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Pensando familias
versão impressa ISSN 1679-494X
Pensando fam. vol.23 no.2 Porto Alegre jul./dez. 2019
ARTIGOS
Percepção materna acerca dos cuidados na paralisia cerebral: a importância do apoio
Maternal perception about child care with cerebral palsy: the importance of support
Tatiana Afonso1, I ; Katiane da Costa Cunha2, I; Fernando Augusto Ramos Pontes3, I; Simone Souza da Costa e Silva4, I
I Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém-PA
RESUMO
A pesquisa visou compreender as percepções maternas acerca dos cuidados dispensados aos filhos com Paralisia Cerebral (PC). Entrevistou-se 13 mães de crianças diagnosticadas com PC com idades entre 0 e 12 anos moradoras da região metropolitana de Belém-PA. O estudo foi aprovado pela comissão de ética do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará obtendo parecer favorável (no. 473. 140). Os dados foram analisados sob a Teoria Fundamentada. A categoria dedicação se apresentou como principal, interligada aos códigos: práticas solitárias, medo do diagnóstico, convulsões, medo do futuro, suporte, falta de orientação e atendimentos profissionais. Concluiu-se que o manejo das práticas e o suporte levaram a diferentes trajetórias: aquelas em que as mães receberam amparo e aquelas menos apoiadas, cuja trajetória foi marcada por rupturas e sentimentos de solidão. Os resultados se mostram relevantes para a compreensão dos impactos vividos por famílias que tem filhos com deficiência.
Palavras-chave: Paralisia cerebral, Mães, Cuidado à criança, Rede de suporte, Teoria fundamentada.
ABSTRACT
This research aimed to understand the perceptions of mothers of children with Cerebral Palsy (CP) about the daily care. Thirteen mothers of children diagnosed with CP aged 0-12 years that living in the metropolitan region of Belém-PA were interviewed. The study was approved by the ethics committee of the Institute of Health Sciences of the Federal University of Pará - ICS, obtaining a favorable opinion (number 473.140). The data were analyzed under the inspiration of Grounded Theory, generating a main category dedicated to the following codes: lonely practices, practices (fear of diagnosis, seizures and future), support (lack of guidance) and support (professional care). It was concluded that the management of practices and support led to different trajectories: those in which mothers received support and those less supported, in this, the trajectory was marked by ruptures and feelings of loneliness.
Keywords: Cerebral palsy, Mothers, Child care, Support network, Grounded theory.
A paralisia cerebral se caracteriza por atraso neuropsicomotor gerado por uma lesão no sistema nervoso central, ocorrida nos estágios precoces do desenvolvimento. Tal acometimento gera dificuldades nas áreas motora, sensorial e cognitiva, prejudicando, em diferentes graus, a capacidade da criança de se expressar e de interagir funcionalmente, ficando limitada ou impedida de realizar suas atividades mais básicas, como se vestir, comer, brincar, e se comunicar (Cury & Brandão, 2011). Frente a essa constatação, o diagnóstico pode gerar emoções e sentimentos conflituosos aos pais no confronto com uma realidade que, na maioria dos casos, é desconhecida e repleta de desafios (Cury & Brandão, 2011; Geralis, 2007).
O diagnóstico da paralisia cerebral implica na adoção de uma rotina de cuidados complexa que envolve ações essenciais à sobrevivência e desenvolvimento da criança. A rotina gera sobrecarga ao cuidador, dado o nível de exigência e de preocupações, haja vista a maior dependência da criança, remetendo, portanto, ao aumento do tempo de cuidado, impactando a vida social e a saúde de quem cuida que na maioria das vezes são as mães (Hatzman, Maurice-Stam, Heymans, & Grootenhuis, 2009; Whiting, 2012).
O diagnóstico de paralisia cerebral pode dar início a períodos de crises emocionais e adaptações psicossociais, tornando os pais, especialmente as mães, suscetíveis a doenças como depressão, angústia, medo, solidão, fuga, rejeição ou superproteção da criança (Carvalho, Rodrigues, Silva, & Oliveira, 2010; Souza & Pires, 2003). Esses efeitos podem acarretar perdas de emprego, isolamento social e divórcio (Carvalho et al., 2010). Para Barroso, Pedroso e Cruz (2018) um grande número de famílias tem dificuldades em desenvolver o cuidado, pois, em muitos casos, se encontram em vulnerabilidade social, não tendo condições de reagir funcionalmente e de fortalecer a construção da rede de apoio social e desenvolvimento de seus membros.
