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Estudos e Pesquisas em Psicologia
versão On-line ISSN 1808-4281
Estud. pesqui. psicol. v.8 n.3 Rio de Janeiro dez. 2008
ARTIGOS
Burnout em profissionais de bibliotecas
Burnout in library professional
Fabiana Neme Nogueira Ramos I, *; Carmen Maria Bueno Neme II
I Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências da UNESP - Bauru, SP, Brasil
II Docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” de Bauru e Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem - Bauru, SP, Brasil
RESUMO
O estresse excessivo relacionado ao trabalho, denominado “Burn out”, é descrito como uma síndrome ou conjunto de sintomas resultantes da exaustão e perda de interesse pelo trabalho. O bibliotecário realiza atendimento ao público e atividades técnico-administrativas que incluem tomada de decisões e resolução de conflitos. Este estudo investigou níveis de Burnout de 24 profissionais de bibliotecas de três universidades, que responderam o Inventário Maslach de Burnout (MBI). O estudo consiste também em entrevistas com 10 funcionários de uma das bibliotecas da amostra, para investigar os recursos utilizados como prevenção do estresse e avaliar os recursos e estratégias de enfrentamento, com vistas a compreender os baixos níveis de Burnout encontrados. Dentre os funcionários que responderam a entrevista, 80% relataram realizar atividades físicas e de lazer fora do ambiente de trabalho. Fatores pessoais, organizacionais e do ambiente de trabalho pareceram atuar positivamente junto à população estudada, prevenindo a instalação do estresse laboral e evitando a exaustão no trabalho.
Palavras-chave: Burnout, Estresse, Bibliotecários.
ABSTRACT
The excessive level of stress related to work, called “Burn out”, is described as a syndrome or a group of symptoms which takes to the exhaustion and loss of interest in work. The librarian works with customer service and management that includes decision maker and resolving conflicts, which are very stressful. This present study has researched 24 professionals of three universities’ library, which has answered the Maslach Burnout Inventory (MBI). The research has also interviewed 10 employees of those libraries to find out about the activities used as stress prevention and evaluate this activities and strategies to understand the low levels of burnout found. From this public, 80% said they practice physical and leisure activities out of the work environment. Personal, organizational and work environment facts seemed to act positively among the studied population, preventing work stress and avoiding the work exhaustion.
Keywords: Burn out, Stress, Librarians.
Introdução
O estresse tem sido responsabilizado pela maioria das doenças do homem moderno, dadas às complexas e profundas alterações psicofisiológicas que desencadeia. Ao definir estresse, Lipp (1996) menciona que este processo é composto por reações físicas e psicológicas desencadeadas frente a situações que, de alguma maneira, ocasione irritação; medo ou temor; confusão; excitação, muita alegria ou sentimento de felicidade. Pioneiro no estudo do estresse, Selye (1984) considerou os aspectos negativos e positivos desse processo, sendo estes representados pela disposição e/ou impulso para a ação.
O processo de estresse foi descrito por Selye (1984) de acordo com um modelo trifásico, o qual denominou de “Síndrome Geral de Adaptação”, compreendendo três sucessivas fases: (1) fase de alerta, quando o organismo é mobilizado para situações de emergência, numa reação de luta ou fuga; (2) fase de defesa ou resistência, representada pela tentativa do organismo de se adaptar e manter a homeostase interna, quando há continuidade do agente estressor, ocorrendo um grande dispêndio de energia, a qual seria necessária para outras funções vitais; (3) fase de exaustão, constituída pela conseqüência da falha dos mecanismos adaptativos a estímulos estressantes permanentes ou excessivos, tornando o organismo suscetível a doenças e disfunções ou mesmo à morte.
Uma quarta fase de estresse foi identificada e descrita por Lipp (2000) em seu trabalho de elaboração e padronização de um instrumento brasileiro de mensuração do estresse em adultos, o ISSL & Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp. A quarta fase do estresse foi definida do ponto de vista estatístico e clínico e denominado de “quase exaustão”, visto situar-se entre a fase de resistência e a de exaustão. Esta fase caracteriza-se por um enfraquecimento da pessoa, permitindo o surgimento de doenças, embora ainda com menor intensidade do que na fase seguinte, a da exaustão, e possibilitando que a pessoa leve uma vida ainda razoavelmente normal (LIPP; MALAGRIS, 1995). Os dados de Lipp (2000) revelaram que a fase de resistência descrita por Selye representava, na realidade, dois estágios distintos em função da quantidade e intensidade de sintomas.
