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Psicologia em Revista

versão impressa ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.23 no.1 Belo Horizonte jan./abr. 2017

https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2017v23n1p66-80 


ARTIGOS

 

 

EFEITOS DE LETRAS DE MÚSICAS EM COMPORTAMENTOS PRÓ-SOCIAIS1

 

EFFECTS OF SONG LYRICS ON PRO-SOCIAL BEHAVIOR

 

EFECTOS DE LETRAS DE CANCIONES EN CONDUCTAS PRO-SOCIALES

 

 

Carlos Eduardo Pimentel*; Hartmut Günther**; Bárbara Monteiro Farias da Silva***

 

 


Resumo

Diversos estudos na Psicologia demonstraram os efeitos de filmes e video games violentos no comportamento agressivo. No entanto essa influência foi pouco explorada em estudos para comportamentos pró-sociais. O objetivo foi verificar o efeito de letra de música pró-social, considerando o papel moderador de variáveis pessoais e mediador dos afetos com base no modelo geral da aprendizagem. Participaram deste estudo 63 universitários, e foram utilizados instrumentos de preferência musical, autoestima, agradabilidade e pró-sociabilidade. Apresentava-se primeiro a letra de música em aparelho de som, e os sujeitos acompanhavam a letra de música traduzida; ao final da música, os participantes recebiam o questionário. Uma manova mostrou que os participantes expostos à música pró-social apresentaram mais comportamentos pró-sociais do que os expostos à música neutra, porém essa diferença não foi estatisticamente significativa. Entretanto foram verificados efeitos indiretos da letra de música pró-social em comportamentos prósociais, tendo os afetos positivos como variável mediadora.

Palavras-chave: Letras de música. Comportamento pró-social. Afetos positivos.


Abstract

Several studies in psychology have shown the effects of violent films and violent videogames on aggressive behavior. However, the importance of media influence on pro-social behavior deserves further empirical studies. This study considered the effect of pro-social song lyrics, considering the moderating role of personal variables and mediator of affect, according to the General Learning Model. The study was comprised of 63 college students; included a scale of music preference, self-esteem, agreeableness, and sociability. The participants were exposed to the music with the lyric and later the participant received the questionnaire. A MANOVA indicated that the participants exposed to the pro-social music scored higher on the measure of pro-social behavior than the participants exposed to the neutral music, but this difference was not statistically significant. However, indirect effects of the pro-social song lyrics could be shown in pro-social behavior with the positive effects as a mediating variable.

Keywords: Song lyrics. Prosocial behavior. Positive affects.


Resumen

Diversos estudios en psicología demostraron los efectos de películas y video games violentos en el comportamiento agresivo. Sin embargo, esa influencia fue poco explorada en estudios para comportamientos pro-sociales. El objetivo fue verificar el efecto de letra de música pro-social, considerando el papel moderador de variables personales y mediador de los afectos con base en el modelo general del aprendizaje. Participaron de este estudio 63 universitarios y fueron utilizados instrumentos de preferencia musical, autoestima, amabilidad y pro-sociabilidad. Se presentaba primero la letra de música en aparato de sonido y los sujetos acompañaban la letra de música traducida; al final de la música los participantes recibían el cuestionario. Una anova mostró que los participantes expuestos a la música pro-social presentaron más comportamientos pro-sociales que los expuestos a la música neutra, no obstante, esa diferencia no fue estadísticamente significativa. Aunque, fueron verificados efectos indirectos de la letra de música prosocial en comportamientos pro-sociales, teniendo los afectos positivos como variable mediadora.

Palabras clave: Letras de música. Comportamiento pro-social. Afectos positivos.


