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Ciências & Cognição
versão On-line ISSN 1806-5821
Ciênc. cogn. vol.8 Rio de Janeiro ago. 2006
Ensaio
A transtextualidade em algumas obras de Italo Calvino: o fio do desejo poderia cerzir os intertextos de autor e leitor?
The transtextuality in some works of Italo Calvino: could the thread of desire sew the intertexts of the author and the reader?
Sandra Maria Braum
Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil
Resumo
O presente artigo contém algumas definições sobre a transtextualidade e intertextualidade. Utilizando algumas obras selecionadas de Italo Calvino, procura-se exemplificar esses conceitos e relacioná-los ao conceito de biblioteca universal ou de Biblioteca de Babel de Jorge Luis Borges. Nas obras selecionadas de Italo Calvino também são destacados alguns tipos de leitores, os quais são definidos de acordo com o seu desejo. A partir desta tipificação dos leitores é posta em questão a necessidade do desejo para desvendar os intertextos. A existência desse desejo permitiria um enriquecimento na leitura, na informação e no conhecimento. © Ciências & Cognição 2006; Vol. 08: 153-164.
Palavras chave: transtextualidade; intertextualidade; desejo; conhecimento.
Abstract
The present article contains some definitions about transtextuality and intertextuality. Using some selected works of Italo Calvino the aim here is to ilustrate such concepts and relate them to the concept of the universal library or the Babel Library of Jorge Luis Borges. On the selected works of Italo Calvino some kinds of readers are also highlighted; they are defined in accordance with their desire. From this reader's classification is brought to discussion the necessity of desire to unmask the intertexts. The existence of such desire would allow an improvement in the reading, information and knowlegde. © Ciências & Cognição 2006; Vol. 08: 153-164.
Keywords: transtextuality; intertextuality; desire; knowlegde.
Introdução
"Ao iniciar a leitura de cada novo livro, diz um personagem de Italo Calvino (1982: 310), este começa a fazer parte daquele livro global e unitário que é a soma de suas leituras. E isso não ocorre sem esforço: para compor esse livro geral, cada livro particular precisa transformar-se, relacionar-se com os livros lidos anteriormente, tornar-se seu corolário, o desenvolvimento ou a refutação, a glosa ou o texto de referência. Durante muitos anos Calvino freqüentou essa biblioteca, explorando-a volume a volume, prateleira a prateleira, podendo demonstrar, com isso, que ele apenas levou adiante a leitura de um único livro." (Olmi, 2003: 265)
Para Kristeva (1974: 63) existem três dimensões para o espaço textual: o sujeito da escritura, o destinatário e os textos exteriores; já o estatuto da palavra possuiria dois eixos: horizontal e vertical. A autora destaca que em relação ao estatuto horizontal:
"a palavra no texto pertence simultaneamente ao sujeito da escritura e ao destinatário, e verticalmente: a palavra no texto está orientada para o corpus literário anterior ou sincrônico."
Ao cruzar eixo horizontal e eixo vertical revela-se uma outra palavra, um outro texto, temos assim a formação de uma metáfora de texto como tecedura, como trama, que é o que a palavra textus em latim quer dizer: o que é entrelaçado, o que é tecido. Para Bakthine (citado por Kristeva, 1974), esses dois eixos são denominados diálogo e ambivalência. Desta forma, para Kristeva, Bakthine introduz a noção de que todo o texto é formado como um mosaico de citações, todo o texto seria a absorção e transformação de um outro precedente. Temos assim a noção do que é a intertextualidade, textos provindo de outros textos, textos dentro de textos.
Gerard Genette prefere como conceito amplo o termo de transtextualidade, ou seja, tudo que coloca o texto, explícita ou implicitamente, tem relação com outros textos. Ele divide a transtextualidade em cinco categorias, sendo a primeira a intertextualidade. Para Olmi (2003), Gérard Genette define o conceito de intertextualidade de Kristeva como:
"Uma relação de co-presença entre dois ou mais textos ... como a presença efetiva de um texto noutro. Em sua forma mais explícita e mais literal trata-se da citação... De forma menos explícita e menos canônica, do plágio, ou seja, um empréstimo ainda literal, mas não declarado. De forma ainda menos explícita e menos literal, trata-se da alusão, ou seja, de um enunciado... que pressupõe a percepção de uma relação com outro enunciado ao qual remete necessariamente uma ou outra de suas inflexões." (Olmi, 2003: 267-268)
Olmi (2003: 268) busca outros autores que definem a intertextualidade e sua importância, um deles é Michel Riffaterre que, de acordo com o que ela salienta que: somente ela (intertextualidade), com efeito, produz a significância, enquanto a leitura linear dos textos literários e não-literários só produz o sentido.
