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Avaliação Psicológica
versão impressa ISSN 1677-0471versão On-line ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.16 no.3 Itatiba jul./set. 2017
https://doi.org/10.15689/ap.2017.1603.12452
ARTIGO
Adaptação Transcultural do Questionário de Estilos Parentais na Alimentação (QEPA)1
Transcultural adaptation of the Caregiver's Feeding Styles Questionnaire (CFSQ)
Adaptación transcultural del Cuestionario de Estilos Parentales en Alimentación (QEPA)
Giovanna Nunes Cauduro; Caroline Tozzi Reppold; Janaína Thais Barbosa Pacheco
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre
RESUMO
Este estudo tem como objetivo descrever os procedimentos de tradução e adaptação transcultural do Questionário de Estilos Parentais na Alimentação (QEPA) para o contexto brasileiro. Para assegurar a qualidade do procedimento, cinco etapas foram realizadas: 1) tradução do instrumento do idioma de origem para o idioma-alvo; 2) síntese das versões traduzidas; 3) avaliação por experts/público-alvo; 4) tradução reversa e 5) estudo piloto. Buscou-se garantir as propriedades da tradução e da adaptação do QEPA tanto na equivalência semântica quanto na idiomática, experiencial e conceitual entre os itens no idioma original e no idioma-alvo. A análise de consistência interna do questionário apontou a precisão do instrumento. Os resultados apontaram evidências iniciais de adequação do instrumento para avaliação dos estilos parentais presentes no momento da alimentação infantil no público-alvo.
Palavras-chave: avaliação psicológica, psicometria, estilos parentais, alimentação
ABSTRACT
This study aims to describe the translation and cross-cultural adaptation procedures of the Caregiver's Feeding Styles Questionnaire (CFSQ) for the Brazilian context. To ensure the procedural quality, five steps were performed: 1) translation of the instrument from the source language to the target language; 2) synthesis of the translated versions; 3) expert/target audience evaluation; 4) reverse translation, and 5) pilot study. We sought to ensure the translation and adaptation properties of the CFSQ semantically and idiomatically, with experiential and conceptual equivalence between the items in the original language and the target language. The internal consistency analysis of the questionnaire indicated instrument accuracy. The results pointed to initial evidence of the instrument's adequacy in evaluating caregiving styles present during infant feeding in the target population.
Keywords: psychological evaluation; psychometry; parenting styles; feeding
RESUMEN
Este estudio tiene como objetivo describir los procedimientos de traducción y adaptación transcultural del Cuestionario de Estilos Parentales en Alimentación (QEPA) en el contexto brasileño. Para garantizar la calidad del procedimiento, cinco etapas fueron realizadas: 1) traducción del instrumento del idioma de origen para el idioma objetivo; 2) síntesis de las versiones traducidas; 3) evaluación por expertos/público objetivo; 4) traducción inversa, 5) estudio piloto. Se trató de garantizar las propiedades de traducción y adaptación del QEPA tanto en la equivalencia semántica como en la idiomática, experiencial y conceptual entre los ítems, en el idioma original y en el idioma objetivo. El análisis de consistencia interna del cuestionario señaló la precisión del instrumento. Los resultados señalaron evidencias iniciales de adecuación del instrumento para evaluar los estilos parentales presentes en el momento de la alimentación infantil en el público objetivo.
Palabras-clave: evaluación psicológica; psicometría; estilos parentales; alimentación
Introdução
Estilo parental é um conjunto de atitudes presentes na relação pais-filhos que determinam o clima emocional no qual ocorrem as práticas parentais (Darling & Steinberg, 1993). Nesse conjunto, estão incluídos aspectos globais das interações entre pais e filhos, sendo os principais a relação emocional entre os pais e as crianças, as práticas e os comportamentos parentais e seus sistemas de crenças (Pacheco, 2004; Reppold, Pacheco, Bardagi, & Hutz, 2002).