A despeito dos dados que apontam as perdas ocasionadas à pessoa do cuidador, algumas pesquisas recentes apresentam novas perspectivas acerca do processo de aceitação parental e adequação familiar (Guillamón et al., 2013). Nesse sentido, cuidar de uma criança com PC não afeta igualmente todos os pais, havendo famílias que lidam bem com a rotina de cuidados mesmo com toda a adversidade vivenciada. Dentre os fatores associados ao bem-estar e à responsividade parental, a literatura destaca as redes de suporte social (Magil-Evans, Darrah, Pain, Adkins, & Kratochvil, 2001; Sipal, Schuengel, Voorman, Van Eck, & Becher, 2010; Skok, Harvey, & Reddihough, 2006).
Diante das demandas impostas pela deficiência, o suporte social apresenta-se como um elemento altamente benéfico, caracterizado pelo conjunto de apoios que auxilia as mães no cumprimento da complexa tarefa de cuidar dos filhos. Araújo, Reichert, Vasconcelos e Collet (2013) classificaram os tipos de suporte em: informacional, adquirido pela rede de saúde e emocional, vivenciado na família e com os amigos. Os benefícios envolvem o bem-estar emocional, a prevenção de doenças e a recuperação da saúde.
Com isso, a presença do suporte pode acionar mecanismos emocionais capazes de auxiliar direta e indiretamente as ações diárias de cuidado e, consequentemente, a saúde familiar e o próprio desenvolvimento infantil (Gallagher & Whiteley, 2012; Skok et al., 2006). Considerando, portanto, a importância do apoio emocional à manutenção dos cuidados maternos, o presente trabalho objetiva compreender as percepções de mães de crianças diagnosticadas com paralisia cerebral acerca dos cuidados dispensados a seus filhos.
Método
O presente trabalho combina uma perspectiva tradicional de pesquisa identificada na fase de coleta dos dados que se deu em forma de entrevistas, com a perspectiva inspirada na Teoria Fundamentada (TF) aplicada na análise dos dados. O método de análise utilizado com base na TF implica em uma aproximação do pesquisador ao fenômeno estudado, por isso não se deve usar teorias e concepções pré-existentes nas análises dos relatos dos participantes, somente posteriormente, nas discussões (Charmaz, 2009).
Participantes
Participaram 13 mães de crianças entre zero e 12 anos com diagnóstico de paralisia cerebral atendidas em um centro de referência especializado nas áreas de crescimento e desenvolvimento infantil da capital Belém-PA.
Seleção das participantes
A seleção das mães participantes se deu, inicialmente, a partir de um banco de dados constituído por 101 pais e cuidadores de crianças entre zero e 12 anos com diagnóstico de paralisia cerebral, atendidas em um centro de referência especializado nas áreas de crescimento e desenvolvimento infantil da capital Belém-PA. Foram excluídas da amostra crianças que, além do diagnóstico de paralisia cerebral, apresentavam síndromes genéticas e/ou transtornos do espectro autista.
Desse banco de dados, contatou-se, via telefone, apenas os cuidadores que moravam na região metropolitana, 54 no total. Caso o contato não se estabelecesse, a participante era excluída, dando-se início a tentativas com outra mãe. Esse procedimento permitiu o agendamento com 13 mães.
Ambientes de coleta dos dados
A fase de coleta dos dados acerca do inventário sociodemográfico foi realizada nas salas de espera de um hospital universitário, referência em atendimento a crianças com PC, dessa forma, os cuidadores eram convidados a participar da pesquisa enquanto aguardavam o atendimento dos filhos. Posteriormente, as entrevistas foram realizadas nas residências das mães participantes.
Procedimento de coleta
Após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, dava-se início a coleta dos dados. O Inventário Sociodemográfico (ISD) e o Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS) foram aplicados no hospital e as entrevistas foram realizadas nas residências dos participantes.
O estudo teve a duração de três anos (2012 a 2015). A coleta teve a duração de onze meses, sendo a primeira fase de aplicação e tabulação dos dados do ISD de nove meses (janeiro a setembro de 2014) e a segunda fase de agendamento e entrevista às residências das mães participantes de dois meses (outubro a novembro de 2014).
Instrumentos
Inventário Sociodemográfico (ISD) - elaborado pelo Laboratório de Ecologia do Desenvolvimento Humano (LEDH- PPGTPC – UFPA), apresenta questões relativas aos dados sociodemográficos, caracterização do sistema familiar e dados relacionados à criança com paralisia cerebral.
