográficos, contendo variáveis independentes (sexo, idade, tempo de empresa, tempo em cargo de gestão etc.) preenchidos pelos participantes antes de responderem os instrumentos. Para análise dos dados do instrumento MSCEIT, foram empregados padrões e software fornecidos pela editora MHS, detentora dos direitos de utilização do instrumento. Os resultados dos instrumentos foram agrupados em uma planilha de dados única do SPSS e foram rodadas análises descritivas e correlacionais.
A apresentação dos resultados compreende análises descritivas, análises de variância e correlações. As análises descritivas apresentam médias (M) e desvios-padrão (DP) para cada habilidade de Inteligência Emocional, para o Bias score (IE) e para as dimensões de Qualidade de Vida. Correlações permitiram identificar padrões de variação semelhantes entre as variáveis Bias e Qualidade de Vida. Análises de variância permitiram investigar diferenciações de gênero (homens e mulheres) e idade (maiores ou menores de 35 anos), entre estas mesmas variáveis.
Na amostra de gestores pesquisada (N=30), o resultado total de inteligência emocional (IE Total) pelo teste MSCEIT ficou na faixa de pontuação de "competência" (M= 89,73 e DP = 10,69), conforme Tabela 1. A maior amplitude de pontuação foi na habilidade de Percepção, sendo a menor pontuação de 59 e a maior de 120. Isso pode indicar uma grande variabilidade entre os participantes nessa habilidade.
As médias mais altas no grupo estudado foram obtidas nas habilidades de Facilitação do pensamento e de Administração. Isso indica que os gestores estudados possuem uma alta média na habilidade que envolve a análise da interação das emoções em tarefas cognitivas. Porém, o grupo apresentou média alta na habilidade de maior afinidade com a atividade de gerenciamento de pessoas, que é a de Administração.
A habilidade de Entendimento foi a que obteve menor média. Essa habilidade de entender emoções permite ao indivíduo perceber diferenças entre estados emocionais, entre tristeza e angústia, por exemplo. Segundo Grewal e Salovey (2007), a habilidade de uma pessoa em distinguir estados emocionais – seus e de outros – tem implicações importantes para seu bemestar. Em pesquisa envolvendo 53 estudantes de graduação, utilizando-se de um diário para registro das emoções, Barret (1998, citado por Grewal & Salovey, 2007) concluiu que pessoas que são capazes de identificar seus sentimentos são também mais aptas a controlá-los.
A variação do Bias (Tabela 2) foi de 70 a 128, o que indica que a amostra foi bastante heterogênea nas leituras emocionais. Um Bias positivo (acima de 100) significa que a pessoa tem tendência a perceber e valorizar emoções positivas (alegria, surpresa, motivação), e um Bias negativo (abaixo de 100) significa que o indivíduo está mais aberto a perceber e valorizar emoções negativas (medo, raiva, tristeza). Os valores médios do Bias, incluindo filtros de gênero e idade são apresentados na Tabela 2.
As maiores diferenças de Bias deram-se a partir do filtro da idade. Os gestores acima de 36 anos tiveram Bias médio positivo (M≥36=100,6), enquanto os gestores mais jovens tiveram Bias médio negativo (M<36=94,1) e as análises de variância apontaram que estas diferenças são significativas, a um grau de confiança de 90%. Pode-se pensar que aspectos relacionados à maturidade contribuam para esse resultado.
Os resultados do teste de Qualidade de Vida (QV/OMS Simplificado) apontaram média geral alta (M=71,8), sendo que as dimensões Social (M=69,2) e Ambiental (M=69,4) apresentaram as menores pontuações médias e as dimensões Física (M=78,2) e Psicológica (M=70,4) tiveram as melhores pontuações médias. O alto índice médio na dimensão Física pode ser explicado pelo fato de a amostra ser composta de pessoas que ocupam cargos administrativos, com acesso a serviços de saúde. Na Tabela 3, é possível verificar algumas diferenças nas médias das dimensões de QV em relação a gênero (homens X mulheres) e idade (maiores ou menores de 36 anos).
De uma forma geral, os homens pontuaram melhor em todas as suas dimensões de QV do que as mulheres e apresentaram menor desvio padrão entre as respostas também, o que mostra uma menor diferenciação entre as respostas dos homens. Na dimensão psicológica, por exemplo, as mulheres tiveram desvio padrão de 17,7, com alta amplitude de respostas (diferença entre valor máximo e mínimo). Os resultados de Qualidade de Vida foram menores entre as mulheres (M QV Total=67,7) do que entre homens (H QV Total=75,9) e estas diferenças mostraram-se significativas a um grau de confiança de 90%, a partir de análise ANOVA (F=0,39; gl=12).