Nem todas as pessoas são igualmente vulneráveis ao estresse, um mesmo evento de estresse pode afetar profundamente uma pessoa e não afetar outra. Existem vulnerabilidades físicas e psicológicas que irão determinar a reação de estresse de cada indivíduo diante do estímulo (LIPP, 2000), bem como diferenças intersubjetivas quanto ao modo de enfrentar o estresse, que determinarão a manutenção ou não das reações de estresse ao longo do tempo, aumentando a suscetibilidade a doenças (NEME, SOLIVA; RIBEIRO, 2003; NEME, 2005).
O estresse e suas conseqüências na saúde e qualidade de vida das pessoas tem sido estudado desde as primeiras pesquisas de Selye, em 1936 (NEME, SOLIVA; RIBEIRO, 2003), constituindo um amplo campo de estudos científicos, fundamental para a compreensão das relações entre o indivíduo, seu meio externo e interno e sua saúde ou adoecimento. Inúmeras doenças podem surgir como parte das reações a situações estressantes, especialmente as doenças cardio-vasculares (MORENO JR; MELO; ROCHA, 2003); as doenças dermatológicas (STEINER; PERFEITO, 2003); as doenças gastro-intestinais (MAGALHÃES; BRASIO, 2003); as doenças respiratórias (TEIXEIRA, 2003); as doenças e as dores músculo-esqueléticas (COHEN; ALMEIDA; PECCIN, 2003), além das doenças bucais (MORAES, 2003) e doenças relacionadas ao funcionamento do sistema imunológico (NEME, SOLIVA; RIBEIRO, 2003; PINHO JR., 2003; LIPP, 2003).
Os efeitos do estresse excessivo na produtividade foram descritos por Lipp, Romano, Covolan e Nery (1987) e Fontana (1991), indicando a ocorrência de decréscimos na concentração e atenção, na capacidade de observação; nas memórias de curto e longo prazo; na capacidade de reconhecimento de estímulos e na velocidade da resposta; na capacidade de articulação verbal e no interesse e prazer pelo trabalho. Além destas alterações neuropsicológicas, o estresse excessivo relaciona-se ao aparecimento de vários transtornos mentais, visto que gera mudanças em características de personalidade, no nível de energia e no controle emocional, associando-se a transtornos como o de ansiedade e de pânico (SAVOIA, 2003) e ao transtorno bipolar (ANDRADE; NETO, 2003) e outros.
De acordo com Savoia (2003), qualquer alteração na vida representa algum nível de estresse, podendo afetar positivamente o desempenho (eutress) ou ameaçar a capacidade do indivíduo em enfrentar as demandas do dia-a-dia, na família ou no trabalho (distress), sendo que os eventos estressores podem ocorrer em qualquer área da vida, como na família, nas relações interpessoais em geral ou no trabalho. Os estressores encontrados no trabalho, em geral estão ligados a pressões de tempo e produtividade; conflitos com colegas ou chefias ou a aspectos físicos negativos do próprio local de trabalho.
Pesquisas realizadas por Neme, Soliva e Ribeiro (2003) e Neme (2005) na área da Psico-oncologia indicaram que a área das relações familiares é significativamente mais apontada como geradora de estresse, sendo seguida pela área do trabalho, tanto em pacientes oncológicos como nos participantes sem câncer ou registro de outras patologias graves.
Burnout
O estresse excessivo relacionado ao trabalho foi denominado “Burn out”, por Freudenberger (1974), descrito como uma síndrome ou conjunto de sintomas resultantes da exaustão, esgotamento psíquico e perda de interesse pelo trabalho.
A chamada Síndrome de Burnout é uma condição na qual fatores relacionados ao trabalho interferem no profissional, alterando aspectos fisiológicos e/ou psicológicos, levando a perturbações e desorganizações quanto à produtividade, relações interpessoais e qualidade de vida, representando um desvio de seu funcionamento normal. As situações de rotina não podem mais ser enfrentadas pelo indivíduo da maneira costumeira, ocorrendo dificuldades ou mesmo incapacidade de resolução de problemas. São descritas alterações de comportamento, gerando reações de agressividade; cinismo na relação com colegas; radicalidade nas decisões; desinteresse crescente pelo trabalho ou extrema superficialidade na condução das questões profissionais (MASLACH; JACKSON, 1981).