GMFCS - Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (Palisano, Rosembaun, Walter, Russell, Wood, & Galuppi, 1997), trata-se de uma escala de medida da função motora grossa de criança com paralisia cerebral (PC), que classifica a criança em cinco níveis (I, II, III, IV e V) de acordo com a idade e o que esta consegue realizar. Nível I: anda sem limitações. Nível II: anda com limitações. Nível III: consegue andar com auxílio de andadores ou muletas, tem dificuldades para andar fora de casa e na comunidade. Nível IV: automobilidade com limitações, necessita de cadeira de rodas para andar fora de casa e na comunidade. Nível V: mobilidade gravemente limitada, transportada em uma cadeira de rodas manual.
Roteiro de Entrevista - a entrevista se estruturou de modo aberto com os seguintes temas gerais: a vida depois do diagnóstico do filho, cuidado diário e auxílio nas tarefas cotidianas, divisão de tarefas de cuidado, tempo de cuidado e sobrecarga percebida, necessidade por maior apoio e apoio ideal.
Procedimentos éticos
O projeto foi submetido à comissão de ética do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará – ICS, com parecer favorável (473.140). A participação dos cuidadores ocorreu mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido com o qual foram apresentados os propósitos da pesquisa, conforme previsto na Resolução Nº 510 de 07 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, que dispõe sobre as normas de pesquisas envolvendo seres humanos.
Ressalta-se que os instrumentos não representaram ameaça à saúde física ou psicológica das participantes e tampouco possuíam potencial ansiogênico significativo para causar algum tipo de prejuízo. Os nomes das participantes se apresentam como fictícios resguardando o sigilo das informantes e das informações.
Análise de dados
A análise dos dados foi realizada sob a inspiração da Teoria Fundamentada. A pesquisadora transcreveu, organizou e problematizou as falas das participantes, intitulada como fase de codificação dos dados (Charmaz, 2009). Executaram-se, portanto, duas etapas de codificação: na primeira, linha a linha, as transcrições das entrevistas foram divididas em linhas e a pesquisadora estudou rigorosamente os dados apresentados a partir das falas; na segunda, codificação dos códigos, selecionaram-se, a partir do material registrado, os núcleos de sentido mais relevantes para serem agrupados com dados mais amplos.
A segunda fase de codificação compreendeu a análise dos códigos mais direcionados, seletivos e conceituais que os gerados anteriormente pela palavra/palavra, linha/linha. Nessa fase, foram utilizados os códigos anteriores os quais se mostraram mais frequentes e significativos para grandes montantes de dados. Gerando, assim, uma estrutura final explicativa. O modelo explicativo foi gerado a partir da análise constante dos memorandos realizados (extensivas anotações feitas durante todo o processo de pesquisa, comparando dados e explorando ideias sobre os códigos).
Resultados
A Tabela 1 apresenta algumas características sociais das mães. Com vistas a preservar a identidade das participantes, os nomes adotados são fictícios.
A Figura 1 revela os códigos emergentes ligados à categoria principal dedicação, ressaltando graficamente a interligação entre os seguintes códigos: práticas (solitárias e os medos) e suporte (falta de orientação e atendimentos profissionais). Os códigos são apresentados e discutidos de maneira não linear, uma vez que as setas de pontas duplas que ligam as práticas aos suportes impõem a compreensão do fenômeno de modo dinâmico, conectados entre si, sendo impossível tratar de um sem recorrer ao outro.
Figura 1. Categorias emergidas das falas das mães analisadas segundo inspiração da Teoria Fundamentada
Fonte: Autores
Data: 20 de agosto de 2015
Dedicação materna
A dedicação de cuidados diários a um filho com PC revela o quanto é exigido de uma mãe na realização de tarefas de alta complexidade que permitem não apenas garantir a sobrevivência, mas o desenvolvimento saudável das crianças. A dedicação se mostra amplificada, e muito, na paralisia cerebral em função das especificidades apresentadas, aspecto emergido significativamente no discurso das participantes.
A Dedicação Materna tornou-se a categoria principal de análise através da qual os códigos emergentes se complementaram em diferentes apontamentos.Os códigos - Prática (solitárias e os medos) - associaram-se à rotina de cuidados e aos medos vividos diante desses cuidados. Os códigos - Suporte (falta de orientação e atendimentos profissionais) - relacionaram-se às dificuldades vividas na busca por informação e por suporte especializado. A combinação desses códigos permitiu a construção de dois cenários possíveis de cuidados: aqueles em que as mães recebiam amparo conseguindo dividir as tarefas de cuidado diárias, vencendo os desafios impostos; e aquelas marcadas por um árduo aprendizado solitário em que se notaram rupturas e sentimentos de sobrecarga e solidão.