 

 

1. INTRODUÇÃO

Diversos estudos na Psicologia têm mostrado a importância da mídia para se entender uma variedade de comportamentos e atitudes. Muitas pesquisas mostraram a preocupação com o conteúdo da tevê e especificamente dos filmes violentos em influenciar comportamentos antissociais, como agressões, cognições e emoções agressivas (Giles, 2003; Huesmann, Moise, & Podolski, 1997; Huesmann & Taylor, 2006). Huesmann e Taylor revisaram pesquisas que apontaram que a violência ficcional na televisão e nos filmes leva a um aumento da agressão nos telespectadores. Já se verificou também influência de vídeos musicais em comportamentos antissociais, mas muitos estudos ainda são necessários (Hansen & Hansen, 1990).

Anderson et al. (2010) apontam o efeito da exposição a video games violentos no aumento de agressões, pensamentos e sentimentos agressivos. Verificou-se também que esse tipo de jogo produzia efeitos de dessensibilização, diminuía a empatia, além de ter uma correlação negativa com o comportamento pró-social e diminuir a probabilidade de ajuda.

Notadamente, pesquisadores diversos têm verificado a influência de filmes e video games violentos no comportamento agressivo e em outras variáveis relacionadas. No entanto a literatura sobre a influência da mídia no comportamento pró-social ainda é escassa e merece muitos estudos empíricos.

O comportamento pró-social é um tema comum de estudo em Psicologia social e pode ser definido como qualquer ato que beneficie a uma pessoa ou grupo (Penner, Dovidio, Piliavin, & Schroeder, 2005). Compreender os mecanismos envolvidos nesse tipo de comportamento pode nos auxiliar a promovê-lo.

Os efeitos positivos da mídia, como aqueles relacionados aos comportamentos pró-sociais, têm recebido menos atenção (Greitemeyer, 2009b). Algumas pesquisas já demonstraram o efeito positivo da mídia no comportamento prósocial, como os estudos de Berkowitz (1984), Giles (2003), Huesmann, Moise e Podolski (1997) e Gentile et al. (2009). Friedrich e Stein (1973, 1975 como citados em Narvaez & Mattan, 2014), por exemplo, investigaram o efeito de diferentes programas televisivos (pró-social, agressivo e neutro) no comportamento prósocial de crianças de 3 a 5 anos de idade. Após algum tempo do experimento, verificaram que as crianças da condição pró-social exibiam comportamentos mais obedientes, persistentes ao completar tarefas e autocontrolados.

Fried e Berkowitz (1979) foram pioneiros em pesquisas experimentais de laboratório sobre esse tema. Eles verificaram que a condição música calma produzia mais comportamento pró-social do que a condição música aversiva, música estimulante ou nenhuma música. Observaram também o efeito da música no humor, verificando que "sentir-se bem", afetos positivos, conduz a comportamentos pró-sociais. Mais contemporaneamente, foi corroborada em um experimento numa academia de ginástica a influência da música com a mediação do humor no comportamento de ajuda (North, Tarrant, & Hargreaves, 2004). Complementarmente às músicas, verificou-se que letras de músicas pró-sociais podem aumentar a acessibilidade a pensamentos pró-sociais, empatia e comportamentos pró-sociais (Greitemeyer, 2009a, 2009b). Numa série de estudos, este autor verificou que letras de músicas pró-sociais podem levar a mais comportamentos pró-sociais e que a rota afetiva do General Learning Model (GLM); modelo-geral da aprendizagem, (Buckley & Anderson, 2006), especificamente a empatia, pode concretamente mediar essa relação (Greitemeyer, 2009a). Vale destacar ainda que foram controlados os afetos positivos e arousal que as músicas poderiam despertar nos seus ouvintes (Greitemeyer, 2009a, 2009b). Portanto os afetos positivos e arousal são variáveis importantes dos efeitos de letras de músicas a serem considerados.

O GLM (Buckley & Anderson, 2006) apresenta uma ênfase que recai na interação da pessoa com a situação, ou seja, as letras de músicas pró-sociais podem levar a comportamentos pró-sociais. Além do mais, variáveis afetivas podem mediar essa relação, e variáveis pessoais podem moderá-la.