O leitor faz parte da construção do texto, da construção da sua trama. Enquanto um dos seus formadores, ele está no estatuto da palavra, no eixo horizontal (Kristeva), mas é ele que precisa notar, acariciar, perceber a textura, o toque deste tecido, o toque da intertextualidade. Desta forma, o leitor poderá produzir o que Riffaterre, de acordo com Olmi, chama de significância. O escritor, que é normalmente um bom leitor, utiliza-se do mesmo processo no seu fazer, no seu escrever. Em alguns casos o escritor pode aludir, parodiar, citar outras obras, continuar do fim de uma, escrever o inicio de outra, enfim, são muitas as possibilidades.
Borges, em Biblioteca de Babel, ilustra muito bem essa idéia de infinitas e variadas possibilidades, a biblioteca é ilimitada, jamais poderá ser totalmente desvendada, sempre haveria outras formas de interpretação. Em Ferreira (2006: 26), no entanto, Borges também teria dito:
"A certeza de que tudo está escrito nos anula ou nos fantasmagoriza.(...) Talvez a velhice e o medo enganem-me, mas suspeito que a espécie humana - a única - está por extinguir-se e que a Biblioteca permanecerá: iluminada, solitária, infinita, perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos, inútil, incorruptível, secreta."
Para esta autora, a preocupação de Borges é sempre centrada na questão da leitura e das interpretações múltiplas, que garantem a infinitude e eternidade das escrituras, que poderiam ir além da própria humanidade que as teria produzido.
Ainda fazendo uso dessa imagem da biblioteca, em Brandão (1996) essa Biblioteca universal, a Biblioteca de Babel é a comunhão de diversas bibliotecas, de diversos textos. Ela comenta:
"O campo literário é um lugar onde se reproduzem textos, bibliotecas comunicantes que dialogam entre elas próprias, via leitura e sujeitos leitores que fazem textos e são causa de sua produção." (Brandão, 1996: 29)
Um outro ponto de criação de invenção, de possibilidades, além da própria intertextualidade, dos ecos e ressonâncias de vozes múltiplas, é a invenção e re-invenção do próprio autor, que se encaixaria na definição de Genette da transtextualidade, o autor produz textos a partir de seus próprios textos. De acordo com Beuttenmüller (2006: s/p), Jorge Luis Borges em entrevista concedida a ele, teria dito:
"Na verdade, o escritor escreve sempre o mesmo livro, sob outro ângulo ou em outro tempo, em outra idade. Ulisses é uma continuação dos livros anteriores de Joyce, na mesma técnica de neologismos, mas seus contos são melhores, pois neste caso se percebe o escritor, não o filólogo. Com a passagem do tempo, um escritor descobre que as idéias devem ter uma expressão clara e precisa."
Neste pequeno ensaio, pretendo utilizar como corpus algumas obras de Italo Calvino como fonte demonstrativa da intertextualidade (Kristeva) e da transtextualidade (Genette). Assim como dessa noção de Borges, segundo o qual Joyce escreveria sempre o mesmo livro, penso que Calvino também o faça. E, ainda, pretendo questionar a possibilidade de se colocar mais fios, mais eixos na trama do texto ou quem sabe desmembrá-los em porções menores. Kristeva (1974: 62), ao discorrer sobre a dinamização do estruturalismo, diz que isso só é possível a partir de uma concepção onde:
"... a 'palavra literária' não é um ponto (um sentido fixo), mas um cruzamento de superfícies textuais, um diálogo de diversas escrituras: do escritor, do destinatário (ou personagem), do contexto cultural atual ou anterior."
Dentro destes diversos textos e contextos que se cruzam gostaria de introduzir, ou pelo menos salientar, o desejo do/no sujeito da escritura e destinatário e sua hipotética relação com a intertextualidade.
A biblioteca de Italo Calvino
Ao ler algumas obras de Calvino, eu ficava com a impressão de repetência de uma noção de inacabado, partido, incompleto ou talvez reticente: Visconde partido ao meio (1996), Castelo dos destinos cruzados (1991), Se um viajante numa noite de inverno (1999), O cavaleiro inexistente (2005) e até mesmo em As cidades invisíveis (1990a). Mas ele mesmo, Calvino, ao comentar no apêndice de sua obra Se um viajante numa noite de inverno (1999), que se compõe de doze capítulos, compostos de dez fragmentos de textos inacabados e intercalados pela história de um Leitor e uma Leitora, seus encontros e desencontros, escreve sobre essa questão do uso da interrupção do enredo:
"... não se trata do 'inacabado', mas sim do 'acabado interrompido', do 'acabado cujo final está oculto ou ilegível', tanto no sentido literal como no metafórico" (Calvino, 1999: 268).