De acordo com Benevides-Pereira (2002), o termo Burnout foi utilizado pela primeira vez por Freudenberger em 1974, embora alguns autores relatem que o vocábulo já havia sido utilizado por Brandley em 1969 para designar um fenômeno psicológico que ocorria com trabalhadores assistenciais. Embora hoje se considere que a síndrome de Burnout ou estresse laboral possa acometer todos os tipos de trabalhadores, há ocupações cotadas como potencialmente mais estressoras tais como as dos médicos, enfermeiros, psicólogos, professores, agentes penitenciários, policiais, bombeiros, executivos, controladores de tráfego aéreo e outros profissionais cuja sobrecarga de responsabilidade, competitividade e de exigências seja muito grande (BENEVIDES-PEREIRA, 2002; ARONQUE, 2003; GURGEL, 2003). No Japão, verifica-se o preocupante fenômeno da morte súbita, conhecida como Karoshi, decorrente de comprometimentos cérebro-vasculares provocados pelo excesso de trabalho (BENEVIDES-PEREIRA, 2002).
Ainda não existem estudos conclusivos sobre o estresse em diferentes profissões ou mais específicos sobre diferentes categorias profissionais. Os trabalhos pioneiros de Lipp (1996), além dos realizados por Vasconcellos e cols. (1998); Reis (1998); Nogueira-Martins (2001) representam importantes contribuições de estudos sobre o estresse no Brasil e sobre o estresse entre algumas categorias profissionais, trazendo muitas contribuições à identificação, à prevenção e ao tratamento do estresse.
Para Freudenberger (1974), o Burnout é resultante do esgotamento, decepção e perda de interesse pela atividade de trabalho, ocorrendo especialmente nas profissões estressantes, que exigem diariamente interações difíceis entre as pessoas, além da influência de outros aspectos relacionados às tensões e ao ambiente físico e social do trabalho. Estas condições levam a uma forma de adaptação patológica que afeta profundamente a vida e a saúde do trabalhador, bem como a qualidade do trabalho e dos serviços oferecidos pela organização.
De acordo com Maslach e Jackson (1981), oBurnout é uma resposta de natureza principalmente emocional, tendo como condicionantes antecedentes os fatores de trabalho e os institucionais. O fenômeno doBurnout pode ser caracterizado como uma síndrome de má adaptação psicológica, psicofisiológica e comportamental a uma forma específica de stress ocupacional. Maslach e Jackson (1981) referem-se ao Burnout como uma síndrome tridimensional, decorrente da reação inadequada do indivíduo a um estresse emocional crônico associado ao ambiente de trabalho, que apresenta as seguintes dimensões: desgaste emocional, considerada a dimensão fundamental da síndrome, caracterizada pelo sentimento de desgaste, perda de energia, esgotamento e fadiga física ou psíquica; despersonalização, caracterizada por atitudes negativas nas relações com outras pessoas, acompanhadas de irritabilidade, perda da motivação, ansiedade, redução de metas no trabalho e do idealismo, alienação e condutas egoístas no trabalho (BENEVIDES-PEREIRA, 2002). O indivíduo isola-se, distancia-se dos outros, torna-se frio e diminui a intensidade das relações com as pessoas do ambiente de trabalho, principalmente como forma de proteger-se dos sentimentos negativos e das tensões. Esta é considerada uma dimensão-chave da síndrome de Burnout,já que o desgaste emocional e o sentimento de incompetência ou de falta de realização podem ocorrer em outras síndromes ou manifestações, enquanto que o fenômeno da despersonalização é específico desta síndrome; sentimento de incompetência ou de falta de realização, caracterizado por uma série de atitudes negativas para consigo próprio e para com o trabalho, acompanhadas de forte sentimento de inadequação; depressão; moral baixa; baixa produtividade; baixa auto-estima e incapacidade de suportar pressões.
Dependendo das variáveis pessoais, da instituição e do ambiente, o trabalho pode gerar sofrimentos, doenças e conseqüentemente piora na qualidade de vida do profissional. O desenvolvimento da Síndrome de Burnout provoca mudanças significativas nas atitudes e comportamentos do profissional, gerando faltas ao trabalho, licenças de saúde e graves prejuízos ao indivíduo e à organização.
De acordo com Pucci (1999), além das variáveis institucionais e da organização do trabalho, variáveis pessoais podem participar da gênese doBurnout, tais como a história de vida, de aprendizagens e de relacionamentos; habilidades de enfrentamento; tolerância à frustração; persistência diante de obstáculos e fracassos; possibilidades de dar novas respostas a novas demandas; impulsividade e condições gerais de vida. A pressão externa representada pelo trabalho altera em vários níveis o funcionamento psíquico, corporal e energético, podendo se estender à área social, influenciando as relações interpessoais cotidianas e, portanto, afetando a qualidade de vida (BEDANI, 2004).