Embora tenha sido originalmente formulado para a explicação da influência dos video games no comportamento (Buckley & Anderson, 2006), tem sido usado em outras pesquisas além daquelas que explicaram os efeitos de video games pró-sociais (Gentile et al., 2009; Greitemeyer & Osswald, 2009; Greitemeyer, 2011). Pesquisas recentes corroboraram esse modelo para explicar os efeitos de letras de músicas pró-sociais em sentimentos, pensamentos e comportamentos pró-sociais (Greitemeyer, 2009a, 2009b), os efeitos de letras de músicas prósociais na redução de pensamentos, sentimentos e comportamentos agressivos (Greitemeyer, 2011) e o efeito de letras de músicas românticas no comportamento de aceitar um cortejo (Guéguen, Jacob, & Lamy, 2010).

Na figura 1, é possível verificar que o GLM leva em conta a interação de variáveis pessoais e situacionais, as quais provocam estados internos atuais que, por sua vez, levam a avaliações, decisões e manifestação de comportamentos, resultando na ocorrência da aprendizagem.

 

 

Os autores do GLM explicaram que as variáveis pessoais incluem atitudes, emoções, crenças ou experiências prévias; consistem no que a pessoa traz para uma situação específica. Já as variáveis situacionais ou ambientais incluem a mídia ou outras pessoas. Outras variáveis importantes para a ocorrência da aprendizagem são autoestima, idade, escolaridade e renda (variáveis pessoais). Essas são tratadas como input variables, as quais podem operar por três rotas: afetiva, cognitiva e arousal.

Com base nesse modelo, entenda-se, portanto, que as variáveis pessoais e situacionais podem influenciar a emoção e o humor (afetos), tornar determinados pensamentos mais acessíveis (automática ou inconscientemente), assim como atitudes e scripts (cognição) e aumentar a excitação (arousal). Os resultados dessa sequência de influências desembocam em avaliações da situação e os comportamentos consequentes.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi verificar o efeito de letra de música pró-social, considerando o GLM e o papel moderador de variáveis pessoais e mediador dos afetos. Elaboraram-se as seguintes hipóteses alternativas: 1ª H1: os participantes expostos a letras de músicas pró-sociais apresentarão mais comportamentos pró-sociais; 2ª H1: a letra de música pró-social levará a mais afetos positivos; 3ª H1: serão verificados efeitos indiretos da letra de música pró-social em comportamentos pró-sociais por meio dos afetos positivos; 4ª H1: será verificado o modelo de mediação moderada, tendo em conta os efeitos indiretos da letra de música pró-social nos comportamentos por meio dos afetos positivos e moderação dessa mediação por algumas das variáveis pessoais (preferência musical convencional, agradabilidade e, ou, autoestima).

Essa pesquisa se constitui, portanto, um passo inicial para se compreender os efeitos de letras de músicas na nossa realidade. Com o fim de cobrir pesquisas nacionais, além das internacionais reportadas neste artigo, escolheu-se o Pepsic por ser uma base específica de Psicologia e entrou-se com a expressão "efeitos de letras de músicas"; no Scielo Brasil, por ser uma base mais geral, utilizou-se a expressão "letras de músicas pró-sociais" e, finalmente, no Google Acadêmico, optou-se por a expressão "letras de músicas pró-sociais" (em 11 de agosto de 2015). Os dois primeiros buscadores não retornaram nenhum resultado, este último apenas retornou 1 resultado: a tese de doutorado que deu origem a este artigo citada na nota dos autores, (Pimentel, 2012). Portanto, na realidade brasileira, nenhum estudo foi encontrado cujo objetivo tenha sido verificar os efeitos de letras de músicas em comportamentos, mas apenas a percepção de letras de músicas como influenciadoras de comportamentos pró-sociais e antissociais (Pimentel & Günther, 2009).

Além do mais, nenhum estudo verificou as relações de mediação moderada que são propostas neste estudo nem o papel dos afetos positivos como mediadores dos efeitos de letras de músicas em comportamentos pró-sociais e a moderação da autoestima, agradabilidade e preferência musical. Ademais, pelo que se sabe até então, este representa o primeiro texto do GLM em nossa realidade.