Outros exemplos ainda dentro desta mesma obra:
"Não me pergunte onde está a seqüência deste livro! ... Todos os livros continuam além.... ...Os livros são degraus para o limiar..." (Calvino, 1999: 77)
"Ao ler, eu procuro um respiradouro ... se meu olhar escava entre as palavras, é para tentar discernir o que se esboça à distância, nos espaços que se estendem para o além da palavra 'fim'." (Calvino, 1999: 259).
Para Oliveira (1995: 66), este romance de Calvino (1999) precisa ser entendido além do conceito de inacabamento:
"A incompletude dos textos não é apenas estrutural, ela transparece também 'materialmente' nas páginas e capítulos do romance. Portanto ela é, uma prática que propõe a superação dos próprios limites e controle do texto."
O leitor é convidado a participar da construção do texto e investigar, imaginar, devanear o fim de cada pequeno romance e ainda continuar a busca pela história do Leitor e da Leitora. Ribeiro (2005: 2) define esse tipo de narrativa de hipertexto ou hiper-romance, onde o leitor é transformado também em autor. O leitor "não se limita apenas a reconstruir a narrativa, ele cria e inventa de novo, de forma totalmente imprevisível."
Para Genette, o hipertexto tem uma definição um pouco diferente da de Ribeiro, acima citada. De acordo com Olmi (2003), para Genette, hipertextualidade seria qualquer relação que ligasse um texto, que ele denomina de hipertexto, a um texto anterior, denominado hipotexto. Na obra de Calvino Se um viajante numa noite de inverno (1999: 261), há uma intertextualidade explicita na forma de citação:
"as palavras com as quais a narrativa se interrompe lhe parecem bem o espírito das Mil e Uma Noites."
Poderíamos dizer que as Mil e Uma Noites seria um hipotexto para o hipertexto de Calvino Se um viajante numa noite de inverno. Mas, também O castelo dos destinos cruzados poderia ser mais um hipotexto, sendo que a forma de apresentar uma multiplicidade de narrações se repete. Calvino (1990b: 134-135) define esses seus dois romances como hiper-romances, um romance onde várias histórias se cruzam.
"Meu intuito aí [Se um viajante numa noite de inverno] foi dar a essência do romanesco concentrando-a em dez inícios de romance, que pelos meios mais diversos desenvolvem um núcleo comum, e que agem sobre um quadro que o determina e é determinado por ele. O mesmo princípio de amostragem da multiplicidade potencial do narrável constitui a base de outro livro meu, Il castello dei destini incrociati [O castelo dos destinos cruzados], que procura ser uma espécie de máquina de multiplicar as narrações partindo de elementos figurativos com múltiplos significados possíveis como as cartas de um baralho de tarô."
Em O castelo dos destinos cruzados (1991), Calvino já fazia uso dessa idéia de histórias sem início, nem fim. No romance Se um viajante numa noite de inverno (1999), não são cartas, mas pedaços de livros que também não têm um início ou fim definido. Em O castelo dos destinos cruzados (1991), ele usa de cartas de tarô para construir histórias de seus diversos personagens. Cada história continua a partir das cartas já colocadas na mesa e inclusive algumas se repetem, mas já com uso ou interpretação diversa. O próprio autor em nota do livro explica que, apesar de saber que as cartas possuem uma interpretação simbólica, não se ateve muito a isso:
"Preocupei-me principalmente em observar as cartas de tarô com atenção, com olhos de quem não sabe do que se trata, e delas retirar sugestões e associações, interpretando-as segundo uma iconologia imaginária." (Calvino, 1991: 153)
As histórias dos personagens que vão sendo contadas e montadas com essas cartas são recheadas de hipertextualidade. Temos, por exemplo, a história de Hamlet, de Shakespeare, aludida pelo menos de duas formas. Numa delas, sem a citação explícita do nome, mas na similitude das questões de indecisão, "ser ou não ser". No capítulo intitulado a História do indeciso, onde toda vez que o personagem precisa optar por algo, ou por um caminho, até mesmo por quem amar fica perdido e sem saber o que fazer:
"E o anjo no trono: ' Só tens de escolher de que poço queres beber', indicando-lhe dois poços iguais que se abrem na praça deserta. Basta olhar-se para o jovem para compreender que ele se sente novamente perdido. A potência coroada agora brande uma balança e uma espada, atributos do anjo que vela sobre as decisões e os equilíbrios, do alto da constelação da Libra. Será, pois, que também na cidade do Tudo só se é admitido por meio de uma escolha e de uma recusa, aceitando uma parte e renunciando ao resto? (...) dois caminhos distintos que se abrem para quem ainda está a procura de si mesmo: O caminho das paixões, que é sempre uma via de fato, agressiva, de cortes nítidos, e o caminho da sabedoria, que requer reflexão e um lento aprendizado." (Calvino, 1991: 82-83)
O fim deste personagem é a morte: "Eis como foi atendida a escolha do homem que não sabia escolher" (Calvino, 1991: 85). O suposto anjo lhe dá o mar, lhe dá a morte por afogamento. Poderia supor até uma mistura deste personagem indeciso (alusão a Hamlet) com o final de Ofélia, suicida no rio.