Práticas solitárias
A construção dos cuidados a partir do nascimento do filho e a constatação da paralisia cerebral ressaltaram a natureza dual das emoções envolvidas, tais como “ser mãe” versus “sofrer com o diagnóstico” e “desejar cuidar” versus “sentir-se cansada”. Desde o início, as percepções ambivalentes variaram da experiência mais profunda de apego até a angústia frente a uma possível perda; das dificuldades diárias enfrentadas ao acolhimento disponível; da sobrecarga constante ao aprendizado nunca antes imaginado.
O envolvimento e a dedicação fizeram parte da intensa rotina de cuidados, comprometendo o tempo disponível das mães, aumentando, portanto, a sobrecarga frente aos cuidados: “tinha que estar lá sempre de olho pra não acontecer nada mais grave, né? Porque qualquer coisa, um acidente que acontecesse já ia ser um atraso né?” [sic](Ana relatando sua rotina de cuidados da filha de quatro anos com GMFCS 3). Ana demonstrou alto grau de sofrimento ao relatar a rotina solitária de cuidados: “Não tenho tempo de fazer mais nada. Eu tomo banho junto com ela, lavo o meu cabelo junto com ela, eu não tenho tempo pra mim mesma... eu não tenho!” [sic]. Assim como Maria Cecília (mãe de uma menina de sete anos com GMFCS 1): “Eu procuro ajudar em tudo que ela necessita. Eu acho até que faço aquilo que não deveria fazer, eu não posso sair pra nada... Só fica comigo!” [sic].
A dedicação materna se mostrou como regra entre as mães, variando, no entanto, as percepções acerca da mesma. Para Ana (mãe de uma menina de quatro anos, GMFCS 3), Janaína (mãe de uma menina de 12 anos, GMFCS 5) e Maria Cecília (mãe de uma menina de sete anos, GMFCS 1) as percepções giraram em torno dos excessos de cuidado, dos custos emocionais e da sobrecarga. No entanto, para Fátima (mãe de um menino de 10 anos, GMFCS 2), os esforços foram encarados como necessários e, mesmo que solitários, não demonstrou sofrimento: “Até agora tudo que eu pude fazer, eu tentei e consegui e daqui por diante eu ainda não sei (...) eu tento fazer tudo de melhor pra ele, tudo ao meu alcance, eu faço” [sic](Fátima).
É possível que esta variação esteja associada ao grau de comprometimento da PC. Logo, mães de crianças com níveis menos grave de PC, como Andressa (GMFCS 1) e Fátima (GMFCS 2), mostraram-se mais satisfeitas quanto aos cuidados, pois conseguiam ver os resultados dos esforços aplicados. Em contrapartida, para as mães de crianças com níveis maiores de comprometimento, como são os casos de Ana (GMFCS 3), Janaína (GMFCS 5) e Lúcia (GMFCS 5), a percepção da sobrecarga foi maior.
O maior comprometimento dos filhos exigira daquelas mães maior tempo de cuidado, impactando a qualidade das relações sociais. Sentir-se só gerou, portanto, dificuldades nas relações com os companheiros, conforme apontou Janaína (mãe de uma menina de 12 anos com GMFCS 5), que optou pela separação devido ao forte envolvimento nos cuidados com a filha, aos constantes conflitos com o companheiro e por não se sentir apoiada. Há, ainda, o exemplo de Márcia que decidiu pela saída do pai de seus filhos de casa, passando a morar apenas com as crianças, mantendo o relacionamento com o companheiro à distância e assumindo de maneira solitária o cuidado dos filhos: “devido ao trabalho, eu ficava irritada (...) desde o nascimento dele minha vida parou!” [sic](Márcia, mãe de um menino de 6 anos com GMFCS 2).
A combinação de uma prática assumidamente solitária com o desejo pelo descanso e maior divisão das tarefas se revelou no comportamento de mães que, embora precisassem de ajuda, não conseguiam delegar os cuidados, como no caso de Ana: “Com o tempo, as pessoas vão dizendo que eu sou enjoada, que é frescura (...)” [sic] (Ana mãe de uma menina de quatro anos com GMFCS 3). Uma das explicações mais recorrentes para esse conflito referiu-se à alimentação criteriosa da criança com PC, como afirmaram Lídia (mãe de uma menina de 12 anos com GMFCS 5) e Sílvia (mãe de uma menina de um ano com GMFCS 5): “(...) já penso na parte da alimentação como é que a pessoa vai saber lidar? me preocupo muito, é muito difícil” [sic] (Lídia). “Não têm o jeito que a gente tem... Quando eu deixo ela, deixo umas coisas já prontas como a mamadeira pois fica mais fácil...” [sic](Sílvia).