Reunindo-se informações das médias gerais dos resultados de Bias e Qualidade de Vida, percebese que o grupo de maior exposição e absorção de sentimentos negativos e estressores é o dos gestores jovens e o grupo de menor Qualidade de Vida é o das mulheres, colocando em posição de maior vulnerabilidade as mulheres jovens. As mulheres da atualidade podem ter mais motivos para serem vulneráveis e ter preocupações e emoções negativas que interferem em seu modo de agir e no seu bemestar.
Em suas pesquisas envolvendo o imaginário feminino, Nolen-Hoeksema (2003) constatou que, embora muitas mulheres estejam buscando profissões mais prestigiosas e lucrativas do que antes, elas reclamam de não obter a ajuda necessária para conciliar o trabalho com as atividades de casa e o cuidado com os filhos, o que aumenta sua exposição às tensões cotidianas. Para Rocha-Coutinho (2003), o acúmulo de funções nas executivas atuais (executiva, mãe, esposa, estudante) pode ser causa de conflitos e desgastes e comprometer o nível de qualidade de vida das mulheres.
Embora tenha crescido o número de mulheres em cargos de gestão, elas ainda representam a minoria, acabam sendo remuneradas por um salário menor e sua escolaridade não pesa tanto quando o assunto é remuneração. Além disso, as mulheres jovens são sempre o primeiro alvo de demissão dos empregadores (Melo, Aparício, Oliveira & Calvosa, 2009). Para essas mulheres, a preocupação e a ansiedade por merecerem e manterem suas posições – quanto mais jovens, maior a instabilidade – acabam por amplificar os sentimentos negativos o que, em uma medição pelo MSCEIT, se traduz pelo Bias negativo.
Foram realizadas correlações entre as escalas do teste de Inteligência Emocional, do teste de Qualidade de Vida e das seguintes variáveis de controle: idade, número de filhos, tempo em cargo de liderança ou coordenação, tempo na empresa atual, número de pessoas em coordenação direta e categoria de liderança (coordenador, gerente ou diretor). Do teste MSCEIT, utilizaram-se resultados das áreas Experimental (habilidades Percepção e Uso) e Estratégica (habilidades Entendimento e Administração) e o Bias Score. Do teste QV/OMS, utilizaram-se os resultados finais (QV total e Satisfação Pessoal QV). Ainda foram acrescentadas todas as variáveis de controle, conforme Tabela 4.
Nessa configuração de análise, merece destaque a correlação entre o Bias e o valor de QV Total (r=0,60, p=0,01), ou seja, quanto maior o valor do Bias (positivo) maior o índice de qualidade de vida dos entrevistados. O estado do Bias positivo é também relacionado à uma maior criatividade, disposição e abertura ao novo. No entanto, o Bias negativo predispõe o indivíduo a maior foco, concentração em objetivos de longo prazo e disposição à crítica e análise (Caruso, 2007).
Se considerarmos que o significado do Bias Positivo é muito semelhante ao de bem-estar subjetivo da Psicologia Positiva, poderemos supor que o indivíduo mais "feliz" – que experimenta e processa mais facilmente as emoções positivas – atrai para si também maior qualidade de vida. A pesquisa bibliográfica de Passareli e Silva (2007) é alinhada a essa constatação, e apresenta diversos estudos que correlacionam o bem-estar subjetivo a condições correlatas, incluindo satisfação com a vida pessoal.
Certa triangulação também é possível de ser percebida se considerada a correlação positiva entre o Bias e a Qualidade de Vida e a variável de controle tempo de liderança (r=0,514 para o Bias e r=0,504 para o QV Total). Dessa vez, a correlação sinaliza um nível de "liderança sênior", em que por estar a mais tempo na posição de liderança, o sujeito sente-se mais amparado em sua Qualidade de Vida e também fica mais "positivo". Um bom questionamento que surge dessa triangulação é: será que um Bias positivo leva a uma liderança de maior sustentabilidade?