Já no capítulo Três histórias de loucura e destruição, percebe-se o que Genette chama de intertextualidade explícita sob a forma de citação indireta:
"Pois bem, que banque o maluco, Hamlet, com as meias caindo pelas pernas e um livro aberto sob o nariz: as idades de transição estão sujeitas a distúrbios da mente. Além disso, a mãe o surpreendeu a delirar por Ofélia: o diagnóstico é logo feito, chamemo-lo delírio de amor e está tudo explicado. Quem não ganhará nada com isso será a angélica Ofélia... Já se prevê seu fim aquático [...] Hamlet já sabe que em tudo que põe a mão provoca danos: pensam que ele não seja capaz de matar? Mas é a única coisa em que se realiza! O mal é que sempre atinge alvos errados: quando mata, mata sempre um outro." (Calvino, 1991:143- 146)
Calvino foi um grande leitor de Jorge Luis Borges, tanto que é um dos seus autores escolhidos que faz parte do seu cânone e, com certeza, faz parte de seu grande e único livro, de sua biblioteca pessoal. Em Por que ler os clássicos (1993: 253), Calvino introduz uma fala de Borges, que nos remete ao personagem Hamlet mais uma vez:
"No tempo real, na história, toda vez que um homem se encontra perante diversas alternativas, opta por uma e elimina e perde as outras; não é assim no tempo ambíguo da arte, que se assemelha ao da esperança e do esquecimento. Hamlet, em tal tempo, é são da cabeça e é doido."
Podemos supor que Borges seja uns dos precursores de Calvino. Nas palavras do próprio Borges, citadas por Nestrosvki (1991: 12) "Todo escritor cria seus precursores. Sua obra modifica nossa concepção do passado, como haverá de modificar do futuro." Não passamos ilesos perante a literatura, o ato de ler sempre nos modifica, nos transforma, algumas obras nos transformam mais, outras menos, sendo que isso dependeria de muitos aspectos, mas um deles é podermos criar algum sentido e significado para a história lida. Para Larrosa (2003: 607-608), o sentido de quem somos dependeria das histórias que contamos e que nos contam:
"... en particular, de aquellas construcciones narrativas en las que cada uno de nosostros es, a la vez, el autor, el narrador y el carácter principal, es decir las autonarraciones o historias personales. Por otra parte, esas historias están construidas en relación a las historias que escuchamos y que leemos y que, de alguna manera, nos conciernen."
Essas histórias que contamos e que nos contam vão formar e fazer parte de nossa biblioteca pessoal e parte de nossa constituição enquanto sujeitos. Calvino, em Seis propostas para o novo milênio (1990b: 138), questiona-se exatamente sobre isso:
"... quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis."
E é exatamente isso que Calvino faz na sua biblioteca, remexe em tudo, modifica, transforma, reinterpreta e finalmente cria. Em Castelos dos destinos cruzados (1991), ainda no capítulo Três histórias de loucura e destruição, cita os hipotextos de Rei Lear e Lady Macbeth. Em outros capítulos, aparecem Édipo, Jocasta, Parsival, Merlin, Robinson Crusoe, Fausto e Mefistófeles, entre tantos outros exemplos. Calvino consegue cruzar e misturar os personagens como no exemplo do homem indeciso (alusão a Hamlet) que acaba morrendo afogado como Ofélia. No capítulo Duas histórias nas quais se procura e se perde, o personagem Fausto mistura-se com a história de Rei Midas, tudo que ele (Fausto) toca vira ouro. Fausto é questionado sobre o seu pacto com o Diabo:
"- Já vos arrependeis de haver firmado um pacto com o diabo?
- Não, o erro foi trocar uma só alma por um só metal." (Calvino, 1991: 122)
Calvino ainda produz um encontro entre os personagens Fausto e Parsival, que é o outro personagem que procura e se perde:
"Não sei há quanto tempo (horas ou anos) Fausto e Parsival se dedicam a retraçar os seus itinerários, tarô após tarô, sobre a tábua da taverna. ... - O mundo não existe - conclui Fausto quando o pêndulo alcança o outro extremo- , não há um dado completo de uma vez: há um número finito de elementos cujas combinações se multiplicam por bilhões de bilhões, e dessas só umas poucas tomam forma e sentido e se impõem em meio a um polvilhar sem sentido e sem forma; como as setenta e oito cartas do maço de tarô em cujos acostamentos aparecem seqüências de histórias que de súbito se desfazem." (Calvino, 1991: 123)
De uma certa maneira, poderíamos entender que os bilhões e bilhões de combinações das cartas de tarô, podem ser os bilhões e bilhões de possibilidades de leitura e escritura de textos de que Borges fala em sua Biblioteca de Babel, mais uma vez Calvino utilizar-se-ia de seu querido autor Borges, assim como da idéia de histórias sem fim e começo.