Os estilos parentais exercem, portanto, efeitos indiretos nos desfechos do desenvolvimento infantil, uma vez que interferem no impacto das estratégias parentais utilizadas no comportamento dos filhos (Ventura & Birch, 2008). Os estilos parentais refletem o clima emocional no qual essas práticas ocorrem (Hughes, Power, Fisher, Mueller & Nicklas, 2005) e exerce influência significativa no comportamento infantil, uma vez que possibilita à criança aceitar ou não as estratégias utilizadas pelos cuidadores (Hughes et al., 2012).
Os estilos parentais são classificados de acordo com as dimensões Responsividade e Exigência Parental (Baumrind, 1966). A dimensão Exigência refere-se ao controle do comportamento da criança e das técnicas disciplinares utilizadas; enquanto a dimensão Responsividade corresponde ao afeto transmitido à criança e a resposta às suas necessidades (Maccoby & Martin, 1983). Para esses autores, essas duas dimensões combinadas entre si resultam em quatro estilos parentais: autoritativo, autoritário, responsivo e negligente (para descrição dos estilos parentais ler: Rochinha & Sousa, 2012; Hughes, Shewchuk, Baskin, Nicklas, & Qu, 2008; Hughes et al., 2012).
Diversos estudos têm destacado importantes associações entre os estilos parentais e o desempenho das crianças em diversas áreas, (Aslam & Sultan, 2014; Kawabata, Alink, Tseng, Van Ijzendoorn, & Crick, 2011; Pinquart, 2015; Shahimi, Heaven, & Ciarrochi, 2013; Stright & Yeo, 2014), inclusive aos hábitos alimentares (Patrick, Hennessy, & Ciarrochi, 2013). Abreu (2010) e Mayer (2011) ressaltam que o comportamento alimentar sofre forte influência de fatores sociais e individuais. Para os autores, os fatores sociais incluem a unidade familiar da criança, as atitudes de pais e amigos perante aspectos alimentares, os conhecimentos de nutrição por parte dos cuidadores, além de a quantidade de comida disponibilizada para a criança. Como fatores individuais, são destacadas as necessidades e características psicológicas, a percepção da imagem corporal, as experiências pessoais e os valores adquiridos ao longo da vida, a autoestima, as preferências alimentares, o estado de saúde e desenvolvimento de cada criança (Abreu, 2010; Mayer, 2011).
Grande parte do desenvolvimento dos hábitos alimentares ocorre por meio da exposição e experiência repetida durante a infância, cabendo aos pais a função de proporcionar experiências encorajadoras, que visem ao contato com diferentes tipos de alimentos e com os sentimentos físicos de saciedade (Gariso, 2014; Souza, 2009). A interação entre pais e filhos no momento da alimentação é um dos principais fatores que influencia no desenvolvimento de comportamentos alimentares disfuncionais (Rochinha & Sousa, 2012).
Visando entender à relação entre estilos parentais e comportamento alimentar infantil, Hughes et al. (2005) propuseram o Caregiver's Feeding Styles Questionnaire (CFSQ), um instrumento desenvolvido nos Estados Unidos a partir do paradigma de estilos parentais proposto por Baumrind (1966). O instrumento foi criado para identificar, por meio de práticas educativas parentais, qual o estilo parental utilizado pelo respondente no momento da alimentação de seus filhos.
Esse questionário foi construído a partir de estudos da autora (Hughes et al., 2005; Hughes, et al. 2012), nos quais foram realizadas observações diretas da interação entre pais e filhos no momento das refeições, a fim de avaliar as emoções dos pais e as práticas utilizadas por estes durante a alimentação da criança. Esses estudos analisaram a relação entre clima emocional durante as refeições, práticas parentais observadas pelos pesquisadores e práticas parentais relatadas pelos pais (Hughes et al, 2005; Hurley, Cross & Hughes, 2011; Hughes et al., 2012).