Dentre os fatores intrínsecos ao trabalho que contribuem para o aparecimento do Burnout, o conflito de papéis ou de funções nos quais há contradições entre as concepções do trabalhador e da organização sobre a tarefa, além do conflito entre os interesses do cliente e os da organização são os mais destacados (CHERNISS, 1983). Para Passos (2002), quando o trabalho se torna fonte de distress, mais do que desafio positivo, torna-se uma situação geradora de grandes riscos à vida pessoal e profissional, principalmente quando os limites entre a vida pessoal e a vida profissional são muito frágeis.
Considerando as relações entre estresse e Burnout, deve-se salientar que, embora estes processos se relacionem, não devem ser confundidos. Indivíduos estressados sentem-se cansados, mas na síndrome de Burnout, a pessoa encontra-se com fadiga crônica, sente que perdeu o controle sobre sua vida e seu trabalho e tem um profundo sentimento de desamparo e descrença quanto a possibilidades de mudanças positivas. Este complexo conjunto de reações leva ao sentimento de desespero; descontrole emocional; dores e tensões musculares; isolamento e depressão, além da possibilidade de consumo de álcool, drogas e risco de suicídio (BENEVIDES-PEREIRA, 2002).
Embora o estresse contribua para oBurnout, não significa que um indivíduo estressado chegue ao desenvolvimento da síndrome de Burnout, já que existem pessoas que conseguem trabalhar bem em situações de pressão e de estresse. Fatores genéticos, ambientais, da história de vida e os relacionados ao tipo de trabalho, relações interpessoais na organização e estilo de vida do trabalhador relacionam-se ao desenvolvimento doBurnout, além das situações de estresse (BENEVIDES-PEREIRA, 2002).
Ao descrever as principais diferenças entre o processo de estresse e a síndrome de Burnout, Benevides-Pereira (2002, p. 45-46) afirma que o estresse pode relacionar-se a situações positivas ou negativas, enquanto que o Burnout caracteriza-se por um aspecto sempre negativo relacionado ao trabalho, incluindo dimensões sócio-interrelacionais e mudanças no modo de ser (despersonalização). A autora também cita a existência de estudos recentes demonstrando reações psicofisiológicas diferentes entre pessoas com estresse e com Burnout, além de sintomas físicos e emocionais específicos. No Burnout há perda de interesse pelo trabalho e lazer, acompanhados de isolamento, sentimentos de impotência e atitudes de ironia e cinismo que gradativamente comprometem as relações e a produtividade. As mudanças emocionais e de atitude que vão se instalando na Síndrome de Burnout produzem a desmoralização do trabalhador, além da perda de ideais e de esperança; gera mágoas, depressão, sensação de desamparo e descrença, pensamentos persecutórios, despersonalização e desligamento; pode não levar à morte, mas diminui ou elimina o prazer de viver.
Considerando a importância do trabalho na vida de homens e mulheres na atualidade, o tempo que a maioria das pessoas dedica ao trabalho, o significado que o trabalho tem para as pessoas, conferindo-lhes sua identidade social e os meios de sobrevivência, torna-se relevante identificar os riscos potenciais que diferentes profissões ou tipos de atividade profissional impõem aos trabalhadores. Além desta identificação, é necessário que os trabalhadores sejam informados sobre os riscos da exaustão profissional, bem como que a possibilidade da instalação da síndrome de Burnout seja objeto de avaliação e atenção nas empresas e diferentes organizações entre seus funcionários e trabalhadores.
De acordo com a literatura pesquisada, diferentes fatores pessoais e organizacionais participam da instalação da síndrome de Burnout, encontrando-se atividades profissionais e ambientes de trabalho mais ou menos potencialmente perigosos para a emergência doBurnout.
Biblioteca
O bibliotecário, pela natureza de sua profissão, lida com situações estressantes de atendimento ao público, fazendo com que muitas vezes tenha que resolver situações de conflitos, além do enfrentamento de outras situações de stress existentes em diferentes contextos de trabalho. De acordo com Souza (1997), as situações de estresse enfrentadas pelos bibliotecários facilitam o aparecimento de problemas emocionais que interferem em seu desempenho e satisfação com o trabalho.
Os bibliotecários há séculos vêm trabalhando com a organização e a disponibilização do conhecimento, independente da forma pela qual ele se apresente, devendo responsabilizar-se pelo acervo e responder adequadamente aos usuários das bibliotecas. Embora não tenham sido encontradas pesquisas sobre bibliotecários de universidades, trabalho realizado por Carlotto (2002) com docentes universitários indica que os trabalhadores de universidades públicas encontram-se permanentemente sob crivo crítico e exigentes desafios profissionais, elaborando e apresentando projetos e relatórios por meio dos quais são avaliados.