2. ESTUDO-PILOTO

Primeiramente, realizou-se um estudo-piloto com a escala de excitação percebida (perceived arousal scale) (Anderson, Deuser, & DeNeve, 1995), formada por 24 itens/palavras e que mede arousal (excitabilidade; a = 0,91). As músicas para os grupos experimental e controle foram pré-testadas no que diz respeito à quantidade de excitação percebida, usando-se a referida medida. Essa variável (arousal) tem sido controlada nos estudos sobre efeitos de letras de músicas que foram realizados com base no general aggression model (Anderson, Carnagey, & Eubanks, 2003) e GLM (Greitemeyer, 2009a, 2009b), com o fim de dirimir possíveis dúvidas quanto aos efeitos de músicas no comportamento, pois podem ser mediados tanto por sentimentos e pensamentos como por arousal.

Neste caso, utilizou-se essa medida com 34 estudantes universitários da Universidade de Brasília, com o fim de verificar se as músicas "Help" e "Octopus' Garden" despertariam quantidades diferentes de arousal. Verificou-se que a média do grupo experimental (M = 3,2, DP = 0,55) foi maior do que a do grupo controle (M = 3,0, DP = 0,66), mas, como esperado, essa diferença não foi estatisticamente significativa [t (30) = 0,811, p = 0,423, d = 0,27]. Essas músicas, portanto, não se diferenciam na quantidade de arousal percebido. Tal resultado era esperado, uma vez que compreendem músicas com ritmos semelhantes, além de que esse resultado foi anteriormente verificado por Greitemeyer (2009a).

3. ESTUDO PRINCIPAL

3.1 Método

3.1.1 Participantes

O estudo foi realizado com 63 universitários (72,3% mulheres) com média de idade de 22 anos (DP = 6,16), solteiros e estudantes de Psicologia. Formaramse dois grupos constituídos de 31 alunos do grupo controle (letra de música neutra) e 33 alunos do grupo experimental (letra de música pró-social).

3.1.2 Materiais

Letras de músicas. Foi utilizada uma letra de música traduzida com conteúdos de comportamentos pró-sociais ("Help", do grupo Beatles) e uma letra de música neutra ("Octopus' Garden", também do grupo Beatles). As letras de músicas pró-sociais foram escolhidas pelos autores desse grupo com base em sua análise de conteúdo, pois era uma letra de música que tratava de comportamentos prósociais, especificamente: comportamentos de ajuda. Ademais, essa mesma música foi utilizada em estudo prévio no contexto internacional (Greitemeyer, 2009a). A letra de música neutra foi escolhida pelos autores deste artigo. Especificamente, buscou-se contemplar uma letra de música que não tratava de comportamentos pró-sociais nem antissociais (nem os descrevendo tampouco os estimulando). As músicas foram tocadas num aparelho de som.

3.1.3 Instrumentos

Foram utilizados os seguintes instrumentos em um questionário:

Escala de música convencional. Elaborada para este estudo, partiu-se da medida elaborada por Pimentel, Gouveia e Pessoa (2007) e daquela validada por Gouveia, Pimentel, Santana, Chaves e Rodrigues (2008), e compreendeu os itens-estilos musicais: música religiosa, música romântica, pop music e música sertaneja, sendo respondidos em escala de sete pontos, variando de 1 = detesto a 7 = gosto muito, indicando que, quanto maior a pontuação, mais o respondente indica gostar de música convencional. Neste estudo, essa escala apresentou índice de precisão de 0,48.

Escala de autoestima de Rosenberg (Rosenberg self esteem scale [RSES]). Trata-se da versão validada por Garcia (2009), a qual apresentou índice de consistência recomendável (0,76). Ressalta-se que, em seu estudo, essa autora utilizou uma versão da RSES com nove itens e escala de resposta com cinco pontos, variando de 1 = discordo totalmente a 5 = concordo totalmente. Um exemplo de item é: "Eu sinto que tenho tanto valor quanto os outros", indicando que maior a pontuação, maior a autoestima. Neste estudo, essa versão é tida em conta, tendo apresentado consistência interna coerente com estudos prévios (a = 0,87).