Sabe-se que a alimentação da criança com PC consiste em uma prática de difícil execução devido aos riscos à saúde, por isso se apresentou de maneira recorrente como uma fonte de preocupação e empecilho à independência infantil. Não apenas em relação à alimentação, cuidado parental mais citado, mas os demais cuidados também se mostraram como desafiadores para algumas mães, como relatou Maria Cecília (mãe de uma menina de sete anos com GMFCS 1):“(...) a Vitória já deveria estar fazendo sozinha, mas eu não deixo... Por exemplo, já daria de ela se arrumar de manhã para ir ao colégio. (...) Eu acho que eu atrapalho, ela já dá conta de se arrumar sozinha” [sic] (Maria Cecília).
Apesar do reconhecimento quanto à importância do processo de independência do (a) filho (a), algumas mães não conseguiam promover mudanças temendo a possibilidade de algo acontecer à criança: “Pra mim ninguém ia cuidar dela como eu cuidava, eu sei que foi uma luta muito grande...” [sic] (Maria Cecília, mãe de uma menina de sete anos com GMFCS 1); “tenho medo de deixar ele assim com outra pessoa... ele não fica assim sabe... eu já tentei várias vezes deixar ele... mas...” [sic] (Marília, mãe de um menino de um ano com GMFCS 3).
Os cuidados se mostraram, nesse sentido, extremamente criteriosos:“Sempre fazendo o melhor pra ela, como ela não sabe falar, então, tento dar a maior atenção possível (...).” [sic](Patrícia, mãe de uma menina de oito anos com GMFCS 5).As falas de Patrícia destacam percepções relacionadas às deficiências sensoriais da filha que a colocavam numa posição de extrema fragilidade, envolvida por emoções que exprimiam os excessos em termos da execução dos cuidados. Assim como Patrícia, outras mães relataram não conseguir delegar tarefas de cuidados, o que nem sempre se mostrava coerente às necessidades das crianças ou de si próprias. Provavelmente esta dificuldade se sustentava em crenças ou em falta de informações adequadas.
Suporte: falta de orientação
A procura por atendimentos, ao contrário do esperado pelas participantes, colocou-as diante de pouca orientação e muitas dificuldades, sendo submetidas a longas esperas, com pouca estrutura de apoio, deixando de lado carreira, afazeres domésticos e a família de maneira geral. As instituições terapêuticas disponíveis, segundo os relatos maternos, não conseguiam apresentar propostas sensíveis a suas realidades. Sobre os atendimentos, Janaína e Lúcia afirmaram: “a gente tem que ficar lá na frente o dia todo” [sic] (Janaína, mãe de uma menina de 12 anos, GMFCS 5); “(...) eles não faziam nada, era igual ficar em casa... [sic](Lúcia, mãe de um menino de quatro anos, GMFCS 5).
A falta de orientação tornou as práticas mais solitárias evidenciando a carência de suporte. Esta falta de apoio gerou trajetórias de muitos desencontros com os profissionais da saúde os quais, a princípio, deveriam estar disponíveis ao auxílio no difícil processo de reabilitação das crianças.
Suporte: atendimentos profissionais
Mostrou-se como consenso entre as participantes a importância dos atendimentos profissionais no que diz respeito ao aprendizado acerca da PC e da persistência nos cuidados necessários: “Acho que o melhor, o melhor mesmo que eu faço é nunca desistir... não é pra qualquer um não...” [sic] (Márcia, mãe de um menino de seis anos, GMFCS 2). Ao compreenderem as incapacidades dos filhos, as mães seguiam em busca da melhora deles, contribuindo com o tratamento: “Eu procuro levar ele em todos os especialistas que eu acho que pode me ajudar. Eu não desisto!” [sic](Márcia, mãe de um menino de seis anos, GMFCS 2).
Nesse sentido, as dificuldades restringiram, mas não impediram as mães de buscarem suporte nas instituições disponíveis. Inclusive, consideraram as orientações médicas imprescindíveis à construção dos cuidados necessários como afirmou Lídia (mãe de uma garota de 12 anos com GMFCS 5): “O médico de lá, o pediatra disse ia ter que ter bastante atenção, ia ter um trabalho redobrado daqui pra frente, por que não ia ser fácil. E realmente, não foi fácil...” [sic].