De acordo com Souza (1997), a biblioteca é um centro de operações complexo com linhas de operação e processos técnicos que funciona em tempo integral e mantém atividades de relações públicas e retaguarda à pesquisa. Independentemente das características físicas e do acervo do qual dispõe, a maioria das bibliotecas funcionam como unidades de informação relacionados às áreas de administração; formação e manutenção do acervo; preparo técnico do acervo e atendimento ao usuário.
Descrevendo as áreas de atuação dos bibliotecários, Souza (1997) menciona as atividades de planejamento, organização e administração de serviços necessários ao funcionamento da biblioteca: aquisição, doação e permuta de material bibliográfico e multimeios, formando e mantendo o acervo; processamento e representação descritiva e temática de documentos, disponibilizando-os para consultas; assistência pessoal, instrução formal e/ou informal aos usuários, facilitando seu acesso à informação e uso adequado da biblioteca; cooperação entre instituições; comunicação visual, divulgação e marketing da biblioteca. Este rol de atividades e responsabilidades pode representar fontes de estresse laboral, dependendo de vários aspectos relacionados à instituição; à organização e recursos da biblioteca; às relações interpessoais entre os profissionais que atuam na biblioteca e a fatores pessoais do bibliotecário.
De acordo com Alvarez (2002) e Passos (2002), o estresse ocupacional pode ser prevenido quando há preservação da satisfação e da qualidade de vida no trabalho e em outras áreas. A qualidade de vida depende de um relativo equilíbrio entre o indivíduo e os ambientes externo e interno, além das condições para se obter satisfações, descanso, oportunidades e auto-crescimento.
Para Oliveira (2002), a ausência de equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional e/ou o excesso de energia dedicada apenas à vida profissional, pode acarretar sérios danos à saúde e à qualidade de vida. O trabalho deve trazer satisfação pessoal e profissional; realização de metas e anseios, sonhos e desejos; sentimentos de alegria e de utilidade, sem levar à escravização e ao adoecimento (PASSOS, 2002).
Apenas na última década difundiu-se o conceito de qualidade de vida no trabalho, surgindo novos paradigmas para as questões de qualidade de vida, a partir de discussões sobre temas de responsabilidade social, desenvolvimento sustentável, envelhecimento populacional e estudos sobre ergonomia e redução da fadiga física, além de pesquisas econômicas e sociais (FRANÇA, 2005).
O levantamento de dificuldades relacionadas ao trabalho, ao estresse e aos riscos à instalação da síndrome de Burnoutentre profissionais de bibliotecas pode contribuir para a elaboração de programas preventivos adequados em relação aos problemas detectados, preservando a saúde e qualidade de vida destes profissionais.
O conhecimento de estresse, mais especificamente da síndrome de Burnout em profissionais atuantes em diferentes segmentos e áreas do trabalho, constitui-se tema significativo, sobretudo em campos profissionais pouco investigados como o de bibliotecários. Investigar tais problemas de saúde nestes trabalhadores será favorável para o conhecimento científico, trará contribuições para esta população e permitirá às instituições envolvidas estabelecer programas de promoção de saúde, manejo e controle do transtorno, bem como rotinas mais adequadas de serviço.
Os objetivos deste trabalho foram identificar e avaliar os níveis de estresse em profissionais de biblioteca e levantar dificuldades dos profissionais, relacionadas ao trabalho.
Método
Participaram deste estudo 24 funcionários de três bibliotecas de universidades da cidade de Bauru, Estado de São Paulo, sendo duas universidades públicas (Universidade Estadual Paulista-UNESP e Universidade de São Paulo- Faculdade de Odontologia-USP) e uma universidade privada (Universidade Paulista - UNIP).
Os participantes foram convidados a participar do estudo após realização de uma palestra sobre estresse e Burnout, quando foram instruídos a responderem o Inventário Maslach de Burnout (MBI) e uma ficha com dados demográficos, além da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, remetendo o formulário respondido posteriormente à pesquisadora.
As fichas de dados demográficos continham informações sobre idade, sexo, estado civil, número de filhos, profissão, tempo de exercício na profissão, tempo de exercício na instituição atual, local de trabalho e carga horária de trabalho semanal.
O Inventário Maslach de Burnout (MBI) é um instrumento validado e publicado na literatura internacional (MASLACH; JACKSON; LEITER, 1996). Tem sido um dos mais utilizados para mensurar as três dimensões da síndrome de Burnout: exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal. Cada dimensão é mensurada por uma sub-escala separada.