Em O visconde partido ao meio (Calvino, 1996), o que fica sem início ou fim é seu personagem Medardo di Terralba, que primeiro é um, inteiro, depois, na guerra, é partido ao meio, onde ele começa, onde ele termina? Como existir pela metade? Para Calvino, através de seu personagem partido e definido como o Mesquinho, mais uma vez parece fácil responder:
"- Que se pudesse partir ao meio toda coisa inteira - disse meu tio, de braços no rochedo, acariciando aquelas metades convulsivas de polvo - que todos pudessem sair de sua obtusa e ignorante inteireza. Estava inteiro e para mim as coisas eram naturais e confusas, estúpidas como o ar: acreditava ver tudo e só havia a casca. Se você virar a metade de você mesmo, e lhe desejo isso, jovem, há de entender coisas além da inteligência comum dos cérebros inteiros. Terá perdido a metade de você e do mundo, mas a metade que resta será mil vezes mais profunda e preciosa. E você há de querer que tudo seja partido ao meio e talhado segundo sua imagem, pois a beleza, sapiência e justiça existem só no que é composto de pedaços." (Calvino, 1996: 52)
Mas o Mesquinho não conseguia amar, esse sentimento pertencia apenas a sua outra metade, denominada o Bom. E o Bom era manso demais, não conseguia tomar nenhuma atitude perante os atos maléficos do Mesquinho, sentindo quase pena por ele. Na trama, resolvem duelar pelo amor de Pamela, uma pastora gorduchinha e descalça. No duelo, atacavam no outro a parte que não existia, como se atacassem a eles próprios. Então finalmente conseguem se ferir, mas exatamente na linha que os interrompia, que os dividia. São novamente costurados e integrados um ao outro. O narrador observa:
"Talvez se esperasse que, uma vez inteiro o visconde, se abrisse um período de felicidade maravilhosa; mas é claro que não basta um visconde completo para que o mundo inteiro se torne completo. ... Às vezes a gente se imagina incompleto e é apenas jovem." (Calvino, 1996: 99).
Novamente Calvino abarca a incompletude, desta vez, do ser e não da história.
Em O cavaleiro inexistente (2005: 13), o personagem Agilulfo nem sequer é dividido, ele é inexistente, ele é uma armadura vazia. Não dorme, não come, não divaga, mas tem pensamentos determinados e exatos. Inclusive ele não podia ser dividido:
"... não era possível decompô-lo em pedaços, desmembrá-lo: era e permanecia em cada momento do dia e da noite Agilulfo (...) tendo para a maior glória das armas cristãs realizado as ações tais e tais e tais, assumindo no exercito do imperador Carlos Magno o comando de tais tropas e daquelas outras."
Agilulfo é uma paródia de Dom Quixote, possui inclusive o seu Sancho Pança, na versão Gurdulu, e vão vivenciar diversos atos heróicos, matam dragões, salvam princesas, defendem a honra e a virgindade. Agilulfo, ao responder a um pedido de socorro de uma moça na estrada responde:
"Minha espada está sempre a serviço das viúvas e das criaturas desamparadas. ... Gurdulu, acomode na sela esta jovem que nos levará ao castelo de sua senhora." (Calvino, 2005: 76)
E como Borges falou que Joyce escreveu sempre o mesmo livro, Calvino retoma a questão da existência, do ser e das possibilidades e formas de existir. Gurdulo e Agilulfo, cada um a sua maneira exemplificam esse pensamento:
"aqui temos um súdito que existe mas não tem consciência disso (Gurdulu) e aquele meu paladino que tem consciência de existir mas de fato não existe (Agilulfo)" (Calvino, 2005: 26)
Temos novamente a temática da existência, não de como existir partido ao meio, mas existir sem de fato existir, se é que é possível isso, assim como se é que é possível existir partido ao meio. Mas para Calvino não é uma questão importante a realidade, a lógica racional e unilateral ou a concretude do pensamento. Ele mesmo, mais uma vez, explica, desta vez em Seis propostas para um novo milênio (1990b: 19):
"Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu devia voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar o ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle."