Nos estudos realizados por Hughes et al. (2005), a versão original inicial do instrumento contava com 24 itens, dispostos entre questões centradas nos comportamentos da criança e nas atitudes parentais. Os resultados encontrados pelos autores nas análises fatoriais exploratórias apontaram dois itens com coeficiente alfa muito inferiores, implicando sua retirada do questionário. A partir disso, o instrumento composto por 22 itens foi dividido em três dimensões: Estratégias Centradas nos Pais (12 itens), Estratégias Centradas nas Crianças (sete itens) e Itens Relacionados a Ajudas Secundárias (três itens). Desses, os últimos três itens - voltados a ajudas secundárias - apresentaram baixo coeficiente alfa (alfa = 0,58) e também foram excluídos (Hughes et al., 2005). Esses estudos resultaram na elaboração de um questionário de autorrelato, composto por 19 itens. Nesses itens, as dimensões de Responsividade e Exigência estão dispostas em sete itens centrados na criança e 12 itens centrados nos pais, avaliados por uma escala Likert de cinco pontos (de nunca a sempre).
O instrumento pode ser pontuado tipológica e dimensionalmente. A pontuação tipológica é utilizada principalmente para fins de pesquisa e busca avaliar o padrão geral, a organização e o clima em que se estabelece o estilo parental. Utilizando esse tipo de pontuação, são obtidos dois escores: de exigência e de responsividade, por meio de dois cálculos de médias. A exigência é calculada a partir da média dos resultados dos 19 itens, enquanto a responsividade pode ser calculada pela média dos resultados de sete itens específicos (3, 4, 6, 8, 9, 15, 17) e dividida pela média geral do instrumento, conforme descrito na Tabela 1.
A pontuação dimensional, por outro lado, é comumente utilizada como uma ferramenta clínica, a fim de testar hipóteses sobre práticas parentais e desfechos no comportamento alimentar infantil. Nesse tipo de pontuação, são gerados escores que determinam diferentes aspectos da parentalidade na alimentação infantil, sendo eles divididos em: centrado nos pais/alto controle (média dos itens 1, 16 e 19), centrado nos pais/manejo das contingências (média dos itens 2, 12, 18, 14) e práticas centradas na criança (média dos itens 3, 4, 6, 9, 15, 17).
A classificação do respondente será realizada a partir da categorização desses resultados em alta ou baixa responsividade e alta ou baixa exigência. Assim, as médias de cada domínio são combinadas, gerando um resultado final. A Figura 1 exemplifica essa categorização dos respondentes. Estudos realizados pela autora do instrumento sugeriram a utilização de pontos de corte, sendo: 2,80 para dimensão exigência e 1,16 para a dimensão responsividade (Hughes et al., 2012).
Os itens centrados na criança avaliam a promoção da autonomia dela durante a refeição (por exemplo, explicações sobre a comida, elogios, incentivos, etc.), enquanto os itens centrados nos pais avaliam as pressões externas utilizadas para controlar a alimentação dos filhos (por exemplo, barganhar com a criança, utilizar recompensas como incentivo para comer, etc.) (Vaughn, Tabak, Bryant, & Ward, 2013; Hurley, Cross, & Hughes, 2011). Essa especificação dos itens possibilita a soma entre os escores de cada dimensão e determina a classificação específica do estilo parental do participante.
Para avaliar a validade do instrumento original, duas análises de validade convergente foram realizadas pela autora (Hughes et al., 2005). Na primeira análise, o QEPA foi comparado ao Parenting Dimensions Inventory (PDI-S; Power, 2002), e a segunda análise consistiu na comparação do instrumento com as subscalas de Pressão para Comer, Restrição Alimentar e Monitoramento do Child Feeding Questionnaire (CFQ; Birch et al., 2001). Ambas as análises resultaram na alta significância entre instrumentos, sendo, na primeira análise F(27,602) = 2,26, p < 0,001 e, na segunda análise, F(9,518) = 3,17, p < 0,001 (Hughes et al., 2005). Além do QEPA, este estudo utilizou um questionário sociodemográfico, respondido pelos participantes do estudo piloto.