A sub-escala de Exaustão Emocional avalia sentimentos de estar exausto emocionalmente em função do trabalho. A sub-escala de Despersonalização avalia respostas de insensibilidade e impessoalidade frente aos usuários/clientes. A sub-escala de Realização Pessoal avalia sentimentos de competência e de realização no trabalho. A exaustão emocional e a despersonalização representam resultados negativos e a realização pessoal representa resultado positivo quanto às experiências no trabalho. O instrumento apresenta, em cada sub-escala, as seguintes variações: 0 = nunca; 1 = algumas vezes por ano; 3 = algumas vezes por mês; 5 = algumas vezes por semana e 6 = diariamente.
As questões 1, 2, 3, 6, 8, 13, 14, 16 e 20 compõem a sub-escala de Exaustão Emocional. As questões 5, 10, 11, 15 e 22 constituem a sub-escala de Despersonalização e as questões 4, 7, 9, 12, 17, 18, 19 e 21 compõem a sub-escala de Realização Pessoal. O Burnout é uma variável contínua, oscilando entre os níveis baixo, moderado e alto.
Todos os profissionais convidados participaram do estudo e os resultados foram analisados quantitativamente, apresentando-se os mesmos às chefias das três bibliotecas participantes, para divulgação entre os participantes.
Após a análise dos resultados obtidos com a Escala de Burnout, constatando-se os baixos níveis de estresse laboral entre os participantes, os pesquisadores optaram por buscar investigar os recursos e estratégias de enfrentamento que os bibliotecários utilizavam para lidar com o estresse no trabalho, minimizando seus efeitos. Foi, então, elaborado um roteiro de entrevista semi-estruturada a ser realizada com os profissionais das bibliotecas participantes, visando complementar a compreensão dos resultados encontrados. As questões elaboradas foram: 1- Fatores que colaboram para diminuir o estresse relacionado ao trabalho (A- Relacionados ao ambiente de trabalho; B- interrelação com os colegas de trabalho; C- relacionados à própria atividade que desenvolve; D- relacionados aos usuários ou publico que freqüenta a biblioteca; E- relacionados aos aspectos ou recursos pessoais que utiliza); 2- O que mais o aborrece ou representa estresse no desempenho de seu trabalho (A- Relacionados ao ambiente de trabalho; B- interrelação com os colegas de trabalho; C- relacionados à própria atividade que desenvolve; D- relacionados aos usuários ou publico que freqüenta a biblioteca; E- relacionados aos aspectos ou recursos pessoais que utiliza); 3- Você faz alguma coisa no trabalho ou fora dele para minimizar o estresse do dia-a-dia? Se sim, o que?
As chefias das três bibliotecas participantes foram novamente contactadas por telefone, tendo-se solicitado a concordância para a realização dessa entrevista, visando clarificar os resultados obtidos com o Inventário de Burnout, porém apenas obteve-se a participação de dez bibliotecários de uma das instituições universitárias.
Resultados e discussão
A amostra desse estudo (N=24), em quase sua totalidade, foi composta pelo sexo feminino, com idade variando entre 24 e 52 anos, sendo 7 profissionais de biblioteca da UNESP; 7 profissionais da UNIP e 10 profissionais da USP. Metade da amostra respondeu ser casada e a maioria referiu ter de um a três filhos (70%). Quanto à profissão e à função atual, o tempo médio de exercício profissional entre os participantes é de 12 anos, variando de 1 ano a 26 anos, indicando estabilidade no emprego atual. A maioria (79,1%) exerce algum cargo de chefia, não exerce atividades profissionais em outro local (95,9 %) e trabalha de 40 a 44 horas por semana (95,8%). Um dos participantes referiu trabalhar 60 horas semanais, visto trabalhar também em outro local.
Dentre os participantes, 4 (16,7%) tinham o Cargo de Auxiliar de Documentação e Informática; 9 (37,5%) tinham o cargo de Bibliotecário; 2 (8,3%) tinham o cargo de Secretário e 9, de Auxiliar de Biblioteca (37,5%).
No que se refere às respostas do Inventário Maslach de Burnout, de acordo com os escores obtidos, a maioria dos profissionais apresentou baixo nível de Exaustão Emocional (N=21) e de Despersonalização (N=19), além de alto nível de Realização Pessoal (N=23), representando, respectivamente, 87,5%; 79,2% e 95,8% dos participantes.