Escala de agradabilidade do inventário dos cinco grandes fatores de personalidade (big five inventory, BFI) (John & Srivastava, 1999). A escala de agradabilidade está formada por nove itens (por exemplo: "É atencioso e gentil com quase todos"), indicando sua resposta em escala de cinco pontos, variando de 1 = discordo totalmente a 5 = concordo totalmente. John e Srivastava (1999) relatam alfa de Cronbach de 0,79. Nesta pesquisa, essa escala apresentou consistência interna satisfatória (a = 0,76).

Inventário de Personalidade de Dez Itens (TIPI) (Gosling, Rentfrow, & Swann Junior, 2003). Trata-se de uma medida breve dos cinco grandes fatores de personalidade, estando formada por apenas dez itens avaliados em escala que varia de 1 = discordo totalmente a 7 = concordo totalmente. O participante deve responder com base no estímulo: "Eu me vejo como alguém [...]", seguindo os itens (por exemplo: "Simpático, acolhedor"), indicando que maior a pontuação, maior a agradabilidade. No TIPI, o fator agradabilidade apresentou a = 0,37 nesta pesquisa, mas esses itens foram reunidos na escala anterior, formando uma nova escala de agradabilidade com consistência interna igual a 0,81.

Escala de afetos positivos (Positive Affect and Negative Affect Schedule [PANAS]) (Watson, Clark, & Tellegen, 1988). Essa é uma medida destinada a avaliar afetos positivos em dez itens respondidos em escala de cinco pontos, variando de 1 = muito pouco ou nada a 5 = extremamente. Exemplos de itens são "interessado", "amável", indicando que maior a pontuação, mais afetos positivos. O coeficiente de precisão (alfa de Cronbach) desse fator foi 0,84, considerando o estado de humor da pessoa no momento.

Escala de pró-sociabilidade. Foi utilizada uma versão abreviada de cinco itens da escala de pró-sociabilidade (Caprara, Steca, Zelli, & Capanna, 2005), focandose apenas em comportamentos, deixando de lado os sentimentos pró-sociais. Um exemplo de item é: "Compartilho minhas coisas com meus amigos", que o respondente deve indicar numa escala de cinco pontos, variando de 1 = nunca/ quase nunca verdadeiro a 5 = sempre/quase sempre verdadeiro, significando que quanto mais próximo de cinco, mais pró-sociabilidade. Nesta pesquisa, a versão abreviada dessa escala foi utilizada, cujo alfa de Cronbach foi de 0,85.

Questionário sociodemográfico e termo de consentimento livre e esclarecido. Na primeira folha, foram indicados os pesquisadores e instituição responsáveis pela pesquisa, com endereço para contato, seguido do termo de consentimento livre e esclarecido; e, no fim do instrumento, constam das perguntas sobre a idade, sexo, estado civil, nível socioeconômico e religiosidade. Por fim, apresentou-se uma questão-controle, que buscava saber, na percepção do respondente, em que medida concordava ou discordava que a letra de música tida em conta tratava de comportamentos pró-sociais, sendo as respostas dadas em escala de cinco pontos, variando de 1 = concordo totalmente a 5 = discordo totalmente.

3.2 Procedimentos

O questionário foi aplicado coletivamente em salas de aula, mas com preenchimento individual. Os participantes foram divididos em dois grupos para a aplicação dos questionários em duas condições. Na condição experimental, reproduzia-se em um som, na sala de aula, a música original de "Help" (Beatles), que tem uma letra pró-social, enquanto, na condição-controle, reproduzia-se a música original de "Octopus' Garden", também dos Beatles.