A relação entre estilos parentais e comportamento alimentar infantil ainda é pouco estudada no Brasil, devido, em parte, à falta de instrumentos específicos para mensurar essa relação, dificultando o desenvolvimento de pesquisas nesse campo. Dessa forma, o presente estudo pretende contribuir para a superação dessa dificuldade metodológica de avaliação, objetivando traduzir e adaptar o Questionário de Estilos Parentais na Alimentação (QEPA) para o contexto brasileiro. Para realização deste estudo, seguiu-se as diretrizes descritas na literatura especializada em adaptação transcultural e validação de instrumento (Beaton, Bombardier, Guillemin, & Ferraz, 2000; Borsa, Damásio & Bandeira, 2012).
Método
Participantes
Para a etapa de tradução do QEPA, o estudo contou com dois tradutores bilíngues português-inglês, que tinham o português como língua materna e domínio do inglês, enquanto segundo idioma. Na etapa de avaliação de experts, participaram três profissionais da área de avaliação psicológica, que, por sua vez, também apresentavam características da população-alvo. Os critérios de inclusão utilizados para selecionar esses participantes consistiram em: a) ser psicólogo com especialização em avaliação psicológica; b) ser pai/mãe de crianças com idade entre dois e sete anos e c) participar de, ao menos, uma refeição diária da criança. Na tradução reversa, participou um terceiro tradutor bilíngue português-inglês, que não havia tido contato com o instrumento anteriormente. Finalmente, o estudo piloto contou com a participação de 14 pais que acompanhavam a criança, em média, três refeições diárias e cujos filhos tinham média de idade de 4,2 anos. Os critérios de inclusão utilizados foram: ser pai/mãe de crianças com idade entre 2 e 7 anos e participar de uma ou mais refeições diárias da criança.
Procedimentos
O primeiro passo para realização do estudo de adaptação transcultural do QEPA para o contexto brasileiro foi contatar, por e-mail, a autora do instrumento original e solicitar a autorização para realização da pesquisa. A autora não somente autorizou a realização da pesquisa, como também enviou cópia do instrumento original, os artigos que apresentavam a construção e validação do instrumento e o material necessário para o levantamento dos itens e a pontuação da escala.
A partir da autorização da autora, o estudo foi dividido em cinco etapas, conforme a sugestão de Borsa, Damásio e Bandeira (2012): 1) tradução do instrumento para o novo idioma; 2) síntese das versões traduzidas; 3) avaliação por experts/público-alvo; 4) tradução reversa (back-translation) e 5) realização do estudo piloto (Gudmundsson, E., 2009; Hambleton, R. K., 2005). As questões éticas da pesquisa foram asseguradas pela Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012 e todos os procedimentos aqui descritos atenderam às exigências do Comitê de Ética da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, que aprovou a realização desta pesquisa por meio do parecer de número 1.115.633.
Resultados
Tradução do Instrumento
Para realizar essa etapa da pesquisa, solicitou-se aos profissionais participantes evitar o uso de termos ou expressões regionais, a fim de que o instrumento fosse compreensível e aplicável a diversas regiões do país. Ambos os profissionais foram orientados com as mesmas informações a respeito da escala e solicitou-se a que traduzissem o instrumento mantendo o sentido inicial. No entanto, observou-se algumas discrepâncias: um tradutor preocupou-se em traduzir o instrumento de maneira mais literal e fiel à versão original, enquanto o segundo tradutor não somente traduziu literalmente os itens, como adaptou termos e exemplos, aplicando seus conhecimentos com relação ao comportamento alimentar. Assim, essa etapa do estudo finalizou com duas versões traduzidas do instrumento ricas em detalhes e com alta fidelidade ao instrumento original, apresentando, no entanto, discrepâncias entre si.
Síntese das Versões Traduzidas
A partir das duas versões traduzidas do QEPA, os pesquisadores iniciaram o processo de síntese, no qual foram comparadas as duas traduções com a finalidade de identificar discrepâncias e semelhanças entre elas. Os itens foram comparados um a um para a avaliação da equivalência semântica entre as versões traduzidas e a original; a avaliação da equivalência idiomática entre as traduções e o instrumento original; a verificação da equivalência cultural do novo idioma e, por fim, a avaliação da equivalência conceitual entre as versões em português e a versão original americana.