O Quadro 1 apresenta os resultados referentes à exaustão emocional; despersonalização e realização profissional nos três índices (baixo, médio e alto) em cada subescala, entre os profissionais de bibliotecas das três universidades participantes.
Quadro 1- Níveis de Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Pessoal
Não foram encontradas diferenças significativas entre os resultados obtidos pela comparação dos funcionários de bibliotecas das três universidades participantes, sendo duas públicas e uma particular.
Verificou-se que o único entrevistado com médio nível de realização pessoal foi o participante que referiu trabalhar 60 horas semanais por realizar serviços técnicos de informática no período noturno, sugerindo que o cansaço pode interferir nos indicadores de satisfação com o trabalho.
As três pessoas que obtiveram níveis médios de exaustão exercem um cargo de chefia na instituição; as cinco pessoas que obtiveram níveis médios no critério da despersonalização são as pessoas que exercem um cargo de chefia e que trabalham mais de 40 horas semanais. Dentre as pessoas que tiveram níveis médios de despersonalização, duas trabalham há mais de 20 anos na instituição. O que se sugere é que os cargos de chefia são potencialmente mais estressantes e geradores de maiores níveis de exaustão.
Os resultados obtidos indicaram que, embora as atividades de profissionais de biblioteca exijam que lidem com o público e realizem várias outras tarefas administrativas, técnicas e organizacionais, na amostra estudada, foram encontrados baixos índices de Burnoutrelativos à exaustão e à despersonalização, acompanhados de alto nível de satisfação com o trabalho. Fatores pessoais, organizacionais e do ambiente de trabalho podem atuar positivamente, auxiliando na redução do potencial estressogênico de outras variáveis presentes no trabalho, prevenindo altos níveis de estresse e do Burnout. Os resultados indicaram a necessidade de clarificar esses achados, buscando identificar, entre os bibliotecários, possíveis aspectos que poderiam estar atuando positivamente de modo mais significativo, favorecendo os altos níveis de satisfação com o trabalho e os baixos níveis de Burnout encontrados.
Neste sentido, solicitou-se a realização de uma entrevista com os bibliotecários por intermédio de suas chefias, para clarificar os resultados obtidos com o inventário de Burnout, investigando fatores possivelmente apontados pelos profissionais, como recursos e/ou estratégias de enfrentamento do estresse no trabalho. Apenas se obteve resposta de uma das bibliotecas participantes no prazo determinado pelos pesquisadores para a coleta desses dados, tendo-se realizado entrevistas com dez funcionários dessa biblioteca (sendo sete que já haviam realizado o inventário de Burnout e três novos funcionários que quiseram participar). Não se obteve retorno, no prazo estipulado, das outras duas bibliotecas.
Quadro 2 - Dados demográficos dos participantes da entrevista
As respostas obtidas e registradas por escrito nas entrevistas com os dez funcionários da biblioteca participante foram categorizadas, de acordo com a similaridade de aspectos apontados nas questões temáticas, considerando os fatores de diminuição e aumento do estresse no trabalho. O Quadro 3 apresenta as respostas categorizadas, de acordo com o roteiro de entrevista e o número de identificação dos participantes inseridos em cada categoria de resposta.
Quadro 3 & Fatores de diminuição e de aumento do estresse apontados na entrevista com os participantes
O fator mais estressante apresentado pelos bibliotecários relacionou-se a inadequações no ambiente de trabalho, tendo sido citados os seguintes aspectos: calor em excesso, ambiente pequeno, materiais de má qualidade, computadores velhos, falta de espaço para se organizar melhor, acomodações desconfortáveis (mesas e cadeiras), além de muito trabalho para poucos funcionários. Sete entrevistados apontaram este fator na questão referente ao ambiente de trabalho e seis participantes deram a mesma resposta na questão referente aos recursos que utilizam para lidar com o estresse, acentuando que o que mais dificulta para que se organizem satisfatoriamente no trabalho e os impede de se sentirem melhor relaciona-se à estrutura física do ambiente, ou seja, condições ergonômicas: cadeiras ruins, mesas inadequadas, espaço restrito para disposição de seus materiais de trabalho, dentre outros aspectos similares. Três desses participantes já haviam apontado esses mesmos fatores estressantes na questão referente ao ambiente de trabalho, computando-se, portanto, que todos os participantes apontaram algum fator estressante ligado ao ambiente ou estrutura física do trabalho.
Os aspectos “falta de respeito e/ou de colaboração de colegas” e “burocracia/ falta de materiais/ materiais inadequados de trabalho” foram apontados como mais estressantes por nove participantes, nas questões referentes à inter-relação com os colegas de trabalho e às atividades que desenvolve, respectivamente.