Para Goleman (2004), a liderança sustentável se dá pela capacidade de envolver outras pessoas em resultados de elevado nível de desempenho. Se pensarmos que para o envolvimento de equipes é necessário que o líder seja do tipo "motivador", o Bias surge como um elemento importante para explicar a equação. Pessoas mais "positivas" têm mais habilidade para envolver outros, principalmente quando há processos de mudança envolvidos. Essa é a conclusão a que chega Boyatsis (2004), que sustenta ainda ser a motivação positiva um elemento fundamental para o líder se desenvolver emocionalmente, desde que haja um balanceamento. Ou seja, a menos que a organização queira sempre "mudar" é importante que iniciativas de engajamento coletivo e motivação não sejam utilizadas ao extremo.
Nessa linha de raciocínio, os pesquisadores Smith, Montagno e Kuzmenko (2004) nomeiam essa liderança, com foco na mudança e na motivação, como liderança transformacional e fazem um estudo comparativo com a liderança servidora. Enquanto a primeira é mais focada no carisma e capacidade de envolver os liderados e, portanto, mais efetiva para situações de mobilização e mudança, a segunda é mais focada na habilidade de valorizar, desenvolver e dividir a liderança. A principal diferença entre as duas é que o líder transformacional tende a valorizar mais a inovação e a criatividade de suas equipes e torna-se um líder mais "entusiasta" que os demais.
Considerações Finais
Este estudo buscou investigar a inteligência emocional e a qualidade de vida em gestores organizacionais. A máxima de "razão ou emoção" ainda é muito forte nas empresas, embora os estudos de inteligência emocional já evidenciem, há mais de uma década, que as emoções precisam ser compreendidas e que indivíduos emocionalmente inteligentes são justamente os que entendem cognitivamente suas emoções (Goleman, 1999; Mayer & Salovey, 1997).
Entre as variáveis do MSCEIT, o escore do Bias revelou-se um fator importante na pesquisa, pois é a partir dele que surgem as correlações mais significativas com a Qualidade de Vida dos entrevistados (r=0,514 para o Bias e r=0,504 para o QV Total, sendo p=0,01). O Bias mostrou-se importante para avaliar o bem-estar subjetivo das pessoas e aponta a tendência a valorizar emoções mais positivas, como alegria e curiosidade ou a predisposição ao cepticismo e isolamento.
Algumas possíveis contribuições desta pesquisa para a gestão de pessoas e desenvolvimento de lideranças nas empresas surgiram a partir das correlações e diferenciações obtidas, apontando que:
1 – Mulheres executivas avaliam sua qualidade de vida mais baixo do que homens. No grupo pesquisado, elas se mostraram, também, mais perceptíveis a sentimentos negativos (culpa, medo, raiva, tristeza) do que os homens, o que aponta maiores desafios e dificuldades vivenciados por este grupo. Esses resultados também sugerem que essas mulheres, que estão ocupando cargo de gestão, se sentem mais insatisfeitas com a sua saúde e bem-estar, o que indica uma maior necessidade de apoio e intervenção na saúde deste grupo;
2 – A percepção emocional dos líderes pesquisados (Bias) é relacionada com a Qualidade de Vida dos mesmos, indicando a importância das emoções positivas no bemestar integral dos indivíduos;
3 – Líderes mais jovens possuem maior percepção de emoções negativas do que líderes mais velhos, podendo ser mais sensíveis a elas.
Esta pesquisa abre espaço para outros estudos envolvendo as emoções no ambiente de trabalho, trazendo a Qualidade de Vida como um conceito importante nas relações humanas do contexto empresarial. As limitações deste estudo se referem a uma amostra relativamente pequena de participantes, por isto os seus resultados só podem ser tomados como representativos do grupo estudado. Sugere-se que sejam realizadas outras pesquisas para caracterização dos estímulos e dificuldades das gerações mais jovens de líderes – conhecidas no ambiente de Recursos Humanos como Geração Y – de forma a apontar formas de desenvolvimento e motivação associadas a este grupo de indivíduos. Da mesma forma, recomendase que os estudos envolvam mulheres líderes no ambiente de trabalho, considerando as possíveis problematizações a partir das cobranças culturais impostas a elas na sociedade atual.
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Recebido em agosto de 2010
Reformulado em julho de 2011
Aceito em agosto de 2011
Sobre as autoras:
Alessandra Rodrigues Gonzaga: mestre em Psicologia pela Unisinos e consultora da área de Recursos Humanos.
Janine Kieling Monteiro: doutora em Psicologia pela UFRGS, professora do curso de mestrado e graduação em Psicologia da Unisinos e pesquisadora da temática Saúde Mental e Trabalho.
1Endereço para correspondência:
Rua General Couto de Magalhães, 1155/501 – 90450 131 – Porto Alegre-RS.
E-mail: ale.gonzaga@uol.com.br