Em As cidades invisíveis (1990a), Calvino cria uma cidade dos não-nascidos (dos sem história e sem tempo na linearidade, mas já com existência!) ao lado de uma cidade com o mesmo nome onde vivem os mortos (que por serem mortos também não poderiam existir), e no meio, ainda, há a cidade dos vivos. No fim, o autor faz uma analogia muito interessante:
"... a Laudômia dos mortos e a dos não-nascidos são como as duas ampolas de uma ampulheta que não se vira, cada passagem entre o nascimento e a morte é um grão de areia que atravessa o estreitamento, e nascerá um último habitante de Laudômia, um último grão a cair que, no momento, está aguardando no alto da pilha." (Calvino, 1990a: 129)
A ampulheta parada na horizontal figura o tempo estagnado, mas os personagens transitam dentre deste espaço, existem nele. Calvino constrói um paradoxo, pois uma das formas de construção de significação, de inserção, de existência é termos a noção de tempo histórico. O que, talvez, ele nos queira dizer, é que há outras formas, outras maneiras de existir, de ser e de estar. Cada cidade que vai sendo desvendada por Marco Polo quebra com o modelo das nossas cidades, nunca são edifícios com ruas em formas de quadras onde passam ônibus e carros, sempre algo nos surpreende, nos desacomoda, mexe com nosso pensamento e imaginação.
Nessas obras escolhidas para este ensaio, a temática do inusitado perpassa sempre, seja em forma de ser partido (1996), inexistente (2005), personagens que não falam, mas contam histórias através de cartas, e uma vai se conectando com a outra (1991), seja com a história do Leitor e Leitora, percorrendo diversos lugares para tentar encontrar os inícios e fins dos romances lidos, assim como da própria história deles (1999), seja através da descrição das cidades mais diversas e estranhas (1990a). E ainda teríamos outros exemplos que não estão sendo utilizados neste momento, como o Barão nas árvores e seus contos fantásticos de Cosmicômicas, entre outros.
Usaria uma expressão de Olmi (2003: 273) que foi utilizada para falar sobre a intertextualidade em Janet Frame, que ela denominou de intertextualidade endógena e a definiu como:
"... uma intertextualidade de Frame dentro de Frame, num processo semelhante ao palimpsesto proposto por Genette, mas que também pode ser denominado 'alquimia', aquele complexo de doutrinas filosóficas, práticas de magia e investigações diretas sobre a natureza voltadas à busca da pedra filosofal, ou seja, do princípio capaz de explicar os segredos da vida e de transformar em outro os demais metais."
E usaria esta mesma expressão de intertextualidade endógena para Calvino, pois ele transforma os textos de sua grande biblioteca (tem-se uma pequena idéia dela ao lermos sua obra Por que ler os clássicos), assim como os seus próprios textos e as temáticas dos mesmos, adicionando idéias, possibilidades, engendrando novas probabilidades na grande Biblioteca. Ele mesmo questiona se já não teria contado suas histórias antes, em algum lugar qualquer:
"Conto muitas histórias ao mesmo tempo porque desejo que em torno deste relato sinta-se a presença de outras histórias, até o limite da saturação; histórias que eu poderia contar ou que talvez venha a fazê-lo, ou quem sabe já tenha contado em outras ocasiões; um espaço cheio de histórias, que talvez não seja outra coisa senão o tempo de minha vida, no qual é possível movimentar-se em todas as direções, como no espaço sideral, encontrando-se sempre novas histórias, que para narrar seria preciso antes narrar outras, de modo que partindo de qualquer momento ou lugar, encontra-se sempre a mesma densidade de matéria para relatar." (Calvino, 1999: 113)
A biblioteca do leitor
Numa das histórias de Calvino (1991), quando Fausto vende sua alma ao diabo em troca da possibilidade de transformar tudo em ouro, ele cria uma Cidade do ouro, a cidade se fecha em muros, ninguém entra, ninguém sai. Uma carregadora de água vai até a porta e é barrada, mas não tinha a mínima intenção de entrar na cidade que é toda feita de metal compacto. Ela era uma habitante do fluído: "... só visitamos os elementos que escorrem e que se mesclam" (Calvino, 1991: 31). Quando inquirida se tinha medo que o diabo retirasse as almas daqueles habitantes da Cidade do ouro, ela responde que não, que seu medo era que os habitantes não teriam almas para dar.
Penso ser, a 'biblioteca dos leitores', uma analogia a esta 'cidade de ouro', muitas vezes não diversificamos nossos olhares, não damos chance que gêneros diversos participem do nosso catálogo literário, esquecemos da fluidez e da possibilidade de mesclar e de criar intertextos. Não abrimos as portas para autores distintos, às vezes, são os clássicos que não entram, às vezes, os best-sellers. Desta forma, a nossa 'cidade do ouro', nossa biblioteca, pode ficar sem almas também, não para vender, mas para compreender. Seríamos capazes de produzir significado, mas não significância, como diria Riffaterre, ou ainda, como diz Nitrini (1997), não seríamos capazes de uma leitura ampla, apenas de uma leitura que ficaria na linearidade do texto.