As pesquisadoras utilizaram o instrumento original como parâmetro para a síntese das versões a fim de manter a maior semelhança possível entre a versão americana e a versão brasileira. O processo de avaliação de equivalência semântica avaliou se as palavras utilizadas na tradução apresentavam o mesmo significado das utilizadas no instrumento original (Borsa & Bandeira, 2014). Após a comparação inicial entre itens, os pesquisadores avaliaram aspectos gramaticais entre a versão original e as traduções brasileiras. Verificou-se, então, que as traduções se equivaliam semanticamente ao instrumento americano.
A avaliação da equivalência idiomática entre as versões consistiu na averiguação da adaptação correta de termos difíceis do instrumento original para o traduzido, buscando assegurar o significado cultural do item em ambas as traduções. Nessa fase da síntese, os pesquisadores avaliaram se as traduções respeitavam a adequação cultural dos termos do instrumento. Algumas discrepâncias foram encontradas nessa etapa do estudo, mas foram prontamente substituídas por expressões adequadas.
A avaliação de equivalência experiencial foi realizada com o objetivo de identificar se determinados itens do instrumento original são aplicáveis à nova cultura (Borsa, Damásio, & Bandeira, 2012). Nessa etapa do estudo, surgiram algumas discrepâncias entre o instrumento original e as versões traduzidas, como, por exemplo, a referência a alguns alimentos comuns na cultura americana, porém pouco utilizados no contexto brasileiro. Após esses níveis de avaliação de equivalência, os pesquisadores produziram uma versão unificada da escala traduzida.
Avaliação por Experts/Público-Alvo
O instrumento traduzido e sintetizado foi enviado por e-mail a três psicólogas especialistas nas áreas de avaliação psicológica e de desenvolvimento infantil, a fim de que pudessem ter o primeiro contato com a escala. Optou-se por selecionar experts que tivessem as características do público-alvo da escala e respeitassem os critérios de inclusão do estudo, ou seja, que também fossem mães com filhos entre dois e sete anos. Dessa forma, o processo de avaliação por experts e pelo público-alvo ocorreu em um único momento.
O instrumento foi inicialmente avaliado individualmente pelos profissionais. Após essa avaliação dos profissionais, foram organizados encontros entre pesquisadores e os participantes dessa etapa, que tiveram a duração de, aproximadamente, uma hora e foram realizados no ambiente de trabalho do profissional. A fim de garantir a confiança dos dados coletados, esses encontros foram gravados para posterior análise. O objetivo dos encontros foi explicar aos profissionais sobre a estrutura do instrumento, as características do público-alvo e os objetivos da escala para, em seguida, discutir aspectos como layout, rapport, adequação e clareza dos itens, diagramação, entre outros aspectos.
Os experts sugeriram a modificação do layout da escala (alteração da posição das instruções) e a troca da nomenclatura utilizada na escala Likert (na síntese das versões, optou-se por utilizar os termos "nunca", "raramente", "algumas vezes", "frequentemente" e "sempre"; após a avaliação dos experts, foi realizada a mudança dos termos para "nenhuma", "poucas vezes", "às vezes", "muitas vezes" e "sempre"). Por fim, foi questionado aos especialistas sobre a pertinência dos itens para avaliação do construto; sobre a clareza da formulação dos itens; e, então, solicitou-se aos profissionais a sugestão para modificações em aspectos que julgassem necessários. Os profissionais avaliaram o instrumento como altamente relevante para o desenvolvimento do campo de pesquisa, além de apontar a estrutura como adequada e a redação dos itens como apropriada do público-alvo. Ao final dessa etapa, os pesquisadores aderiram às modificações sugeridas - respeitando as limitações do instrumento -, e adaptaram os itens da escala. A versão final do instrumento é mostrada a seguir pela Tabela 2.