Primeiramente era apresentada a letra de música (pró-social para a condição experimental ou neutra para a condição controle) junto com a música em aparelho de som e a letra de música traduzida (impressa) e, ao fim da música, os participantes recebiam o questionário para o autopreenchimento. Inicialmente os participantes eram instruídos que o objetivo da pesquisa era verificar o efeito de músicas na resolução de tarefas e que estes deveriam prestar atenção na letra da música, pois responderiam a algumas perguntas sobre o seu conteúdo. Ao fim da coleta, foram realizados os agradecimentos de praxe e então explicado o objetivo verdadeiro da pesquisa, assim como a necessidade do engodo. Todos os participantes concordaram em disponibilizar seus dados para serem analisados e comporem relatórios científicos.

3.3 Resultados

Por meio de uma análise de variância múltipla (manova), realizada no software SPSS 15 para Windows®, tendo a letra de música como variável antecedente e os comportamentos pró-sociais e afetos positivos e item da checagem da manipulação como variáveis dependentes, foram testadas a primeira e segunda hipóteses desta pesquisa.

Os participantes expostos à letra de música pró-social pontuaram mais alto na medida de comportamentos pró-sociais (M = 3,8, DP = 0,85) do que aqueles expostos à letra de música neutra (M = 3,7, DP = 0,74). Além disso, verificou-se que aqueles expostos à letra de música pró-social mostraram mais afetos positivos (M = 3,4, DP = 1,41) do que aqueles expostos à letra de música neutra (M = 3,0, DP = 0,68), mas não foram verificados efeitos multivariados da letra de música (F[3,61] = 1,736, p = 0,169). Portanto as primeiras hipóteses da pesquisa não foram corroboradas.

Além dessa análise, foi realizada uma análise de mediação moderada, por meio de Bootstrap com 5.000 reamostragens no software Amos 7, tendo a preferência musical convencional (-0,06, p = 0,69), agradabilidade (-0,11, p = 0,59) e autoestima (0,20, p = 0,33) como possíveis moderadores, mas não se verificou qualquer efeito moderador dessas variáveis na mediação hipotetizada. Inicialmente, verificou-se o impacto da letra de música no comportamento pró-social, mas esses efeitos não foram estatisticamente significativos (0,04, p = 0,74). Verificou-se, por outro lado, efeitos indiretos (Preacher & Hayes, 2004) da letra de música pró-social nos comportamentos pró-sociais por meio dos afetos positivos. Portanto há efeitos indiretos marginalmente significativos (Guadagno, 2010) da letra de música nos comportamentos pró-sociais (0,09, p = 0,08). Esses resultados corroboram a terceira e refutam a quarta hipótese desta pesquisa. Observou-se ainda efeitos diretos padronizados da letra de música nos afetos positivos e dos afetos positivos nos comportamentos pró-sociais, como se observa na figura 2.

 

 

Os comportamentos pró-sociais se correlacionam positivamente com a agradabilidade (r = 0,49) e afetos positivos (r = 0,32). Também se verificou correlação de autoestima com música convencional (r = 0,25) e com afetos positivos (r = 0,31, todas as correlações foram estatisticamente significativas a p < 0,05). A checagem de manipulação mostrou, como esperado, que a letra de música pró-social foi percebida como mais pró-social do que a letra de música neutra (F[1,63] = 3,876, p = 0,05).

4. DISCUSSÃO

Neste estudo, esperava-se que a letra de música pró-social influenciasse os comportamentos pró-sociais e afetos positivos. Entretanto, nesses resultados, apesar de terem encontrado uma tendência, uma diferença de médias na direção esperada não foi estatisticamente significativa. Por outro lado, foram verificados efeitos indiretos da letra de música pró-social em comportamentos pró-sociais, tendo os afetos positivos como variável mediadora, corroborando a terceira hipótese deste estudo.