Para o leitor poder perceber os hipotextos dentro de uma obra, ele, logicamente, necessita tê-los lido ou pelo menos travado algum conhecimento sobre eles. Como diria Calvino (1993), há algumas obras que ele define como clássicas que exercem influência na nossa memória e praticamente se mimetizam com o inconsciente coletivo ou individual. Podemos até não ter lido Shakespeare, mas já devemos ter ouvido falar em Hamlet, ou pelo menos saber que alguém já pronunciou a pergunta "ser ou não ser, eis a questão", de uma forma ou de outra temos esse conhecimento.
Édipo é outro exemplo. Quantas vezes ouvimos dizer que fulano está com o complexo de Édipo mal resolvido e a pessoa que falou nunca leu Freud, muito menos a tragédia de Sófocles. Claro que pode haver inserção de conhecimentos deturpados e muito superficiais, como muitas vezes acontece. Mas, de qualquer forma, cria-se algo ao redor de um problema ou de uma questão psicológica estar ligada a uma obra, neste caso, de literatura grega tida como clássica. Cabe ao leitor ou ao interlocutor ir atrás deste conhecimento. Procurar e investigar sua origem para construir um saber, construir uma Biblioteca mais sólida e confiável. E é esta investigação o que faz suscitar o próximo ponto deste ensaio: a questão do desejo do leitor, sua procura pelos intertextos e desvelamento de seus segredos.
Cerzindo bibliotecas: o fio do desejo seria forte o suficiente?
De acordo com Brandão (1996: 35), sem desejo o leitor não lê, não lê porque nem sequer abriria o livro:
"O gozo da leitura cria-se na relação material, corporal e erótica do olho a olho do leitor e seu texto. Texto necessariamente sedutor, pois se seu fascínio não fascina, o olho que lê e a mão que o abre fecham-se e fecham-no."
Podemos supor que um texto por ele mesmo não é nada, depende da vontade, da curiosidade do desejo de quem o tem em mãos. Calvino, de posse deste conhecimento sobre o desejo do leitor, propõe pelo menos nove tipos de leitores em seu romance Se um viajante numa noite de inverno (1999: 257), num primeiro:
"Se um livro me interessa de verdade, não consigo avançar além de umas poucas linhas sem que minha mente, tendo captado uma idéia que o texto propõe, um sentimento, uma dúvida, uma imagem, saia pela tangente e salte de pensamento em pensamento, de imagem em imagem, num itinerário de raciocínios e fantasias que sinto a necessidade de percorrer até o fim, afastando-me do livro até perdê-lo de vista."
Num segundo: "minha atenção ao contrário da sua não pode afastar-se das linhas escritas nem por um instante" (Calvino, 1999: 258). É um leitor temeroso de perder qualquer indício que possa haver no texto, inclusive lê e relê várias vezes o mesmo texto como forma de confirmação de uma descoberta.
Num terceiro, este também é um leitor que relê, mas buscando outra coisa, tem outro desejo no texto:
"a cada releitura me parece estar num livro novo. ... O livro é um suporte acessório ou, mesmo, um pretexto" (Calvino, 1999: 258)
O que é muito similar, ou até poderíamos dizer que é um hipertexto de Borges (hipotexto) mais uma vez, pois este autor já dizia, citando Heráclito (hipotexto de Borges) que assim como as águas de um rio nunca são as mesmas, um leitor nunca lê o mesmo livro. Num quarto, seria o leitor capaz de construir a intertextualidade e criar o seu único livro:
"cada novo livro que leio passa a fazer parte daquele livro abrangente e unitário que é a soma de minhas leituras" (Calvino, 1999: 259).
Num quinto, similar ao quarto, mas seu único livro está situado num passado distante é sempre anterior a todos os outros:
"Em minhas leituras não faço nada além de buscar esse livro lido em minha infância, mas o que me recordo é demasiado pouco para reencontrá-lo" (Calvino, 1999: 259)
Num sexto, temos o leitor onde apenas o paratexto é o suficiente. Paratexto, de acordo com Olmi (2003), pode ser definido como os arredores do texto, o título, subtítulo, prefácio, epígrafe, premissas, etc. Esse sexto leitor diz:
"o momento mais importante para mim é aquele que precede a leitura. Às vezes, é o título que basta para acender em mim o desejo de um livro que talvez não exista." (Calvino, 1999: 259)
A promessa de uma leitura é o suficiente para este tipo de leitor. Num sétimo, o que conta para este leitor é o final da história, mas não um final qualquer:
"... se meu olhar escava entre as palavras é para tentar discernir o que se esboça à distancia, nos espaços que se estendem para além da palavra 'fim.'" (Calvino, 1999: 259)
Num oitavo, temos um leitor que prefere ler livros do princípio ao fim, ler apenas o que está escrito e não gosta de misturar um livro com outro. Este leitor gosta de:
"... separar cada um por aquilo que possui de diferente e de novo; mas o que mais gosto mesmo é de ler um livro do princípio ao fim." (Calvino, 1999: 259)