Os atendimentos profissionais se mostraram necessários para a compreensão acerca do diagnóstico e das necessidades do bebê/criança. Para Lúcia, a partir dos atendimentos, foi possível perceber o quanto o filho, apesar de todas as limitações, mostrava-se capaz de entender o mundo a sua volta. Ela destacou os conselhos dados pelas profissionais que auxiliaram nas especificidades do desenvolvimento do filho.
Ao entenderem o diagnóstico e disponibilizarem uma rotina de cuidados adequada, as mães se mostravam especialistas no desenvolvimento dos filhos, apresentando sentimentos de indignação em relação àqueles que consideravam as crianças como doentes e/ou incapazes de aprender. Isso pode ser notado no relato de Lúcia (mãe de um menino de quatro anos com GMFCS 5): “Oh mãezinha ele é assim, mas ele sabe de tudo! [sic](repetindo a fala da psicóloga) (...) Daí eu passei a observar (...) outras pessoas, outras mães dizem assim: essas crianças não sabem de nada (...) elas não aprendem nada (...) não aceito isso!” [sic].
O suporte profissional se mostrou necessário às mães em muitos momentos, em especial, no confronto com medos. Medos que estiveram relacionados ao diagnóstico, às expectativas quanto ao futuro de seus filhos e aos riscos gerados pelas convulsões.
Práticas: medos do diagnóstico, do futuro e das convulsões
A descrição das lembranças do início da maternidade especial revelou percepções de incapacidade e adoecimento severo do bebê: “Eu ouvia muitas histórias devido a ela ser muito debilitada, muito magrinha (...) ela não vai aguentar, não leva nem pra médico, não vai adiantar” [sic] (Ana, mãe de uma menina de quatro anos GMFCS 3). Além disso, envolviam, principalmente, o reconhecimento de déficits motores e sensoriais como os apontados por Josileide (mãe de um menino de três anos com GMFCS 2): “porque ele estava com um mês (...) e eu percebi que ele era diferente (...) comecei a perceber que ele não enxergava, daí começaram os outros problemas, na época de sentar não sentava, colocava pra andar não andava” [sic] (Josileide, mãe de um menino de três anos com GMFCS 2).
O diagnóstico se apresentou, portanto, como um evento traumático, destacando, além da falta de orientação adequada, o medo de perderem o filho: “achava que ele não ia sobreviver... todo dia eu tava lá no hospital (...)” [sic] (Márcia, mãe de um menino de seis anos com GMFCS 2). Além do medo da perda, o processo de aceitação se mostrou como uma façanha solitária às mães. Sensibilizadas pelos déficits apresentados pelos bebês e pela ausência de orientação, as mães temiam o diagnóstico.
O momento do reconhecimento da deficiência se mostrou impactante: “ela (filha) tem uma tia que tem um filho com hidrocefalia e ela chegou pra mim e disse quando ela tinha uns cinco meses: não vai te assustar, acho que a Melissa tem hidrocefalia, (...) Eu chorei muito. Eu passei muito tempo chorando muito! [sic] (Janaína, mãe de uma menina de 12 anos com GMFCS 5). Na maioria dos casos, os déficits foram percebidos de maneira conflituosa pelas mães, como revelado por Talita (mãe de um menino de 5 anos com GMFCS 2): “minha avó já tinha falado que ele tinha alguma coisa, que era pra eu levar ele no médico. E eu falei: a senhora não sabe de nada, a senhora está louca! Aí a avó dele disse: tem sim Talita, ele tem alguma coisa!” [sic] (Talita, mãe de um menino de cinco anos com GMFCS 2).
Frente ao medo da perda do filho e da constatação das deficiências, até então desconhecidas ou ignoradas, as incertezas acerca do futuro se fizeram presentes no momento do diagnóstico. O medo do futuro ligava-se à falta de conhecimento sobre a deficiência e mais do que isso, representavam a dificuldade em imaginar o processo de desenvolvimento dos filhos.
Os relatos maternos ressaltaram as emoções frente à constatação de um universo totalmente novo, nunca antes imaginado: “eu comecei a imaginar, como ele ia ficar (...) no início não aceitava (...)”[sic] (Lúcia, mãe de um menino de quatro anos com GMFCS 5). “Ela (médica) percebeu (...) essa criança tá com quase dois anos! Porque não anda ainda?(...) foi ela quem abriu meus olhos (...)” [sic] (Maria Cecília, mãe de uma menina de sete anos com GMFCS 1) e ainda: “ficava pensando que ia passar, mas a médica percebeu que ela era muito mole (...) eu fui aceitando aos pouco, entendeu? [sic] (se emociona) Então, estou me preparando para o futuro, né? Aprendendo, cuidando (...)” [sic] (Sílvia, mãe de uma menina de um ano com GMFCS 5).