Tradução Reversa
Após as etapas de tradução e adaptação, foi realizada a tradução reversa (back-translation) da escala, ou seja, a versão traduzida, sintetizada e avaliada por experts do instrumento original foi novamente traduzida para o inglês (Borsa, Damásio, & Bandeira, 2012). Essa nova tradução, realizada por um terceiro tradutor sem contato anterior a pesquisa, foi enviada à autora do instrumento original, que respondeu sugerindo a modificação de expressões presentes em três itens da escala (itens 10, 12 e 16; termos "warn", "taking away something other than food" e "spoonfeeding", respectivamente), as quais foram prontamente modificadas e o instrumento reenviado à autora que concordou com as alterações e com a versão final da escala. A partir da aceitação da autora, entendeu-se que o instrumento estava pronto para a realização do estudo piloto, última etapa da pesquisa.
Estudo Piloto
O estudo piloto consistiu na aplicação do instrumento em uma amostra com as características do público-alvo do instrumento. Essa etapa teve como objetivo testar a aplicabilidade do instrumento na população e, para isso, contou-se com a participação de 14 respondentes. Esses participantes assinaram duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, responderam a um questionário sociodemográfico e ao QEPA.
O questionário sociodemográfico possibilitou a identificação da amostra, além da coleta de dados adicionais para a pesquisa. Para essa pesquisa, contou-se, então, com a participação de 14 indivíduos, sendo todas mães, com média de idade de 32,3 anos, a maioria com ensino superior completo e casadas. As participantes relataram estarem presentes, em média, em três refeições diárias da criança. As médias de idade das crianças participantes do estudo foi de 4,2 anos, estas crianças, em sua maioria, eram do sexo feminino e matriculadas no ensino infantil.
A operacionalização desta pesquisa se deu por meio da entrega dos envelopes contendo os instrumentos que foram respondidos individualmente pelas participantes. Foi solicitado que, caso necessário, sugerissem mudanças nos itens, na estrutura ou nas orientações do instrumento. Após responder aos protocolos, os envelopes foram devolvidos aos pesquisadores para análise.
Para realizar a análise preliminar dos dados obtidos no estudo piloto, optou-se pelo cálculo da consistência interna entre itens do QEPA, mediante o cálculo do alfa de Cronbach. Essa análise demonstrou que o instrumento apresenta correlações aceitáveis entre os itens (alfa = 0,76), o que sugere que estes são parte de uma mesma dimensão conceitual. O valor do coeficiente alfa obtidos para essa amostra assemelhou-se ao encontrado no estudo realizado com o instrumento original, no qual foi obtido um alfa = 0,78 (Hughes et al., 2005). O término da análise dos resultados do estudo piloto permite a conclusão da etapa de tradução e adaptação transcultural do QEPA.
Discussão
O objetivo deste estudo foi traduzir e adaptar o Questionário de Estilos Parentais na Alimentação para o contexto brasileiro. Com isso, pretende-se cumprir os passos iniciais para disponibilizar um instrumento de avaliação psicológica para a população brasileira, possibilitando o desenvolvimento de intervenções que podem beneficiar pais e crianças, prevenindo a obesidade infantil e ensinando comportamentos de alimentação saudável.
A tradução do instrumento impôs desafios relacionados à particularidade do tema investigado, fortemente influenciado por questões sociais e culturais (Amorim, 2015). O instrumento original menciona alimentos e rotinas próprios da cultura americana e que precisaram ser adaptados para a cultura brasileira. Optou-se por não incluir, na versão traduzida, expressões e alimentos regionais, visando à aplicação futura do instrumento em diversas regiões do Brasil. Além disso, a escolha cuidadosa dos alimentos utilizados como exemplos visou incluir alimentos comuns a diferentes culturas. Por exemplo, no Item 3, as "panquecas" foram substituídas por "vegetais", uma vez que panquecas não são alimentos tão comumente consumidos no Brasil quanto são nos Estados Unidos. Embora tenham sido realizadas algumas alterações na escala traduzida, o número de itens alterados foi pequeno, assegurando uma proximidade com o instrumento original.