Um nono tipo aparece sob a forma do personagem Irnerio, ainda dentro desta mesma obra. Quando este pega livros na casa de Ludmila, o personagem Leitor diz que pensava que Irnerio não lesse, ao que responde: "não é para ler. É para fazer. Eu faço coisas com os livros. Alguns objetos" (Calvino, 1999: 153). Inclusive não sei se posso chamar este personagem de leitor propriamente dito, pois ele não lê os livros, ele cria obras de arte com os mesmos. Mas tem uma relação de afeto com os livros, mesmo sem lê-los, tem desejos por uns e repulsa por outros:
"há livros com que simpatizo e outros que não consigo suportar, e estes sempre me caem nas mãos." (Calvino, 1999: 153)
E claro que há mais tipos de leitores descritos nas obras de Calvino, além da possibilidade de combinação entre eles e ainda de mudança de atitude de acordo com a obra em mãos. Podemos ser de um tipo num determinado momento e outro, em outro momento. As obras despertam atenções diferentes, despertam desejos diversos e assim atitudes diversas. Alguns livros que já tive em mãos me suscitaram o desejo de fazer deles uma obra de arte bem fechada, talvez até um banco, para que nunca sejam abertos, ou simplesmente uma bela fogueira. Outros sou capaz de guardá-los e verificá-los dia após dia para que nenhuma traça ou grão de poeira chegue sequer perto deles. Outros ainda, quero emprestar de qualquer forma, não para me desfazer deles, mas porque gostaria que fossem lidos, relidos e remexidos até a exaustão. Gostaria de debatê-los, saber que impressões causaram, que desejos suscitaram.
Para Brandão (1996: 33):
"É no percurso dos discursos, no fio enunciativo da trama ficcional, que o desejo aflora com a construção de seus objetos sempre se substituindo, sempre se travestindo de novas e inéditas aparências, com as palavras-vestes que os fazem cintilar."
A questão de desvendar a intertextualidade, de investigar o que o autor quer dizer ou suscitar quando fala, por exemplo, de Narciso, é uma forma de despertar o desejo do leitor, a curiosidade dele. Posso não me interessar em saber o que este nome representa, assim como posso procurar num dicionário de mitologia grega o que este personagem tem de significado. O meu desejo, a minha posição/tipo de leitor é que vai fazer com que eu penetre na grande Biblioteca ou não.
Assim como Barthes (s/d) ao lhe perguntarem se ainda há sobre o que escrever, ele responde que escreve com o seu desejo e o desejo é algo que nunca termina, nunca se deixa de desejar. Para a psicanálise, o desejo é uma idéia, e é uma idéia que busca realização, mas que sempre é adiada, nunca se dá em tempo algum. Poulichet (1996: 24), ao falar da repetição de um discurso, que pode ser dito como a repetição de um desejo, diz que:
"... a repetição sempre resulta parcialmente em falha, ela é por isso mesmo sempre nova: cada repetição acrescenta uma marca à série das precedentes. Entre as repetições falhadas subsistem uma inadequação e um resto, que permitem ao desejo relançar-se. Repete-se novamente, mas não da mesma forma."
O que corrobora a idéia supracitada de Barthes sobre a escritura, assim como o mesmo pode ser entendido sobre a leitura. Lemos o mesmo livro, mas nunca da mesma forma, com o mesmo desejo e, ainda, após uma leitura, na próxima, de um outro livro qualquer, também não iremos ler da mesma forma, pois a leitura anterior já nos transformou. Já seremos outro tipo de leitor, teremos construído outros textos, outros desejos. Para Calvino (1995: 10), é exatamente o posicionamento do leitor que é primordial:
"é a ação da leitura que se torna decisiva; é do leitor o papel de fazer com que a literatura explique a sua força crítica e isto pode vir independente da intenção do autor."
Conclusão
Podemos concluir, ou pelo menos pressupor, que cerzir as bibliotecas, desvendar os intertextos, abrir ou fechar a comunicação com a Biblioteca de Babel, ou com a Biblioteca universal faz parte da posição/tipo, das expectativas e dos desejos dos leitores.
"Espero que meus leitores leiam em meus livros algo que eu não saiba, mas só posso esperar isso daqueles que esperam ler algo que não saibam." (Calvino, 1999: 189)
O desejo é necessário para a leitura, talvez seja necessário também que esse desejo tenha componentes de abertura, de rasgadura e de cerzidura. Que desta forma proporcione e permita sermos um pouco de cada tipo de leitor, que possamos ler querendo saber o fim, que possamos ler sem levantar os olhos, levantando os olhos, lendo os livros como um todo, lendo apenas um paratexto, lendo como intertexto, como transtexto, lendo como se lê um livro antigo, lendo como se lê um livro novo, enfim, lendo.
Referências bibliográficas
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Notas
S.M. Braum
E-mail para correspondência: sabraum@hotmail.com.