O medo do futuro revelou-se desde a suspeita até a confirmação do diagnóstico. Em muitos momentos, as incertezas apavoraram as mães compondo um processo lento de reconhecimento e preparo para o futuro inesperado. Em alguns casos, o futuro se apresentou como cruel e de difícil aceitação devido aos recorrentes episódios convulsivos.
Um dos aspectos mais importante acerca do diagnóstico se referiu aos casos em que o bebê, a partir das crises convulsivas, apresentava piora no desempenho das aquisições já adquiridas, como descreveu Lúcia: “não aceitava, pois com dois meses o Luigi era inteligente, ele olhava para as crianças, sorria, eu não aceito... (...), eu sentava e começava a chorar, ele vivia tendo crises (...) eu morava dentro do hospital até os 8-9 meses dele” [sic] (Lúcia, mãe de um menino de quatro anos com GMFCS 5). Assim como o filho de Lúcia, a filha de Patrícia apresentou história de vida marcada por perdas significativas, principalmente na interação com as demais pessoas: “ela interagia muito mais quando era menor.... mas com as convulsões ela regrediu (...)eu sentia que ela interagia muito mais. Ela segurava o pescocinho, mas as convulsões foram fulminantes e ela perdeu muito, entendeu? E foi isso!” [sic] ( Patrícia, mãe de uma menina de oito anos com GMFCS 5).
Nos casos em que houve regressão significativa das aquisições ora apresentadas, o sentimento de perda se mostrou intensificado pela impotência em não poder evitar os danos. O fato de reconhecerem que o filho se mostrava inteligente, sorridente, atento às outras crianças e que, após todos os esforços, apresentava piora, intensificou o sofrimento vivido. Primeiramente pela perda do filho perfeito, a partir do diagnóstico, e posteriormente, a partir das crises convulsivas, pela perda da saúde e dos ganhos desenvolvimentais.
Muitos medos e muitas perdas acompanharam as trajetórias de cuidados dessas mães, intensificando a dedicação extrema nas práticas estabelecidas. Por vivenciarem uma rotina pouco saudável, o acionamento do suporte, além de extremamente oportuno e necessário, apresentou-se como um elemento determinante aos diferentes resultados entre os ajustes práticas/dedicação versus suporte, culminando em variadas histórias de sucessos e fracassos.
A difícil combinação entre suporte e prática: possibilidades de sucesso e fracasso
As histórias que evidenciaram sucesso e bem-estar tiveram como protagonista o apoio familiar, segundo apontou Andressa ao identificar o bom momento de sua vida com o retorno à carreira de advogada após passar a infância da filha dedicada aos cuidados especiais. Ela se mostrou satisfeita com os resultados obtidos no desenvolvimento da filha, hoje independente e incluída no ensino regular. Com isso, Andressa pôde retornar ao trabalho e aos estudos: “Então já vou ter que sair de casa, então a família vai ter que tomar conta da Ana Clara para mim” [sic] (Andressa, mãe de uma menina de quatro anos, GMFCS 1).
A tranquilidade de Andressa revelou dois aspectos importantes: o bom nível educacional dos pais com possibilidades de compor uma carreira e o apoio familiar constante, possibilitando ao cuidador principal um suporte necessário durante sua ausência. Conforme a criança adquiria maior grau de independência, aumentava o empenho materno em retomar as decisões acerca do futuro e da carreira.
Outras mães não puderam contar com o mesmo apoio da família, mas conseguiram obter junto aos companheiros um suporte importante no processo de cuidado à criança. Por exemplo, Ana relatou que o marido abandonou o emprego em prol de um suporte constante: “Porque apoio assim eu não tive muito não, a não ser do meu marido, o pai dela. Tava comigo, largou o emprego” [sic](Ana, mãe de uma menina de quatro anos, GMFCS 3). No caso de Janaína, o apoio veio do atual companheiro já que o pai da sua filha, de acordo com os relatos, nunca apresentou interesse em compartilhar os cuidados: “Ele me ajuda muito, me dá bastante apoio, é muito responsável (...) aqui é um dando força pro outro, apoiando o outro. Digamos assim, o que cada um puder fazer pelo outro faz” [sic] (Janaína, mãe de uma menina de 12 anos, GMFCS 5).