Com referência às atividades que desenvolvem, seis participantes consideraram a dedicação, o respeito e o amor para com o trabalho como fatores de diminuição do estresse. Para dois participantes, o que auxilia é o respaldo da chefia e, para dois entrevistados, a melhor estratégia para diminuição do estresse no trabalho é dar uma volta e/ou tomar um café para relaxar. Para seis funcionários os alunos usuários da biblioteca são geralmente educados e não faltam com respeito para com os funcionários, mas cinco participantes citaram o desrespeito ou impaciência dos usuários como fator estressante. Um dos bibliotecários relatou que, no inicio do ano letivo, é ministrada uma aula para os estudantes calouros sobre o funcionamento da biblioteca, mas que muitos alunos não assistem à aula e posteriormente sobrecarregam os funcionários com perguntas e dúvidas que já deveriam ter sido solucionadas.
Os recursos pessoais citados para auxiliar na diminuição do estresse foram: profissionalismo e gostar da profissão (para seis entrevistados); fazer atividades prazerosas (dois participantes) e estar bem consigo mesmo (duas entrevistadas). O que mais aborrece os entrevistados no que diz respeito aos recursos pessoais utilizados refere-se a dificuldades quanto à estrutura física e materiais (seis participantes), sendo que quatro entrevistados nada apontaram neste item.
Quanto ás atividades extralaborais, possivelmente utilizadas para diminuir o estresse, oito participantes relataram realizar atividades de lazer e exercícios físicos fora do ambiente laboral, relaxando e diminuindo o estresse do dia de trabalho; e dois entrevistados revelaram não realizar atividades desse tipo por falta de tempo ou de hábito.
Considerações Finais
Os dados obtidos nesta pesquisa indicam que, embora as atividades do bibliotecário envolvam o trato com o público, atividades que exigem atenção e concentração, além de integração e trabalho de equipe, na população estudada, não foram encontrados altos níveis de Burnout. Ao contrário, foram encontrados baixos níveis de despersonalização e de exaustão, mensurados por duas sub-escalas do inventário utilizado, bem como altos níveis de satisfação com o trabalho. A investigação complementar, destinada a verificar os fatores que poderiam ser responsabilizados pela redução do estresse em dez bibliotecários, indicou que inadequações no ambiente físico e nos materiais de uso no trabalho são os principais fatores geradores de estresse e contrariedade, bem como que a adequação desses aspectos físicos são fatores considerados importantes para a redução do estresse laboral. O gosto ou amor pelo trabalho e a dedicação e profissionalismo foram fatores apontados como importantes para a redução do estresse, bem como os relacionamentos interpessoais positivos com os colegas e chefias e com os usuários da biblioteca. Oito dos dez entrevistados relataram praticar exercícios físicos e manter atividades de lazer para reduzir o cansaço e superar os aborrecimentos e problemas enfrentados no cotidiano do trabalho, combatendo, assim o estresse laboral.
Os resultados encontrados sugerem a relevância do planejamento adequado do ambiente de trabalho e da disponibilização correta de recursos materiais, bem como do cuidado com as relações interpessoais no trabalho para a redução do estresse e a prevenção da síndrome de Burnout. Da mesma forma, o incentivo à criação e manutenção de hábitos extra-laborais como atividades físicas e de lazer são iniciativas importantes para a prevenção de doenças ligadas ao trabalho e manutenção de condições adequadas de saúde do trabalhador. Os recursos e estratégias pessoais para enfrentar o estresse e reduzi-lo mostraram-se relacionados à obtenção de prazer com o trabalho e ao gosto e dedicação ao mesmo, sugerindo que as possibilidades de auto-realização com o trabalho também são fatores relevantes para a prevenção do Burnout.
Indica-se a necessidade de pesquisas com maior número de participantes, que melhor esclareçam as relações entre as características do ambiente de trabalho, os aspectos pessoais e as estratégias de enfrentamento do estresse laboral utilizadas por profissionais de outros tipos de bibliotecas, além da identificação de outras variáveis relevantes para a prevenção da síndrome de Burnout na população estudada e em outras categorias profissionais na realidade brasileira.
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Endereço para correspondência
Fabiana Neme Nogueira Ramos
E-mail: fabineme@yahoo.com.br
Carmen Maria Bueno Neme
E-mail: cmneme@terra.com.br
Recebido em: 19/06/2007
Aceito para publicação em: 28/02/2008
Acompanhamento do processo editorial: Anna Paula Uziel
Notas
*Psicóloga formada no ano de 2006 pela UNESP-Bauru.