Esses resultados são coerentes com aqueles sobre efeitos indiretos de músicas nos comportamentos pró-sociais, tendo como mediador o humor (Fried & Berkowitz, 1979; North et al., 2004). Mais especificamente, corrobora o estudo de Greitemeyer (2009a, Estudo 3), que verificou o papel mediador da rota afetiva (empatia) do GLM (Buckley & Anderson, 2006) nos efeitos de letras de músicas pró-sociais em comportamentos pró-sociais. Nesta pesquisa, todavia, verificaram-se efeitos indiretos, pois não é possível se falar estritamente em mediação porque não se verificou efeito total da letra de música (X) nos comportamentos pró-sociais (Y) (Preacher & Hayes, 2004). Com as correlações foi possível observar que, quanto maior a pontuação em comportamento prósocial, maior a pontuação em agradabilidade e afetos positivos. Portanto esse resultado é consistente com pesquisas prévias na área dos comportamentos prósociais (Penner et al., 2005).

Além do mais, verificaram-se correlações entre preferência por estilos musicais ditos convencionais, como a música sertaneja, romântica e religiosa com a autoestima. No contexto estadunidense, Rentfrow e Gosling (2003), por sua vez, encontraram correlações positivas entre a preferência pelos estilos country, pop, religiosa, trilhas-sonora, rap/hip-hop, soul/funk e dance/eletrônica com a autoestima. Puderam-se verificar também correlações positivas entre autoestima e afetos positivos, como observado anteriormente (Brown & Marshall, 2001).

Em suma, estima-se que este estudo contribui para melhor entenderem-se os efeitos de músicas pró-sociais, mas se podem destacar algumas limitações. Especificamente, o estudo não foi propriamente experimental, mas quase experimental, de vez que não houve alocação aleatória para a composição dos grupos (Campbell & Stanley, 1979). Isso não possibilita que se façam generalizações desses resultados. Ademais, destaque-se que a medida de preferência musical convencional não apresentou um coeficiente de precisão satisfatório nesta pesquisa, mesmo que se tenha verificado correlações com essa variável.

Por fim, seria interessante que este estudo fosse replicado com outros tipos de músicas, considerando mesmo músicas nacionais, para se evoluir nesta área de investigação e se entender melhor os comportamentos pró-sociais a partir das letras de músicas pró-sociais. Nesse sentido, previamente a tais estudos experimentais, é importante que se alimente um banco de letras de músicas pró-sociais. Nesse sentido, poder-se-ia realizar vários estudos experimentais das letras de músicas com conteúdo pró-social. Esta pesquisa verificou efeitos indiretos da letra de música "Help" em comportamentos pró-sociais medidos por autorrelato. Cabe indagar se tais efeitos se reproduziriam nos comportamentos pró-sociais medidos por observação direta do comportamento. Outros estudos podem ainda testar o papel de outras variáveis potencialmente mediadoras e moderadoras dos efeitos de letras de músicas pró-sociais. Por fim, estima-se que foi dado um primeiro passo para a verificação dos efeitos de letras de músicas em nossa realidade. Espera-se que novas pesquisas sejam realizadas com o fim de se aprofundar nesses efeitos, considerando músicas típicas da cultura brasileira e outras internacionais, influentes em nosso país.

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Texto recebido em 21 de novembro de 2013 e aprovado para publicação em 11 de agosto de 2015.

 

 

*Doutor em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília, professor adjunto I do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba. Toda correspondência deverá ser encaminhada para Carlos Eduardo Pimentel, Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba. Endereço: Rua Eduardo Medeiros, n. 125 - Castelo Branco I, João Pessoa-PB, Brasil. CEP: 58050-080. E-mail: carlosepimentel@bol.com.br.
**PhD em Psicologia pela University of California at Davis, Estados Unidos, mestre em Psicologia Experimental (AEC) na Western Michigan University, professor titular da Universidade de Brasília, graduado em Psicologia pelo Albion College, Michigan.
*** Graduado em Psicologia pela Universidade de Brasília.
1 Esta pesquisa foi parte da tese de doutorado do primeiro autor, orientado pelo segundo. Contou com bolsa de doutorado concedida ao primeiro autor, bolsa de produtividade em pesquisa para o segundo autor e de iniciação científica para a terceira autora, todas concedidas pelo CNPq. Os autores aproveitam a oportunidade para agradecer o fomento dessa instituição.

 

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