A avaliação da versão sintetizada realizada por experts que tinham características do público-alvo representou uma etapa importante da presente pesquisa, possibilitando a discussão tanto dos aspectos formais do instrumento (apresentação), quanto da pertinência e adequação de seus itens. Além disso, pode-se avaliar a reação do público-alvo ao QEPA e o potencial que esse teve de gerar reflexões sobre diferentes aspectos da alimentação dos filhos e de seus próprios comportamentos no momento de alimentá-los. A união, em uma mesma etapa, de experts e publico-alvo constituiu-se em uma forma metodológica diferenciada, visto que a literatura indica a execução dessa etapa com dois grupos distintos (Borsa, Damásio, & Bandeira, 2012). Tal abordagem, neste estudo, mostrou-se viável para o cumprimento do objetivo de avaliação do instrumento, ainda que tenha limitado a número de participantes no estudo.
A realização da tradução reversa e do estudo piloto possibilitaram avaliar se o instrumento traduzido e adaptado não perdia propriedades importantes da escala original (Sireci, Yang, Harter, & Ehrlich, 2006). Os resultados encontrados na análise da consistência indicaram que, apesar do tamanho da amostra do estudo piloto, o instrumento avalia o que se propõe a avaliar: os estilos parentais utilizados no momento da alimentação. Assim como no estudo original, realizado por Hughes (2005), a aplicação do QEPA no público-alvo indicou que este pode se constituir em uma importante ferramenta para a avaliação.
A tradução e adaptação transcultural são os primeiros passos em direção à validação de um instrumento psicológico (Borsa, Damásio, & Bandeira, 2012). Portanto, pretende-se continuar esse processo, por meio da realização de pesquisas que apresentem evidências de validades de conteúdo, construto e critério (Cohen, Swerdlik, & Sturman, 2014) do QEPA, no contexto brasileiro. Com o instrumento adaptado e validado, o construto avaliado por ele (os estilos parentais na alimentação infantil) poderá ser alvo de pesquisas que possibilitem a proposição de intervenções clínicas e educativas sobre esse tema e melhorando a qualidade nas relações entre pais e filhos no momento da alimentação, prevenindo o aparecimento ou diminuindo a gravidade de problemas relacionados ao comportamento alimentar infantil.
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Endereço para correspondência:
Giovanna Nunes Cauduro
Rua Sarmento Leite, 245, Sala 208, Predio 1
Porto Alegre, RS
CEP 90050-170
Recebido em junho de 2016
Aprovado em março de 2017
Sobre as autoras
Giovanna Nunes Cauduro é formada em Psicologia pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (2015), com formação em Transtornos Alimentares e Obesidade pela Wainer Psicologia Cognitiva (2015), mestranda no grupo de estudos, Aplicação e Pesquisa em Avaliação Psicológica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2016), e profissional colaboradora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (2016).
Caroline Tozzi Reppold possui graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em Psicologia pela UFRGS e pós-doutorado em Avaliação Psicológica pela Universidade São Francisco. É professora associada da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, docente na graduação e pós-graduação, coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Avaliação Psicológica e membro do corpo docente permanente da comissão coordenadora do PPG Ciências da Saúde (orientadora de mestrado e doutorado) e do PPG Ciências de Reabilitação (linha: fundamentação de reabilitação neurológica; orientadora de mestrado). Pesquisadora convidada do Laboratório de Mensuração da UFRGS. Atualmente, desenvolve pesquisas na área de Fundamentos e Medidas em Psicologia, relacionadas à construção e validação de instrumentos de avaliação psicológica e neuropsicológica e à Psicologia Positiva.
Janaína Thaís Barbosa Pacheco possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1996), mestrado e doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Realizou estágio de pós-doutorado (bolsista PNPD/Capes) na Pontifícia Universidade Católica/RS. Atualmente, é professora adjunta da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Possui interesse na área de Psicologia do Desenvolvimento, em Avaliação Psicológica de Crianças e de Adolescentes, em Psicologia Clínica com ênfase nas Terapias Cognitivo e Comportamental.
1 Agradecemos a professora Sheryl O. Hughes, da Baylor College of Medicine, por gentilmente ceder a autorização para a tradução e a adaptação do instrumento.