Algumas mães, no entanto, relataram uma realidade com o pior dos cenários, revelado a partir da ausência total de suporte. O clima da entrevista de uma das participantes, Josileide, exprimiu a dor e o sofrimento vivido nessas condições. O silêncio dizia muito, a maneira que a entrevistada se expressava, a postura ao fazer comentários e o intercâmbio de emoções ora ligadas a própria defesa, ora expondo a fragilidade frente à a carência vivida em termos de apoio materno, elucidando uma frágil condição:
“Não tenho ninguém (...) Sou só eu mesma! (..) Gostaria do apoio de mãe, né? Que corre atrás... aí as pessoas acham que por a gente ter um filho assim, a gente tem que ser de ferro...” [sic] (Josileide, mãe de um menino de três anos, GMFCS 2).
Da mesma maneira, Maria Cecília, demonstrou ressentimento em relação à falta de apoio: “Só eu! Eu não conto com ninguém pra me ajudar não... (...) Tô acostumada já!” [sic]. As mães demonstraram que com o passar dos anos, pouco a pouco, iam se acostumando não apenas com os déficits e com a rotina de cuidados, mas com o fato de não poderem contar com ninguém. Aspecto extremamente nocivo à saúde e que põe em risco, inclusive, o processo de desenvolvimento da criança com PC, uma vez que as tarefas de cuidado podem, com o tempo, se tornar mecânicas, operadas de maneira solitária, destituídas de qualidade ou envolvimento emocional.
Discussão geral e considerações finais
Sabe-se que os avanços no tratamento e no processo de inclusão das crianças com PC ocorrem a partir de medidas que levem em consideração as famílias especialmente as mães, principais cuidadoras (Cury & Brandão, 2011; Geralis, 2007; Huang, Kellet, & St. John, 2012). Tais medidas perpassam pela escuta atenta daquilo que sentem, de como cuidam da família e do que precisam para realizar as tarefas de maneira mais eficaz e saudável. Sendo assim, o aspecto mais citado, independente das características sociais das crianças ou das famílias, foi o suporte emocional (Magill-Evans et al., 2001; Sipal et al., 2010; Skok et al., 2006).
Sentir-se apoiada em seus cuidados, emocionalmente, se apresenta como desejo materno evidente. Processo que se inicia a partir da escuta sincera e do interesse expresso por aqueles que fazem parte do convívio, além do oferecimento de possibilidades na orientação de dúvidas e medos que se mostram tão recorrentes na maternidade especial. A partir do apoio emocional são acionados os mecanismos psicológicos capazes de garantir a manutenção da saúde tanto da mãe quanto da criança, e ainda reforçá-la em sua maternidade, fazendo com que se sintam capazes de cuidar do filho, sentindo-se amadas, respeitadas e inseridas socialmente (Magill-Evans et al., 2001; Sipal et al., 2010; Skok et al., 2006).
Refletir sobre a eficiência dos cuidados às crianças com essas especificidades depende, em grande parte, da atenção às necessidades das mães. Elas são as cuidadoras principais e vivem rotinas extenuantes de cuidados. Por isso, necessitam ser amparadas, e porque não dizer, cuidadas a partir de uma rede de apoio capaz, dentre outras coisas, de promover escuta acolhedora, fazendo-as se sentirem mais capacitadas na difícil tarefa de cuidar dos seus filhos.
A metodologia adotada trouxe resultados que destacaram a dedicação das mães de crianças com PC a partir de práticas de cuidado realizadas de maneira excessiva, associadas ao suporte abaixo do necessário. Revelando, portanto, uma cuidadora dedicada que trazia sentimentos ambivalentes ao desejar receber mais suporte, mas que não aceitava e não confiava na qualidade do apoio oferecido por outras pessoas.
Apesar das contribuições, o presente trabalho apresenta como limitações o número de participantes, assim como a falta de um grupo controle, como grupo de mães de crianças típicas, para o aprofundamento das análises. Sugere-se, portanto a confrontação dos diálogos maternos entre grupos distintos buscando a melhor caracterização das diferenças nas falas das mães, buscando compreender o impacto da PC na incrível rotina de cuidados de uma mãe.
Referências
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Endereço para correspondência
Tatiana Afonso
E-mail: afonso_tatiana@hotmail.com
Agradecimentos a CAPES pelo apoio financeiro.
Enviado em: 30/01/2019
1ª revisão em: 28/09/2019
2ª revisão em: 07/10/2019
Aceito em: 29/11/2019
1 Filiação institucional: Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC) Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém- PA.
2 Filiação institucional: Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC) Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém- PA.
3 Filiação institucional: Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC) Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém- PA.
4 Filiação institucional: Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC) Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém- PA.